wecisley ribeiro do espirito santo-dissertaçao mestrado-ppgas-ufrj ...
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costura, <strong>do</strong> discurso da polivalência), precisou ser socializada na costura de outras etapas da<br />
produção de lingerie. Simultaneamente ela foi perceben<strong>do</strong> que cada vez mais seu cansaço<br />
físico e emocional, bem como o de suas colegas, acarretou uma gradativa redução de suas<br />
antigas atividades de lazer realizadas em conjunto pela equipe de trabalho. Acrescente-se<br />
ainda o fato de que, com o deslocamento das gratificações individuais para os prêmios<br />
coletivos, a produtividade – antes exigida pelos supervisores, porta-vozes patronais na sala<br />
de costura – passava, a partir de então, a ser cobrada pelas próprias colegas de costura. As<br />
meninas, que “antes eram mais amigas”, estavam se afastan<strong>do</strong>, sob o ponto de vista de<br />
Lúcia.<br />
Ela me disse que “nunca funcionou bem sob pressão” e que, quanto maior a<br />
cobrança de suas colegas e <strong>do</strong>s supervisores, tanto mais difícil era para ela aprender a<br />
realizar os novos processos que lhe estavam sen<strong>do</strong> impostos. De maneira que, quan<strong>do</strong> lhe<br />
pediam para costurar em certas máquinas mais complexas como a Três Pontos, ela já sentia<br />
seu corpo estremecer com o receio de que suas colegas começassem a lhe apressar da<br />
maneira exacerbada como freqüentemente o faziam. Como repetidamente me dizia, ao<br />
longo de nossa conversa, ela sabia que “poderia aprender a costurar em qualquer máquina<br />
como qualquer uma das meninas”. Mas o problema de Lúcia não era de ordem motora nem<br />
tão pouco cognitiva; sua dificuldade consistia antes em conviver em um ambiente de<br />
intensa “pressão e competição entre as próprias costureiras”.<br />
Com o tempo, diante de suas freqüentes dificuldades com certas etapas <strong>do</strong> processo<br />
produtivo, acabou pesan<strong>do</strong> sobre ela a força de um estigma nativo que, <strong>do</strong> tom de<br />
brincadeira inicial, foi assumin<strong>do</strong> ares de severidade e terminou por marca-la com o signo<br />
da inferioridade profissional. “Ô ‘cabeção’, vê se presta atenção aí, tá erran<strong>do</strong> muito, tá<br />
muito devagar...”, diziam suas colegas. O estigma de “cabeção”, uma marca mais genérica<br />
daquelas costureiras com dificuldades, terminou por se acomodar à identidade profissional<br />
de Lúcia em decorrência de brincadeiras antigas, <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> anterior à implantação <strong>do</strong><br />
sistema de “célula”.<br />
Por ocasião daquela fase inicial, corria entre as colegas de Lúcia o dito de que ela<br />
era uma pessoa bastante atrapalhada. Entretanto, falava-se disso como quem faz uma<br />
provocação fraterna a uma pessoa querida. Não havia, por conseguinte, conotações de<br />
crítica séria ao jeito “enrola<strong>do</strong>” de Lúcia. Tratava-se antes, por assim dizer, de um mo<strong>do</strong><br />
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