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A Criança Eterna - Faap

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6<br />

Nº21<br />

Revista FACOM 1º Semestre de 2009<br />

Por que não está mais em lugar de honra no<br />

panteão dos ideais da cultura?<br />

Aqui não temos como não nos remeter mais uma<br />

vez à grande transformação de paradigmas operada<br />

pela modernidade. Um aspecto central de<br />

sua lenta e não surda revolução incidiu não somente<br />

na colocação em cena da confiança numa<br />

racionalidade subjetivada em dialética com a formação<br />

crescente do campo legitimado da individualidade,<br />

mas sobre a alteração da equalização<br />

de poder entre novos e velhos. Como o preciso<br />

nome desse denso processo já aponta, estamos<br />

em um embate entre duas maneiras distintas de<br />

pensar e se colocar frente ao outro e frente a si<br />

mesmo. Os modernos se contrapõem aos antigos.<br />

Aqui surge a semente de todo o arvoredo: o<br />

novo é melhor. Sem discussão, sem nem pensamento:<br />

o mais novo é o emblema que decora a<br />

embalagem de quase tudo, de mulheres a sucos<br />

artificiais.<br />

Estamos falando, aqui, de fato, da crise e muito<br />

provavelmente do inexorável declínio da lógica<br />

patriarcal. Em última instância, a forma de relação<br />

entre os seres se ancorava numa polarização<br />

entre diferentes: o maior e o menor, o mais<br />

poderoso e o submetido, enfim, o pater e o filho.<br />

Hoje, e isso significa, há já alguns séculos, a própria<br />

instauração do paradigma moderno e sua<br />

base de igualitária distribuição da luz da razão,<br />

não teve como não implicar a crise desse modelo<br />

de ajustamento das relações de poder entre<br />

os seres. Queda, declínio, fratura, falência... de<br />

qualquer forma, algo vai mal. Simplesmente porque<br />

a função da autoridade não mais casa sem<br />

conflitos com o lugar do pater, com o Um que<br />

exerce a autoridade, aquele que adquire esse<br />

estatuto através de uma complexa rede social<br />

de significação, seja por tempo de nascimento<br />

(o que nasceu antes, o mais velho, o patriarca)<br />

ou espaço de nascimento (o que nasceu no seio<br />

da corrente azul de valoração passa a ser uma<br />

figura mais desencantada no contemporâneo, o<br />

rei, o senhor). E, nessa leva de decadência, até<br />

Deus morre. Claro, Deus que é o pai todo-poderoso<br />

por excelência.<br />

Deus morre; mas, como qualquer recalcado, ressurge<br />

na teimosia e violência do retorno daquilo<br />

que não quer aceitar a perda de que há no mundo<br />

pelo menos um lugar que garanta a sabedoria<br />

e a certeza. Relativismo, individualismo, autoconsciência...,<br />

não. O filho não o deseja. Que a<br />

alteridade investida de poder – o outro fora e aci-<br />

ma do eu – continue a me balizar porque<br />

sem isso estarei perdido e descontente,<br />

com a plena convicção de que o mundo<br />

está na era da decadência e estamos<br />

de fato mergulhados até o pescoço no<br />

apocalipse. Não, isso não. Dê-me meus<br />

deuses de volta, e alguma consistência,<br />

pelo amor de Deus. Aí, inclusive, a brecha<br />

para as mais diversas reconstruções<br />

totalitaristas e forçadas da realidade simbólica.<br />

Claro que esses movimentos regurgitarão<br />

e virão como ondas, por vezes com<br />

alguma coação, ao longo desta viagem<br />

radicalmente moderna que é a nossa.<br />

Mas creio que fracassarão como senda<br />

discursiva estrutural a longo prazo. Há<br />

órfãos que se irritam, sofrem e berram<br />

por um pai, alguns chegam a matar em<br />

nome de um, dando sua vida no esforço<br />

de sua re-consistência potencializada.<br />

Mas aquele pai do todo-poder, do superpoder,<br />

do desmedido-poder, esse está fadado<br />

a não existir mais.<br />

Os órfãos e o despertar<br />

O que há então? Talvez um indivíduo moderno,<br />

factível e somente-humano (para<br />

retomar, e de certa forma provocar, o<br />

além- ou super-homem nietzscheano) 2 .<br />

Um “patriarca” que chora, erra e até castiga,<br />

quase sempre com alguma dúvida e<br />

muita culpa. Lugar que, em muitos lares,<br />

de todas as rendas, é de fato ocupado<br />

por uma matriarca. Na verdade, hoje talvez<br />

estas distinções estejam se tornando<br />

cada vez mais estritamente formas de<br />

nomear corpos, neste fervilhar metropolitano<br />

ocidental que passa a varrer todas<br />

as culturas do globo – via tele-visão, a<br />

visão a distância do dito novo e progressista<br />

modo do viver – objetificando a sexualidade<br />

como objeto-corpo ao mesmo<br />

tempo que dessexualizando o sujeito em<br />

ato, na indiferença do gênero que move o<br />

capital e o moderno.<br />

Ou seja, estamos operando não mais no<br />

âmbito estrito do pátrio poder, mas no do<br />

poder do consumidor.<br />

O consumidor agora constituirá vínculo de<br />

trabalho mais ou menos estável no merca-

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