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tipologias textuais e a produção de textos na escola - PUC Minas

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS<br />

Jane Quintiliano Guimarães Silva<br />

TIPOLOGIAS TEXTUAIS<br />

E<br />

A PRODUÇÃO DE TEXTOS NA ESCOLA<br />

Dissertação apresentada ao Programa <strong>de</strong> Pós-graduação<br />

em Educação, da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Mi<strong>na</strong>s Gerais,<br />

como parte dos requisitos para obtenção do título <strong>de</strong><br />

Mestra em Educação, sob a orientação da Profª. Drª.<br />

Magda Soares.<br />

Belo Horizonte<br />

Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação da UFMG<br />

1995


BANCA EXAMINADORA<br />

Prof. Dr. MILTON DO NASCIMENTO (UFMG)<br />

Prof. Dr. LUIS CARLOS TRAVAGLIA (UFUB)<br />

Profª. Drª. MAGDA B.SOARES


RESUMO<br />

Com o objetivo <strong>de</strong> verificar o papel <strong>de</strong> uma tipologia textual <strong>na</strong>s ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto,<br />

no ensino <strong>de</strong> Português, no 1º Grau - a distribuição e hierarquização <strong>de</strong> tipos <strong>de</strong> texto, os critérios<br />

<strong>de</strong>finidores da tipologia <strong>escola</strong>r, as estratégias didáticas para possibilitar a apropriação, pelos alunos <strong>de</strong><br />

diferentes tipos <strong>de</strong> texto e discurso, <strong>de</strong>senvolveu-se uma investigação que se constitui <strong>de</strong> duas etapas.<br />

A primeira etapa visou i<strong>de</strong>ntificar as condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> <strong>textos</strong> por aluno da 2ª, 4ª , 6ª e 8ª séries<br />

do 1º Grau <strong>de</strong> uma <strong>escola</strong> pública, e a<strong>na</strong>lisar, do ponto <strong>de</strong> vista tipológico, os <strong>textos</strong> produzidos pelos<br />

alunos nessas condições. A segunda etapa visou <strong>de</strong>screver e a<strong>na</strong>lisar os princípios tipológicos<br />

utilizados pelos alunos para classificar, quanto ao tipo, os seus próprios <strong>textos</strong> e <strong>textos</strong> representativos<br />

da prática corrente <strong>de</strong> escrita <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>. Na primeira etapa, utilizaram-se, como procedimentos,<br />

observação <strong>de</strong> aulas <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto, entrevista com professores e análise dos <strong>textos</strong> produzidos<br />

pelos alunos; <strong>na</strong> segunda etapa, foram realizados sessões <strong>de</strong> testes individuais com seis alunos <strong>de</strong><br />

cada uma das turmas objeto <strong>de</strong> estudo <strong>na</strong> primeira etapa, num total <strong>de</strong> 24 alunos. Os resultados da<br />

primeira etapa evi<strong>de</strong>nciaram que, apesar <strong>de</strong> a <strong>escola</strong> <strong>de</strong>ixar fora das aulas <strong>de</strong> redação a multiplicida<strong>de</strong><br />

dos usos que os diferentes tipos <strong>de</strong> <strong>textos</strong> <strong>de</strong>sempenham nos variados gêneros discursivos, não<br />

propiciando uma aprendizagem sistemática <strong>de</strong>sses tipos e gêneros, os alunos, para realizar as<br />

propostas <strong>de</strong> redação que lhes eram feitas, materializavam os seus discursos por meio das formas<br />

básicas <strong>de</strong> interação produzidas <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>, o que levou à inferência <strong>de</strong> que recorriam a um<br />

conhecimento construído assistematicamente sobre o funcio<strong>na</strong>mento dos tipos <strong>textuais</strong> . Os resultados<br />

<strong>de</strong> segunda etapa evi<strong>de</strong>nciaram que, <strong>na</strong> tipificação <strong>de</strong> <strong>textos</strong>, os alunos utilizavam princípios tipológicos<br />

<strong>de</strong> <strong>na</strong>tureza diversificada, recobrindo tanto as características exter<strong>na</strong>s ao texto como as inter<strong>na</strong>s. Em<br />

síntese, os resultados das duas etapas sugerem que os alunos produzem <strong>textos</strong> <strong>de</strong> diferentes tipos e<br />

reconhecem diferentes tipos <strong>de</strong> <strong>textos</strong> com base em um conhecimento prévio construído<br />

assistematicamente ao longo <strong>de</strong> suas interações verbais, seja como falantes/escritores, seja como<br />

ouvintes/leitores.


RÉSUMÉ<br />

Avec e ‘ objectif <strong>de</strong> vérifier le rôle d’une typologie textuelle dans les<br />

activités <strong>de</strong> production <strong>de</strong> texte, dans l’enseignement du Portugais dans le 1(er) dégré - la distribuition et<br />

l’ hiérarchisation <strong>de</strong>s types <strong>de</strong> texte ou <strong>de</strong> discours, les critères qui définissent la typologie scolaire, les<br />

stratégies didactiques pour possiliter l’appropriation, par les élèves, <strong>de</strong>s différents types <strong>de</strong> texte et <strong>de</strong><br />

discours - il a été développée une investigation en duex étapes. Le but <strong>de</strong> la première étape a été<br />

l’i<strong>de</strong>ntification <strong>de</strong>s conditions <strong>de</strong> production <strong>de</strong> texte par élève <strong>de</strong>s 2 , 4 , 6 et 8 années par élève du<br />

1(er) dégré d’une école publique et d’ anlyser, d’un point <strong>de</strong> vue typologique, les textes produits par<br />

élèves dans ces conditions. Le but <strong>de</strong> la <strong>de</strong>uxième étape a été la <strong>de</strong>scription et l’a<strong>na</strong>lyse <strong>de</strong>s principes<br />

typologiques utilisés par les élèves pour classifier, par types, leurs propres textes et les textes<br />

représentatifs <strong>de</strong> la pratique courante <strong>de</strong> l’écriture dans la société. Dans la première étape ont éte<br />

utilisés comme procédés, l’observation da classes <strong>de</strong> production <strong>de</strong> texte, <strong>de</strong>s interviews avec les<br />

professeurs et l’a<strong>na</strong>lyse <strong>de</strong>s textes produits par les éleves. Dans la <strong>de</strong>uxième étape ont été réalisées<br />

<strong>de</strong>s sessions <strong>de</strong> textes individuels avec <strong>de</strong>s groupes <strong>de</strong> six élèves <strong>de</strong> chaque classe qui était objet<br />

d’étu<strong>de</strong> dans la première étape, avec un total <strong>de</strong> 24 élèves. Les résultats <strong>de</strong> la première étape ont mis<br />

en évi<strong>de</strong>nce que, malgré le fait <strong>de</strong> l’école laisser en <strong>de</strong>hors <strong>de</strong>s classes <strong>de</strong> rédaction la multiplicité<br />

d’usages que les différents types <strong>de</strong> texte ont dans les divers genres <strong>de</strong> discours, sans propicier un<br />

apprentissage systématique <strong>de</strong> ces types et genres, les élèves, pour réaliser les propositions <strong>de</strong><br />

rédaction faites, ont matérialisé leurs discours à travers les formes <strong>de</strong> base d’interaction produites dans<br />

la societé, ce qui nous a fait inférer qu’ils utilisaient une con<strong>na</strong>issance préalable <strong>de</strong> façon intuitive sur le<br />

fonctionnement <strong>de</strong>s types textuels. Les résultats <strong>de</strong> la <strong>de</strong>uxième étape ont mis en evi<strong>de</strong>nce que, dans la<br />

typologie <strong>de</strong>s textes, les élèves ont utilisé les principes typologiques <strong>de</strong> <strong>na</strong>ture diversifiée, qui recouvrait<br />

non seulement les caractéristiques externes au texte mais aussi les internes. Em résumé, les resultats<br />

en <strong>de</strong>ux étape suggèrent que les élèves produisent <strong>de</strong>s textes <strong>de</strong> différents types et sont capables <strong>de</strong><br />

recon<strong>na</strong>ître les différents types <strong>de</strong> texte, basés sur une con<strong>na</strong>issance préalable <strong>de</strong> façon intuitive tout au<br />

long <strong>de</strong> leurs interactions verbales, soit en tant que parleurs/ecrivains, soit en tant qu’auditeurs/lecteurs.<br />

SUMÁRIO


PARTE I: AS CONDIÇÕES DE EMERGÊNCIA DO OBJETO DE ESTUDO E OS FUNDAMENTOS<br />

CAPÍTULO 1<br />

AS CONDIÇÕES DE EMERGÊNCIA DO OBJETO DE ESTUDO<br />

1 - Introdução.........................................................................................................................................8<br />

2 - Uma tipologia textual <strong>escola</strong>r ..........................................................................................................10<br />

3 - O objeto <strong>de</strong> estudo..........................................................................................................................26<br />

CAPÍTULO 2<br />

O QUADRO TEÓRICO DO ESTUDO: TEXTO E DISCURSO<br />

1 - Introdução.......................................................................................................................................29<br />

2 - Lingüística Textual : da frase ao texto ...........................................................................................32<br />

3 - Teoria do Discurso : a linguagem, ativida<strong>de</strong> constitutiva ................................................................33<br />

CAPÍTULO 3<br />

TIPOLOGIA DO TEXTO E DO DISCURSO<br />

1.- Introdução.......................................................................................................................................36<br />

2 - Sobre tipo e tipologia ......................................................................................................................36<br />

2.1 - Tipo .......................................................................................................................................37<br />

2.2 - Tipologia................................................................................................................................40<br />

3 - Tipologia do texto e do discurso .....................................................................................................45<br />

3.1 - Tipologia adotada..................................................................................................................45<br />

3.1.1 - Descrição, <strong>na</strong>rração, injunção e dissertação ..............................................................47<br />

3.1.2 - O tipo argumentativo “stricto sensu”...........................................................................52<br />

3.2 - Outras propostas tipológicas.................................................................................................55<br />

3.2.1 - Tipologias enunciativas ..............................................................................................57<br />

3.2.2 - Tipologias comunicacio<strong>na</strong>is ou funcio<strong>na</strong>is.................................................................62<br />

3.2.3 - Tipologias situacio<strong>na</strong>is................................................................................................72<br />

4. Conclusão ........................................................................................................................................75


PARTE II - A PESQUISA<br />

CAPÍTULO 4<br />

A PESQUISA: CONFIGURAÇÃO GERAL............................................................................................................78<br />

CAPÍTULO 5<br />

OBJETIVOS, DIRETRIZES METODOLÓGICAS E CARACTERIZAÇÃO DO CAMPO DE PESQUISA..................................84<br />

1 - Objetivos do estudo ........................................................................................................................84<br />

2 - Diretrizes metodológicas.................................................................................................................86<br />

2.1 - Procedimentos metodológicos ..............................................................................................87<br />

3.- Caracterização do campo <strong>de</strong> pesquisa..........................................................................................89<br />

4 - Seleção e caracterização das turmas .............................................................................................90<br />

5 - Caracterização dos professores .....................................................................................................93<br />

5.1 - Professora da 204.................................................................................................................93<br />

5.2 - Professora da 401.................................................................................................................95<br />

5.3 - Professor da 606...................................................................................................................96<br />

5.4 - Professora da 801.................................................................................................................97<br />

Capítulo 6<br />

AS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DOS TIPOS DE TEXTO NA ESCOLA...................................................................101<br />

1 - Introdução.....................................................................................................................................101<br />

2 - A interlocução <strong>na</strong> sala <strong>de</strong> aula .....................................................................................................103<br />

2.1 - Abertura das aulas <strong>de</strong> redação ...........................................................................................105<br />

2.2 - Motivação e orientação do trabalho <strong>de</strong> escrita <strong>de</strong> texto ......................................................107<br />

2.3 - Tema <strong>de</strong> redação: diretriz do trabalho <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto <strong>na</strong> <strong>escola</strong>..............................118<br />

2.4 - Condições discursivas <strong>escola</strong>res ........................................................................................140<br />

3 - Caracterização dos tipos <strong>textuais</strong> produzidos <strong>na</strong> <strong>escola</strong>...............................................................155<br />

3.1. - Visão panorâmica dos tipos <strong>textuais</strong> produzidos <strong>na</strong> <strong>escola</strong> ...............................................162


3.2. Critérios adotados para caracterização dos tipos <strong>textuais</strong>...................................................165<br />

3.3 - Tipos <strong>textuais</strong> <strong>na</strong> <strong>produção</strong> dos alunos ...............................................................................166<br />

4 .Conclusão ......................................................................................................................................203<br />

CAPÍTULO 7 PRINCÍPIOS TIPOLÓGICOS ADOTADOS PELOS ALUNOS<br />

1 - Introdução.....................................................................................................................................205<br />

2 - Hipótese básica do estudo e objetivos..........................................................................................206<br />

3 - Alguns estudos sobre tipos <strong>textuais</strong>..............................................................................................207<br />

3 1 - Pesquisas sobre a compreensão dos tipos <strong>textuais</strong>............................................................207<br />

3. 2 - Pesquisas sobre <strong>produção</strong> dos tipos <strong>textuais</strong> ....................................................................209<br />

3.3 - Pesquisas sobre a categorização dos tipos <strong>textuais</strong> feita por sujeitos ................................212<br />

4 - Metodologia ..................................................................................................................................216<br />

4.1 - Seleção dos alunos .............................................................................................................216<br />

4.2 - Corpus utilizado <strong>na</strong>s testagens <strong>de</strong> tipificação dos <strong>textos</strong> ....................................................218<br />

4.3 - As tarefas e as etapas <strong>de</strong> testagem....................................................................................219<br />

5 - Apresentação dos resultados........................................................................................................224<br />

5.1 - Do agrupamento..................................................................................................................224<br />

5.2 - Dos critérios ........................................................................................................................227<br />

5.2.1 - Primeira instância: o cruzamento <strong>de</strong> critérios ..........................................................228<br />

5.2.3 - Terceira instância: critérios relacio<strong>na</strong>dos com a caracterização discursiva do texto 238<br />

5.2.4 - Quarta instância: critérios microestruturais e funcio<strong>na</strong>is...........................................243<br />

6 - Relação entre os princípios tipológicos adotados pelos alunos e os construídos pelas <strong>tipologias</strong><br />

existentes...........................................................................................................................................244<br />

CAPÍTULO 8<br />

CONCLUSÃO ........................................................................................................................................31<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................................................369<br />

ANEXOS (Volume anexo)......................................................................................................................


1 - Introdução<br />

PARTE I<br />

As condições <strong>de</strong> emergência do objeto <strong>de</strong> estudo<br />

Fundamentos teóricos<br />

CAPÍTULO 1<br />

As condições <strong>de</strong> emergência do objeto <strong>de</strong> estudo<br />

A emergência <strong>de</strong> um objeto <strong>de</strong> estudo e pesquisa não ocorre por acaso,<br />

tampouco pela escolha puramente pessoal do pesquisador. Na verda<strong>de</strong>, resulta <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong><br />

questões que se colocam perante uma dada realida<strong>de</strong>. Essas questões, <strong>de</strong> modo geral, trazem no seu<br />

bojo uma carga <strong>de</strong> valores e pressupostos que não ape<strong>na</strong>s refletem o contexto sociohistórico em que o<br />

pesquisador se encontra inserido, mas também o contexto do próprio objeto que se quer pesquisar.<br />

É à apresentação dos fatores que se encontram <strong>na</strong>s bases constitutivas<br />

<strong>de</strong>ste trabalho, representando, portanto, o ponto <strong>de</strong> partida da emergência do objeto <strong>de</strong> estudo<br />

proposto, que <strong>de</strong>dicaremos este capítulo.<br />

O ponto <strong>de</strong> partida <strong>de</strong>ste estudo são questões que nossa atuação como<br />

professora <strong>de</strong> Português no 1º Grau colocava, em face da freqüência cristalizada <strong>de</strong> ape<strong>na</strong>s alguns<br />

tipos <strong>de</strong> <strong>textos</strong> <strong>escola</strong>res e da dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> outros tipos ou configurações <strong>textuais</strong> ultrapassarem a<br />

porta da sala <strong>de</strong> aula ou se inserirem nela.<br />

Foi a percepção <strong>de</strong>sse fato que nos instigou a investigar outra realida<strong>de</strong><br />

<strong>escola</strong>r, a fim <strong>de</strong> apreen<strong>de</strong>rmos se os <strong>textos</strong> produzidos pelos alunos no interior das práticas <strong>de</strong> ensino<br />

<strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto propostas nessa outra realida<strong>de</strong> se davam sob condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong><br />

semelhantes, ou não, àquelas que se confi<strong>na</strong>vam no limite <strong>de</strong> ape<strong>na</strong>s alguns tipos <strong>de</strong> texto.<br />

8


As questões centrais em torno das quais se <strong>de</strong>senvolverá essa<br />

exposição referem-se, pois, aos problemas que a nossa atuação como professora <strong>de</strong> Português<br />

colocava, em face do funcio<strong>na</strong>mento da tipologia textual proposta pela <strong>escola</strong>. Para tanto, procuraremos<br />

<strong>de</strong>screver o quadro conceitual em que essa tipologia se inscreve, os critérios adotados para sua<br />

atualização <strong>na</strong>s práticas <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto, o seu processo <strong>de</strong> difusão. e o corpus <strong>de</strong><br />

<strong>textos</strong> selecio<strong>na</strong>do por ela.<br />

Antes, porém, <strong>de</strong> avançarmos <strong>na</strong> reflexão sobre o funcio<strong>na</strong>mento da<br />

tipologia textual instaurada no contexto <strong>escola</strong>r, convém explicitar que o centro <strong>de</strong> interesse <strong>de</strong> todo o<br />

questio<strong>na</strong>mento que se levanta perante a realida<strong>de</strong> das práticas <strong>escola</strong>res observadas, em que se<br />

constatou a cristalização dos tipos <strong>textuais</strong>, não recai sobre os seus agentes (professores), tampouco<br />

sobre as práticas em si, como se eles e elas fossem a origem da configuração e difusão <strong>de</strong> uma certa<br />

tipologia <strong>na</strong> <strong>escola</strong>. Tal consi<strong>de</strong>ração se esten<strong>de</strong>, igualmente, às aulas <strong>de</strong> redação, em que se realizou<br />

a coleta dos dados, <strong>na</strong>s quais se constatou uma realida<strong>de</strong> marcada pela ausência <strong>de</strong> uma proposta <strong>de</strong><br />

trabalho orientada por qualquer espécie <strong>de</strong> tipologia textual.<br />

Vale ressaltar que a prática <strong>escola</strong>r <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto, seja marcada<br />

ou não pela presença <strong>de</strong> uma tipologia textual, não é aqui compreendida como uma prática constituída<br />

pela (e <strong>na</strong>) ação única e autônoma do professor, mas sim como uma prática em cuja atualização há<br />

uma confluência <strong>de</strong> fatores internos e externos ao campo educacio<strong>na</strong>l1 , que, articulados entre si, fazem<br />

com que ela assuma certas características e não outras.<br />

Em face disso, conseqüentemente, qualquer juízo <strong>de</strong> valor que se faça<br />

em relação às ações dos sujeitos <strong>de</strong>ssas práticas, assim como aos próprios sujeitos, tor<strong>na</strong>-se sem<br />

sentido, pois, conforme dissemos, não são em absoluto estes fatores que “<strong>de</strong> per si” explicam a<br />

presença ou ausência <strong>de</strong> certos mo<strong>de</strong>los e padrões da tipologia textual no contexto <strong>escola</strong>r, mas, sim,<br />

outros, que se configuram por<br />

“(...) um conjunto <strong>de</strong> relações que se estabelecem em sala <strong>de</strong><br />

aula entre o complexo <strong>de</strong> elementos <strong>de</strong> dados previamente a seu<br />

