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Contos do Norte, de João Marques de Carvalho

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A seducção começou n'aquella mesma noite, no baile da Rapioca. Ao magote <strong>de</strong><br />

mancebos que affluira á porta da sala, a solicitar valsas e polkas, respon<strong>de</strong>u ella,{66}<br />

sorrin<strong>do</strong>, estar já compromettida «para todas as danças». E logo, com uma leve<br />

ancieda<strong>de</strong>, os negros olhos tenta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> Paquinha perscrutaram o aposento, procuran<strong>do</strong><br />

Julio.<br />

Lá não estava o rapaz. Se tinha vin<strong>do</strong>? perguntou a um janota. Ante a resposta negativa,<br />

pulou-lhe um sobresalto no coração, como se algo lhe faltasse <strong>de</strong> subito na integrida<strong>de</strong><br />

da existencia moral.<br />

Tornou-se notada a preocupação da rapariga, <strong>do</strong>idivanas proclamada em to<strong>do</strong>s os<br />

festivaes <strong>de</strong> Cythera. Não houve galanterio <strong>de</strong> admira<strong>do</strong>res que a distrahisse da tristeza<br />

em que mergulhara. Nem os mais requebra<strong>do</strong>s maxixes conseguiram chamal-a ao salão<br />

<strong>de</strong> baile. Pedi<strong>do</strong>s, supplicas, ar<strong>de</strong>ntes appellos ao seu primitivo enthusiasmo<br />

choreographico, tu<strong>do</strong> foi impotente.<br />

—Que terá hoje a Paquinha? perguntavam uns aos outros os moços, intriga<strong>do</strong>s.{67}<br />

—Partes! diziam as <strong>de</strong>mais mulheres, com sarcasmo.<br />

Breve, porém, houve a explicação <strong>do</strong> caso. Julio acabava <strong>de</strong> chegar; a um chama<strong>do</strong> da<br />

tenta<strong>do</strong>ra tapuia, enlaçou-a n'um orgulho, e o bello par fez irrupção na sala, ro<strong>do</strong>pian<strong>do</strong><br />

ao som <strong>de</strong> um boston.<br />

—Ah! disse em côro quasi toda a assistencia, comprehen<strong>de</strong>n<strong>do</strong>.<br />

—Temos novida<strong>de</strong>! exclamou um velhote careca, <strong>de</strong> barba ponteaguda e olhinhos<br />

amen<strong>do</strong>a<strong>do</strong>s.<br />

—Paixão, disque! motejou uma valsista esgrouviada.<br />

Emtanto, Julio e Paquinha <strong>de</strong>slizavam com subida elegancia, ao rythmo da musica,<br />

falan<strong>do</strong> baixo, no aconchego <strong>de</strong> intensa ventura.<br />

Terminada a valsa, a rapariga conduziu o cavalheiro para uma janella da ante-sala. Na<br />

altura <strong>do</strong> sobra<strong>do</strong>, que sobrepujava os predios adjacentes, brisas suavissimas corriam<br />

sob a luz serena <strong>do</strong> luar. Uma ternura sem limites dilatou-lhe a alma enamorada. E<br />

ali,{68} no afastamento, ao som d'um preludio <strong>de</strong> quadrilha, Paquinha tomou uma das<br />

mãos <strong>de</strong> Julio e segre<strong>do</strong>u, com a emoção a sacudir-lhe a voz:<br />

—Se eu te amasse?...<br />

Estava o moço muito longe <strong>de</strong> prever similhante pergunta. De surpresa foi a primeira<br />

impressão. Logo, porém, sorriu—jubilo ou ironia?—e exclamou:<br />

—Serias a mais justa e misericordiosa creatura da terra, meu amor!

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