- Pois agora há de prová-lo, é o único meio de fazermos as pazes.<<strong>br</strong> />Veio o conhaque, um conhaque genuíno, velho, de 1848. Lenita bebeu um calicezinho,<<strong>br</strong> />tossiu. Lagrimejaram-lhe os olhos, achou forte mas gostou; repetiu.
Capítulo 5<<strong>br</strong> />Chegara o dia de principiar a moagem.<<strong>br</strong> />Já de véspera tinham os negros andado em uma faina a varrer a casa no engenho, a lavar<<strong>br</strong> />os cochos e as bicas, a arear, a polir as caldeiras e o alambique, <strong>com</strong> grandes gastos de limão e<<strong>br</strong> />cinza.<<strong>br</strong> />Mal amanhecera entrou-se a ver no canavial fronteiro uma fita estreita de<<strong>br</strong> />emurchecimento que aumentava, que avançava gradualmente no sentido da largura. Era o corte<<strong>br</strong> />que <strong>com</strong>eçara. As roupas <strong>br</strong>ancas de algodão, as saias azuis das pretas, as camisas de baeta<<strong>br</strong> />vermelha dos pretos punham notas vivas, picantes, naquele oceano de verdura clara, agitadas por<<strong>br</strong> />lufadas de vento quente.<<strong>br</strong> />No casarão do engenho, varrido, asseado, quatro caldeiras e o alambique de co<strong>br</strong>e<<strong>br</strong> />vermelho reverberavam polidos, refletindo a luz que entrava pelas largas frestas. As fornalhas<<strong>br</strong> />afundavam-se lô<strong>br</strong>egas, escancarando as grandes bocas gulosas.<<strong>br</strong> />A água, ainda presa na calha, espirrava pelas juntas da <strong>com</strong>porta so<strong>br</strong>e as línguas da roda,<<strong>br</strong> />filetes cristalinos. As moendas <strong>br</strong>ilhavam limpas, e os eixos e endentações luziam negros de<<strong>br</strong> />graxa. Compridos cochos e vasta resfriadeira a<strong>br</strong>iam os bojos amplos, absorvendo a luz no pardo<<strong>br</strong> />fosco da madeira muito lavada.<<strong>br</strong> />Ao longe, quase indistinto a princípio, mas progressivamente acentuado, fez-se ouvir um<<strong>br</strong> />chiar agudo, contínuo, monótono, irritante. A crioulada reunida em frente ao engenho levantou<<strong>br</strong> />uma gritaria infrene, tripudiando de júbilo.<<strong>br</strong> />Eram os primeiros carros de cana que chegavam.<<strong>br</strong> />Arrastados pesadamente por morosos mas robustos bois de grandes aspas, avançavam os<<strong>br</strong> />ronceiros veículos estalando, gemendo, sob a carga enorme de grossas e <strong>com</strong>pridas canas,<<strong>br</strong> />riscadas de verde e roxo.<<strong>br</strong> />Carreiros negros, altos, espadaúdos, cingidos na altura dos fins por um tirador de couro<<strong>br</strong> />cru, estimulavam, dirigiam os ruminantes <strong>com</strong> longas aguilhadas, <strong>com</strong> <strong>br</strong>ados ostentóricos:<<strong>br</strong> />-Eia, Lavarinto! Fasta, Ramalhete! Ruma, Barroso!<<strong>br</strong> />Os carros entraram no <strong>com</strong>partimento das moendas. Negros ágeis saltaram para cima<<strong>br</strong> />deles, a descarregar. Em um momento empilharam-se as canas, de pé, atadas em feixe <strong>com</strong> as<<strong>br</strong> />próprias folhas.<<strong>br</strong> />Fez-se fogo na fornalha das caldeiras, a<strong>br</strong>iu-se a <strong>com</strong>porta da calha, a água despenhou-se<<strong>br</strong> />em queda violenta so<strong>br</strong>e as línguas da roda, esta <strong>com</strong>eçou de mover-se, lenta a princípio, depois<<strong>br</strong> />acelerada.<<strong>br</strong> />Cortando os atilhos de um feixe a golpes rápidos de facão, o negro moedor entregou as<<strong>br</strong> />primeiras canas ao revolver dos cilindros. Ouviu-se um estalejar de fi<strong>br</strong>as esmagadas, o bagaço<<strong>br</strong> />vomitado picou de <strong>br</strong>anco o desvão escuro em que giravam as moendas, a garapa principiou a<<strong>br</strong> />correr pela bica em jorro fano, verdejante. Após pequeno trajeto foi cair no cocho grande,<<strong>br</strong> />marulhosa, gorgolante, <strong>com</strong> grande espumarada resistente.<<strong>br</strong> />Os negros banqueiros, empunhando espumadeiras de <strong>com</strong>pridos cabos, tomaram lugar<<strong>br</strong> />junto às caldeiras.<<strong>br</strong> />Levada por uma bica volante, a garapa encheu-os em um átomo. A fornalha es<strong>br</strong>aseou-se,<<strong>br</strong> />escandesceu, irradiando um calor doce por toda a vasta quadra. As espumadeiras destras<<strong>br</strong> />atiravam ao ar em louras espadanas o melaço fumegante, que tornava a cair nas caldeiras,<<strong>br</strong> />refervendo, aos gorgolões.<<strong>br</strong> />Dominava no ambiente aroma suave, sacarino, cortando espaços por uma lufada tépida<<strong>br</strong> />de cheiro humano áspero, de catinga sufocante exalada dos negros em suor.<<strong>br</strong> />O coronel gostava da lavoura de cana; vencendo o seu reumatismo, passava os dias da<<strong>br</strong> />moagem sentado em um banco de ca<strong>br</strong>iúva alto, largo, fixo entre duas janelas, a distância<<strong>br</strong> />razoável das caldeiras. Dirigia o trabalho, tomando o ponto ao melaço em um tachinho de co<strong>br</strong>e<<strong>br</strong> />muito limpo, muito areado, remexendo <strong>com</strong> uma pá o açúcar na esfriadeira, quando este,<<strong>br</strong> />transvazado os reminhóis por uma bica volante especial, aí parava, coalhando-se por cima em<<strong>br</strong> />crosta amarela, que<strong>br</strong>adiça.
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Capítulo 14<br />O veneno da cobra
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Lenita ainda conversou por algum te
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seu quarto, interrompe-lhe o sono,
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Capítulo 15<br />Que lindo está o
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- Não há que pensar.<br />- Esta
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Quando na mata se lhe deparava uma
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Ao virar do meio-dia, Barbosa acord
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Ao puxar uma gaveta da mesa de Barb
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da campina. Revoltada contra a meta
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Capítulo 18<br />Seis dias depois
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Queria chorar; o pranto, julgava, f
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Há em São Paulo fábricas de móv
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Não me guardes rancor. Fomos um pa
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- Vi, meu sinhô. Ele está aí no