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Contos do Norte, de João Marques de Carvalho

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Foi com taes sentimentos que regressou ao lar da sau<strong>do</strong>sa avó, na insipi<strong>de</strong>z lacustre <strong>do</strong><br />

logarejo paraense, a neta da cabocla <strong>de</strong> Ourém.{80}<br />

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O BANHO DA TAPUIA<br />

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{83}<br />

O BANHO DA TAPUIA<br />

Clareara ha pouco a manhã e o dia annunciava-se formoso, na serena pompa das galas<br />

equatoriaes. To<strong>do</strong> o céu escancarava a limpi<strong>de</strong>z da abobada <strong>de</strong> turqueza, á espera <strong>do</strong> sol.<br />

Tenue viração suspirava nas ramarias <strong>do</strong> matto, d'on<strong>de</strong> vinham o papaguear <strong>do</strong>s<br />

periquitos, arrulhos <strong>de</strong> rôlas, trina<strong>do</strong>s <strong>de</strong> aves invisiveis. Pela praia arenosa, as garças,<br />

poisadas sobre folhagens rasteiras, similhavam gran<strong>de</strong>s, extranhas flôres <strong>de</strong> immaculada<br />

alvura. E rente á agua, atravessan<strong>do</strong> o rio caudaloso,{84} um ban<strong>do</strong> <strong>de</strong> marrecas<br />

<strong>de</strong>s<strong>do</strong>brava a escura fita <strong>do</strong> seu vôo compassa<strong>do</strong>, quasi <strong>de</strong> margem a margem.<br />

No alto da ribanceira, ao fim <strong>do</strong> caminho <strong>do</strong> sitio, entre dunas ver<strong>de</strong>jantes <strong>de</strong> ajurús,<br />

appareceu Hortencia, a joven tapuia. Vinha estremunhada ainda. Nas palpebras, que<br />

longos cilios ensombravam, <strong>de</strong>moravam-se preguiças <strong>de</strong> somno. A humida polpa <strong>do</strong>s<br />

labios tinha esboços <strong>de</strong> bocejos. O farto cabello, preso pelo pente <strong>de</strong> tartaruga ao alto da<br />

cabecinha <strong>do</strong>idivanas, a custo se fixava ali, não tão bem que, rebel<strong>de</strong>, não formasse <strong>do</strong>s<br />

<strong>do</strong>is la<strong>do</strong>s da nuca, sobre os hombros, pesadas quedas se<strong>do</strong>sas.<br />

Deteve-se a rapariga, mordiscan<strong>do</strong> folhas silvestres. Seu olhar <strong>de</strong>vassou o listrão<br />

serpeante <strong>do</strong> rio <strong>de</strong>serto <strong>de</strong> embarcações e foi-se para o alto, a mirar o nascente<br />

enrubesci<strong>do</strong>. Mas a frescura da riba fustigou-lhe os tenros membros mal vesti<strong>do</strong>s pelo<br />

saiote curto e{85} pela camisinha branca, <strong>de</strong> renda<strong>do</strong> <strong>de</strong>cote. Estremeceu Hortencia<br />

n'um arrepio e, alongan<strong>do</strong> os braços, gemeu voluptuosa no <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iro espreguiçamento<br />

matinal. E, já <strong>de</strong>slaçan<strong>do</strong> o cós da saia, <strong>de</strong>sceu a correr para a agua, pregosan<strong>do</strong> a <strong>de</strong>licia<br />

<strong>do</strong> banho.<br />

Minutos <strong>de</strong>pois, caín<strong>do</strong> pelos quadris a camisinha cheirosa, Venus tapuia ostentava na<br />

clarida<strong>de</strong> da manhã o encanto irresistivel da sua juventu<strong>de</strong>, a triumphal perfeição da sua<br />

nu<strong>de</strong>z.<br />

No mattagal, houve como um re<strong>do</strong>bramento <strong>de</strong> canto <strong>de</strong> passarinhos, ao tempo que o<br />

sol, vencen<strong>do</strong> a floresta, mordia com a tepi<strong>de</strong>z <strong>do</strong>s primeiros raios as carnes morenas <strong>de</strong><br />

Hortencia. Chapinharam os pequeninos pés; a frialda<strong>de</strong> liquida provocou bran<strong>do</strong>s<br />

offêgos: começara o banho da tapuia.{86}<br />

*<br />

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