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Luis Washington Vita - Curso Independente de Filosofia

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(bispo ou arcebispo na sua diocese, na plena posse da sua jurisdição).<br />

Todos os esforços foram mobilizados para o fiel cumprimento das recomendações<br />

trentinas, com agentes do Santo Ofício varejando palácios ou simples vivendas, e<br />

indagando aos comandantes dos galeões que entrassem Torre <strong>de</strong> Belém a<strong>de</strong>ntro se traziam<br />

livros suspeitos e prejudiciais à religião cristã, fazendo ver aos respectivos capitães<br />

quão vantajoso seria para eles entregá-los, no caso afirmativo, para não se proce<strong>de</strong>r contra<br />

“hos culpados con todo rigor <strong>de</strong> justiça”, consoante o documento seiscentista.<br />

Por outro lado, os censores tinham alçada para emendar ou até mesmo mutilar os<br />

textos, o que explica que, a cada passo, nas censuras se leia: “vi este livro e alimpeio <strong>de</strong><br />

algüas cousas”. Por isso tudo pô<strong>de</strong> escrever Silva Bastos em sua História <strong>de</strong> Censura<br />

Intelectual em Portugal: “Suponha-se que algum pensador ou escritor sentisse em si<br />

asas para se transportar às regiões transcen<strong>de</strong>ntes: sabia o que o esperava, se a sua obra,<br />

que para ser conhecida e divulgada tinha <strong>de</strong> ir à férula censória, resvalasse, na frase<br />

porventura a mais anódina, para o racionalismo, ultrapassasse o círculo imposto aos<br />

cérebros peninsulares, pela mais rigorosa e meticulosa ortodoxia. Isto explica o fato <strong>de</strong>,<br />

no longo acervo dos livros censurados pela Inquisição até à criação da ‘Real Mesa Censória’<br />

(1776), se não encontrassem, ao menos, traduções <strong>de</strong> obras que em França, em<br />

Inglaterra, na Alemanha, na Holanda, apaixonavam os espíritos. O seu <strong>de</strong>stino estava<br />

naturalmente traçado: ou seriam queimados em público cadafalso, pelo executor da alta<br />

justiça, ou ficariam jazendo no secreto do Santo Ofício da Inquisição ou da Real Mesa.<br />

Alguns <strong>de</strong>sses livros cá chegaram, é certo — mas como? Por contrabando, ou no maior<br />

segredo, a <strong>de</strong>speito da máxima vigilância nas fronteiras. Mas <strong>de</strong>sgraçado do seu possuidor,<br />

se uma <strong>de</strong>núncia lhe caísse sobre a cabeça: ou iria apodrecer nas masmorras inquisitoriais,<br />

ou o fogo se encarregaria <strong>de</strong> lhe castigar a audácia...”<br />

Do mesmo parecer é Lopes Praça, usando, porém, <strong>de</strong> uma linguagem ao gosto<br />

romântico (sua interessante História da <strong>Filosofia</strong> em Portugal data <strong>de</strong> 1868). Para ele, a<br />

“Companhia <strong>de</strong> Jesus ensinava e precavia, a Inquisição espionava e torturava”. E transcreve<br />

<strong>de</strong> um manuscrito do Colégio <strong>de</strong> Coimbra este trecho do Ritual Teológico: “Não<br />

se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>rão opiniões contra a Lógica Conimbricense nas disputas; e quando muito se<br />

po<strong>de</strong>rá pôr a questão problematicamente, mas poucas vezes.” Comenta o historiador da<br />

<strong>Filosofia</strong> em Portugal que “fora dos comentários pairava o erro. Era necessário coarctar<br />

os espíritos <strong>de</strong>ntro daqueles limites”. Como? Através da censura da Inquisição, cuja<br />

regra X dizia: “Por quanto neste reino, e particularmente em Lisboa, há muito comércio<br />

<strong>de</strong> estrangeiros setentrionais das partes entradas, ou infestadas <strong>de</strong> heregia, proíbem-se<br />

quaisquer livros em língua ingreza, framenga e tu<strong>de</strong>sca (ainda que não estêm nomeados<br />

no catálogo), para efeito que nenhum se possa ter, nem ler, sem primeiro se presentar ao<br />

Santo Ofício, e se examinar sua qualida<strong>de</strong>. E também nos franceses se encomenda que<br />

se tenha muita advertência, como não forem notoriamente sem suspeita, e proibidos.”<br />

Claro está que a <strong>Filosofia</strong> difundida e ensinada pelos jesuítas nos seus colégios<br />

era o tomismo reconquistado pelos Conimbricenses e que consistia em comentários a<br />

textos físicos (incluindo os psicológicos) e lógicos <strong>de</strong> Aristóteles sendo mínima a parte<br />

moral. O fundamento <strong>de</strong>ssas doutrinas medievalizantes — <strong>de</strong> profunda ressonância teológica<br />

— estava no fato <strong>de</strong> sobrepor as instâncias da Revelação e <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> à capacida<strong>de</strong><br />

racional do homem e ao livre emprego <strong>de</strong> seus meios <strong>de</strong> conhecimento, pois concebia<br />

a or<strong>de</strong>m natural como fundada numa regularida<strong>de</strong> transcen<strong>de</strong>nte, origem <strong>de</strong> toda<br />

verda<strong>de</strong> ôntica. Por isso seu principal objetivo era forjar uma consciência absolutista e<br />

teocrática, condicionada essencialmente pela idéia <strong>de</strong> uma hierarquia social e política.<br />

Pouco se importavam os jesuítas que seu pensamento fosse “ainda que menos latino”, já<br />

que se mantinha “bom católico”, transformando-se Portugal numa verda<strong>de</strong>ira Ilha da<br />

Purificação...<br />

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