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Divulgação<br />
existência de um ser talvez seja estruturalmente<br />
semelhante, nesse sentido: a cada pedaço de<br />
tempo sua dor e sua delícia, seus dramas e descobertas,<br />
o embate com o espelho na aprendizagem<br />
de cada centímetro do caminho .<br />
Mas, claro que sabemos disso. Em algum nível,<br />
com maior ou menor grau de consciência,<br />
sabemos bem que não se pode paraísar (nem<br />
infernizar) nenhum tempo nem nenhum espaço<br />
do globo, pois esse estratagema se revela frágil<br />
e, em última instância, falso.<br />
No entanto é recorrente a “mania de criancice”<br />
do adulto para o qual a realidade passa a ser<br />
estigmatizada como entediante e não desejada,<br />
enquanto a fantasia ou a virtualidade constituiriam<br />
o melhor dos mundos para se estar, no nãoaqui<br />
e no não-agora. Aliás, essa parece ser uma<br />
posição maníaca (ao mesmo tempo que melancólica)<br />
do adulto: lidar com a perda situando logo<br />
antes da iminência dela algum espetáculo maravilhoso,<br />
paradisíaco, fundante e simultaneamente<br />
desejante, e talvez por isso mesmo inalcançável.<br />
De toda forma, as culturas humanas, há muito<br />
tempo, jamais deixaram de ofertar a si mitos de<br />
origem. Um topos narrativo central desses mitos<br />
aborda a figura de um paraíso que houve em<br />
1º Semestre de 2009 Revista FACOM<br />
Nº21<br />
algum momento anterior e, sim, foi perdido<br />
por conta da besteira insignificante<br />
de algum humano mais afoito ou guloso.<br />
Ou uma humana, como no clássico caso<br />
de uma fêmea e sua maçã. Claro, por vezes,<br />
o paraíso é também longínquo, projetado<br />
não no passado perdido mas num<br />
futuro distante e vago. Sobrevivendo ao<br />
apocalipse, e tendo passado na grande<br />
prova final – onde o ajuízamento se fará<br />
–, alcançarás o paraíso. Ou seja, parece<br />
que uma ‘cota de paraíso’ tem sido<br />
necessária às formações simbólicas humanas<br />
há alguns milênios. No espaço<br />
de uma vida individual, repetimos esse<br />
mecanismo ao projetar o paraíso sobre o<br />
início, a infância, e, no decorrer da existência,<br />
na idéia de que dias melhores<br />
virão – afinal, é em nome deles que me<br />
submeto às situações que por vezes não<br />
são as mais instigantes do mundo.<br />
A forma de se estruturar os preceitos de<br />
valor e consequente comportamento ao<br />
qual damos o nome de cultura (ou ideologia?),<br />
atualmente, nos propõe reiteradamente<br />
a idéia de que esse período de vida<br />
Filme “ O Tambor “<br />
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