A Carne, Júlio Ribeiro - Colegioecursoopcao.com.br
A Carne, Júlio Ribeiro - Colegioecursoopcao.com.br
A Carne, Júlio Ribeiro - Colegioecursoopcao.com.br
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
águas perenes conglobaram-se, aunaram-se, cavaram leitos, formaram os rios que hoje<<strong>br</strong> />
retalham a planície.<<strong>br</strong> />
Vi de relance o casarão que se está fazendo para <strong>com</strong>emorar independência, ou melhor,<<strong>br</strong> />
para <strong>com</strong>emorar... por que não dizê-lo ? para <strong>com</strong>emorar o desarranjo funcional que levou o<<strong>br</strong> />
Senhor D. Pedro de Bragança e apear-se ali, às quatro horas da tarde do dia 7 de setem<strong>br</strong>o de<<strong>br</strong> />
1822.<<strong>br</strong> />
Não há ver nestas paragens aflora maravilhosa das nossas zonas do oeste, os perovões,<<strong>br</strong> />
as<<strong>br</strong> />
batalhas enormes, os jequitibás de cinco metros de diâmetro: a vegetação arborescente é<<strong>br</strong> />
enfezada, baixa, quase anã. Não é basta, contínua: forma reboleiras, restingas, capões, ilhas de<<strong>br</strong> />
verdura, no amarelado pardo do campestre interminável.<<strong>br</strong> />
Esta região é considerada estéril, maninha: nada mais injusto. Verdade é que não vinga<<strong>br</strong> />
aqui o cafeeiro, que a cana é somenos a de Capivari e mesmo a de Santos, que o algodoeiro não<<strong>br</strong> />
se pode <strong>com</strong>parar <strong>com</strong> o de Sorocaba; mas, por Deus! nem só café, açúcar e algodão é riqueza.<<strong>br</strong> />
A vinha medra de modo assom<strong>br</strong>oso: <strong>com</strong> uma cultura inteligente, <strong>com</strong> uma poda<<strong>br</strong> />
antecipada, poderia ela produzir em princípios de dezem<strong>br</strong>o, evitando as chuvas de janeiro que<<strong>br</strong> />
lhe águam os bagos, que lhes deturpam os racimos. Em São Caetano, em terras outrora baldias,<<strong>br</strong> />
de que ninguém fazia caso, há vinhedos formosíssimos plantados por italianos. A vista alegra-se<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> a simetria das parreiras, o coração rejubila <strong>com</strong> a idéia de uma prosperidade imensa,<<strong>br</strong> />
geral, em futuro não remoto, por todos os ângulos de nosso... de nossa província eu ia<<strong>br</strong> />
escrevendo estado.<<strong>br</strong> />
As hortaliças são enormes: um dia destes vi eu uma couve vinda de São Paulo que era<<strong>br</strong> />
um monstro de desenvolvimento: tinha folhas de cinqüenta centímetros de diâmetro menor;<<strong>br</strong> />
media-lhe o caule muito mais de dois metros.<<strong>br</strong> />
E por que não há de se cuidar do trigo? os antigos cuidaram <strong>com</strong> sucesso: em São Paulo<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>eu-se muito pão de trigo da terra. Ninguém ignora o que a agricultura científica tem feito<<strong>br</strong> />
das landes infecundas da Gasconha. Pois os campos de Piratininga não admitem confronto <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
as landes da Gasconha: são-lhes infinitamente sublimados.<<strong>br</strong> />
E a indústria pastoril? Que riqueza imensa a se oferecer espontânea.<<strong>br</strong> />
De São Bernardo em diante a planície muda de aspecto. Os capões, as restingas vão-se<<strong>br</strong> />
convertendo em um matagal basto, contínuo, verde-negro. Aqui e ali, no dorso de uma colina,<<strong>br</strong> />
no cabeço de um outeiro, ru<strong>br</strong>o, semelhante a uma escoriação, serpeia o leito de um caminho.<<strong>br</strong> />
Na chã que se vai gradualmente alteando destacam-se as gramíneas, moitas de plantas baixas,<<strong>br</strong> />
de folhas escuras, de flores roxas, muito grandes.<<strong>br</strong> />
De um e de outro lado do trem perpassam, fogem som<strong>br</strong>as <strong>com</strong>pactas, fortes: são os<<strong>br</strong> />
primeiros topes da serra. Em vários lugares desnuda-se o granito lavado pelo enxurro,<<strong>br</strong> />
arrebatado pelas <strong>br</strong>ocas do mineiro, esfacelado pela marreta do <strong>br</strong>itador.<<strong>br</strong> />
Em todas as árvores vêem-se parasitas, de flores escarlates, de folhas lustrosas.<<strong>br</strong> />
A máquina, arfando, em carreira vertiginosa, arrastando o tender, arrastando a longa<<strong>br</strong> />
cauda de carros, triunfante, rumorosa, sobe, galga, vence, domina, salva o declive áspero, rola<<strong>br</strong> />
em terreno plano. O ar torna-se mais fino, mais úmido, a luz mais viva, mais mordente.<<strong>br</strong> />
À esquerda, rápidas, <strong>com</strong>o que levantadas, emergidas subitamente, alteiam-se<<strong>br</strong> />
montanhas, visos, picos, paredões, agruras, despedaçamentos de cordilheira.<<strong>br</strong> />
À direita, em anfiteatro pelo dorso escalavrado de uma eminência, case<strong>br</strong>es miseráveis;<<strong>br</strong> />
so<strong>br</strong>e o rechano uma igrejinha rústica, desgraciosa, malfeita, <strong>com</strong> três janelas, <strong>com</strong> dois<<strong>br</strong> />
simulacros de torres, a picar de <strong>br</strong>anco o azul do céu e o escuro da mata.<<strong>br</strong> />
É o alto da serra.<<strong>br</strong> />
Em frente, a alguns decâmetros, a<strong>br</strong>e-se, rasga-se um vão, uma clareira enorme, por<<strong>br</strong> />
onde<<strong>br</strong> />
se enxerga um horizonte remotíssimo, um acinzentamento confuso de serras e céu, que<<strong>br</strong> />
assom<strong>br</strong>a, que amesquinha a imaginação.