Luis Washington Vita - Curso Independente de Filosofia
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Assim, o pensamento <strong>de</strong> Vicente Ferreira da Silva envolve um historicismo <strong>de</strong><br />
base e um radical antiintelectualismo, parecendo dominado, ainda na linha hei<strong>de</strong>ggeriana,<br />
pelo mais profundo pessimismo: uma experiência do ser que seja abandono à mercê<br />
do processo mitológico não é só a perda <strong>de</strong> qualquer sentido para a vida humana — é o<br />
<strong>de</strong>samparo e a perda da própria essência do homem, ou seja, “o sujeito humano [...] subjaz<br />
à negativida<strong>de</strong> e habita no interior do nada”. Com isto, o existencialismo do radical<br />
“atiramento” hei<strong>de</strong>ggeriano termina assim no i<strong>de</strong>alismo fantástico <strong>de</strong> um mundo mágico.<br />
É o i<strong>de</strong>alismo crepuscular do Mito, implícito na meditação vicentina que até à sua<br />
morte tentara ele apresentar uma transcrição “pulsional” e volitiva das filosofias <strong>de</strong> Schelling<br />
e <strong>de</strong> Hei<strong>de</strong>gger. Todavia, a escala entis para Vicente Ferreira da Silva era essencialmente<br />
um plexo passional, um sistema <strong>de</strong> “pontos <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>”, sistema suscitado<br />
pelo Ser, entendido agora como uma or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> fascinação onímoda, pois, a seu ver, o<br />
que realmente irrompe com o <strong>de</strong>bruçar-se dos <strong>de</strong>uses é um tipo cordial <strong>de</strong> ser, uma ordo<br />
amoris: o acontecer do projeto é uma polarização do querer, é uma modalida<strong>de</strong> histórica<br />
do querer, um tipo <strong>de</strong> coração. Daí não ser fora <strong>de</strong> propósito afirmar que o pensamento<br />
do filósofo tragicamente arrebatado à vida tinha por meta uma philosophia cordis, buscando<br />
a pessoa íntima ou profunda na esfera da cordialida<strong>de</strong>.<br />
c) Gerd A. Bornheim<br />
Na mesma linha hei<strong>de</strong>ggeriana encontra-se o pensador gaúcho Gerd A. Bornheim<br />
(1929) que, em seu principal livro filosófico, Motivação Básica e Atitu<strong>de</strong> Originante<br />
do Filosofar (1961) propõe-se estudar — e revelar — o comportamento originante<br />
do filosofar e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> esclarecer a problemática que tal comportamento<br />
implica. Isto porque a atitu<strong>de</strong> inicial do filósofo é que <strong>de</strong>termina o caráter último <strong>de</strong> sua<br />
filosofia, ou seja, aquele específico comportamento que leva o homem a ocupar-se da<br />
<strong>Filosofia</strong>. Como se vê, tem em vista ele um estudo da consciência filosófica <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua<br />
etapa ingênua até ao <strong>de</strong>spertar para o problema do sentido da realida<strong>de</strong>.<br />
Todavia, no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ste esquema é flagrante sua posição antihistoricista.<br />
Por exemplo: “A legitimida<strong>de</strong> da <strong>Filosofia</strong> não po<strong>de</strong> obe<strong>de</strong>cer a uma pesquisa<br />
reduzida ao estritamente histórico”, já que “por mais que se busque causas históricas<br />
para explicar a gênese do pensamento filosófico, por mais ricas que sejam as conclusões<br />
alcançadas nesse domínio, sempre sobrará um resíduo irredutível e, por assim<br />
dizer, refratário à explicação causal: sempre cairemos na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aludir a um<br />
‘milagre grego’. Por isso “não há ciência, não há intuição, não há amor que possa fazer<br />
um indivíduo compreen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> maneira absoluta um outro indivíduo, seja pessoa ou fato<br />
cultural, histórico”.<br />
Na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> seu ponto <strong>de</strong> vista argumenta Gerd A. Bornheim: “Procurando estudar<br />
Espinosa como um conjunto lógico <strong>de</strong> <strong>de</strong>duções ou a partir <strong>de</strong> tudo o que condiciona,<br />
historicamente, o seu pensamento, po<strong>de</strong>rei compreen<strong>de</strong>r tudo — exceto Espinosa:<br />
a alma <strong>de</strong> seu pensamento me permanecerá inacessível. Neste sentido, po<strong>de</strong>mos dizer<br />
que a <strong>Filosofia</strong> não é a História da <strong>Filosofia</strong>, mas o filosofar, <strong>de</strong>ste filosofar que radica<br />
em uma resolução própria <strong>de</strong> todo autêntico filósofo, e que é da or<strong>de</strong>m da eternida<strong>de</strong>.”<br />
Daí aduzir o autor: “Se isto é certo, <strong>de</strong>vemos afirmar que a <strong>Filosofia</strong> não se faz a partir<br />
da exteriorida<strong>de</strong>, ou <strong>de</strong> um comportamento exterior, abstrato, mas a partir da interiorida<strong>de</strong>.”<br />
Em suma: “não se filosofa simplesmente porque se está situado <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma<br />
cultura à qual pertence a <strong>Filosofia</strong>”, e sim “a <strong>Filosofia</strong> é uma ocupação do homem que<br />
encontra nele seu ponto <strong>de</strong> partida, como também seu ponto <strong>de</strong> chegada”.<br />
Para Gerd A. Bornheim, portanto, a História é impotente para resolver o proble-<br />
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