Luis Washington Vita - Curso Independente de Filosofia
Luis Washington Vita - Curso Independente de Filosofia
Luis Washington Vita - Curso Independente de Filosofia
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
costumes e até as brutalida<strong>de</strong>s dos indígenas. Os exemplos históricos surgem em penca:<br />
Hans Sta<strong>de</strong>, Soares Moreno, Paes Pina, (Amanaiara), Anhanguera, e os trugimões ou<br />
línguas que <strong>de</strong>ram tanto que fazer a Villegaignon”.<br />
Por outro lado, comparada à colonização espanhola, a obra dos portugueses distingue-se<br />
principalmente pela predominância <strong>de</strong> seu caráter <strong>de</strong> exploração comercial,<br />
repetindo assim o exemplo da colonização da Antiguida<strong>de</strong>, sobretudo da Fenícia. A fisionomia<br />
mercantil, quase semita, <strong>de</strong>ssa colonização, exprime-se sensivelmente no sistema<br />
<strong>de</strong> povoação marginal; isto é, mesmo em seus melhores momentos, a obra realizada<br />
no Brasil pelos portugueses teve um caráter acentuado <strong>de</strong> feitoria, muito mais que<br />
colonização. Isto vem acentuar ainda mais “a quase ininterrupta <strong>de</strong>solação filosófica do<br />
Brasil colonial”. Consoante Robledo O ápice <strong>de</strong> uma cultura, seu fruto mais complexo e<br />
esplêndido, é um sistema filosófico. Ora, como podia nascer em algum cérebro uma<br />
nova mundividência, ou ao menos um comentário progressivo das já existentes, on<strong>de</strong> o<br />
máximo que se conseguiu foram esboços <strong>de</strong> rudimentos <strong>de</strong> uma cultura própria, na luta<br />
contínua e <strong>de</strong>sigual do colonizador contra o meio ambiente?<br />
Agravava essa situação o corolário inevitável do estatuto jurídico que a Metrópole<br />
impôs à sua Colônia, que durante muito tempo foi dividida em capitanias cujos<br />
donatários podiam transmiti-las por herança, usando e abusando <strong>de</strong>las conquanto pagassem<br />
à Coroa os impostos estipulados. O <strong>de</strong>sinteresse metropolitano pela feitoria <strong>de</strong> ultramar<br />
— “com a qual a pátria tão pouco se importa”, lamentava Mem <strong>de</strong> Sá — estava<br />
claro na providência tomada pela Coroa <strong>de</strong> <strong>de</strong>clarar o Brasil, como a África Oci<strong>de</strong>ntal,<br />
lugar <strong>de</strong> <strong>de</strong>portação e, pior ainda, pois enquanto para a África iam os <strong>de</strong>linqüentes primários<br />
ou reinci<strong>de</strong>ntes pela primeira vez, para o Brasil eram <strong>de</strong>portados os <strong>de</strong> segundas<br />
ou ulteriores reincidências. Esta flor da criminalida<strong>de</strong>, em seu novo domicílio, não recebia<br />
outro castigo, já que o <strong>de</strong>sterro era tido como suficiente expiação. Assim, <strong>de</strong> acordo<br />
com a informação <strong>de</strong> Han<strong>de</strong>lmann, os <strong>de</strong>portados podiam, sem nenhum impedimento,<br />
apenas <strong>de</strong>sembarcados, adquirir terras e participar <strong>de</strong> tudo como os <strong>de</strong>mais colonos.<br />
É só nos fins do século, com as fortunas acumuladas nos engenhos nor<strong>de</strong>stinos,<br />
em meio ao luxo dos vestuários e suntuosida<strong>de</strong>s das casas-gran<strong>de</strong>s, que foi permitido<br />
também o brilho das lentejoulas do espírito. Por volta <strong>de</strong> 1580 em diante, no Colégio <strong>de</strong><br />
Olinda começou-se a ensinar <strong>Filosofia</strong>, segundo informa Fernão Cardim na sua Narrativa<br />
Epistolar. Assim, enquanto a totalida<strong>de</strong> dos colonos ou <strong>de</strong>fendia, ou conquistava, ou<br />
penetrava em novas terras, preocupações absolutas então, os jesuítas moldavam os culumins<br />
e mazombinhos, fazendo-os ler as nobilitantes Vidas <strong>de</strong> Santos. Outra espécie <strong>de</strong><br />
leitura não era possível. Estando o ensino nas mãos dos jesuítas, é lógico que só eles<br />
dispunham <strong>de</strong> livros. Mas a quantida<strong>de</strong> não dava para o gasto, e na correspondência<br />
<strong>de</strong>sses magníficos padres-mestres os pedidos <strong>de</strong> livros são uma constante comovente. A<br />
razão disso era, diz Manuel da Nóbrega, “porque nos fazem muita míngua para as dúvidas<br />
que cá há, que todas se perguntam a mim”.<br />
De acordo com Serafim Leite, tais livros não primavam pela qualida<strong>de</strong>. Por exemplo,<br />
o Irmão Pero Correia, já em 1553, pedia várias obras “em linguagem” (não<br />
sabia latim), “<strong>de</strong> um chamado Doutor Constantino, <strong>de</strong> Sevilha”, intitulando-se “Confissão<br />
<strong>de</strong> um pecador, Doutrina Cristã, Exposição do Primeiro Salmo <strong>de</strong> David, Beatus<br />
Vir, Suma <strong>de</strong> doutrina cristã, e o Catecismo para instruir os meninos”. Pero Correia tinha<br />
visto um <strong>de</strong>les, o que tratava da primeira parte dos Artigos da Fé, “coisa mui santa”.<br />
Não obstante a singeleza e santida<strong>de</strong> dos assuntos tratados, as caixas <strong>de</strong> livros, vindas<br />
da Europa, sempre eram examinadas para o <strong>de</strong>vido crivo. Havia, ainda, uma seleção <strong>de</strong><br />
leituras. Não se davam a ler a todos, indistintamente, à proporção que iam chegando.<br />
Estava <strong>de</strong>terminado que se examinassem antes (e corrigissem) no que tivessem contrário<br />
à “edificação” e aos “bons costumes”. Isto já em 1596, e a fiscalização não caía ape-<br />
14