1 Os fatores internos dizem respeito às próprias condições <strong>de</strong> trabalho no contexto <strong>escola</strong>r com a discipli<strong>na</strong> Português: a<br />

organização e funcio<strong>na</strong>mento dos critérios tipológicos (e outros) agenciados pela tipologia no quadro das práticas com <strong>textos</strong><br />

correntes <strong>na</strong> <strong>escola</strong> ; as concepções <strong>de</strong> ensino-aprendizagem subjacentes à aquisição e <strong>de</strong>senvolvimento da língua escrita;<br />

os programas <strong>de</strong> ensino (instruções oficiais), planos <strong>de</strong> curso, livros didáticos, manuais <strong>de</strong> redação, como instrumentos<br />

didáticos para uso em sala <strong>de</strong> aula e difusão <strong>de</strong> uma certa tipologia textual. Quanto aos fatores externos, estes encontram-se<br />

relacio<strong>na</strong>dos diretamente à política educacio<strong>na</strong>l e ao contexto social, político e histórico que contribuem <strong>na</strong> <strong>de</strong>finição das<br />

práticas implementadas <strong>na</strong> <strong>escola</strong>.<br />

9


acontecimento: técnicas, materiais <strong>de</strong> ensino, formas <strong>de</strong><br />

organização <strong>de</strong> trabalho <strong>escola</strong>r, etc., que <strong>de</strong>finem, em seu<br />

relacio<strong>na</strong>mento, um campo <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s para a ação dos<br />

professores e alunos, um conjunto <strong>de</strong> lugares, limites,<br />

<strong>de</strong>marcações e linhas que se cruzam e entrecruzam, fazendo<br />

emergir certas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> trânsito e não outras, <strong>na</strong> ação<br />

<strong>escola</strong>r”.<br />

(BATISTA, 1990:4)<br />

Definidas essas posições, passemos, então, à exposição do quadro das<br />

condições <strong>de</strong> funcio<strong>na</strong>mento e difusão da tipologia textual instaurado no interior do contexto <strong>escola</strong>r.<br />

2 - Uma tipologia textual <strong>escola</strong>r<br />

por último, dissertação?<br />

Por que se ensi<strong>na</strong> <strong>na</strong> <strong>escola</strong> primeiramente <strong>na</strong>rração, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>scrição e,<br />

Por que esses três tipos <strong>de</strong> texto seguem uma or<strong>de</strong>m hierárquica,<br />

a<strong>de</strong>quando-se a esta ou àquela série <strong>escola</strong>r?<br />

Quais os fatores que impe<strong>de</strong>m a inserção <strong>de</strong> outros tipos <strong>de</strong> texto e/ou<br />

outras configurações <strong>textuais</strong>, enfim, outras funções e usos da língua escrita?<br />

E, conseqüentemente, quais os fatores que levam à <strong>escola</strong> estabelecer<br />

uma tipologia textual que classifica e reduz os <strong>textos</strong> à <strong>de</strong>scrição, <strong>na</strong>rração e dissertação, e tem como<br />

referência - quase exclusiva - o gênero literário? 2<br />

2 Embora encontremos com relativa freqüência <strong>na</strong> literatura o uso das expressões “ tipo” e “gênero” como sinônimas, aqui<br />

, estamos tomando-as como dois conceitos distintos. Para tanto , baseamo-nos <strong>na</strong> distinção estabelecida por Jean M. Adam<br />

(1987:53) . Segundo este autor , os tipos <strong>textuais</strong> como :<strong>na</strong>rrativo, <strong>de</strong>scritivo, dissertativo, expositivo, argumentativo e<br />

injuntivo são tipos <strong>de</strong> texto que po<strong>de</strong>m figurar em quaisquer gêneros dos discursos produzidos em uma dada socieda<strong>de</strong>. Por<br />

exemplo, no romance, um dos gêneros do discurso literário, po<strong>de</strong>m encontrar-se os seguintes tipos <strong>de</strong> texto: o <strong>na</strong>rrativo -<br />

usado para relatar os acontecimentos, a progressão das ações dos perso<strong>na</strong>gens ; o <strong>de</strong>scritivo - usado para caracterizar os<br />

perso<strong>na</strong>gens, as suas ações , retratar as ce<strong>na</strong>s , etc.; o dissertativo - usado para comentar as ações dos perso<strong>na</strong>gens,<br />

avaliar os sentimentos e atitu<strong>de</strong>s dos mesmos.<br />

10


São essas questões, como assi<strong>na</strong>lamos, que formam a base constitutiva<br />

<strong>de</strong>ste estudo e representam o seu ponto <strong>de</strong> partida. Em outras palavras, a origem, constituição e<br />

emergência <strong>de</strong>ste estudo <strong>de</strong>ram-se em <strong>de</strong>corrência do nosso estranhamento que se foi constituindo<br />

diante <strong>de</strong> práticas <strong>escola</strong>res que inseriam a escrita <strong>de</strong> <strong>textos</strong> em um quadro <strong>de</strong> condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong><br />

que a distanciavam do seu uso social efetivo, como instrumento <strong>de</strong> interação.<br />

Assim, <strong>na</strong> dinâmica do contexto <strong>escola</strong>r, convivíamos com práticas que<br />

tendiam a confi<strong>na</strong>r a escrita produzida pelos alunos nos limites <strong>de</strong> ape<strong>na</strong>s alguns tipos <strong>de</strong> texto, tendo<br />

como referência alguns gêneros do discurso literário. Tal convivência levou-nos a questio<strong>na</strong>r se as<br />

condições dadas pela <strong>escola</strong> para a apropriação dos tipos <strong>de</strong> texto - <strong>na</strong>rrativo, <strong>de</strong>scritivo e dissertativo -<br />

por parte dos alunos, ao longo do processo <strong>de</strong> <strong>escola</strong>rização, não estariam, <strong>de</strong> uma maneira ou <strong>de</strong><br />

outra, impondo certas restrições às virtuais relações entre os alunos e o mundo da escrita. Essas<br />

restrições efetivavam-se à medida que tais práticas ignoravam a dimensão da multiplicida<strong>de</strong> e<br />

complexida<strong>de</strong> dos usos, valores e funções que os diferentes tipos <strong>textuais</strong> <strong>de</strong>sempenham nos mais<br />

diversificados discursos3produzidos em uma socieda<strong>de</strong>.<br />

A essa pergunta, somemos outra, que diz respeito à configuração e<br />

difusão <strong>de</strong> uma certa tipologia textual <strong>na</strong> e pela <strong>escola</strong>. Isto é: o confi<strong>na</strong>mento dos <strong>textos</strong>, <strong>na</strong> <strong>escola</strong>, a<br />

um número reduzido e permitido por ela, em confronto com a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> manifestações discursivas,<br />

<strong>na</strong> modalida<strong>de</strong> escrita, com as quais os alunos se <strong>de</strong>frontam ou se <strong>de</strong>frontarão em suas interações<br />

verbais cotidia<strong>na</strong>s (formais ou não), levou-nos a, igualmente, questio<strong>na</strong>r se essa tipologia textual<br />

<strong>escola</strong>r não existiria, exclusivamente, em função do próprio ambiente <strong>escola</strong>r, e seu valor não seria<br />

fundamentalmente e, talvez, exclusivamente <strong>escola</strong>r, assim sendo, provavelmente, um conteúdo<br />

constituído historicamente ”pela própria <strong>escola</strong>, <strong>na</strong> própria <strong>escola</strong> e para a própria <strong>escola</strong>” (CHERVEL,<br />

1990:181)<br />

Daí, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atribuirmos à tipologia textual adotada <strong>na</strong>s<br />

práticas <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto o nome <strong>de</strong> tipologia textual <strong>escola</strong>r. E essa atribuição justificar-<br />

3 Discurso será aqui entendido como uma ativida<strong>de</strong> produtora <strong>de</strong> linguagem que sempre se dá em uma instância concreta ,<br />

on<strong>de</strong> recursos expressivos da língua são colocados em funcio<strong>na</strong>mento com a fi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produzir efeitos <strong>de</strong> sentido entre<br />

os interlocutores.<br />

Texto será consi<strong>de</strong>rado como produto <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> discursiva, como uma unida<strong>de</strong> lingüística capaz <strong>de</strong> formar um todo<br />

significativo, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> sua extensão, atualizada pelos usuários da língua em uma situação discursiva específica e<br />

concreta. Nessa perspectiva , embora estes conceitos sejam consi<strong>de</strong>rados , aqui, como distintos, eles estão intimamente<br />

interligados para explicar a utilização e o funcio<strong>na</strong>mento da linguagem. “Há entre eles uma relação necessária, já que o<br />

discurso se realiza em <strong>textos</strong> e não há texto sem discurso ‘ (TRAVAGLIA, 1991: 28).<br />

11


se-ia pelas condições <strong>de</strong> funcio<strong>na</strong>mento que essa tipologia apresenta no contexto da ação <strong>escola</strong>r: os<br />

critérios que a estabelecem, a forma como se organiza, a sua in<strong>de</strong>pendência em relação à <strong>produção</strong><br />

escrita produzida historicamente pela socieda<strong>de</strong>, a forma e os meios utilizados para difundi-la no interior<br />

das práticas <strong>escola</strong>res.<br />

Posto isso, passemos à exposição <strong>de</strong> como, <strong>na</strong> nossa prática <strong>de</strong><br />

professora <strong>de</strong> Português, a tipologia textual <strong>escola</strong>r se configurava no interior da <strong>escola</strong>, os tipos <strong>de</strong><br />

texto que a compunham, como a <strong>escola</strong> os abordava e como era nela difundida.<br />

O processo <strong>de</strong> difusão <strong>de</strong>ssa tipologia se atualizava <strong>na</strong> dinâmica <strong>de</strong> um<br />

conjunto <strong>de</strong> materiais <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> 1º Grau expressos <strong>na</strong> forma <strong>de</strong> livros didáticos, <strong>de</strong> manuais <strong>de</strong><br />

redação, <strong>de</strong> planos <strong>de</strong> curso (produzidos pela <strong>escola</strong> e/ou pelos <strong>de</strong>partamentos <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong><br />

secretarias municipais e/ou estaduais), <strong>de</strong> programas <strong>de</strong> ensino (instruções oficiais ema<strong>na</strong>das da<br />

Secretaria <strong>de</strong> Educação <strong>de</strong> Mi<strong>na</strong>s Gerais) 4 .<br />

De modo geral, a proposta que esses materiais didáticos apresentavam<br />

à <strong>escola</strong> para as práticas com <strong>textos</strong> circunscrevia-se num quadro tipológico que incluía ape<strong>na</strong>s três<br />

tipos <strong>de</strong> texto: o texto <strong>na</strong>rrativo, o texto <strong>de</strong>scritivo e o texto dissertativo, propostos nessa or<strong>de</strong>m<br />

hierárquica.<br />

Um exemplo que permite precisar tal quadro tipológico é uma passagem<br />

do Programa <strong>de</strong> Língua Portuguesa e Literatura, 1º e 2º Graus <strong>de</strong> 19875 , que recomenda:<br />

“Outro dado a ser observado é o tipo <strong>de</strong> texto que se preten<strong>de</strong><br />

construir. Sugerimos que se parta dos discursos <strong>na</strong>rrativo e <strong>de</strong>scritivo<br />

para o dissertativo, obe<strong>de</strong>cendo-se ao <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo do<br />

aluno, que vai do concreto para o abstrato. O aluno da 1ª à 4ª série<br />

será levado a <strong>na</strong>rrar histórias ligadas ao seu quotidiano, enquanto, a<br />

partir da 5ª série, po<strong>de</strong>rá construir <strong>textos</strong> posicio<strong>na</strong>ndo-se diante dos<br />

fatos <strong>na</strong>rrados, emitindo opiniões, etc. Já no 2º Grau, ele dissertará<br />

sobre assuntos diversos que o envolvam, que lhe interessem”.(p.15)<br />

4 As instruções oficiais que se encontravam em vigor, <strong>na</strong> ocasião da pesquisa, eram o Programa <strong>de</strong> Ensino <strong>de</strong> 1º Grau:<br />

Comunicação e Expressão, 1973 e o Programa <strong>de</strong> Língua Portuguesa e Literatura , 1º e 2º Graus , 1987. Quanto aos livros<br />

didáticos e manuais <strong>de</strong> redação, pois, sem correr o risco <strong>de</strong> exagerar, diríamos que a maioria <strong>de</strong>ssses materiais didáticos<br />

que circula <strong>na</strong>s <strong>escola</strong>s apresenta uma proposta <strong>de</strong> tipologia textual muito semelhante.<br />

5 Vale ressaltar aqui que, embora esse programa <strong>de</strong> ensino recomen<strong>de</strong> que os tipos <strong>textuais</strong>, para a apropriação dos<br />

alunos, em condições <strong>escola</strong>res, sigam uma or<strong>de</strong>m hierárquica, ao longo do processo <strong>de</strong> <strong>escola</strong>rização, tal instrução oficial<br />

representa um divisor <strong>de</strong> águas entre as propostas <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> Português que se voltavam para uma prática fundada nos<br />

pressupostos da gramática tradicio<strong>na</strong>l. Os fundamentos que norteiam esse programa para propor as práticas <strong>de</strong> ensino da<br />

língua mater<strong>na</strong> são aqueles que se enquadram <strong>na</strong> concepção <strong>de</strong> língua enquanto interação, enquanto ativida<strong>de</strong> constitutiva<br />

12


Esta passagem evi<strong>de</strong>ncia um dos princípios que compõem a base da<br />

tipologia textual <strong>escola</strong>r. Nela se tor<strong>na</strong> manifesto o pressuposto <strong>de</strong> uma pretensa relação entre<br />

<strong>de</strong>senvolvimento cognitivo do aluno e o tipo <strong>de</strong> texto a ser apropriado por ele. E, em face disso, tal<br />

instrução acaba por prescrever uma orientação metodológica no que respeita à circulação dos tipos <strong>de</strong><br />

texto no interior da <strong>escola</strong>, <strong>de</strong>finindo, assim, uma distribuição seriada dos três tipos ao longo do<br />

processo <strong>de</strong> <strong>escola</strong>rização.<br />

Esse pressuposto era (e ainda é) igualmente corroborado pelos manuais<br />

didáticos; embora nem sempre encontrasse explicitado nos <strong>textos</strong> introdutórios <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>dos aos<br />

professores, tor<strong>na</strong>va-se patente, <strong>na</strong> própria organização estrutural das coleções.<br />

A realida<strong>de</strong> apresentada por esses materiais didáticos parecia refletir a<br />

realida<strong>de</strong> da sala <strong>de</strong> aula. Não havia <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> entre a tipologia textual proposta por eles e<br />

aquela adotada <strong>na</strong>s práticas <strong>escola</strong>res com <strong>textos</strong>. Ambas, no que diz respeito à distribuição dos três<br />

tipos <strong>de</strong> texto, ao longo das séries <strong>escola</strong>res, seguiam uma or<strong>de</strong>m hierárquica: basicamente, o texto<br />

<strong>na</strong>rrativo principiava a progressão, tendo uma certa primazia ao longo do curso da <strong>escola</strong>rização.<br />

Seguindo a or<strong>de</strong>m, vinha o texto <strong>de</strong>scritivo, este, geralmente, apresentando uma oposição ao primeiro<br />

(<strong>de</strong>screver pessoas, ce<strong>na</strong>s, coisas versus <strong>na</strong>rrar ações) e, por último, o dissertativo, presente <strong>na</strong>s séries<br />

fi<strong>na</strong>is do 1º Grau, fundamentalmente, <strong>na</strong> oitava série.<br />

Sob a hierarquia atribuída aos três tipos <strong>de</strong> texto, parecia haver um<br />

conjunto <strong>de</strong> crenças que permeavam o universo <strong>escola</strong>r, as quais se manifestavam <strong>na</strong> mesma<br />

intensida<strong>de</strong> daquelas crenças expressas nos materiais <strong>de</strong> ensino: a (pretensa) relação necessária entre<br />

<strong>de</strong>senvolvimento cognitivo e a apropriação dos tipos <strong>de</strong> texto.<br />

Essas crenças que afloravam, <strong>na</strong> <strong>escola</strong>, serão, aqui, para efeito <strong>de</strong><br />

exemplo, traduzidas em <strong>de</strong>poimentos, 6construídos, por sujeitos que, embora ocupassem lugares<br />

diferentes <strong>na</strong> organização do trabalho da <strong>escola</strong>, revelavam um posicio<strong>na</strong>mento bastante homogêneo<br />

frente a essa distribuição dos tipos <strong>de</strong> texto.<br />

Depoimentos <strong>de</strong> professores das séries iniciais do 1º Grau - 1ª à 4ª série:<br />

do sujeito. Assim, apesar <strong>de</strong> propor a tipologia tradicio<strong>na</strong>l, <strong>na</strong> or<strong>de</strong>m hierárquica tradicio<strong>na</strong>l, o programa não per<strong>de</strong><br />

importância como um instrumento que propõe a redimensão do ensino da discipli<strong>na</strong>.<br />

6 Os <strong>de</strong>poimentos, aqui , arrolados foram coletados por nós, por ocasião <strong>de</strong> um encontro <strong>de</strong> professores <strong>de</strong> Português <strong>de</strong> 1ª<br />

à 8ªseries, no qual, sob a coor<strong>de</strong><strong>na</strong>ção <strong>de</strong> um supervisor pedagógico , discutíamos uma proposta <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> <strong>produção</strong><br />

<strong>de</strong> texto no nível da <strong>escola</strong>.<br />

13


“(...) Os <strong>textos</strong> <strong>na</strong>rrativos são mais fáceis para os alunos, pois<br />

eles estão mais acostumados a contar e ouvir histórias, a contar<br />

as suas experiências”.<br />

“(...)o aluno ainda não tem maturida<strong>de</strong> para produzir <strong>textos</strong><br />

dissertativos, isso é muito complexo, requer do aluno um<br />

conhecimento muito gran<strong>de</strong>”.<br />

Depoimentos <strong>de</strong> professores das séries fi<strong>na</strong>is do 1º Grau - 5ª à 8ª série :<br />

“(...) <strong>na</strong> 5ª série, eu só trabalho com <strong>na</strong>rração com os meus<br />

alunos, eles gostam mais <strong>de</strong> produzir histórias fantásticas, <strong>de</strong><br />

ficção científica. Exploro bem isso com eles. Os outros tipos <strong>de</strong><br />

redação, por exemplo, a dissertação é ainda muito cedo”.<br />

“(...)o texto dissertativo começa a ser trabalhado <strong>na</strong>s 7ª e 8ª<br />

séries, mas é um conteúdo exclusivo do 2º Grau”.<br />

Depoimento <strong>de</strong> supervisor pedagógico:<br />

“ Eu acredito até que o aluno seja capaz da produzir um texto<br />

dissertativo, por exemplo, quando se pe<strong>de</strong> a ele uma opinião<br />

sobre “pe<strong>na</strong> <strong>de</strong> morte” ou outro assunto do momento. Mas sabese<br />

que o texto dissertativo não é conteúdo das séries do<br />

primário, nem <strong>de</strong> 5ª e 6ª séries. Isto está previsto no programa<br />

<strong>de</strong> ensino, quer dizer, <strong>na</strong> nova proposta. Não seria mais<br />

interessante que eles primeiro apren<strong>de</strong>ssem a fazer <strong>na</strong>rração<br />

direito e <strong>de</strong>pois dissertação?”.<br />

Depoimentos <strong>de</strong>ssa <strong>na</strong>tureza, produzidos por sujeitos diferentes, em<br />

situações discursivas singulares, dispersas no tempo e espaço <strong>de</strong> um contexto <strong>escola</strong>r, multiplicavamse<br />

e, conseqüentemente, fragmentavam-se em muitas vozes no interior <strong>de</strong>ssa comunida<strong>de</strong> discursiva<br />

<strong>escola</strong>r. 7Em todos eles, notava-se uma coexistência <strong>de</strong> enunciados que traduziam e, portanto,<br />

legitimavam o pressuposto da relação entre <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo e aquisição <strong>de</strong> habilida<strong>de</strong>s<br />

<strong>textuais</strong>.<br />

Assim, nos termos <strong>de</strong>sse conjunto <strong>de</strong> crenças, o texto <strong>na</strong>rrativo seria um<br />

tipo <strong>de</strong> texto mais acessível ao aluno iniciante no processo <strong>de</strong> aquisição <strong>de</strong> língua escrita. Essa<br />

