14.04.2013 Views

Contos do Norte, de João Marques de Carvalho

Contos do Norte, de João Marques de Carvalho

Contos do Norte, de João Marques de Carvalho

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Eil-os agora que nadam jubilosa, difficultosamente para a costa. É ainda maior, se<br />

possivel, a alegria <strong>do</strong>s caboclos. Vingaram-se <strong>do</strong> inimigo, furtan<strong>do</strong>-lhe uma prêza... Que<br />

ventura!<br />

Não é tar<strong>de</strong>, entretanto, para o hymno <strong>de</strong>finitivo <strong>do</strong> triumpho: o mar sabe disputar-lhes a<br />

victoria, porque, emquanto a tormenta, no seu auge agora, <strong>de</strong>sencan<strong>de</strong>ia pelo espaço<br />

uma estrepitosa arrogancia, o oceano saco<strong>de</strong> o negro <strong>do</strong>rso, incha alterosas serranias e<br />

atira-os á direita e á esquerda, como tabocas pôdres.{26}<br />

Antonio é valente, Antonio conhece o valor <strong>do</strong> adversario, porém não o teme: bem<br />

maior é a gloria, n'essas condições <strong>de</strong> <strong>de</strong>segualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> forças. Está fatigadissimo, que<br />

não é pequena façanha affrontar a furia das ondas, em occasião <strong>de</strong> temporal, trazen<strong>do</strong><br />

nos braços um corpo humano. Mas a memoria da sau<strong>do</strong>sa companheira perdida em<br />

i<strong>de</strong>ntica situação é um consolo e uma animação. Essa bemdita memoria faz o milagre <strong>de</strong><br />

o alentar mais efficazmente <strong>do</strong> que um bom trago <strong>de</strong> canna. E o forte caboclo, sem saber<br />

ao certo a que distancia da praia se encontra, sente-se <strong>de</strong> repente atira<strong>do</strong> sobre a areia,<br />

abraça<strong>do</strong> ao seu protegi<strong>do</strong>.<br />

Já está <strong>de</strong> pé, illeso. Fulge-lhe no peito illimita<strong>do</strong> contentamento. Sem olhar para traz,<br />

abaixa-se, toma nos braços a prêza roubada ao mar e parte a correr para a cabana,<br />

murmuran<strong>do</strong> na ancia <strong>de</strong> precipita<strong>do</strong>s offegos:<br />

—Ven... ci, ca... na... lha!{27}<br />

Porém a lucta foi renhida e longa; mal atirou á sua propria rê<strong>de</strong> o corpo <strong>de</strong>smaia<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

naufrago, caiu por terra, sem senti<strong>do</strong>s.<br />

*<br />

* *<br />

Voltan<strong>do</strong> a si, ao amanhecer, Antonio levantou-se estremunha<strong>do</strong>. Após um esforço<br />

mental,—no primeiro instante <strong>de</strong> nada se recordara,—lembrou-se da lucta com o oceano<br />

e da sua victoriosa consequencia, a salvação <strong>de</strong> um homem. Este ahi estava, extendi<strong>do</strong><br />

na rê<strong>de</strong>, <strong>do</strong>rmin<strong>do</strong>. Ouvia-o resonar compassadamente. Seu filho teria vela<strong>do</strong> por<br />

ambos...<br />

O caboclo percorreu com a vista o pequeno aposento, mais illumina<strong>do</strong> pelo in<strong>de</strong>ciso<br />

alvor <strong>do</strong> que pela tenue luz da can<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> andiroba, bruxoleante. On<strong>de</strong> estaria o<br />

pequeno? foi a interrogação que fez a si proprio. Havia <strong>de</strong> ter sai<strong>do</strong>... Prestou attento<br />

ouvi<strong>do</strong> aos murmurios{28} <strong>do</strong> exterior. Uma gran<strong>de</strong> calma <strong>de</strong>vera ter substitui<strong>do</strong> o<br />

impeto <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>na<strong>do</strong> da tormenta, porque o mar tinha agora ondulações regularissimas,<br />

<strong>de</strong>nunciadas pelo prolonga<strong>do</strong> arrastar das vagasinhas preguiçosas. A floresta jazia<br />

entorpecida, sem um silvo <strong>de</strong> passaro, como reconcentrada na volupia <strong>do</strong> gran<strong>de</strong> banho<br />

da noite.<br />

Demora<strong>do</strong>s minutos que<strong>do</strong>u-se assim aquelle homem, immovel no solo, junto á rê<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>. Sua attenção, affeita á vida na costa, seguia, pelos arrui<strong>do</strong>s que<br />

atravessavam as pare<strong>de</strong>s da cabana, o vae-vem da onda socegada. Ao cabo <strong>de</strong> longo<br />

tempo <strong>de</strong> applicação, tornou a lembrar-se <strong>do</strong> filho, que não voltara. Teria i<strong>do</strong> arriscar<br />

um tiro por perto, no matto?...

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!