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A Carne, Júlio Ribeiro - Colegioecursoopcao.com.br

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Capítulo 12<<strong>br</strong> />

O feitor preto viera dizer a Lenita que uma fruiteira na mata em frente estava ajuntando<<strong>br</strong> />

muito pássaro.<<strong>br</strong> />

A moça mandou que a<strong>br</strong>isse uma picada desde o carreadouro até à fruiteira, fez limpar a<<strong>br</strong> />

sua espingardinha Galand, carregou duzentos cartuchos e, no dia seguinte, de madrugada,<<strong>br</strong> />

seguida por sua mucama, foi pôr-se à espera.<<strong>br</strong> />

Não tinha caído muito orvalho, e grande era a cerração.<<strong>br</strong> />

O caminho coberto por uma camada veludosa de areia fina, amarelenta, embebia-se pela<<strong>br</strong> />

neblina espessa que afogava a terra. A selva formava um maciço negro, <strong>com</strong>pacto. Uma ou outra<<strong>br</strong> />

árvore isolada no pasto transparecia por entre o nevoeiro, <strong>com</strong>o um espectro gigantesco.<<strong>br</strong> />

Sentia-se um frio seco, picante, sadio. De repente Lenita percebeu o que quer que era ,<<strong>br</strong> />

retouçando na areia levemente úmida do carninho, a vinte metros de distância.<<strong>br</strong> />

Sustou o passo, levou a arma à cara e, rápida, quase sem pontada, desfechou.<<strong>br</strong> />

- Que foi que atirou, D, Lenita? perguntou a mulata.<<strong>br</strong> />

- Vá ver, que lá está ainda bulindo, volveu a moça, e fazendo gangorrear o cano da arma,<<strong>br</strong> />

meteu-lhe novo cartucho.<<strong>br</strong> />

Com efeito, um animal qualquer estrebuchava convulso, raspava a areia, atirava-a longe.<<strong>br</strong> />

A rapariga aproximou-se cheia de receio, retraindo o corpo, estendendo o pescoço.<<strong>br</strong> />

- E candimba! gritou jubilosa, e, baixando-se, apanhou uma soberba le<strong>br</strong>e que, ferida na<<strong>br</strong> />

cabeça, ainda não acabara de morrer.<<strong>br</strong> />

Lenita tomou da rapariga a macia alimária, examinou-a <strong>com</strong> volúpia orgulhosa de<<strong>br</strong> />

caçadora apaixonada e triunfante, afagou-lhe o pêlo sedoso, passou-o de encontro ao rosto;<<strong>br</strong> />

depois meteu-a em uma bolsa de malhas, entregou-a <strong>com</strong> cuidado à mulata.<<strong>br</strong> />

Ia clareando o dia; rareava o véu de neblina. O negror indeciso da mata transmutava-se<<strong>br</strong> />

em verdura. Distinguiam-se as moitas festivas das taquaras, os penachos luzidios dos palmitos,<<strong>br</strong> />

as copas opulentas das paineiras, revestidas literalmente de um tapete cor-de-rosa, pela<<strong>br</strong> />

infloração precoce.<<strong>br</strong> />

Perfumes agudos de orquídeas fragrantes, refrescados pelas <strong>br</strong>isas matutinas, deliciavam<<strong>br</strong> />

o olfato, sem irritar e sem atormentar os nervos.<<strong>br</strong> />

Ouvia-se o gorjear dos pássaros, o zumbir dos insetos que, em hino festivo, saudavam o<<strong>br</strong> />

despontar do dia.<<strong>br</strong> />

Lenita e a mucama penetraram na mata: aí tudo era escuro, tudo era treva. O diminuto<<strong>br</strong> />

orvalho, caído durante a noite, se condensara nas folhas, e pingava, batendo docemente,<<strong>br</strong> />

surdamente, na camada de folhas secas que juncava o solo.<<strong>br</strong> />

Os pulmões hauriam à larga o oxigênio puro, expirado da vegetação ambiente.<<strong>br</strong> />

As duas <strong>com</strong>panheiras caminharam pelo largo carreadouro, até que chegaram a uma<<strong>br</strong> />

peroveira alta, de junto a qual partia a picada, entranhando-se pelo mato, à esquerda. Por aí<<strong>br</strong> />

enveredaram, seguiram, até que pararam junto de uma caneleira esguia, em frutificação temporã.<<strong>br</strong> />

Dominava o silêncio, que<strong>br</strong>ado apenas pelo gotejar manso e raro da orvalhada tênue.<<strong>br</strong> />

Lenita mandou que a mucama se afastasse um pouco, que se sentasse, que se escondesse<<strong>br</strong> />

junto de outra árvore qualquer. Olhou para cima.<<strong>br</strong> />

A folhagem da caneleira recortava-se indecisa no céu obscuro: de súbito acentuou-se,<<strong>br</strong> />

amarelou em partes, <strong>com</strong>o se a tivesse borrifado um jato de ouro líquido; beijara-a o primeiro<<strong>br</strong> />

raio de sol do dia nascente.<<strong>br</strong> />

Por cima já luz, vida; por baixo ainda escuridade, mistério.<<strong>br</strong> />

Uma som<strong>br</strong>a escura cortou veloz o espaço: era um jacuguaçu. Pousou, balançando-se, em<<strong>br</strong> />

um dos galhos baixos. Ao assentar colheu vagaroso as asas que trazia pandas, li<strong>br</strong>ou-se ainda<<strong>br</strong> />

nelas, fechou o leque formosíssimo da longa cauda, estendeu o pescoço, cauteloso à direita e à<<strong>br</strong> />

esquerda.<<strong>br</strong> />

Após momentos de observação, trepou pelo galho, marinhou aos pulos por entre a<<strong>br</strong> />

folhagem, sumiu-se, surgiu no pino da copa, mostrando, banhada de sol, a sua barbela ru<strong>br</strong>a.

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