14


acessibilida<strong>de</strong> era explicada, como se pô<strong>de</strong> notar, com argumentos <strong>de</strong> que, em nossa cultura, a criança,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito cedo, está acostumada a ouvir histórias reais e ficcio<strong>na</strong>is; predomi<strong>na</strong>m, <strong>na</strong>s <strong>na</strong>rrações<br />

ouvidas ou contadas, assuntos ou temas que se referem ao mundo real ou presumivelmente real (no<br />

caso da história ficcio<strong>na</strong>l); o texto <strong>na</strong>rrativo permite uma relação entre os enunciados menos complexa,<br />

isto é, constituída <strong>de</strong> seqüências lineares e sucessivas <strong>de</strong> eventos. Por essas razões é que se acredita<br />

que a apropriação do texto <strong>na</strong>rrativo seria relativamente mais fácil para o aluno, <strong>na</strong> modalida<strong>de</strong> escrita.<br />

Os outros tipos, <strong>de</strong>scritivo e dissertativo, são tidos como mais<br />

complexos, e, para se apropriar <strong>de</strong>les, o aluno <strong>de</strong>veria estar em uma fase mais adiantada <strong>de</strong> seu<br />

<strong>de</strong>senvolvimento cognitivo.<br />

Assim, para <strong>de</strong>screver, o aluno <strong>de</strong>veria possuir uma capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

apreensão e observação mais apurada, pois esse tipo <strong>de</strong> texto exige operações <strong>de</strong> seletivida<strong>de</strong> em<br />

relação ao objeto <strong>de</strong>scrito, bem como relações entre os enunciados que expressem uma simultaneida<strong>de</strong><br />

temporal.<br />

Por fim, o texto dissertativo - aquele que a <strong>escola</strong> coloca no ápice do<br />

processo <strong>de</strong> apropriação da linguagem escrita - exigiria que o aluno estivesse numa fase em que já<br />

operasse com generalizações e conceitos abstratos, para expressar as interpretações (pontos <strong>de</strong> vista,<br />

opiniões) que faz do mundo.<br />

Em relação a essa hierarquia, po<strong>de</strong>ríamos dizer que os tipos <strong>de</strong> texto a<br />

serem produzidos pelos alunos são pre<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>dos pelo nível <strong>de</strong> <strong>escola</strong>rização e articulados com o<br />

nível <strong>de</strong> maturação cognitiva. Nesse caso, o <strong>de</strong>sempenho lingüístico do aluno é <strong>de</strong>scrito, a priori, em<br />

relação ao que ainda é incapaz <strong>de</strong> produzir, quando comparado a um texto produzido por um escritor<br />

experiente (mo<strong>de</strong>lo) e/ou caracterizado por uma suposta complexida<strong>de</strong> (temática e estrutural) do tipo <strong>de</strong><br />

texto a ser ainda apropriado.<br />

Prosseguindo nessa mesma direção, po<strong>de</strong>ríamos dizer, também, que a<br />

<strong>escola</strong>, no afã <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r a uma expectativa didática que ela mesma se impõe, ao distribuir os três tipos<br />

ao longo das séries <strong>escola</strong>res, acaba por frustrar as expectativas que o aluno tem a respeito da língua<br />

escrita e do seu aprendizado. E o faz à medida que age <strong>de</strong> modo indiferente ao que o aluno sabe sobre<br />

os usos, valores e funções da língua escrita, saber esse, construído, intuitivamente, por meio dos mais<br />

variados contatos com os meios <strong>de</strong> escrita, inclusive com aqueles que são usados <strong>na</strong> <strong>escola</strong> e por ela<br />

em suas práticas com <strong>textos</strong>.<br />

7 Essa noção remete à noção empregada por. MAINGUENEAU (1989:56). O autor a usa para referir-se a “grupos ou à<br />

15


E, assim, em nome <strong>de</strong> um ritmo pre<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> aprendizagem - a fim <strong>de</strong><br />

que todos que ali estão caminhem <strong>de</strong> forma igual e tenham o mesmo ponto <strong>de</strong> chegada - a <strong>escola</strong><br />

<strong>de</strong>fine para todos, a priori, um mesmo ponto <strong>de</strong> partida para a aprendizagem da língua escrita, isto é,<br />

dos tipos <strong>de</strong> texto por ela propostos.<br />

A fim <strong>de</strong> evitar um mal-entendido que possa prejudicar a interpretação<br />

das análises que se seguirão a respeito da apropriação dos tipos <strong>de</strong> texto, por parte do aluno, em<br />

condições <strong>escola</strong>res, assi<strong>na</strong>lamos que o que advogamos, aqui, evi<strong>de</strong>ntemente, não é uma posição<br />

utópica <strong>de</strong> se exigir do aluno, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início do seu processo <strong>de</strong> aquisição da língua escrita, um<br />

comportamento (em <strong>produção</strong> dos tipos <strong>de</strong> texto que po<strong>de</strong>m figurar nos mais diversos discursos)<br />

semelhante àquele <strong>de</strong> um escritor maduro, ou seja, ao <strong>de</strong> um usuário da língua escrita que, mediante<br />

uma aprendizagem sistemática, domi<strong>na</strong>ria, com relativa fluência, todas as habilida<strong>de</strong>s e conhecimentos<br />

necessários à <strong>produção</strong> <strong>de</strong> qualquer tipo <strong>de</strong> texto, em qualquer gênero do discurso (por exemplo,<br />

jor<strong>na</strong>lístico, religioso, científico, literário) veiculados em nossa socieda<strong>de</strong>.<br />

Continuando esse raciocínio, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse conhecimento e<br />

aprendizagem sistemática, o produtor saberia, igualmente, refletir tanto sobre o próprio objeto do<br />

discurso - o seu referente, como sobre o próprio dizer do discurso - o como se diz, isto é, uma reflexão<br />

sobre o uso <strong>de</strong> estratégias discursivas, estruturais (organização global do texto) e lingüísticas que<br />

possibilitariam que o seu texto em que o discurso se manifestaria lingüisticamente, assumisse certas<br />

características e não outras para atingir os propósitos para os quais o produziu.<br />

Ora, sobre esse aspecto, o que admitimos é que se, em nossa cultura,<br />

cabe historicamente à <strong>escola</strong> a tarefa <strong>de</strong> ensi<strong>na</strong>r a ler e escrever, e ter acesso a ela significa obter nela<br />

e por intermédio <strong>de</strong>la um saber necessário à participação nos discursos que compõem o mundo da<br />

escrita, tal acesso pressupõe, portanto, conviver com a linguagem escrita e apropriar-se <strong>de</strong>la, como<br />

leitor e produtor <strong>de</strong> <strong>textos</strong>, com seus usos sociais e funções diversificados produzidos social, histórica e<br />

culturalmente <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>. Uma convivência, portanto, não atomizada, fragmentada, mas uma<br />

convivência, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início do processo da aprendizagem da língua escrita, com todos os tipos <strong>de</strong> texto<br />

materializados lingüisticamente nos vários gêneros <strong>de</strong> discursos e nos diversos registros e suportes<br />

<strong>textuais</strong> veiculados numa socieda<strong>de</strong> letrada como a nossa. Com efeito, seria uma apropriação <strong>de</strong> todos<br />

os tipos <strong>textuais</strong> que constituiria uma relação gradativa e sistemática, conduzindo do menos para o mais<br />

complexo, abarcando todos os tipos <strong>de</strong> texto presentes nos discursos, em que se colocaria a ênfase <strong>na</strong><br />

organização <strong>de</strong> grupos no interior dos quais são produzidos, gerados os <strong>textos</strong> que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m da formação discursiva.”.<br />

16


complexida<strong>de</strong> da organização do texto (esquemática, conceitual, discursiva, extensão, condições <strong>de</strong><br />

contextualização); <strong>na</strong> complexida<strong>de</strong> lingüística (vocabulário, estrutura morfossintática) e, por fim, <strong>na</strong><br />

complexida<strong>de</strong> temática (assunto ou tema mais conhecido e do interesse do aluno).<br />

Qualquer posicio<strong>na</strong>mento que tomemos frente a uma questão é evi<strong>de</strong>nte<br />

que o fazemos tendo em vista um sistema <strong>de</strong> referências, sobre o qual nos baseamos para <strong>de</strong>finir as<br />

nossas posições. Assim, aceitando como dado que não se apren<strong>de</strong> a escrever senão escrevendo,<br />

assumindo-se como locutor no processo interlocutivo e, como tal, sem renunciar à individualida<strong>de</strong> e à<br />

subjetivida<strong>de</strong>, trilhar caminhos já percorridos por outros escritores. E nesse trilhar, apropriar-se, numa<br />

relação interlocutiva, da <strong>produção</strong> escrita construída pelos escritores que a produziram para pensar o<br />

mundo, agir sobre ele, transformá-lo e se transformarem. E, <strong>de</strong>ssa forma, inteirar-se do funcio<strong>na</strong>mento<br />

discursivo8e das operações discursivas, construídos num trabalho social e histórico da <strong>produção</strong> <strong>de</strong><br />

discurso, pois:<br />

“ O acesso ao mundo da escrita é também um acesso a estas<br />

estratégias que resultam <strong>de</strong> relações interlocutivas do passado,<br />

<strong>de</strong> seus objetivos (razões para dizer) e das imagens <strong>de</strong><br />

interlocutores com que aqueles que escreveram preten<strong>de</strong>ram um<br />

certo tipo <strong>de</strong> relação. As estratégias que se escolhem revelam,<br />

em verda<strong>de</strong>, esta história porque <strong>de</strong>las são resultado”.<br />

(GERALDI,1991:183 e 184)<br />

Por assumir essa perspectiva, reformulamos aquelas questões<br />

anteriormente dadas: dadas as condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong> impostas pela tipologia textual, a ação <strong>escola</strong>r<br />

não estaria reduzindo uma relação interlocutiva que se po<strong>de</strong>ria estabelecer entre o aluno e a <strong>produção</strong><br />

escrita existente em nossa socieda<strong>de</strong>, ou seja, uma relação que lhe possibilitaria uma compreensão<br />

crítica dos <strong>textos</strong> lidos e, portanto, uma compreensão crítica da socieda<strong>de</strong> que os produziu e neles se<br />

inscreve?<br />

Igualmente, essas condições <strong>escola</strong>res <strong>de</strong> escrita não estariam<br />

reduzindo uma compreensão das dimensões histórica, social, cultural e interlocutiva inscritas no<br />

trabalho <strong>de</strong> <strong>produção</strong> dos próprios <strong>textos</strong> dos alunos e, portanto, uma não-compreensão dos usos,<br />

funções e valores que os tipos <strong>de</strong> texto <strong>de</strong>sempenham nos discursos produzidos <strong>na</strong> e pela socieda<strong>de</strong>?<br />

8 A noção <strong>de</strong> funcio<strong>na</strong>mento discursivo aqui empregada remete à noção adotada por ORLANDI (1987:153): a autora a<br />

<strong>de</strong>fine como ativida<strong>de</strong> estruturante <strong>de</strong> um discurso <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do para um interlocutor <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do, por um falante<br />

<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do, com fi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>s específicas.<br />

17


E, por fim, essa tipologia textual <strong>escola</strong>r, através das estratégias<br />

<strong>escola</strong>res <strong>de</strong> seu ensino-aprendizagem, não estaria restringindo as perspectivas <strong>de</strong> envolvimento ativo<br />

do aluno, como locutor e interlocutor <strong>de</strong> outros <strong>textos</strong>, e um aprimoramento <strong>de</strong> suas competências?<br />

Como bem afirma SCHNEWLY (apud SMOLKA & GOES, 1990), ”não há<br />

texto propedêutico, um que prepare o escritor para todos os outros”, nesse sentido, o convívio com um<br />

tipo <strong>de</strong> texto, por série <strong>escola</strong>r não garante condições para o aluno domi<strong>na</strong>r os <strong>de</strong>mais tipos que estão<br />

por vir, como propunha a <strong>escola</strong>.<br />

Seguindo esse mesmo raciocínio, vários trabalhos <strong>de</strong>senvolvidos à luz<br />

da Lingüística Textual e da Psicolingüística, 9entre cujas preocupações está o estudo da competência<br />

comunicativa, 10 têm sugerido que a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ampliação da competência comunicativa <strong>de</strong><br />

qualquer falante se efetiva mediante uma relação real <strong>de</strong> interação com os gêneros discursivos e tipo<br />

<strong>de</strong> texto, nos mais variados registros e suportes <strong>textuais</strong> em circulação em uma dada socieda<strong>de</strong>.<br />

VAN DIJK, lingüista holandês, um dos exponentes da pesquisa <strong>de</strong> texto e<br />

discurso, cujo trabalho tem-se voltado para os estudos das macroestruturas <strong>textuais</strong>, das<br />

superestruturas ou esquemas globais do texto, em suma, para os estudos da tipologia textual, também<br />

chama a atenção para a capacida<strong>de</strong> que o falante tem para conhecer e reconhecer, intuitivamente, as<br />

superestruturas dos tipos <strong>de</strong> <strong>textos</strong> que circulam <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong> em que ele está envolvido, por esses<br />

<strong>textos</strong> possuírem um caráter convencio<strong>na</strong>l. Em uma <strong>de</strong> suas obras, ”La Ciencia <strong>de</strong>l Texto”(1983),<br />

sugere que, <strong>na</strong>s experiências <strong>escola</strong>res, uma das tarefas do ensino da língua seria a <strong>de</strong> proporcio<strong>na</strong>r<br />

aos alunos, tanto para a <strong>produção</strong> como para a interpretação <strong>de</strong> <strong>textos</strong>, um conjunto amplo <strong>de</strong><br />

habilida<strong>de</strong>s e conhecimentos relativos à estrutura e funcio<strong>na</strong>mento dos diferentes tipos <strong>de</strong> texto que<br />

circulam numa dada cultura. 11<br />

KOCH & TRAVAGLIA (1990), com base nos estudos <strong>de</strong>senvolvidos por<br />

VAN DIJK, igualmente apontam para o fato <strong>de</strong> que esse conhecimento textual não é estático, ao<br />

9 Dentre os trabalhos que têm se voltado para a investigação do processo <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto, tomando <strong>de</strong>ntre outros<br />

aspectos, a competência comunicativa, encontram-se : COSTE (1988) ; GARCIA-DEBANC (1989); BENOIT e FAYOL (1989)<br />

, VAN DIJK (1992).<br />

10 A propósito <strong>de</strong>ssa noção, conferir, entre outros, COSTE, Daniel (1988) e SCHMIDT, Siegfried J (1978). Aqui, entretanto,<br />

po<strong>de</strong>ríamos dizer sem gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>talhes, com base nesses autores , que a competência comunicativa refere-se a um<br />

conhecimento (textual, lingüístico, pragmático e referencial) que todo falante tem para produzir e compreen<strong>de</strong>r <strong>textos</strong>.<br />

Conhecimento esse que vai além do léxico, da sintaxe, da morfologia <strong>de</strong> sua língua , e que alcança, portanto, outros saberes<br />

<strong>de</strong> <strong>na</strong>tureza pragmática.É adquirido, intuitivamente , <strong>na</strong> prática <strong>de</strong> suas interações sociais e não se limita ao texto oral.<br />

11 Essa obra , “ La ciencia <strong>de</strong>l texto” (1983) , não trata <strong>de</strong> questões que se referem ao ensino <strong>de</strong> uma tipologia textual <strong>na</strong><br />

<strong>escola</strong> . O autor, ao propor o estudo das superestruturas dos <strong>textos</strong> <strong>na</strong>rrativo e argumentativo, não o fez para fins didáticos.<br />

O comentário ora utilizado limita-se a uma observação feita pelo autor sobre a importância <strong>de</strong>ssa aprendizagem sistemática<br />

tanto nos meios acadêmicos como <strong>na</strong>s <strong>escola</strong>s da R F A.<br />

18


contrário, amplia-se à medida que as relações interlocutivas, das quais o sujeito participa, vão-se<br />

diversificando, seja enquanto seu papel seja <strong>de</strong> falante/ouvinte, <strong>na</strong>s interações face a face, seja<br />

enquanto o seu papel seja <strong>de</strong> escritor/leitor, <strong>na</strong>s interações à distância. E se diversificam, também, no<br />

que se refere ao objeto do discurso -o assunto; ao próprio dizer do discurso - o como se diz; aos<br />

interlocutores; às intenções do locutor; às modalida<strong>de</strong>s da língua (falada ou escrita) que está sendo<br />

atualizada para produzir o texto, etc.<br />

Nessa perspectiva, o conhecimento textual que todo sujeito tem não se<br />

restringe à linguagem oral (conforme dissemos <strong>na</strong> nota 10), é também operacio<strong>na</strong>lizado, intuitivamente,<br />

em ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> recepção e <strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto escrito, a fim <strong>de</strong> construir, para o texto que está sendo<br />

lido ou escrito, um sentido global.<br />

Entretanto, a utilização <strong>de</strong>sse conhecimento <strong>na</strong> forma escrita (recepção e<br />

<strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto) é uma tarefa que po<strong>de</strong> não ser fácil para o aluno, tendo em vista as especificida<strong>de</strong>s<br />

das condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong> do texto escrito, marcadas por uma interação interlocutiva que se<br />

estabelece com o interlocutor à distância.<br />

Essas condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong> do texto escrito exigem do aluno um<br />

conhecimento <strong>de</strong> estratégias discursivas diferentes daquelas utilizadas em suas interações face a face,<br />

as quais, basicamente, contam com uma série <strong>de</strong> fatores extralingüísticos atualizados <strong>na</strong> situação<br />

discursiva imediata. Assim, o que se exige do aluno é um conhecimento que implica a mudança <strong>de</strong><br />

si<strong>na</strong>lizações discursivas, <strong>textuais</strong>, lingüísticas e estruturais (organização da estrutura global do texto),<br />

em vários níveis, <strong>de</strong>mandados pelas condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong> em que se inscreve o tipo <strong>de</strong> texto que se<br />

quer produzir (COOK GUMPERZ & GUMPERZ,1981; COLLINS & MICHAELS,1991).<br />

Esses mesmos autores, com base em estudos realizados com crianças<br />

aprendizes da língua escrita, a fim <strong>de</strong> perceber quais os problemas lingüísticos, discursivos (<strong>de</strong>ntre<br />

outros) que surgiam <strong>na</strong> passagem do texto oral para o texto escrito, constataram que a aquisição do<br />

texto escrito geralmente representa, para a criança, uma situação problemática, pelo fato <strong>de</strong> as<br />

condições <strong>de</strong> sua <strong>produção</strong> serem diferentes das do texto falado, como sublinhamos anteriormente.<br />

Diante <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s apresentadas pelas crianças, sugerem que o trabalho com escrita, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início<br />

<strong>de</strong> sua aprendizagem, <strong>de</strong>veria dar-se por uma ação <strong>escola</strong>r sistemática, possibilitando ao aprendiz <strong>de</strong><br />

escrita uma diversificada experiência com leituras e <strong>produção</strong> <strong>de</strong> <strong>textos</strong> que lhe permitisse perceber as<br />

relações discursivas, lingüísticas, <strong>textuais</strong> e estruturais (estrutura global e esquemática do texto)<br />

presentes no texto escrito.<br />

19


Tendo em vista esses estudos, e procurando pensá-los <strong>na</strong> relação com o<br />

nosso problema central - a tipologia textual <strong>escola</strong>r que se restringe a ape<strong>na</strong>s três tipos <strong>de</strong> <strong>textos</strong> e os<br />

atomiza, ao distribuí-los ao longo do processo <strong>de</strong> <strong>escola</strong>rização -, outras questões po<strong>de</strong>riam ser<br />

colocadas, ou incluídas , evi<strong>de</strong>ntemente, <strong>na</strong> problematização principal.<br />

