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II Seminário Brasileiro Livro e História Editorial

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produzido. 27 Relatos como os de Lery, Thevet e Knivet, podem muito bem ter servido para<br />

que Voltaire, cuja crítica histórica se interessou pelas relatividade do progresso escrevesse o<br />

Candide. Como viajante da imaginação, em sua tarefa de repensar o contexto social e político<br />

europeu, procurava as raízes de uma nova sociedade virtuosa nos troncos meio consumidos de<br />

outras. Autor atuante na segunda geração do Iluminismo, esse polemista ardoroso, satírico e<br />

implacável viveu longa e seminal estadia na Grã Bretanha. Admirador das instituições da ilha e<br />

admirando profundamente seu povo, bem pode ter lido Knivet. 28<br />

Candide é o personagem do romance que se envolve em inúmeras peripécias na sua<br />

terra natal. Fugindo da Inquisição, abandonou a Europa e numa voyage imaginaire, refugiou-se<br />

na América para experimentar novas desventuras. Numa delas, sua amada, a loura Cunegundes<br />

é arrebatada por um potentado colonial desejoso de saborear suas carnes alvas. Para não ser<br />

assassinado Cândido fugiu do território dominado pelos colonizadores europeus. Ao mergulhar<br />

na natureza, redescobriu uma América que não se apresentava como a terra inculta e<br />

desprovida de saberes. Ao invés disso, é o colonizador europeu que se mostra ignorante,<br />

inclinando-se diante dos supostos selvagens, cuja conduta moral, modos, costumes e<br />

conhecimentos práticos devem ser reconhecidos. 29 Na América, Candide afirmou embevecido<br />

que este país lhe parecia “muito diferente da Vestfália”. E apontando as assimetrias exclamou:<br />

“Que pais é esse, tão ignorado do mundo inteiro, e onde toda a natureza é de uma espécie<br />

muito diferente da nossa”? Para ele, o paradigma do bom homem americano era seu escravo<br />

Cacambo, que – como o índio de Knivet, demonstrou por ele uma dedicação filial. Se<br />

apresenta como americano embora integrado as redes da mundialização. Suas estratégias de<br />

resistência e de sobrevivência são dinâmicas e ardilosas. Diante das lágrimas impotentes do<br />

mestre corneado, esforça-se para o consolar. Oferece-se para conduzi-lo até um reino ignorado<br />

e rico, onde as pessoas ficariam encantadas ao vê-lo “exercitar-se à maneira búlgara”. E<br />

proclama:<br />

Quando a gente não se acomoda num mundo, procura arranjar-se em outro. É<br />

enorme prazer ver e fazer coisas novas . Já servi de auxiliar de cozinha no colégio<br />

de Assunção e conheço o governo dos padres como me oriento nas ruas de Cádiz. É<br />

uma coisa admirável esse governo. O reino em questão tem muito mais de trezentas<br />

27 Friedrich Wolfzetell, Le discours du Voyageur. Le récit de voyage en France, du Moyen Age, au XV<strong>II</strong>Ie<br />

siècle. Paris, PUX, Perspectives literaires,1996,p.73.<br />

28 Pierre Chaunu, A civilização da Europa das Luzes, volume <strong>II</strong>, Lisboa, <strong>Editorial</strong> Estampa,1985, p. 311.<br />

29 Roger Chartier, A história cultural. Entre práticas e representações. Lisboa, Difel, 1990, p.214.<br />

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