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A Criança Eterna - Faap

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Infantis, também, no sentido de uma relação primordial<br />

com o lugar estrutural materno, aquele que<br />

– imaginariamente – seria pura fonte de leite e mel,<br />

colo doce que magnetiza e seduz os seres que saíram<br />

de suas entranhas.<br />

A representação do materno é das mais complexas<br />

do sistema simbólico, uma vez que parte de<br />

uma polarização entre cuidado e conforto, de um<br />

lado, e, de outro, poder e sedução nas raias do<br />

perigo (encarnadas tanto na clássica mãe devoradora<br />

de certas correntes psicanalíticas, como<br />

em salomés e derivadas figuras arquetípicas que<br />

esboçam fêmeas quase demoníacas). Aqui desenha-se<br />

o conflito do sujeito: ou se entrega à gosma<br />

quente do seio da mãe-terra-fêmea acolhedora<br />

como puer e se infantiliza para sempre; ou, como<br />

herói, vence o visgo com as armas pontiagudas e<br />

delimitantes, libertando-se de cordões umbilicais e<br />

demais metáforas de separação do prazer alienante.<br />

Parece que, no momento atual de nossas concepções<br />

sobre o viver, a primeira alternativa parece<br />

ser a mais sedutora.<br />

O medo e o desejo caminham juntos, pois se teme<br />

o que mais se almeja: quase o ímã inescapável da<br />

pulsão mortífera 2 que gostaria de me deixar para<br />

sempre nos braços do grande outro que foi o primeiro<br />

receptor de meu ser, afagador de meu corpo e<br />

modelador da minha alma.<br />

O sujeito parece levado a desejar e trabalhar pela<br />

manutenção desse prazer desenhado e redesenhado<br />

à exaustão nas filigranas fetichizadas de uma sociedade<br />

no auge dessa produção imagética.<br />

Nessa direção, felicidade e conforto não têm<br />

como não operarem como dois grandes vetores<br />

do contemporâneo, de tal forma que se naturalizam<br />

a uma alta velocidade. Não há porque não<br />

contratar toda a gama de serviços para deixar<br />

minha casa e meu corpo mais adaptados ao<br />

meio, nessa rede de conforto que passo a pendurar<br />

em áreas básicas da vida. Essa lógica se<br />

estende também à maturidade que, então, passa<br />

a desejar permanecer na animação de certa<br />

forma alegre do entretenimento e da juventude,<br />

ambos desejados eternos.<br />

Aí as mídias são literalmente o meio que carrega<br />

essas representações onde o indivíduo estaria<br />

bem e cercado pelo bem – onde o bem significa,<br />

aqui, o efeito bem-sucedido da ação e que leva,<br />

dessa maneira, ao telos do ato como sucesso do<br />

acúmulo de objetos, pessoas e serviços de manutenção<br />

do estatuto de prazer e diversão. Não<br />

há como a lógica de fetichização das imagens<br />

1º Semestre de 2009 Revista FACOM<br />

Nº21<br />

não incidir sobre esse campo semântico,<br />

produzindo e mantendo imperativos<br />

de gozo, em qualquer que seja a direção<br />

apontada, em suas traduções de mais prazer,<br />

mais entretenimento, mais intensidade,<br />

mais jovialidade, mais aproveitamento<br />

da velha equação custo-benefício. Chegando,<br />

a partir daí, inclusive a mais velocidade<br />

e, milagre?, mais tempo (essa, a<br />

real e preciosa mercadoria da nossa era).<br />

Ou seja, a idéia é alterar levemente a<br />

conformação da maturação mental e partir<br />

para algumas das realizações propostas,<br />

principalmente aquelas, fundamentais,<br />

ligadas ao consumo. Eis-nos então<br />

no universo da juventude. Leia-se: jovem<br />

no sentido conceitual do termo, pois essa<br />

nova adolescência pode, hoje em dia, estender-se<br />

em um manto de penélope infinito<br />

e situar-se, talvez, entre 2 e 52 anos.<br />

Observa-se, assim, um belo processo de<br />

adolescentização da posição oferecida à<br />

subjetividade que, em poucas palavras,<br />

tudo gostaria de realizar, sem se colocar<br />

na posição de escolha consequente<br />

e muito menos de responsabilidade por<br />

seus fazeres. Nesse sentido, quem sabe,<br />

possamos compreender algo do impulso<br />

de eliminação dos pais, se eventualmente<br />

eles vierem a se revelar como obstáculos<br />

para a fruição desse imperativo gozoso.<br />

Enfim, a hipervalorização da juventude é<br />

moeda corrente, tanto na via das subjetividades<br />

identificadas a determinados modelos,<br />

como na da prática de determinados<br />

comportamentos valorados e, ainda,<br />

na de uma estética da materialidade do<br />

corpo. Enfim, o corpo jovem e saudável<br />

numa mente jovem e saudável, todos a<br />

se divertir e consumir, felizes e sem limites.<br />

O trabalho é monótono, a realidade<br />

é peso. Nada mais natural, óbvio e repetidamente<br />

afirmado. Eis o puer aeternus<br />

milenar recolocado nas prateleiras: a juventude<br />

eterna se ampliando em inúmeras<br />

dimensões, praticamente fechando o<br />

espectro concreto-abstrato.<br />

O que parece ecoar em nossos ouvidos<br />

e mente como pano de fundo é uma pergunta<br />

sobre a causa e a função de tal<br />

deslocamento. Quando foi que a vida<br />

adulta teve seu crédito deslocado?<br />

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