Consi<strong>de</strong>rando-se que o aluno traz para a <strong>escola</strong> um conhecimento<br />

textual (<strong>de</strong>ntre outros) adquirido, assistematicamente, intuitivamente, nos processos socialiazção, nos<br />

eventos <strong>de</strong> interação, nos quais, mediante o trabalho lingüístico- discursivo, inter<strong>na</strong>lizou/apropriou-se <strong>de</strong><br />

saberes relativos a um conjunto <strong>de</strong> regras implicadas com as estruturas globais típicas <strong>de</strong> cada texto e<br />

ao seu funcio<strong>na</strong>mento discursivo, a tipologia textual <strong>escola</strong>r não estaria ignorando ou <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rando<br />

esse conhecimento? E <strong>na</strong> forma como propõe os seus critérios tipológicos, assunto <strong>de</strong> que trataremos<br />

em seguida, não estaria limitando essa competência? Ainda, não se estaria criando no aluno uma<br />

imagem <strong>de</strong> texto escrito que se distancia daqueles <strong>textos</strong> que circulam <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong> e são por ela<br />

produzidos?<br />

Essas questões nos conduzem a um contexto <strong>de</strong> discussões que giram<br />

em torno <strong>de</strong> outros critérios utilizados para <strong>de</strong>finir a tipologia textual <strong>escola</strong>r, e permitem completar a<br />

construção do quadro conceitual em que ela parece inscrever-se.<br />

Até o presente momento, tentamos colocar em evidência como critério<br />

<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>nte <strong>de</strong>ssa tipologia o da alegada necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> distribuição dos três tipos <strong>de</strong> texto pelas<br />

séries <strong>escola</strong>res, orientando-se pelo pressuposto <strong>de</strong> uma pretensa relação entre <strong>de</strong>senvolvimento<br />

cognitivo do aluno e tipo <strong>de</strong> texto a ser por ele apropriado.<br />

Entretanto, além <strong>de</strong>sse critério <strong>de</strong> <strong>na</strong>tureza cognitiva, que, como se pô<strong>de</strong><br />

notar, acaba por selecio<strong>na</strong>r, <strong>de</strong> antemão, quem está em condições <strong>de</strong> se apropriar dos tipos <strong>de</strong> texto, e<br />

quando, no interior da <strong>escola</strong>, há outro critério <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>nte da tipologia textual <strong>escola</strong>r - um critério é<br />

<strong>de</strong> <strong>na</strong>tureza propriamente tipológica, portanto, bastante diverso daquele primeiro.<br />

Tal critério se <strong>de</strong>fine como tipológico por estabelecer uma distinção<br />

marcada entre os tipos <strong>de</strong> texto: o <strong>na</strong>rrativo, o <strong>de</strong>scritivo e o dissertativo. Po<strong>de</strong>-se dizer, em linhas<br />

gerais, que essa distinção se baseia <strong>na</strong>s características das estruturas globais (mo<strong>de</strong>los esquemáticos)<br />

típicas <strong>de</strong> cada texto, 12como também em alguns aspectos lingüísticos, como por exemplo, o predomínio<br />

<strong>de</strong> certos tempos verbais: a <strong>de</strong>scrição vale-se do presente <strong>na</strong>s <strong>de</strong>scrições estáticas, do pretérito<br />

12 A propósito das estruturas globais dos <strong>textos</strong> ou superestruturas, apresentamos alguns mo<strong>de</strong>los porpostos por autores,<br />

no Anexo 3; mas, para efeito <strong>de</strong> exemplo, tomemos o mo<strong>de</strong>lo esquemático utilizado por essa tipologia <strong>escola</strong>r para a<strong>na</strong>lisar<br />

20


imperfeito <strong>na</strong>s <strong>de</strong>scrições dinâmicas; a <strong>na</strong>rração vale-se do pretérito perfeito para introduzir o momento<br />

da complicação - o início da trama propriamente dita; a dissertatação vale-se, com relativa freqüência,<br />

do presente .<br />

É interessante observar que os critérios que compõem uma tipologia seja<br />

<strong>de</strong> texto (como é o nosso caso), seja <strong>de</strong> discurso, <strong>de</strong>finem não só a postura metodológica que será<br />

adotada <strong>na</strong> <strong>produção</strong> e análise do texto ou discurso, mas também <strong>de</strong>svelam a concepção <strong>de</strong> texto, <strong>de</strong><br />

discurso, <strong>de</strong> linguagem que se encontra <strong>na</strong> base do quadro conceitual da tipologia escolhida para<br />

empreen<strong>de</strong>r o estudo sobre o material a ser a<strong>na</strong>lisado: o texto como objeto <strong>de</strong> leitura ou, como objeto<br />

<strong>de</strong> <strong>produção</strong> escrita.<br />

Embora reconhecendo que há uma ampla diferença entre a escolha e/ou<br />

elaboração <strong>de</strong> uma tipologia para fins <strong>de</strong> pesquisa (o uso <strong>de</strong> uma tipologia pelo a<strong>na</strong>lista <strong>de</strong> discurso ou<br />

<strong>de</strong> texto) e para fins didáticos (o uso <strong>de</strong> uma tipologia <strong>na</strong> <strong>escola</strong> para análise e <strong>produção</strong> textual),<br />

diferenças que <strong>na</strong>scem das condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong> da própria análise ou <strong>produção</strong> textual, da<br />

constituição e <strong>na</strong>tureza do corpus, enfim, do fato <strong>de</strong> as duas ativida<strong>de</strong>s (ensino e pesquisa) atuarem em<br />

campos bastante distintos, concordamos com ORLANDI (1987:219,220), quando atenta para o fato <strong>de</strong><br />

que<br />

“Diante <strong>de</strong> um material a ser a<strong>na</strong>lisado, o fato <strong>de</strong> se utilizar uma<br />

<strong>de</strong> uma ou outra tipologia, resultará em um recorte que é<br />

seletivo, isto é, que salientará este ou aquele dado, este ou<br />

aquele traço. Acreditamos ainda que a escolha da tipologia não<br />

se faz em “abstrato”, mas <strong>de</strong>riva da concepção do a<strong>na</strong>lista, da<br />

sua posição em relação ao problema da i<strong>de</strong>ologia, do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

análise que utiliza (...) dos objetivos da análise proposta. Além<br />

disso, <strong>na</strong> relação com os objetivos, entra um outro fator, também<br />

<strong>de</strong>cisivo, que é o da <strong>na</strong>tureza do texto”. 13<br />

Em face do funcio<strong>na</strong>mento da tipologia textual <strong>escola</strong>r, no quadro das<br />

práticas <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto, que vivemos e com que convivemos, po<strong>de</strong>ríamos dizer que os<br />

seus critérios, da forma como se atualizavam <strong>na</strong> ação pedagógica, isto é, no fazer em sala <strong>de</strong> aula e no<br />

os <strong>textos</strong> <strong>na</strong>rrativos (histórias <strong>de</strong> ficção): exposição, complicação, clímax e <strong>de</strong>sfecho - essas categorias provêm do campo da<br />

Teoria da Literatura.<br />

13 ORLANDI (1987), em “A Linguagem e seu Funcio<strong>na</strong>mento: as formas do discurso”, apresenta, entre outras questões,<br />

um estudo <strong>de</strong>talhado sobre tipologia <strong>de</strong> discurso, on<strong>de</strong> <strong>de</strong>staca a relação entre a tarefa do a<strong>na</strong>lista <strong>de</strong> discurso e as<br />

concepções <strong>de</strong> linguagem, <strong>de</strong> texto, <strong>de</strong> discurso e o papel da tipologia nessa empresa. Nesse estudo, a preocupação da<br />

autora com a escolha e/ou a elaboração <strong>de</strong> uma tipologia <strong>de</strong> texto ou <strong>de</strong> discurso volta-se, <strong>de</strong> forma nítida, para as questões<br />

relacio<strong>na</strong>das ao trabalho <strong>de</strong> pesquisa do a<strong>na</strong>lista <strong>de</strong> discurso.<br />

21


discurso que sustentava esse fazer, e da forma como abordava os <strong>textos</strong>, <strong>de</strong>ixavam revelar as<br />

concepções <strong>de</strong> texto, <strong>de</strong> linguagem que os orientavam.<br />

Evi<strong>de</strong>ntemente, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa atualização se dava, entre outros<br />

fatores, pelo fato <strong>de</strong> a tipologia adotada ser parte constitutiva das condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong> e análise <strong>de</strong><br />

escrita dos tipos <strong>de</strong> texto por ela propostos.<br />

Assim, sob as condições dadas por tal tipologia, um dos aspectos que<br />

<strong>de</strong>ixavam vir à to<strong>na</strong> as concepções <strong>de</strong> texto e <strong>de</strong> linguagem que presidiam a ela diz respeito a um dos<br />

seus objetivos centrais, que é o <strong>de</strong> levar o aluno a redigir conforme o mo<strong>de</strong>lo, <strong>na</strong> intenção <strong>de</strong> que ele se<br />

apropriasse do mo<strong>de</strong>lo esquemático (estrutura global) típico <strong>de</strong> cada tipo <strong>de</strong> texto proposto.<br />

Não se po<strong>de</strong> negar que a apropriação do mo<strong>de</strong>lo esquemático que<br />

caracteriza cada tipo <strong>de</strong> texto, mediante uma aprendizagem sistemática, é fundamental para o aluno, no<br />

que tange à ampliação da sua competência textual (comunicativa), <strong>de</strong> modo que ele <strong>de</strong>senvolva a sua<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produzir <strong>textos</strong> a<strong>de</strong>quados à sua intenção comunicativa e às diferentes situações<br />

discursivas.<br />

Entretanto, uma prática com <strong>textos</strong> cujo objetivo se circunscrevia ao<br />

“como dizer”, isto é, ao como estruturar um tipo <strong>de</strong> texto, abordando-o, <strong>de</strong>sse modo, como coisa em si,<br />

como se o texto <strong>na</strong>scesse e morresse nele mesmo, ou seja, coisificando-o, à medida que outros fatores<br />

que igualmente e, talvez, o constitutíam, eram minimizados - o para quê, o para quem e o quê, os quais,<br />

<strong>na</strong> verda<strong>de</strong>, é que <strong>de</strong>finem o como dizer. Tal prática acabava permitindo que a técnica e a forma<br />

sufocassem todo um conjunto <strong>de</strong> fatores - discursivos, pragmáticos - que concorrem para que um dado<br />

texto tenha um mo<strong>de</strong>lo esquemático e um funcio<strong>na</strong>mento discursivo específicos.<br />

Apesar <strong>de</strong> o mo<strong>de</strong>lo esquemático do texto ser um dos aspectos para a<br />

sua caracterização e constituição, ele por si só não <strong>de</strong>fine o tipo <strong>de</strong> texto. Como dissemos, há vários<br />

elementos que se atualizam para isso.<br />

O tipo <strong>de</strong> texto <strong>de</strong>corre do tipo <strong>de</strong> relação interlocutiva que se estabelece<br />

entre os interlocutores, da intenção comunicativa do autor, do efeito <strong>de</strong> sentido que ele quer provocar<br />

no interlocutor, do papel e lugar que cada um - autor e interlocutor - representa nessa relação, das<br />

imagens que eles fazem um do outro e <strong>de</strong> si próprios, do objeto do discurso (referente, assunto), etc.<br />

Nessa acepção, um tipo <strong>de</strong> texto é produto <strong>de</strong> um funcio<strong>na</strong>mento discursivo (processo) <strong>de</strong>finido <strong>na</strong><br />

própria relação <strong>de</strong> interlocução(cf.ORLANDI,1987).<br />

22


Isso quer dizer que “todo falante quando diz algo a alguém estabelece<br />

para o seu discurso uma configuração, isto é, dá a ele uma fisionomia típica,(cf.ORLANDI,1987) a qual<br />

se materializa lingüisticamente por meio do texto.<br />

Nessa perspectiva, <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>r a estrutura global <strong>de</strong> um texto, seja para<br />

fins <strong>de</strong> análise, seja para fins <strong>de</strong> <strong>produção</strong> textual, só teria sentido se se levassem em conta os fatores<br />

que entram no processo do funcio<strong>na</strong>mento discursivo do próprio texto. Caso contrário, per<strong>de</strong>r-se-á <strong>de</strong><br />

vista a relação dialógica que esses fatores estabelecem <strong>na</strong> constituição <strong>de</strong> um dado tipo <strong>de</strong> texto.<br />

Assim, em relação à dinâmica empreendida pela tipologia textual <strong>escola</strong>r,<br />

po<strong>de</strong>ríamos dizer que o pressuposto que nela se evi<strong>de</strong>ncia não é diferente daquele que vem<br />

condicio<strong>na</strong>ndo todo o ensino <strong>de</strong> Português: o pressuposto <strong>de</strong> que a língua é um conjunto <strong>de</strong> regras que<br />

o aluno <strong>de</strong>ve inter<strong>na</strong>lizar, por meio <strong>de</strong> trei<strong>na</strong>mentos sistemáticos. Nessa perspectiva, ape<strong>na</strong>s, <strong>de</strong>slocase<br />

o foco da gramática normativa da frase para a gramática normativa do texto (MIRANDA, 1995:24).<br />

Ancorada nesse pressuposto, tal tipologia, a fim <strong>de</strong> exemplificar a<br />

configuração esquemática (estrutura global) dos tipos <strong>de</strong> texto, mobiliza para atuar, como mo<strong>de</strong>lo, um<br />

corpus <strong>de</strong> <strong>textos</strong> do gênero literário, presentes nos livros didáticos , <strong>na</strong> forma <strong>de</strong> fragmentos <strong>de</strong><br />

romance, contos, crônicas, novelas, fábulas, etc. Ao mobilizar <strong>textos</strong> <strong>de</strong>ssa <strong>na</strong>tureza, inevitavelmente as<br />

concepções <strong>de</strong> língua(gem), <strong>de</strong> uso da língua escrita articuladas por essa tipologia se evi<strong>de</strong>nciavam.<br />

Tal mobilização acabava por fomentar e reforçar uma tradição lingüística<br />

mantida historicamente pela <strong>escola</strong>. Nesse sentido, a primazia <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> escrita, objetivado nos<br />

gêneros do discurso literário no interior das práticas com <strong>textos</strong>, orientadas por essa tipologia, não se<br />

justificaria, exclusivamente, pelos tipos <strong>textuais</strong> em si, isto é, por apresentarem ape<strong>na</strong>s um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

configuração textual, mas, sim, pelo fato <strong>de</strong> a <strong>escola</strong>, como dissemos, historicamente consi<strong>de</strong>rar a<br />

escrita <strong>escola</strong>r, como uma <strong>produção</strong> simbólica que se sobrepõe às <strong>de</strong>mais em nossa socieda<strong>de</strong>; por<br />

consi<strong>de</strong>rá-la um mo<strong>de</strong>lo exclusivo dos bons usos das normas gramaticais cultas da nossa língua. E em<br />

vista disso, os <strong>textos</strong> por ela selecio<strong>na</strong>dos transformavam-se em protótipos da expressão lingüística<br />

perfeita em prosa e verso <strong>de</strong> que os alunos <strong>de</strong>veriam apropriar-se.<br />

LAJOLO (1988) em “Texto não é Pretexto”, a<strong>na</strong>lisando as condições <strong>de</strong><br />

<strong>produção</strong> <strong>de</strong> leitura <strong>na</strong> <strong>escola</strong>, sublinha o papel que o texto literário tem <strong>de</strong>sempenhado no dia-a-dia<br />

<strong>escola</strong>r:<br />

“Rui Barbosa, Eucli<strong>de</strong>s da Cunha, Vieira até Machado <strong>de</strong> Assis<br />

costumam ser as vítimas preferidas dos que vêem no texto<br />

pretexto para sapecar <strong>na</strong> criançada regências, colocações e<br />

23


concordâncias em <strong>de</strong>suso. E, <strong>de</strong> vítima, estes autores<br />

transformam-se em algozes: castigam os professores e alunos,<br />

fazendo-os <strong>de</strong>ter-se em normas intricadíssimas e <strong>de</strong><br />

aplicabilida<strong>de</strong> bastante discutível.(p:56)<br />

Em outra passagem, afirma:<br />

“Parece que se acredita que , por uma <strong>de</strong> espécie <strong>de</strong> contágio<br />

milagroso , o aluno que lê um bom texto está automaticamente<br />

apto a produzir um texto igualmente bom. Po<strong>de</strong> ser, mas há<br />

quem duvi<strong>de</strong>. A relação entre o ler e o escrever talvez seja mais<br />

forte do que o julgam os a<strong>de</strong>ptos da teoria da criativida<strong>de</strong> e mais<br />

tênue do que o acreditam os discípulos da “formação do estilo<br />

pela imitação dos bons autores.”(p.59-60)<br />

O papel que <strong>de</strong>sempenha a tipologia textual <strong>escola</strong>r <strong>de</strong> fazer valer o<br />

cumprimento das exigências <strong>de</strong> uma tradição lingüística mediante a adoção <strong>de</strong> <strong>textos</strong> literários, <strong>na</strong><br />

verda<strong>de</strong>, não é muito diferente daquele em que se fundaram as práticas <strong>de</strong> ensino do idioma pátrio ao<br />

tempo do Império.<br />

Naquela época, as seletas (ou antologias para uso <strong>escola</strong>r) reuniam<br />

<strong>textos</strong> dos autores mais representativos do campo da literatura - no início, predomi<strong>na</strong>vam os<br />

portugueses, mais tar<strong>de</strong>, portugueses e brasileiros e, fi<strong>na</strong>lmente, brasileiros em sua maioria - para<br />

servirem aos exercícios <strong>de</strong> leitura e redação (Cf.PEFROMM,1974).<br />

Hoje, entretanto, apesar <strong>de</strong> toda sofisticação gráfica (tipográfica,<br />

iconográfica) proporcio<strong>na</strong>da pela tecnologia da imprensa, apesar <strong>de</strong> toda a diversificação <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s<br />

e exercícios para análise dos fenômenos lingüísticos, apesar <strong>de</strong> uma introdução tímida <strong>de</strong> <strong>textos</strong> dos<br />

meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa, ainda perdura a primazia dos <strong>textos</strong> pertencentes aos gêneros do<br />

discurso literário.<br />

Mudaram-se os autores (é raro, atualmente, nos <strong>de</strong>pararmos com a<br />

presença do trio Vieira, Rui e Eucli<strong>de</strong>s)(LAJOLO,1993), mas persiste a primazia do literário, tendo-se<br />

ape<strong>na</strong>s <strong>de</strong>slocado a autorida<strong>de</strong> dos clássicos para a dos contemporâneos (Fer<strong>na</strong>ndo Sabino, Rubem<br />

Braga e Carlos Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>).<br />

Nessa perspectiva, ao que parece, a <strong>escola</strong> espera que o aluno (talvez<br />

por um contágio milagroso), pela via da leitura <strong>de</strong>sses <strong>textos</strong>-mo<strong>de</strong>lo, incorporasse, em suas redações,<br />

a estrutura global típica dos tipos <strong>de</strong> texto por ela proposto por meio da tipologia, e incorporasse<br />

24


também as formas lingüísticas (o vocabulário, o padrão <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> orações, períodos) e, por fim,<br />

o conteúdo (as idéias, os valores i<strong>de</strong>ológicos) veiculado no texto.<br />

E, <strong>na</strong> dinâmica do contexto <strong>escola</strong>r, a leitura <strong>de</strong> <strong>textos</strong>-mo<strong>de</strong>lo fazia parte<br />

<strong>de</strong> um ritual <strong>de</strong> preparação para a <strong>produção</strong> dos tipos <strong>textuais</strong>, sem a qual se tor<strong>na</strong>va quase impossível<br />

escrever texto <strong>na</strong> <strong>escola</strong>. Era nesse ritual <strong>de</strong> preparação que os <strong>textos</strong> se coisificavam, sendo<br />

abordados como objetos puros, uniformes <strong>na</strong> sua constituição estrutural, e, assim, abstraídos <strong>de</strong> uma<br />

situação discursiva e <strong>de</strong> um contexto mais amplo que os envolvem.<br />

É preciso reconhecer que, apesar <strong>de</strong> todo o empenho da tipologia textual<br />

