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II Seminário Brasileiro Livro e História Editorial

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aparatos inquisitoriais de fazerem leituras excêntricas dos textos sagrados. 18 As copiosas<br />

informações etnográficas colhidas por ele, foram enviadas ao reformador Calvino, em<br />

Genebra. No seu relato, admite não inventar, mas narrar com fidelidade para um público alvo<br />

letrado. Trata-se de uma escritura mediada por uma dupla alteridade, a européia na fronteira do<br />

calvinismo e da fixação dos seus valores mediante a observação e descrição de novos. É<br />

provavelmente, a primeira manifestação do mito do bom selvagem e trabalho etnológico. 19<br />

Lery impressionou-se com a beleza dos corpos e a longevidade dos ameríndios atribuída ao<br />

“bom clima da terra sem geadas nem frios excessivos que perturbem o verdejar permanente<br />

dos campos e da vegetação mais ainda que pouco se preocupem com as coisas deste mundo.<br />

Parecem que haurem, todos eles na fonte da juventude.” 20 Diferente do escrivão Caminha,<br />

para quem o ameríndio assemelha-se a um animal “montesino”, Lery sugere que para os<br />

franceses conhecerem o ameríndio:“bastará imaginardes um homem nu, bem conformado e<br />

proporcionado de membros.”<br />

Ao analisar o texto de Lery, Michel de Certeau afirma que ele se torna uma matriz<br />

perene na produção de sentidos, que a cada releitura, se torna uma “ palavra” ou matriz de<br />

sentidos que “encanta o discurso ocidental.” 21 Tudo indica que do ponto de vista da produção<br />

efetiva, quantitativa , mensurável de saberes, a perspectiva reveladora hermenêutica de Lery<br />

residiu, conforme observou Jeanneret, num olhar “typiquement eclairée et utopique.” 22 O<br />

ameríndio se torna um signo e “palavra poética”, pois o nome das “práticas”, falta de cobiça,<br />

nudez libertadora, banho, adereços, figuração natural, beleza corporal seriam semas? Ou,<br />

ainda, imagens? 23 Por outro lado, há um processo de hermenêutica alegórica nessa<br />

interpretação do novo – antigo, como assinala Compagnon, que significa mais ou menos:<br />

descrever, revelar,ensinar, pois “L’anacronisme est um acte herméneutique d’appropriation,une<br />

espèce de prophétie au l’envers”. 24<br />

A leitura de caça empreendida por Voltaire nos faz pensar num pensador-escritor cujo<br />

ethos é diferente de um contemporâneo pois para Masseau, ser um intelectual do XV<strong>II</strong>I, era ser<br />

18 Carlo Guinzburg, O queijo e os vermes. O cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição,<br />

São Paulo, Companhia das Letras, 1995, p.39.<br />

19 Friedrich Wolfzetell, Le discours du Voyageur. Le récit de voyage en France, du Moyen Age, au XV<strong>II</strong>Ie siècle.<br />

Paris, PUX, Perspectives literaires,1996, 95.<br />

20 Jean de Lery, Viagem à terra do Brasil, São Paulo e Belho Horizonte, Itatiaia-Edusp, 1980, p. 74.<br />

21 Michel de Certeau,, A escrita da <strong>História</strong>, Rio de Janeiro, Forense – Universitária,1982, p.235.<br />

22 Friedrich Wolfzetell, op. cit. p. 93..<br />

23 Roland Barthes, O grau zero da escrita. São Paulo, Martins Fontes, 2000,p.156-157.<br />

24 Antoine Compagnon, Chat en poche. Montagne et l’allégorie, Paris, Éditions du Seuil,1993,p.46.<br />

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