<strong>escola</strong>r em distinguir <strong>na</strong>rração <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrição e estas <strong>de</strong> dissertação, tais tipos, assim como eram<br />

abordados, pareciam não ter existência real, concreta, pois os <strong>textos</strong> que circulam em nossa socieda<strong>de</strong><br />

geralmente não se encaixam nesses tipos <strong>textuais</strong> em seu estado puro. 14Em <strong>textos</strong> <strong>na</strong>rrativos, há<br />

passagens <strong>de</strong>scritivas, dissertativas, assim como em <strong>textos</strong> dissertativos, há trechos <strong>na</strong>rrativos e<br />

<strong>de</strong>scritivos, ou seja, no texto em que se <strong>na</strong>rra, se <strong>de</strong>screve, emitem-se opiniões, expressam-se<br />

argumentos. O que há (ou po<strong>de</strong> haver) é uma di<strong>na</strong>micida<strong>de</strong>, um cruzamento <strong>de</strong> marcas <strong>de</strong>sses tipos <strong>na</strong><br />

construção <strong>de</strong> um único texto. A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa interligação <strong>de</strong> vários tipos num mesmo texto<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá do tipo <strong>de</strong> relação interlocutiva que está sendo empreendida entre os interlocutores. Na<br />

construção do texto, diversas operações discursivas vão sendo agenciadas pelo falante (escritor) para<br />

produzir o efeito <strong>de</strong> sentido que se quer provocar no interlocutor (ouvinte/leitor).<br />

Nessa perspectiva, o fato <strong>de</strong> essas marcas dos tipos <strong>de</strong> texto se<br />

entrecruzarem num mesmo texto não implica a <strong>de</strong>scaracterização das relações discursivas, estruturais<br />

(superestrutura) específicas que o <strong>de</strong>finem. O que se observa é uma relativa predominância ou<br />

dominância <strong>de</strong> uma marca sobre a(s) outra(s). Assim,<br />

“(...) por mais que a <strong>de</strong>scrição e a <strong>na</strong>rração tenham uma<br />

configuração típica, os elementos <strong>de</strong>ssa estrutura ganham uma<br />

função específica e variável num quadro <strong>de</strong> significação textual.<br />

As características previstas para um texto <strong>de</strong>scritivo ou <strong>na</strong>rrativo<br />

não autorizam a pré-<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> suas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

interpretação. Tudo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do como essas características se<br />

situam no conjunto das <strong>de</strong>cisões pragmáticas <strong>de</strong> construção do<br />

texto e da sua estrutura argumentativa subjacente”. ( MIRANDA,<br />

1995 :24)<br />

14 Em manuais <strong>de</strong> instrução <strong>de</strong> uso ou montagem <strong>de</strong> aparelhos domésticos ou outros; <strong>textos</strong> técnicos , a <strong>de</strong>scrição é um<br />

tipo <strong>de</strong> texto predomi<strong>na</strong>nte, apresentando-se em formas ou mol<strong>de</strong>s mais rígidos. Neste caso , como afirma, NEIS (1986: 53)<br />

“ a previsibilida<strong>de</strong> não provém da <strong>na</strong>tureza da <strong>de</strong>scrição , mas da do texto em que ela ocorre”.<br />

25


Entretanto, somente <strong>na</strong> <strong>escola</strong> é que os <strong>textos</strong> tomavam uma dimensão<br />

endurecida, congelada, com limites exatos, fixava-se a sua di<strong>na</strong>micida<strong>de</strong> e, ao fixá-la, perdia-se a<br />

plasticida<strong>de</strong> própria da linguagem, perdia-se a relação dialógica própria do texto, que assim,<br />

transformava-se ou em lição esvaziada <strong>de</strong> sentido (quando tomado como mo<strong>de</strong>lo a ser seguido), ou em<br />

redação, 15como mero exercício <strong>escola</strong>r para reproduzir o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> tipo <strong>de</strong> texto e <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> língua<br />

escrita adotados pela tipologia textual <strong>escola</strong>r.<br />

Fi<strong>na</strong>lizando, po<strong>de</strong>ríamos dizer que o produto da tipologia textual <strong>escola</strong>r<br />

eram redações sempre iguais e previsíveis, tanto para o aluno como para o professor, pois o padrão <strong>de</strong><br />

texto e <strong>de</strong> tipos <strong>textuais</strong> impostos por ela acabavam servindo <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo para qualquer assunto sobre o<br />

qual se pretendia falar. E, em nome <strong>de</strong> uma forma e uma técnica, sufocavam o que o aluno tinha a<br />

dizer, sufocavam o caráter subjetivo e intersubjetivo da linguagem, sufocavam a multiplicida<strong>de</strong> e<br />

complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma escrita produzida <strong>na</strong> e pela socieda<strong>de</strong>, que salta aos olhos mesmo daqueles<br />

menos atentos.<br />

3 - O objeto <strong>de</strong> estudo<br />

Ao longo da exposição <strong>de</strong>ste capítulo, procuramos apresentar os<br />

problemas que a nossa atuação como professora <strong>de</strong> Português no 1º Grau colocava, em face do<br />

funcio<strong>na</strong>mento da tipologia textual <strong>escola</strong>r instaurado no quadro das práticas <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong><br />

texto.<br />

De modo geral, tentamos esboçar o quadro conceitual em que essa<br />

tipologia se inscrevia: os critérios adotados para a distribuição, a análise e a <strong>produção</strong> <strong>de</strong> <strong>textos</strong>, o<br />

corpus <strong>de</strong> <strong>textos</strong> selecio<strong>na</strong>do, a sua in<strong>de</strong>pendência em relação à <strong>produção</strong> escrita produzida <strong>na</strong><br />

socieda<strong>de</strong> e, por fim, a concepção <strong>de</strong> texto e <strong>de</strong> linguagem que se encontrava subjacente às ações<br />

<strong>escola</strong>res.<br />

Esperamos ter <strong>de</strong>ixado claro que aqui não se estão questio<strong>na</strong>ndo os<br />

tipos <strong>de</strong> texto em si - o <strong>na</strong>rrativo, o <strong>de</strong>scritivo e o dissertativo. Estes e outros, <strong>de</strong> que trataremos mais<br />

adiante, como o injuntivo e o argumentativo, são tipos <strong>textuais</strong> básicos, genéricos <strong>na</strong> constituição <strong>de</strong><br />

qualquer discurso, isto é, po<strong>de</strong>m figurar em qualquer gênero dos discursos que circulam <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>.<br />

15 Caracterização feita por GERALDI (1984: 123) e por PÉCORA (1989:69).<br />

26


Por exemplo, <strong>na</strong> propaganda, um gênero do discurso publicitário, po<strong>de</strong>mos encontrar, <strong>na</strong> estruturação<br />

do texto, partes <strong>na</strong>rrativas, <strong>de</strong>scritivas, argumentativas, injuntivas e dissertativas. Como assi<strong>na</strong>lamos, o<br />

agenciamento <strong>de</strong> tais operações discursivas irá <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r das intenções do autor, dos efeitos <strong>de</strong> sentido<br />

que ele quer produzir no leitor ou ouvinte , neste caso, no consumidor.<br />

Como se pô<strong>de</strong> ver, o foco <strong>de</strong> nossas reflexões inci<strong>de</strong> sobre como<br />

aqueles três tipos <strong>de</strong> <strong>textos</strong> funcio<strong>na</strong>m <strong>na</strong> <strong>escola</strong>, como são distribuídos e hierarquizados ao longo do<br />

processo <strong>de</strong> <strong>escola</strong>rização, os critérios adotados para a<strong>na</strong>lisar a estrutura global específica <strong>de</strong> cada tipo<br />

<strong>de</strong> texto, e, conseqüentemente , as estratégias didáticas mobilizadas pela <strong>escola</strong> para possibilitar a sua<br />

apropriação, por parte dos alunos.<br />

Foram essas questões referentes às condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> escrita<br />

dos tipos <strong>textuais</strong> instituídas pela tipologia textual <strong>escola</strong>r que nos levaram à hipótese <strong>de</strong> que as<br />

estratégias <strong>escola</strong>res <strong>de</strong> ensino-aprendizagem <strong>de</strong> Língua Portuguesa, no que tange ao trabalho com a<br />

escrita, enquanto <strong>produção</strong> textual, estariam <strong>de</strong> uma maneira ou <strong>de</strong> outra restringindo a relação entre o<br />

aluno e os vários discursos que compõem o mundo da escrita.<br />

A tomada <strong>de</strong> consciência <strong>de</strong>sses fatores instigaram-nos a buscar afastarnos<br />

da realida<strong>de</strong> em que estávamos imersas, e investigar uma outra realida<strong>de</strong> <strong>escola</strong>r, <strong>na</strong> tentativa <strong>de</strong><br />

apreen<strong>de</strong>r se os <strong>textos</strong> produzidos pelos alunos se davam sob a perspectiva da mesma tipologia<br />

<strong>escola</strong>r, seja <strong>de</strong> texto, seja <strong>de</strong> discurso, e se e como tal proposta tipológica se refletia nesses <strong>textos</strong>.<br />

A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> investigar essa questão em outra realida<strong>de</strong> <strong>escola</strong>r<br />

<strong>de</strong>correu da hipótese <strong>de</strong> que a presença marcante dos livros didáticos e manuais <strong>de</strong> redação, <strong>na</strong>s<br />

<strong>escola</strong>s em geral, estariam impondo a mesma tipologia <strong>escola</strong>r <strong>de</strong> <strong>textos</strong>. Como sabemos, salvo<br />

algumas exceções, tais materiais <strong>de</strong> ensino têm sido os <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ntes do trabalho com <strong>textos</strong>, seja <strong>na</strong>s<br />

ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> leitura, seja <strong>na</strong>s ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto, no ensino <strong>de</strong> Língua Portuguesa. E,<br />

conforme apontamos, tanto os livros didáticos como os manuais <strong>de</strong> redação, em sua gran<strong>de</strong> maioria,<br />

vêm propondo a mesma tipologia textual - <strong>na</strong>rração, <strong>de</strong>scrição, dissertação - ,seguindo os mesmos<br />

critérios tipológicos, selecio<strong>na</strong>ndo os mesmos tipos <strong>de</strong> <strong>textos</strong>, distribuindo e hierarquizando os três tipos<br />

<strong>de</strong> texto da mesma forma, ao longo da organização estrutural das coleções.<br />

Em face <strong>de</strong> tudo isso, julgamos que seria razoável supor a presença da<br />

tipologia textual <strong>escola</strong>r <strong>na</strong>s práticas <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto, no contexto <strong>escola</strong>r, on<strong>de</strong><br />

optamos por fazer a coleta dos dados.<br />

Por outro lado, vale ressaltar que, ao intuirmos a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tal<br />

presença, isso não significa que estávamos consi<strong>de</strong>rando os livros didáticos como os únicos materiais<br />

27


com possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> circular <strong>na</strong> <strong>escola</strong>, ou como os únicos a que o professor po<strong>de</strong> ter acesso, nem<br />

tampouco como os únicos que apresentem uma proposta tipológica <strong>de</strong> <strong>textos</strong>, como conteúdo a ser<br />

<strong>de</strong>senvolvido <strong>na</strong>s práticas <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto. Embora sejam raros, existem estudos que<br />

propõem outras <strong>tipologias</strong> <strong>de</strong> texto ou <strong>de</strong> discurso, <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>dos ao professor, apresentando-lhe, como<br />

sugestão, orientações metodológicas sobre o trabalho com diferentes tipos <strong>de</strong> texto <strong>na</strong> sala <strong>de</strong> aula. 16<br />

Entretanto, po<strong>de</strong>mos adiantar, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já, que o que se constatou no<br />

contexto <strong>escola</strong>r, on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>senvolveu o trabalho <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> dados, foi uma outra realida<strong>de</strong> no que<br />

respeita à <strong>produção</strong> <strong>de</strong> tipos <strong>de</strong> texto <strong>na</strong>s práticas <strong>de</strong> redação. Isto é, à medida que mergulhávamos <strong>na</strong><br />

situação estudada, percebíamos que as nossas suposições se distanciavam daquilo que a realida<strong>de</strong><br />

<strong>escola</strong>r até então conhecida e vivenciada permitia supor, no que se refere à utilização <strong>de</strong> uma tipologia,<br />

seja <strong>de</strong> texto, seja <strong>de</strong> discurso, para a sistematização da aprendizagem dos tipos <strong>de</strong> texto <strong>na</strong> linguagem<br />

escrita, por parte do aluno.<br />

Antes, porém, <strong>de</strong> apresentarmos esses dados e sua análise, julgamos<br />

necessário <strong>de</strong>linear o lugar teórico <strong>de</strong> on<strong>de</strong> lançamos o nosso olhar sobre as questões relativas aos<br />

tipos <strong>de</strong> texto e a uma tipologia textual. Assim, os capítulos que se seguem, 2 e 3, terão como objeto <strong>de</strong><br />

reflexão tais <strong>de</strong>lineamentos teóricos.<br />

16 Dentre os trabalhos que apresentam uma proposta <strong>de</strong> tipologia textual <strong>na</strong>s práticas <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto, po<strong>de</strong>ríamos<br />

citar :GERALDI. Unida<strong>de</strong>s Básicas do Ensino <strong>de</strong> Português , in O Texto <strong>na</strong> Sala <strong>de</strong> Aula. (1984). e PEREIRA ,<br />

V.Wannmacher. “Tipologia Textual e Programa <strong>de</strong> Ensino”, Língua e Literatura : Teoria e Prática , nº 1, primeiro bimestre<br />

(1988).<br />

28


1 - Introdução<br />

CAPÍTULO 2<br />

O quadro teórico do estudo: texto e discurso<br />

Dada a <strong>na</strong>tureza <strong>de</strong> seu objeto - os tipos <strong>de</strong> texto produzidos em<br />

situação <strong>escola</strong>r - e um dos seus principais objetivos - i<strong>de</strong>ntificar os tipos <strong>de</strong> texto escritos pelos<br />

alunos, ao longo do 1º Grau, e sob que condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> escrita eles se constituem, levando<br />

em conta, para tanto, o suposto conhecimento tipológico construído pelos alunos em suas interações<br />

verbais cotidia<strong>na</strong>s - este estudo necessariamente inscreve-se em um quadro teórico que o impele a<br />

consi<strong>de</strong>rar não só o produto (tipos <strong>de</strong> texto) do processo interlocutivo instaurado no contexto da sala <strong>de</strong><br />

aula, mas também com os fatores que influem em seu processo <strong>de</strong> <strong>produção</strong>.<br />

Ao nos voltarmos para a relação produto e processo - as condições <strong>de</strong><br />

<strong>produção</strong> para <strong>de</strong>screver e a<strong>na</strong>lisar que fatores orientam a <strong>produção</strong> dos tipos <strong>textuais</strong> <strong>na</strong> <strong>escola</strong> -<br />

acreditamos que este estudo po<strong>de</strong>rá permitir novas discussões <strong>de</strong> uma questão, até agora, pouco<br />

a<strong>na</strong>lisada, no âmbito das pesquisas já realizadas.<br />

Sob esse enfoque, não pensamos aqui meramente em classificar os<br />

tipos <strong>de</strong> texto escritos pelos alunos, procurando encaixá-los em um quadro tipológico construído a priori.<br />

O que preten<strong>de</strong>mos é entendê-los a partir do seu funcio<strong>na</strong>mento discursivo17 , pois é nessa instância<br />

que os tipos <strong>de</strong> texto se sedimentam, isto é, se materializam lingüisticamente, como trabalho discursivo<br />

construído <strong>na</strong> relação interlocutiva. É <strong>na</strong> singularida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse funcio<strong>na</strong>mento discursivo que a<br />

configuração formal (lingüítica), conceitual (relações lógico-semânticas micro e macroestruturais) e<br />

estrutural (esquema global) <strong>de</strong> um dado tipo <strong>de</strong> texto se constitui.<br />

17 A respeito <strong>de</strong>ssa noção ver nota 8..<br />

29


Desse modo, tal assunção implica conceber a sala <strong>de</strong> aula como um<br />

espaço <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> linguagem, on<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s interlocutivas são construídas por sujeitos - alunos<br />

e professor; alunos e seus pares. Entre essas ativida<strong>de</strong>s figuram os tipos <strong>de</strong> texto.<br />

Por essa via, consi<strong>de</strong>rando os tipos <strong>de</strong> texto nessa instância, a<br />

abordagem que a nosso ver se configura como a mais a<strong>de</strong>quada ao estudo é a textual-discursiva.<br />

Tal abordagem <strong>de</strong>corre do seguinte pressuposto: se se <strong>de</strong>seja a<strong>na</strong>lisar<br />

os tipos <strong>textuais</strong> à luz do processo interlocutivo instaurado em sala <strong>de</strong> aula, é fundamental que não se<br />

neutralize a relação entre o textual e o discursivo, relação aliás inerente à constituição <strong>de</strong> qualquer<br />

texto. Essa relação se evi<strong>de</strong>ncia no conjunto das condições que cercam a <strong>produção</strong> do texto, a saber:<br />

os interlocutores, os lugares que eles ocupam <strong>na</strong> situação discursiva, o tema ou assunto da interação, o<br />

conhecimento<strong>de</strong> mundo, o jogo <strong>de</strong> imagens instalado nesse processo interlocutivo - a imagem que o<br />

locutor tem <strong>de</strong> si mesmo, do interlocutor, do tema, além das imagens reflexas - o conhecimento intuitivo<br />

relativo aos tipos <strong>de</strong> texto e, por fim, o conhecimento do funcio<strong>na</strong>mento discursivo <strong>de</strong>sses tipos numa<br />

dada situação <strong>de</strong> enunciação. Em função <strong>de</strong>ssas condições discursivas que cercam a <strong>produção</strong> dos<br />

<strong>textos</strong> em sala <strong>de</strong> aula, pressupomos que o aluno proce<strong>de</strong>, <strong>de</strong> modo intuitivo, a escolhas que orientam a<br />

<strong>produção</strong> do seu texto escrito, isto é, <strong>de</strong>finem qual o tipo <strong>de</strong> texto que melhor po<strong>de</strong> a<strong>de</strong>quar-se ao tipo<br />

<strong>de</strong> relação interlocutiva em que ele se encontra inserido.<br />

Apesar <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar que uma abordagem que se faça a um dado<br />

estudo só alcança contornos nítidos, ou seja, se evi<strong>de</strong>ncie como tal, mediante a prática <strong>de</strong> análise que<br />

se impuser aos materiais que compõem o seu corpus, pensamos que tal abordagem, apesar <strong>de</strong><br />

assumir, por ora, uma caracterização muito ampla, acaba por <strong>de</strong>ixar entrever quais as diretrizes teóricometodológicas<br />

que dimensio<strong>na</strong>m este estudo. Ou, em outras palavras, acaba <strong>de</strong>lineando o lugar teórico<br />

<strong>de</strong> on<strong>de</strong> lançamos o nosso olhar sobre as questões relativas ao texto e ao seu processo <strong>de</strong> <strong>produção</strong>.<br />

Nesses termos, a direção teórico-metodológica <strong>de</strong>ste estudo se <strong>de</strong>finiu à<br />

luz das reflexões teóricas <strong>de</strong>senvolvidas nos domínios da Lingüística Textual e nos da Teoria do<br />

Discurso. 18<br />

Embora reconhecendo que a Lingüística Textual e a Teoria do Discurso<br />

têm enfoques teórico-metodológicos bastante distintos para <strong>de</strong>finir os seus objetos <strong>de</strong> estudo, texto e<br />

discurso, respectivamente, assunto <strong>de</strong> que trataremos mais adiante, buscamos estabelecer com elas<br />

18 Ao usar a expressão Teoria do Discurso, estamos referindo-nos à Análise do Discurso que correspon<strong>de</strong> à perspectiva<br />

européia e à Teoria da Enunciação que correspon<strong>de</strong> à perspectiva bakhtinia<strong>na</strong>. Com isto, não preten<strong>de</strong>mos neutralizar ou<br />

<strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar que cada uma <strong>de</strong>las estabelece um jogo <strong>de</strong> remissões teóricas com campos científicos bem distintos.<br />

30


uma relação <strong>de</strong> interlocução para abordar o objeto <strong>de</strong>ste trabalho, pelo fato <strong>de</strong> ambas teorias se<br />

ocuparem, em suas práticas científicas, com questões que se relacio<strong>na</strong>m com as manifestações<br />

discursivas produzidas por sujeitos concretos, em situações <strong>de</strong> interlocução concretas, procurando,<br />

para tanto, lançar um olhar sobre os fatores que envolvem o processo <strong>de</strong> <strong>produção</strong> da linguagem.<br />

Assim, ambas correntes epistemológicas, a fim <strong>de</strong> explicar e <strong>de</strong>screver o<br />

funcio<strong>na</strong>mento da linguagem em suas dimensões reais, vêm construindo, <strong>de</strong> acordo com os seus<br />

interesses científicos, um conjunto <strong>de</strong> reflexões teóricas e princípios relativos à <strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto e <strong>de</strong><br />

discurso, <strong>de</strong> tipos <strong>de</strong> texto e <strong>de</strong> discurso. Esses princípios são importantes para a teorização que aqui<br />

preten<strong>de</strong>mos fazer sobre o objeto <strong>de</strong> estudo proposto.<br />

Ao buscar apoio <strong>na</strong> Lingüística Textual e Teoria do Discurso, não<br />

estamos querendo sugerir que a teoria funcione como porto seguro, on<strong>de</strong> se encontrarão todas as<br />

explicações que recobrem as questões empíricas (dados) aqui coletadas, ou que ela por si só forneça<br />

<strong>de</strong>scrições e explicações exaustivas <strong>de</strong> qualquer objeto particular, ou que a busca <strong>de</strong> uma teorização <strong>de</strong><br />

um dado objeto implique, necessariamente, a perspectiva <strong>de</strong> que ele será inteiramente explicavél por<br />

meio do recurso à teoria.<br />

O que enten<strong>de</strong>mos é que recorrer a uma dada corrente epistemológica<br />

se justifica pelo fato <strong>de</strong> esta atuar como referência ou apoio à análise do objeto, <strong>de</strong> modo que se criem<br />

condições <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma prática interpretativa menos intuitiva e,<br />

portanto, mais crítica do objeto que preten<strong>de</strong>mos teorizar.<br />

Ou, em outras palavras, a valida<strong>de</strong> da adoção <strong>de</strong> um quadro teórico <strong>de</strong><br />

referência, enquanto instrumento <strong>de</strong> mediação entre teoria e objeto (dado empírico), só adquire, a<br />

nosso ver, relevância, no processo <strong>de</strong> investigação e, conseqüentemente, no processo <strong>de</strong> análise do<br />

objeto investigado, quando é possível estabelecer entre os princípios teóricos (conjunto <strong>de</strong> afirmações<br />

fornecido pela teoria) e o objeto (o fenômeno estudado) uma relação <strong>de</strong> interlocução constante. Essa<br />

interlocução <strong>de</strong>ve permitir um <strong>de</strong>sdobramento epistemológico e metodológico que conduza a uma<br />

reflexão sobre como se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir as coisas e como se faz o conhecimento sobre elas<br />

(GUBA,(1990) apud LÜDKE, M 1992:42)<br />

E para fi<strong>na</strong>lizar essas consi<strong>de</strong>rações gerais sobre a relação entre teoria e<br />

objeto, utilizaremos as palavras <strong>de</strong> TRAVAGLIA(1991:14) que expressam o seguinte:<br />

“(...) É nesse sentido que vemos a relação entre fato e método e<br />

teorias. Estes últimos são caminhos, elementos reguladores da<br />

31


intuição do pesquisador, mas que não <strong>de</strong>vem se tor<strong>na</strong>r absolutos<br />

ante os fatos obrigando, às vezes, a reducionismos i<strong>na</strong>ceitáveis.<br />

Na relação entre fato <strong>de</strong> um lado e método e teoria do outro,<br />

cada um <strong>de</strong>ve ter um peso que não obstrua a realização da<br />

pesquisa e proposição <strong>de</strong> generalizações novas que<br />

representam um avanço no conhecimento sistemático do objeto<br />

<strong>de</strong> estudo”.<br />

Posto isto, faremos a seguir não mais que uma breve exposição dos<br />

pressupostos teóricos oriundos da Lingüística Textual e da Teoria do Discurso.<br />

2 - Lingüística Textual : da frase ao texto<br />

A partir dos anos 60, os aspectos que eram antes secundarizados pelas<br />

lingüísticas formalista e i<strong>de</strong>alista - a fala (o discurso) e a suas reais condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong> - tor<strong>na</strong>m-se<br />

objeto <strong>de</strong> estudo, no campo das ciências da linguagem, à medida que se percebe que, para<br />

compreen<strong>de</strong>r e <strong>de</strong>screver o funcio<strong>na</strong>mento da linguagem, é impossível distanciar a língua da ativida<strong>de</strong><br />

dos falantes.<br />

Essa nova abordagem busca um novo modo <strong>de</strong> ver e fazer os estudos<br />

sobre a linguagem. De uma concepção <strong>de</strong> língua como sistema formal, como arranjo <strong>de</strong> relações<br />

abstratas, vai-se passando para uma noção <strong>de</strong> língua consi<strong>de</strong>rada em suas realizações concretas <strong>de</strong><br />

uso, construída <strong>na</strong>s interações verbais por seus falantes.<br />

Sob essa ótica, a questão que se impõe é um <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> uma<br />

análise que incidia sobre a frase para uma que inci<strong>de</strong> sobre o texto, porque é nele que a língua se<br />

manifesta em toda a sua dimensão.<br />

A inversão do objeto <strong>de</strong> estudo, nessa nova abordagem, efetiva-se por<br />

reconhecimento da existência <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> questões não explicáveis exclusivamente no interior da<br />

estrutura frasal, isto é, a partir <strong>de</strong> relações inter<strong>na</strong>s entre as unida<strong>de</strong>s que compõem essa estrutura,<br />

seja no nível sintático-morfológico, seja no fonológico ou semântico.<br />

Com efeito, a i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong>sses problemas não é uma questão<br />

meramente metodológica; é, sobretudo, uma questão <strong>de</strong> concepção <strong>de</strong> língua. Nessa perspectiva, a<br />

32


língua não é vista como pronta, acabada e disponível para o falante apropriar-se <strong>de</strong>la conforme as suas<br />

necessida<strong>de</strong>s comunicativas, menos ainda como homogênea e abstraída <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong><br />

sociohistórica. Ao contrário, é concebida como resultado <strong>de</strong> um trabalho lingüístico construído pelos<br />

sujeitos em suas interações verbais, sedimentada no contexto sociohistórico em que esses próprios<br />

sujeitos se encontram inseridos.<br />

Nestes termos, isto significa, pois, que há<br />

“(...) mais processos lingüísticos <strong>de</strong> constituição da significação<br />

do que po<strong>de</strong> imagi<strong>na</strong>r a lingüística das formas. O objeto <strong>de</strong> uma<br />

teoria do discurso (texto) <strong>de</strong>ve ser, então, bem diverso do <strong>de</strong><br />

uma teoria da gramática, no sentido estrito, não só pela tomada<br />

em consi<strong>de</strong>ração do contexto, mas também pela consi<strong>de</strong>ração<br />

do enunciado lingüístico em toda sua materialida<strong>de</strong> total, visto<br />

que é com ela que os ouvintes operam e não ape<strong>na</strong>s com só<br />

elementos pertinentes ou distintivos”.<br />

(POSSENTI,1988:53)<br />

Em face disso, o ponto <strong>de</strong> partida e o ponto <strong>de</strong> chegada do trabalho <strong>de</strong><br />

investigação da Lingüística Textual é o texto, tomado em suas condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong>, isto é, <strong>de</strong>ntro do<br />

seu contexto sociocomunicativo.<br />

A <strong>de</strong>limitação do seu objeto <strong>de</strong> estudo nesses mol<strong>de</strong>s explica-se,<br />

fundamentalmente, como apontamos, pelo fato <strong>de</strong> que a língua, em seus processos diversos <strong>de</strong><br />

funcio<strong>na</strong>mento, ocorre e se manifesta sob a forma <strong>de</strong> texto. Esses processos para a Lingüística Textual,<br />

só po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>scritos e explicados quando se voltam para o texto em suas condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong>.<br />

Nessa acepção, o texto é consi<strong>de</strong>rado como<br />

“(...)uma unida<strong>de</strong> lingüística concreta (perceptível pela visão ou<br />

audição), que é tomada pelos usuários da língüa (falante,<br />

escritor, ouvinte, leitor), em uma situação <strong>de</strong> interação<br />

comunicativa específica, como uma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sentido e<br />

preenchendo uma função comunicativa reconhecível e<br />

reconhecida, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da sua extensão” (KOCH &<br />

TRAVAGLIA,1989:8)<br />

Nessa perspectiva, a Lingüística Textual tem-se <strong>de</strong>finido como<br />

“(...)o estudo dos processos e regularida<strong>de</strong>s gerais e específicos<br />

segundo os quais se produz, constitui, compreen<strong>de</strong> e <strong>de</strong>screve o<br />

fenômeno texto”. (TRAVAGLIA,1991:22)<br />

3 - Teoria do Discurso : a linguagem, ativida<strong>de</strong> constitutiva<br />

33


O ponto <strong>de</strong> partida da Teoria do Discurso é o uso da linguagem em sua<br />

situação concreta, ou seja, ela se fundamenta <strong>na</strong> relação da linguagem com as condições em que ela<br />

se produz. Tal como a Lingüística Textual, a Teoria do Discurso toma uma direção contrária àqueles<br />

pressupostos que consi<strong>de</strong>ram a linguagem como mero instrumento <strong>de</strong> comunicação e transmissão <strong>de</strong><br />

informação e dissociada da ativida<strong>de</strong> do sujeito.<br />

Recusa essa concepção por consi<strong>de</strong>rar que o uso que o sujeito faz da<br />

linguagem, com a própria linguagem e sobre a linguagem não se reduz somente àquelas duas ações<br />

discursivas (instrumento <strong>de</strong> comunicação e transmissão <strong>de</strong> informação). Pelo contrário, concebe que a<br />

própria ativida<strong>de</strong> do sujeito, em seu processo interlocutivo, é que lhe permite construir manifestações<br />

discursivas com o(s) seu(s) interlocutor(es) que vão além do simples ato <strong>de</strong> informar ou comunicar.<br />

Nessa perspectiva, a linguagem alcança tal dimensão à medida que<br />

consi<strong>de</strong>ra a relação interlocutiva como uma prática sedimentada no espaço histórico-social, em que se<br />

concretiza o trabalho lingüístico produzido pelos sujeitos. Isso significa que<br />

“(...) nos processos interacio<strong>na</strong>is <strong>de</strong> que participamos, trabalhamos <strong>na</strong><br />

construção dos sentidos “aqui e agora”, e para isso temos como<br />

”material” para esse trabalho a língua que resultou <strong>de</strong> trabalhos<br />

anteriores”.<br />

(GERALDI,1991:11)<br />

Desse modo, a língua é concebida como processo <strong>de</strong> evolução<br />

ininterrupto que se realiza e se constitui, mediante interação verbal social entre os locutores<br />

(BAKHTIN,1991).E se caracteriza, nesse paradigma, como transformadora, trabalho, ativida<strong>de</strong><br />

constitutiva, porque é <strong>na</strong> interação que o sujeito se constitui como tal e constitui a linguagem.<br />

Ao colocar como fundamental a relação entre linguagem e a seu<br />

contexto <strong>de</strong> <strong>produção</strong> - exteriorida<strong>de</strong> - , a Teoria do Discurso enten<strong>de</strong> o seu objeto <strong>de</strong> estudo, o<br />

discurso, como efeito <strong>de</strong> sentido construído no processo <strong>de</strong> interlocução pelos locutores.<br />

“As suas fronteiras são móveis, uma vez que, em função da<br />

existência dos processos discursivos, o que tem são estados<br />

<strong>de</strong>sses processos, que estão sempre em movimento e em interrelação”.(ORLANDI.1989:134)<br />

Assim, ao objetivar o conhecimento do processo <strong>de</strong> <strong>produção</strong> da<br />

linguagem em seu contexto sociohistórico, a Teoria do Discurso é <strong>de</strong>finida como teoria da <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ção<br />

histórica dos processos semânticos, dos processos <strong>de</strong> significação, compondo-se um quadro<br />

34


epistemológico formado por três áreas do conhecimento científico: o Materialismo Histórico, como teoria<br />

das formações sociais e suas transformações; a Lingüística, como teoria dos mecanismos sintáticos e<br />

dos processos <strong>de</strong> enunciação, e por fim, a Teoria do Discurso, como teoria da <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ção histórica<br />

dos processos semânticos.<br />

Feitas essas consi<strong>de</strong>rações, gostaríamos <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar claro que neste<br />

trabalho, como apontamos <strong>na</strong> nota 3, estaremos tratando texto e discurso como dois conceitos distintos,<br />

mas inter-relacio<strong>na</strong>dos, para <strong>de</strong>screver e explicar o funcio<strong>na</strong>mento da linguagem, uma vez que o<br />

discurso só encar<strong>na</strong> a sua materialida<strong>de</strong> lingüística quando se manifesta por meio <strong>de</strong> texto.<br />

Assim, o texto será entendido como produto <strong>de</strong> uma ativida<strong>de</strong> discursiva,<br />

unida<strong>de</strong> lingüística concreta falada ou escrita, pelos usuários da língua em situação comunicativa<br />

<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>da, capaz <strong>de</strong> formar um todo significativo, preenchendo uma função i<strong>de</strong>ntificável,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> sua extensão.<br />

Já o discurso será entendido como ativida<strong>de</strong> comunicativa produtora <strong>de</strong><br />

sentido, cuja construção se dá no processo <strong>de</strong> interlocução, <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do pelos fatores que envolvem as<br />

suas condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong> - tanto os fatores do contexto imediato (a situação comunicativa<br />

propriamente dita), como aqueles que inci<strong>de</strong>m sobre o contexto mais amplo (sociohistórico).<br />

No capítulo que se segue, buscaremos explicitar a noção <strong>de</strong> tipo (<strong>de</strong><br />

texto e discurso) adotado neste trabalho, a tipologia textual que tomamos como instrumento teóricometodológico<br />

para a análise do corpus utlizado, bem como a apresentação <strong>de</strong> algumas <strong>tipologias</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>textos</strong> e discurso existentes.<br />

35


1.- Introdução<br />

Capítulo 3<br />

Tipologia do Texto e do Discurso<br />

Nosso objetivo, neste capítulo, não é apresentar <strong>de</strong> forma exaustiva<br />

<strong>tipologias</strong> do texto e do discurso elaboradas nos campos da Lingüística Textual e da Teoria do Discurso.<br />

Mesmo que o quiséssemos, esta seria uma tarefa difícil, dada a complexida<strong>de</strong> e pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tais<br />

<strong>tipologias</strong>.<br />

O que preten<strong>de</strong>mos é, por um lado, evi<strong>de</strong>nciar a diversida<strong>de</strong> das bases<br />

conceituais (critérios classificatórios <strong>de</strong> tipos <strong>de</strong> texto e <strong>de</strong> discurso) sobre as quais as <strong>tipologias</strong> se<br />

constituem, e, por outro, apontar as <strong>tipologias</strong> que foram usadas por esta pesquisa, como instrumento,<br />

tanto para a constituição <strong>de</strong> uma das partes do seu corpus, 19 composto <strong>de</strong> <strong>textos</strong> concretos que<br />

circulam em nossa socieda<strong>de</strong>, como para a análise dos tipos <strong>de</strong> texto produzidos pelos alunos em<br />

situação <strong>escola</strong>r. Procuraremos também <strong>de</strong>stacar outras <strong>tipologias</strong> com as quais buscamos estabelecer<br />

uma relação <strong>de</strong> comparação entre os princípios tipológicos (base conceitual) adotados por elas, para<br />

tipificação dos <strong>textos</strong> e discursos, e aqueles utilizados pelos alunos para classificar os seus próprios<br />

<strong>textos</strong> e <strong>textos</strong> <strong>de</strong> outros autores, que representam as práticas sociais <strong>de</strong> escrita em nossa socieda<strong>de</strong>.<br />

Antes, porém, <strong>de</strong> passarmos a essa exposição, julgamos oportuno<br />

explicitar alguns pontos básicos e gerais sobre tipologia e tipos <strong>de</strong> texto e discurso.<br />

2 - Sobre tipo e tipologia<br />

19 No Anexo 1, encontram-se os <strong>textos</strong> que compõem o corpus <strong>de</strong>sta pesquisa. Esses <strong>textos</strong> são representativos da prática<br />

corrente <strong>de</strong> escrita em nossa socieda<strong>de</strong> e foram submetidos à análise dos alunos, para a sua classificação quanto ao tipo,<br />

quando da realização <strong>de</strong> testes..<br />

36


2.1 - Tipo 20<br />

“O relacio<strong>na</strong>mento entre o jogo <strong>de</strong> atuação comunicativa e a<br />

geração do texto aparece, portanto, como dado pelas <strong>de</strong>cisões<br />

globais quanto ao tipo <strong>de</strong> texto. (...) Todo texto, portanto, é<br />

resultado da efetivação <strong>de</strong> um tipo <strong>de</strong> interação comunicativa”.<br />

(SCHMIDT,1978:147 e 168)<br />

“Tipos <strong>de</strong> discurso são cristalizações <strong>de</strong> funcio<strong>na</strong>mentos<br />

discursivos distintos.(...) Os tipos <strong>de</strong> discurso são forma <strong>de</strong><br />

interação <strong>na</strong> interlocução”.<br />

(ORLANDI,1987:131 )<br />

“Os tipos efetivos <strong>de</strong> <strong>textos</strong> são <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes dos valores da<br />

interação social”.(BRONCKART, 1987:45)<br />

“Um certo texto particular é <strong>de</strong> um certo tipo em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma<br />

correlação entre certos elementos <strong>de</strong> sua organização e suas<br />

condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong>. Então falar do tipo <strong>de</strong> um texto é falar <strong>de</strong><br />

sua caracterização como um tipo <strong>de</strong> discurso”.<br />

(GUIMARÃES,1986:76)<br />

Essas passagens explicitam que o tipo <strong>de</strong> texto e o tipo <strong>de</strong> discurso<br />

resultam, fundamentalmente, do processo interlocutivo que os interlocutores estabelecem numa dada<br />

situação discursiva; ao mesmo tempo, <strong>de</strong>ixam entrever que entre tipo <strong>de</strong> texto e tipo <strong>de</strong> discurso há<br />

uma relação estreita. Essa relação se evi<strong>de</strong>ncia, como apontamos, <strong>na</strong> medida em que o discurso se<br />

materializa lingüisticamente por meio <strong>de</strong> texto, ou seja, não há texto sem discurso, como não há<br />

discurso sem texto.<br />

20 Nossa exposição sobre tipo (<strong>de</strong> texto e <strong>de</strong> discurso) basear-se-á em dois autores:ORLANDI (1987) e TRAVAGLIA<br />

(1991). Não precisaremos o(s) capítulos(s) em que ORLANDI trata este assunto, pois, ao longo <strong>de</strong> todo o seu texto, ela vem<br />

<strong>de</strong>finindo e refi<strong>na</strong>ndo tal conceito. Quanto ao estudo <strong>de</strong> TRAVAGLIA, estaremos baseando-nos, especialmente, no capítulo<br />

2, que, por sua vez, toma aquela autora como referência para as discussões sobre tipos. Desse modo, procuraremos evitar<br />

remissões constantes aos dois <strong>textos</strong> e <strong>de</strong>ixamos claro que tal exposição se configura como paráfrase das reflexões tecidas<br />

por esses dois autores. Assim sendo, quaisquer equívocos, <strong>na</strong> abordagem <strong>de</strong>sta questão, são <strong>de</strong> nossa inteira<br />

responsabilida<strong>de</strong>.<br />

37


O tipo (<strong>de</strong> discurso e <strong>de</strong> texto ) <strong>de</strong>corre do tipo <strong>de</strong> relação interlocutiva<br />

que se instaura entre os interlocutores, da intenção do locutor, do papel e lugar que cada um - locutor e<br />

interlocutor - representa nessa relação, das imagens que eles fazem um do outro, <strong>de</strong> si próprios, do<br />

assunto, etc. Nessa acepção, um tipo é produto <strong>de</strong> um funcio<strong>na</strong>mento discursivo, 21<strong>de</strong>finido <strong>na</strong> própria<br />

relação <strong>de</strong> interlocução.<br />

Isto quer dizer que todo falante, quando diz algo a alguém, estabelece<br />

para o seu discurso uma configuração, isto é, dá a ele uma fisionomia típica, a qual se materializa<br />

lingüisticamente por meio do texto.<br />

Sendo os tipos configurações que se constituem <strong>na</strong> relação interlocutiva,<br />

estas trazem certas marcas e proprieda<strong>de</strong>s22que especificam o modo <strong>de</strong> interação estabelecida entre<br />

os interlocutores.<br />

Assim, quando temos relações <strong>de</strong> interlocução diferentes, temos,<br />

conseqüentemente, diferentes tipos <strong>de</strong> discurso que resultam em tipos <strong>de</strong> texto, respectivamente.<br />

Se um texto é <strong>de</strong> um certo tipo, ele o é por haver uma correlação entre<br />

certas marcas e proprieda<strong>de</strong>s, as quais o tipificam como pertencente a um <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do modo <strong>de</strong><br />

interação, <strong>de</strong> enunciação.<br />

Contudo, vale ressaltar que não existem marcas exclusivas para um<br />

dado tipo <strong>de</strong> texto ou discurso, pois elas por si só não são elementos <strong>de</strong>finidores para caracterizá-los.<br />

As marcas só encar<strong>na</strong>m uma dada significação ou só produzem um efeito <strong>de</strong> sentido, no interior do<br />

próprio discurso, quando remetidas às proprieda<strong>de</strong>s com as quais se correlacio<strong>na</strong>m. Isto é, quando se<br />

evi<strong>de</strong>ncia o modo como elas aparecem em relação às suas condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong>, como elas<br />

funcio<strong>na</strong>m <strong>na</strong> interlocução.<br />

As proprieda<strong>de</strong>s, por sua vez, só se <strong>de</strong>finem como parte constitutiva <strong>de</strong><br />

um dado texto ou discurso, quando tratadas no interior do funcio<strong>na</strong>mento discursivo a que remetem.<br />

Assim, para caracterizar um tipo <strong>de</strong> discurso (texto) é preciso referi-lo ao<br />

seu funcio<strong>na</strong>mento discursivo que, por sua vez, se inscreve em uma formação discursiva<br />

(Cf.FOUCAULT,1972). Esta representa, <strong>na</strong> or<strong>de</strong>m do discurso, a formação i<strong>de</strong>ológica<br />

(Cf.PÊCHEUX,1990) que lhe correspon<strong>de</strong>. A formação discursiva é o lugar da construção do sentido <strong>de</strong><br />

um dado tipo <strong>de</strong> discurso. É nela que as diferenças entre os tipos são sistemáticas.<br />

21 V. nota 8.<br />

22 Segundo ORLANDI (1987:235), as marcas dizem respeito à organização do discurso, as proprieda<strong>de</strong>s à totalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>le e<br />

sua relação com a exteriorida<strong>de</strong>.<br />

38


Nesse sentido é que se diz que todo dizer é uma ativida<strong>de</strong> tipificante,<br />

porque resulta <strong>de</strong> um funcio<strong>na</strong>mento discursivo específico. Nessa acepção, não existem mo<strong>de</strong>los<br />

prontos e fechados <strong>de</strong> tipos <strong>de</strong> texto <strong>de</strong> que o falante se apropria conforme as suas necessida<strong>de</strong>s<br />

comunicativas. O que há, como apontamos, são configurações que se constituem no processo<br />

interlocutivo entre os interlocutores.<br />

Essas configurações, ao se concretizarem lingüisticamente em um dado<br />

tipo <strong>de</strong> texto, inscrevem-se em um tipo <strong>de</strong> discurso.<br />

Vale dizer que os tipos <strong>de</strong> discurso não existem em sua forma pura. No<br />

texto, on<strong>de</strong> os discursos se manifestam, os tipos po<strong>de</strong>m articular-se <strong>de</strong> diferentes formas:<br />

“(...) o texto todo po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong> um tipo, as seqüências po<strong>de</strong>m se<br />

alter<strong>na</strong>r, um tipo po<strong>de</strong> ser usado em função do outro ou eles<br />

po<strong>de</strong>m se combi<strong>na</strong>r. Po<strong>de</strong> haver, entre os tipos relações <strong>de</strong><br />

aliança, inclusão, conflito, <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ção ou outras <strong>de</strong>tectáveis<br />

pela análise do funcio<strong>na</strong>mento discursivo”.<br />

(TRAVAGLIA,1992:43)<br />

Nessa relação, em que se po<strong>de</strong>m cruzar e entrecruzar essas diferentes<br />

formas <strong>de</strong> articulação, no interior <strong>de</strong> um tipo <strong>de</strong> discurso, o que há é uma relação <strong>de</strong> dominância <strong>de</strong> um<br />

tipo sobre os <strong>de</strong>mais presentes no texto. Desse modo, o tipo não se <strong>de</strong>fine por uma relação absoluta<br />

entre um tipo <strong>de</strong> discurso e um tipo <strong>de</strong> texto, mas por uma relação <strong>de</strong> dominância.<br />

Como exemplifica TRAVAGLIA(1991:44), o romance é classificado como<br />

texto <strong>na</strong>rrativo, porque este tipo <strong>de</strong> discurso <strong>de</strong>termi<strong>na</strong> uma relação <strong>de</strong> dominância sobre os outros que<br />

aparecem ou po<strong>de</strong>m aparecer no romance. Assim, po<strong>de</strong>m-se encontrar os tipos : <strong>de</strong>scritivo, para a<br />

caracterização <strong>de</strong> perso<strong>na</strong>gens, <strong>de</strong> suas ações, retratar ce<strong>na</strong>s, etc; o dissertativo, para comentar,<br />

avaliar as ações, os sentimentos <strong>de</strong> perso<strong>na</strong>gens.<br />

Além <strong>de</strong>sse jogo <strong>de</strong> dominância <strong>de</strong> um tipo sobre outro, jogo esse que<br />

evi<strong>de</strong>ncia que os tipos não são estanques, há o que se po<strong>de</strong>ria chamar <strong>de</strong> relações intercambiáveis <strong>de</strong><br />

tipos. Isto é, o uso <strong>de</strong> um tipo por outro; um tipo que se apropria <strong>de</strong> características da configuração<br />

textual <strong>de</strong> um outro tipo. Por exemplo, quando se usa a <strong>na</strong>rração para <strong>de</strong>screver, ou para fazer<br />

comentários dissertativos, ou para argumentar. Este último caso po<strong>de</strong> ser encontrado nos <strong>textos</strong> 11<br />

(p.9) “ O cão e lobo”, e 22 (p.10) “De como a televisão ameaça a vida dos circos”, apresentados no<br />

Anexo 1.<br />

39


Essas relações intercambiáveis <strong>de</strong> tipos são operações discursivas, que<br />

se articulam no interior <strong>de</strong> um dado tipo ou em toda a sua constituição, agenciadas, <strong>na</strong> interação, pelo<br />

locutor, com o fim <strong>de</strong> provocar no interlocutor um efeito <strong>de</strong> sentido <strong>de</strong>sejado.<br />

Para fi<strong>na</strong>lizar, po<strong>de</strong>r-se-ia dizer que, no domínio discursivo, <strong>na</strong><br />

construção <strong>de</strong> um dado texto, os tipos se <strong>de</strong>finem como modo <strong>de</strong> ação que se faz com e sobre a<br />

linguagem, pela relação <strong>de</strong> dominância <strong>de</strong> um modo enunciativo sobre outro.<br />

A dominância <strong>de</strong> um modo enunciativo evi<strong>de</strong>ncia-se, como assi<strong>na</strong>lamos,<br />

<strong>na</strong> correlação estreita entre marcas e proprieda<strong>de</strong>s agenciadas pelo locutor para satisfazer a sua<br />

intenção comunicativa numa dada situação discursiva. Ao fazer uma opção por um modo enunciativo -<br />

por um tipo, isso não significa que, estrategicamente, o locutor não possa lançar mão <strong>de</strong> outros para<br />

criar certos efeitos <strong>de</strong> sentido. Tal possibilida<strong>de</strong> não implica a <strong>de</strong>scaracterização dos fatores (marcas e<br />

proprieda<strong>de</strong>s) que especificam o modo enunciativo escolhido.<br />

Como última observação, os modos enunciativos (tipos), como produto<br />

<strong>de</strong> um funcio<strong>na</strong>mento discursivo, refletem as práticas discursivas construídas social, histórica e<br />

culturalmente <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>.<br />

2.2 - Tipologia<br />

As <strong>tipologias</strong> do texto e do discurso elaboradas <strong>na</strong>s duas últimas<br />

décadas refletem, <strong>de</strong> modo geral, a trajetória dos estudos sobre texto e discurso <strong>de</strong>senvolvidos no<br />

campo dos estudos da linguagem.<br />

Seguindo o <strong>de</strong>senvolvimento do pensamento lingüístico, há espécies<br />

diferentes <strong>de</strong> <strong>tipologias</strong>, cujos critérios para a tipificação <strong>de</strong> texto e discurso <strong>de</strong>rivam <strong>de</strong> diferentes<br />

teorias da linguagem: da Sociolingüística, da Retórica, da Pragmática, da Teoria da Enunciação, da<br />

Teoria do texto, etc.<br />

Diante do gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> trabalhos que se têm ocupado com a<br />

problemática da classificação <strong>de</strong> texto e discurso, não há como não reconhecer a necessida<strong>de</strong> das<br />

<strong>tipologias</strong>.<br />

Entretanto, embora se perceba a importância dos estudos tipológicos<br />

sobre texto e discurso, MAINGUENEAU (1989), ISENBERG (1987), KOCH & FÁVERO (1987),<br />

PETITJEAN(1989) afirmam que as múltiplas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> se consi<strong>de</strong>rar os tipos <strong>de</strong> texto e/ou <strong>de</strong><br />

discurso acabam por criar uma complexida<strong>de</strong> tipológica, revelando, <strong>de</strong> certo modo, uma carência <strong>de</strong><br />

40


critérios mais abrangentes que se mostrem a<strong>de</strong>quados à <strong>de</strong>scrição global dos diversos tipos <strong>de</strong><br />

discurso e/ou texto produzidos numa dada cultura.<br />

ISENBERG (1987), por consi<strong>de</strong>rar que a maior parte das <strong>tipologias</strong><br />

existentes se mostra insuficiente para <strong>de</strong>screver tipológico e textualmente os <strong>textos</strong> concretos (os que<br />

circulam <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>), pelo fato <strong>de</strong> se sustentarem em critérios ambíguos ou limitados, afirma que<br />

“(...)no sabemos casi <strong>na</strong>da sobre cómo ha <strong>de</strong> constituirse um<br />

sistema complejo <strong>de</strong> clasificación <strong>de</strong> <strong>textos</strong>, (mas acrescenta que<br />

esse sistema) es um presupuesto necesario para po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>scribir<br />

<strong>textos</strong> <strong>de</strong> u<strong>na</strong> manera exhaustiva”.(p.128)<br />

Partindo <strong>de</strong>sse pressuposto, o autor sugere alguns elementos <strong>de</strong><br />

<strong>na</strong>tureza metodológica para a construção <strong>de</strong> uma estrutura lógica <strong>de</strong> tipologia textual, que <strong>de</strong>nomi<strong>na</strong> <strong>de</strong><br />

tipologia textual superior. Tais elementos levariam à construção <strong>de</strong> uma tipologia que <strong>de</strong>sse conta <strong>de</strong><br />

abordar, <strong>de</strong> modo mais amplo, questões teórico-<strong>textuais</strong>, a saber: <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>r a valida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

regularida<strong>de</strong>s - princípios, regras, normas - que são importantes para a <strong>produção</strong> e recepção <strong>de</strong> <strong>textos</strong><br />

concretos; diferenciar as proprieda<strong>de</strong>s constitutivas e específicas do texto, bem como as suas<br />

características <strong>de</strong> textualida<strong>de</strong>; <strong>de</strong>screver a intertextualida<strong>de</strong> dos <strong>textos</strong>. Desse modo, para a realização<br />

sistemática <strong>de</strong> tais tarefas, a tipologia textual, segundo o autor, teria que conter os seguintes elementos:<br />

a) uma base tipológica - um critério se possível único e completo - a partir do qual fosse possível<br />

diferenciar os tipos <strong>de</strong> texto que, por sua vez, teriam que ser <strong>de</strong>finidos em relação com essa base;<br />

b) um campo <strong>de</strong> aplicação da tipologia - esse campo se <strong>de</strong>limitaria no âmbito <strong>de</strong> todos os <strong>textos</strong> sobre<br />

os quais a tipologia po<strong>de</strong>r-se-ia manifestar; isto é, seria um conjunto <strong>de</strong> <strong>textos</strong> selecio<strong>na</strong>dos, como<br />

objeto <strong>de</strong> análise, com o fim <strong>de</strong> estabelecer uma comparação entre as proprieda<strong>de</strong>s constitutivas do<br />

texto e os critérios que compõem a base tipológica;<br />

c) a especificação - para cada tipo <strong>de</strong> texto <strong>de</strong>ver-se-ia estabelecer uma especificação exata, isto é,<br />

uma <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> todas as regularida<strong>de</strong>s <strong>textuais</strong> específicas <strong>de</strong> um dado texto, as quais, uma vez<br />

<strong>de</strong>finidas, não seriam válidas para os <strong>de</strong>mais tipos <strong>de</strong> texto.<br />

Além <strong>de</strong>sses fatores, ISENBERG aponta outras características para a<br />

construção <strong>de</strong>ssa tipologia, a saber: homogeneida<strong>de</strong>, monotipia, não-ambigüida<strong>de</strong> e exaustivida<strong>de</strong>. 23<br />

23 A respeito <strong>de</strong>ssas proprieda<strong>de</strong>s ver ISENBERG, H. “Cuestions Fundamentais <strong>de</strong> Tipologia textual”, in Lingüística <strong>de</strong>l<br />

Texto. (org) BERNÁRDEZ, E. Madrid. Arco libros s/a .1987.<br />

41


Para o autor, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> elaboração <strong>de</strong> um sistema complexo <strong>de</strong><br />

classificação <strong>de</strong> <strong>textos</strong>, que <strong>de</strong>screvesse as suas proprieda<strong>de</strong>s constitutivas e específicas, requer a<br />

construção <strong>de</strong> <strong>tipologias</strong> <strong>textuais</strong> que, reunidas, formariam o que ele chama <strong>de</strong> tipologia textual superior,<br />

isto é, uma teoria tipológica.<br />

Não se po<strong>de</strong> negar que essa proposta seria interessante e necessária,<br />

tendo em vista a multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> critérios existentes para classificar o texto, como procuraremos<br />

mostrar mais adiante. Entretanto, com tantas <strong>tipologias</strong> - umas se articulando com outras,<br />

entrecruzando-se, complementando-se ou se opondo - é preciso reconhecer que se está ainda longe <strong>de</strong><br />

soluções satisfatórias que organizem uma teoria tipológica i<strong>de</strong>al para o estudo tipológico do texto.<br />

O exame <strong>de</strong> várias <strong>tipologias</strong> existentes, tanto no campo da Teoria do<br />

Discurso como no da Lingüística do Texto, conclui-se que os critérios adotados por elas são múltiplos e<br />

heterogêneos. Essa heterogeneida<strong>de</strong> <strong>de</strong> critérios é que faz surgir uma varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>tipologias</strong>.<br />

A partir do estabelecimento <strong>de</strong> critérios - base conceitual - adotados<br />

para a construção das <strong>tipologias</strong>, po<strong>de</strong>m-se i<strong>de</strong>ntificar gran<strong>de</strong>s vertentes tipológicas.<br />

A tipologia do Discurso baseia-se em critérios ligados às condições <strong>de</strong><br />

<strong>produção</strong>, às formações discursivas em que po<strong>de</strong>m estar inseridas, etc. Assim, a partir <strong>de</strong> tais critérios<br />

(e outros), da relação da análise proposta ao texto e da sua própria <strong>na</strong>tureza, várias vertentes<br />

tipológicas são <strong>de</strong>finidas, citamos as apontadas por KOCH & FÁVERO(1987:4):<br />

1. as que se referem à existência <strong>de</strong> instituições: discurso<br />

político, juridíco, religioso, etc.;<br />

2. as que dizem respeito a domínios (institucio<strong>na</strong>is) do saber e<br />

que constituem variações das anteriores: discurso filosófico,<br />

científico, jor<strong>na</strong>lístico, poético, etc, (cf.ORLANDI, 1983);<br />

3. a da antiga retórica: discurso <strong>de</strong>liberativo, epidítico, jurídico;<br />

4. a <strong>de</strong> Orlandi(1983) que toma como base, <strong>de</strong> um lado, a<br />

relação da linguagem com as suas condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong>; e <strong>de</strong><br />

outro, a questão da <strong>produção</strong> do sentido, repousando sobre as<br />

noções <strong>de</strong> interação, polissemia: discurso autoritário, polêmico e<br />

lúdico.<br />

42


Já as <strong>tipologias</strong> do texto, por sua vez, tomam por base critérios<br />

relacio<strong>na</strong>dos com os esquemas conceituais-cognitivos, as características formais e convencio<strong>na</strong>is, e os<br />

meios lingüísticos que, em uma dada situação <strong>de</strong> enunciação, são utilizados pelos interlocutores para<br />

realizar suas intenções comunicativas. A partir <strong>de</strong> tais critérios, têm-se as seguintes vertentes<br />

tipológicas, segundo ainda KOCH & FÁVERO(1987):<br />

1. as <strong>de</strong> tipo funcio<strong>na</strong>l/comunicativo que se esteiam <strong>na</strong>s funções<br />

da linguagem <strong>de</strong> Bühler e, especialmente, <strong>de</strong> Jakbson. É o caso<br />

dos trabalhos <strong>de</strong> Vanoye (1973) e <strong>de</strong> Reiss (1977);<br />

2. as que partem <strong>de</strong> marcas lingüísticas <strong>de</strong> superfície (tempos<br />

verbais, dêiticos temporais, pronomes, etc.) para reconstruir o<br />

modo da enunciação ou os tipos <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong> comunicativa do<br />

locutor - e que se reportam às teses <strong>de</strong> Benveniste. Incluiem-se<br />

aqui a tipologia <strong>de</strong> Weinrich (1964) (mundo <strong>na</strong>rrado e mundo<br />

comentado), a <strong>de</strong> Simonin-Grumbach (1975) (discurso, história,<br />

discurso relatado, <strong>textos</strong> teóricos e <strong>textos</strong> poéticos) a <strong>de</strong> Kerbrat-<br />

Orecchioni (1980) e outras;<br />

3. as que partem do traço da verificabilida<strong>de</strong> versus não<br />

verificabilida<strong>de</strong>, classificando os <strong>textos</strong> em ficcio<strong>na</strong>is e factuais;<br />

4. as que, como Werlich (1975), classificam os <strong>textos</strong> segundo<br />

“os processos cognitivos característicos <strong>de</strong> cada tipo e que são<br />

<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ados e <strong>de</strong>senvolvidos por atos <strong>de</strong> locução dirigidos<br />

para a situação e por reações a aspectos específicos da<br />

situação” (p.43). Werlich distingue cinco tipos: <strong>de</strong>scritivo,<br />

<strong>na</strong>rrativo, expositivo, argumentativo e instrutivo.<br />

Os critérios (base conceitual) a partir dos quais as <strong>tipologias</strong> são<br />

elaboradas expressam, <strong>de</strong> uma maneira ou <strong>de</strong> outra, a concepção <strong>de</strong> linguagem, <strong>de</strong> texto, <strong>de</strong> discurso,<br />

o tipo <strong>de</strong> contexto que se está consi<strong>de</strong>rando - situação comunicativa, sociohistórica - , bem como a<br />

direção metodológica adotada <strong>na</strong> tipificação do texto ou discurso. São os critérios que constroem a<br />

arquitetura conceitual da tipologia, representando, assim, um construto teórico (Cf.PETITJEAN,1989).<br />

43


ORLANDI (1987:219), como dissemos anteriormente, chama a atenção<br />

para o fato <strong>de</strong> que a escolha da tipologia, diante <strong>de</strong> um material a ser a<strong>na</strong>lisado, não se faz em abstrato,<br />

mas <strong>de</strong>riva da concepção <strong>de</strong> discurso do a<strong>na</strong>lista, da sua posição em relação ao problema da i<strong>de</strong>ologia,<br />

do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> análise que utiliza, do domínio <strong>de</strong> conhecimento no qual se insere.<br />

Além <strong>de</strong>sses fatores, a escolha da tipologia é <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>da, sobretudo,<br />

por dois outros, a saber: o objetivo da análise em relação com a <strong>na</strong>tureza do texto.(ORLANDI,1987:220)<br />

Esses dois fatores, em sua relação, são partes constitutivas das condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong> da análise do<br />

texto.<br />

Nessa perspectiva, como se po<strong>de</strong> notar, a tipologia assume um papel <strong>de</strong><br />

princípio organizador para pensar a sistematicida<strong>de</strong> do objeto da análise, seja do texto seja do discurso,<br />

cumprindo, assim, duas funções metodológicas fundamentais: a primeira, a <strong>de</strong> possibilitar a<br />

sistematização do objeto a<strong>na</strong>lisado, generalizar características, agrupar proprieda<strong>de</strong>s e distinguir os<br />

tipos (<strong>de</strong> texto e/ou discurso); a segunda, interligada à primeira, a <strong>de</strong> permitir a análise do objeto.<br />

Em face disso, a tipologia tor<strong>na</strong>-se condição necessária da análise que<br />

se impõe ao texto ou ao discurso, uma vez que é ela que a direcio<strong>na</strong>. Nesse sentido, ela passa a fazer<br />

parte das condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong> da própria análise, como mediadora da leitura que se faz dos dados,<br />

texto ou discurso.<br />

Por fim, vale dizer que a aplicação <strong>de</strong> uma dada tipologia, bem como a<br />

interpretação dos dados obtidos pela sua aplicação requerem certos cuidados e flexibilida<strong>de</strong>. Assim,<br />

neste estudo, a aplicação <strong>de</strong> uma dada tipologia (que especificaremos mais adiante) se faz em função<br />

<strong>de</strong> dois propósitos mencio<strong>na</strong>dos anteriormente (v.p.49). O primeiro propósito da adoação <strong>de</strong> uma certa<br />

tipologia, neste trabalho, refere-se aos objetivos da análise que procuramos fazer dos tipos <strong>de</strong> texto<br />

produzidos em condições <strong>escola</strong>res. Como dissemos no Capítulo 2, a proposta <strong>de</strong>ste estudo não é<br />

classificar os <strong>textos</strong> produzidos pelos alunos a partir <strong>de</strong> um quadro tipológico construído a priori, nem<br />

tampouco a partir da tipologia veiculada nos livros didáticos, discutida no Capítulo 1. O que<br />

preten<strong>de</strong>mos é entendê-los em função do espaço discursivo em que se constituem - situação<br />

comunicativa instaurada em sala <strong>de</strong> aula, bem como em função <strong>de</strong> um conhecimento tipológico que se<br />

supõe construído, intuitivamente, pelos alunos em suas interações verbais cotidia<strong>na</strong>s, e assim buscar<br />

i<strong>de</strong>ntificar certas características que especificam o(s) tipo(s) <strong>de</strong> texto construído(s) no contexto <strong>escola</strong>r.<br />

Consi<strong>de</strong>rando os tipos <strong>de</strong> texto como uma forma <strong>de</strong> interação, como<br />

modo enunciativo, produto, portanto, <strong>de</strong> uma relação interlocutiva, vários fatores se entrecruzam <strong>na</strong> sua<br />

44


constituição. E para i<strong>de</strong>ntificá-los, como apontamos, é preciso correlacioná-los e remetê-los às suas<br />

condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong>.<br />

O recorte que aqui se impõe para tematizar <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>das<br />

particularida<strong>de</strong>s do funcio<strong>na</strong>mento discursivo dos tipos <strong>de</strong> texto em sala <strong>de</strong> aula é aquele que inci<strong>de</strong><br />

sobre os vários planos que compõem o seu funcio<strong>na</strong>memto: o esquema global do texto - superestrutura<br />

- um dos aspectos que caracterizam o tipo <strong>de</strong> texto, quanto à sua organização estrutural, e que reflete,<br />

conseqüentemente, uma das suas proprieda<strong>de</strong>s constitutivas; e os aspectos pragmáticos - a intenção<br />

do locutor em relação ao seu discurso e em relação ao seu interlocutor.<br />

O segundo propósito da adoção <strong>de</strong> uma certa tipologia neste trabalho<br />

relacio<strong>na</strong>-se com a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seleção <strong>de</strong> <strong>textos</strong> que circulam em nossa socieda<strong>de</strong> para a<br />

composição <strong>de</strong> uma das partes do corpus <strong>de</strong>sta pesquisa, <strong>textos</strong> estes usados com a fi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ntificar quais os princípios tipológicos utilizados pelos alunos para sua classificação. Os <strong>textos</strong><br />

constitutivos do corpus encontram-se no Anexo 1.<br />

Entretanto, além da tipologia adotada como referência para a realização<br />

dos dois propósitos acima indicados, outras também foram usadas para verificar se haveria ou não<br />

relação entre os critérios adotados por elas para tipificar os <strong>textos</strong> e os utilizados pelos alunos tanto <strong>na</strong><br />

classificação <strong>de</strong> seus próprios <strong>textos</strong> quanto <strong>na</strong> daqueles <strong>de</strong> outros autores.<br />

3 - Tipologia do texto e do discurso<br />

3.1 - Tipologia adotada<br />

Após a exposição <strong>de</strong> alguns pontos básicos sobre tipos, tipologia e sua<br />

aplicação, como instrumento para a análise <strong>de</strong> <strong>textos</strong> e discursos, preten<strong>de</strong>mos agora expor a tipologia<br />

que serviu <strong>de</strong> referência, neste estudo, tanto para a análise dos <strong>textos</strong> escritos pelos alunos, como para<br />

seleção <strong>de</strong> <strong>textos</strong> <strong>de</strong> outros autores, submetidos à análise dos alunos.<br />

Diante dos nossos objetivos, buscamos uma tipologia que consi<strong>de</strong>rasse<br />

os tipos <strong>de</strong> texto básicos existentes nos tipos <strong>de</strong> discurso que compõem as práticas <strong>de</strong> escrita <strong>de</strong> nossa<br />

cultura, permitindo uma visão mais nítida da relação entre modo enunciativo, superestrutura, aspectos<br />

45


pragmáticos do texto. Enfim, uma tipologia que se voltasse para a caracterização dos tipos, tendo em<br />

vista o seu funcio<strong>na</strong>mento discursivo, isto é, que focalizasse a relação do locutor com a linguagem e<br />

com o(s) seu(s) interlocutor(es) para, então, classificar os tipos <strong>de</strong> texto segundo esse foco.<br />

Entre as <strong>tipologias</strong> que exploraram os tipos <strong>de</strong> texto nessa perspectiva,<br />

selecio<strong>na</strong>mos as propostas feitas por KOCH & FÁVERO (1987) e TRAVAGLIA (1991).<br />

Como ambas as <strong>tipologias</strong> têm, <strong>na</strong> constituição <strong>de</strong> suas bases<br />

conceituais, critérios que se assemelham, propomos fazer uma confluência <strong>de</strong>las, <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ndo e<br />

selecio<strong>na</strong>ndo ape<strong>na</strong>s os tipos <strong>de</strong> texto que são mais pertinentes para o nosso estudo, e formando,<br />

assim, um quadro tipológico em que figuram os tipos <strong>de</strong>scritivo, injuntivo, dissertativo, <strong>na</strong>rrativo e<br />

argumentativo. Ao propor tal confluência, supomos não estar traindo a base conceitual e metodológica<br />

<strong>de</strong> cada uma das duas propostas tipológicas, pois os aspectos que as diferenciam ten<strong>de</strong>m mais para o<br />

metodológico do que para o conceitual. Vejamos, então, sucintamente, em que elas se distinguem.<br />

KOCH & FÁVERO propõem uma tipologia textual, constituída pelos<br />

seguintes tipos <strong>de</strong> texto: <strong>na</strong>rrativo, <strong>de</strong>scritivo, expositvo ou explicativo, injuntivo ou diretivo,<br />

argumentativo ”stricto sensu” e, por fim, o preditivo e estabelecem, para cada um <strong>de</strong>sses tipos, critérios<br />

relativos à sua dimensão pragmática, esquemática global (superestrutura) e lingüística <strong>de</strong> superfície.<br />

Já TRAVAGLIA, buscando uma tipologia que permitisse “ ver com mais<br />

clareza a relação estreita que há entre modo <strong>de</strong> enunciação, tipo <strong>de</strong> texto e recursos lingüísticos<br />

empregados “(p.48), faz três agrupamentos dos tipos <strong>textuais</strong>, formando assim três <strong>tipologias</strong> que se<br />

entrecruzam. O autor reúne os tipos <strong>de</strong>scritivo, dissertativo, injuntivo e <strong>na</strong>rrativo em um só quadro<br />

tipológico, separando, assim, o argumentativo, geralmente incluído <strong>na</strong> tipologia constituída <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>scrição, <strong>na</strong>rração, dissertação e injunção. O texto do tipo argumentativo ”stricto sensu” 24 passa,<br />

assim, a constituir uma segunda tipologia, que engloba duas formas <strong>de</strong> interlocução - “o discurso da<br />

transformação” e o “discurso da cumplicida<strong>de</strong>” - que resultam em dois tipos <strong>de</strong> <strong>textos</strong> respectivamente:<br />

o texto argumentativo e o não argumentativo. A terceira tipologia proposta pelo autor é constituída dos<br />

<strong>textos</strong> preditvo e não preditivo.<br />

Antes <strong>de</strong> passarmos à exposição dos tipos <strong>textuais</strong> selecio<strong>na</strong>dos a partir<br />

<strong>de</strong>ssas duas propostas tipológicas, convém esclarer dois pontos: o primeiro se refere aos aspectos<br />

relativos às marcas lingüísticas que po<strong>de</strong>m figurar <strong>na</strong> superfície textual <strong>de</strong> cada tipo sugeridas pelas<br />

duas propostas selecio<strong>na</strong>das; nesta questão não nos <strong>de</strong>teremos por fugir aos objetivos <strong>de</strong>ste estudo. O<br />

24 Denomi<strong>na</strong>ção dada por KOCH & FÁVERO (1987:7)<br />

46


segundo e último ponto refere-se à abordagem que se fará do tipo argumentativo: estaremos aqui<br />

baseando-nos <strong>na</strong> subdivisão sugerida por TRAVAGLIA, por melhor se a<strong>de</strong>quar aos objetivos <strong>de</strong>ste<br />

trabalho.<br />

Apresentaremos, inicialmente, as distinções básicas entre os tipos<br />

<strong>de</strong>scritivo, <strong>na</strong>rrativo, injuntivo e dissertativo, para <strong>de</strong>pois apontarmos as especificida<strong>de</strong>s do tipo<br />

argumentativo.<br />

3.1.1 - Descrição, <strong>na</strong>rração, injunção e dissertação<br />

Na perspectiva da tipologia selecio<strong>na</strong>da, “o processo <strong>de</strong> enunciação é<br />

uma atualização temporal e espacial do sujeito em seu discurso”(ORLANDI,1989:14).É nesse processo<br />

enunciativo que se instaura a relação do sujeito (locutor) com a linguagem e com o(s) seu(s)<br />

interlocutor(es), <strong>de</strong>finindo-se, assim, a sua atitu<strong>de</strong> diante do próprio enunciado (discurso), diante do(s)<br />

seu(s) interlocutor(es) e diante da situação discursiva.<br />

É no interior <strong>de</strong>sse quadro teórico que se inscreve a base conceitual<br />

<strong>de</strong>ssa tipologia, que toma esses três fatores, em sua relação, para a caracterização dos tipos <strong>de</strong> texto:<br />

a atitu<strong>de</strong> do locutor diante do objeto <strong>de</strong> seu dizer, diante do(s) interlocutor(es), e a atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste(s), por<br />

sua vez, diante do que está sendo enunciado, tudo isso ocorrendo numa dada situação <strong>de</strong> interlocução.<br />

Assim, o tipo <strong>de</strong> texto, como modo <strong>de</strong> ação, <strong>de</strong> enunciação, como forma<br />

<strong>de</strong> interação, é regulado e objetivado por esses três fatores, que envolvem a relação interlocutiva da<br />

qual, como apontamos, ele resulta<br />

Quanto à relação entre a atitu<strong>de</strong> do locutor diante do próprio objeto <strong>de</strong><br />

seu dizer e diante do(s) seu(s) interlocutor(es), é interessante a distinção que TRAVAGLIA (1991:49-50)<br />

apresenta para a caracterização discursiva dos tipos <strong>textuais</strong>.<br />

Segundo esse autor, para cada um dos tipos tem-se um modo<br />

enunciativo específico, em relação ao referente, ao assunto, ao objeto do dizer. Nessa relação, o modo<br />

enunciativo se constrói, segundo a perspectiva <strong>de</strong> atualização temporal e espacial que o enunciador<br />

assume em relação ao próprio objeto do dizer, assim, o enunciador/locutor coloca-se:<br />

47


a) <strong>na</strong> <strong>de</strong>scrição, o enunciador <strong>na</strong> perspectiva do espaço em seu<br />

conhecer;<br />

b) <strong>na</strong> <strong>na</strong>rração, o enunciador <strong>na</strong> perspctiva do tempo;<br />

c) <strong>na</strong> dissertação, o enunciador <strong>na</strong> perspectiva do conhecer,<br />

abstraindo-se do tempo e do espaço;<br />

d) <strong>na</strong> injunção, o enunciador <strong>na</strong> perspectiva do fazer, posterior<br />

ao tempo da enunciação. 25 (p.49)<br />

Segundo ainda TRAVAGLIA, para cada um <strong>de</strong>sses modos enunciativos<br />

estabelece-se um objetivo da enunciação, que se traduz <strong>na</strong> atitu<strong>de</strong> do locutor em relação ao seu objeto<br />

<strong>de</strong> dizer:<br />

a) <strong>na</strong> <strong>de</strong>scrição, o que se quer é caracterizar, dizer como é;<br />

b) <strong>na</strong> <strong>na</strong>rração, o que se quer é contar, dizer os fatos os<br />

acontecimentos;<br />

c) <strong>na</strong> dissertação, busca-se o refletir, o explicar, o avaliar, o<br />

conceituar, expor idéias para dar a conhecer, para fazer saber,<br />

associando-se `a análise e à interpretação;<br />

d) <strong>na</strong> injunção, diz-se a ação requerida, <strong>de</strong>sejada, diz-se o que<br />

e/ou como fazer, incita-se à realização <strong>de</strong> uma situação.(p.49-<br />

50)<br />

Essas relações que se entrecruzam, <strong>de</strong>finindo o tipo <strong>de</strong> interação, o<br />

modo enunciativo, que se estabelece numa dada situação discursiva, instauram posições distintas entre<br />

locutor e interlocutor(es) no processo <strong>de</strong> enunciação. Quanto à posição do primeiro, foi ela <strong>de</strong>scrita<br />

acima, quanto à posição do segundo, do interlocutor, esta se configura da seguinte forma, segundo<br />

TRAVAGLIA (p.50):<br />

25 Quanto à dimensão <strong>de</strong> temporalida<strong>de</strong> relacio<strong>na</strong>da com o processo <strong>de</strong> enunciação, esta po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>scrita em três planos<br />

diferentes, a saber: a) tempo referencial, ou tempo <strong>de</strong> ocorrência no mundo real em sua sucessão cronológica; b) tempo<br />

da enunciação, ou momento da <strong>produção</strong> do texto, que po<strong>de</strong> ou não coincidir com o referencial e com o do texto; c) tempo<br />

do texto, que é o momento em que um trecho <strong>de</strong> seqüência lingüística total é dito em relação aos <strong>de</strong>mais<br />

trechos.TRAVAGLIA(1991: 124)<br />

48


“(...)a <strong>de</strong>scrição instaura o interlocutor como o “voyeur” do<br />

espetáculo; a <strong>na</strong>rração o instaura como o assistente, o<br />

“espectador não participante”; a dissertação, como ser pensante,<br />

que racioci<strong>na</strong> e a injunção, como aquele que realiza aquilo que<br />

se requer, ou se <strong>de</strong>termi<strong>na</strong> seja feito, aquilo que se <strong>de</strong>seja que<br />

seja feito ou aconteça”.<br />

Cada um <strong>de</strong>sses modos enunciativos figura em tipos <strong>de</strong> discurso<br />

específicos, manifestando-se em <strong>textos</strong> <strong>de</strong>scritivo, <strong>na</strong>rrativo, dissertativo ou injuntivo, configurando<br />

efeitos <strong>de</strong> sentido distintos, isto é, conforme a relação que o locutor estabelece com o próprio objeto do<br />

dizer, com o interlocutor e com a perspectiva em que ele se põe em relação à sua atualização espaçotemporal<br />

no discurso.<br />

Todos esses tipos <strong>de</strong> texto pressupõem uma temporalida<strong>de</strong> que se<br />

evi<strong>de</strong>ncia pela or<strong>de</strong><strong>na</strong>ção das situações expressas no texto.<br />

Na <strong>na</strong>rração, as situações relatadas (ações, eventos) são marcadas<br />

pelas transformações <strong>de</strong> estado que vão ocorrendo progressivamente no texto. Essas situações<br />

organizam-se numa disposição tal que entre elas sempre há uma relação <strong>de</strong> anteriorida<strong>de</strong> e <strong>de</strong><br />

posteriorida<strong>de</strong> em relação ao tempo referencial. 26Seguem uma sucessão temporal: o que aconteceu<br />

antes é contado antes e o que aconteceu <strong>de</strong>pois é contado <strong>de</strong>pois. 27<br />

TRAVAGLIA (1991:54) propõe uma distinção entre os <strong>textos</strong> <strong>na</strong>rrativos,<br />

difereciando o tipo história do tipo não-história. Os do tipo história apresentam as características<br />

<strong>de</strong>scritas acima:”<strong>na</strong>s histórias, a <strong>na</strong>rração reproduz, <strong>de</strong>ntro da seqüência temporal do texto, a sucessão<br />

temporal dos acontecimentos do mundo real, havendo, pois, <strong>na</strong>s histórias uma coincidência temporal<br />

com o seu objeto”. Entre os <strong>textos</strong> <strong>na</strong>rrativos do tipo história citados por TRAVAGLIA encontram-se os<br />

romances, contos, novelas, fábulas, apólogos epopéias, poemas heróicos, casos, relatos, <strong>de</strong>poimentos,<br />

algumas reportagens jor<strong>na</strong>lísticas (notícias), piadas, etc. Já as <strong>na</strong>rrativas do tipo não-história, o autor as<br />

26 V. Nota 25.<br />

27 Entretanto, po<strong>de</strong> ocorrer, também, uma or<strong>de</strong><strong>na</strong>ção diferente, isto é, a <strong>na</strong>rração po<strong>de</strong> não seguir uma seqüenciação<br />

lie<strong>na</strong>r.dos fatos <strong>na</strong> or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> seu acontecimento. Uma alteração nessa or<strong>de</strong>m po<strong>de</strong>- dar-se com o fim <strong>de</strong> se criar um efeito<br />

discursivo <strong>de</strong>sejado pelo locutor. Tal alteração não implica a modificação das relações temporais entre as situações<br />

relatadas. Por exemplo, Machado <strong>de</strong> Assis, em Memórias Póstumas <strong>de</strong> Brás Cubas, no primeiro capítulo, explica ao leitor a<br />

sua opção <strong>de</strong> iniciar as suas memórias pelo fim, por consi<strong>de</strong>rar que “o escrito ficaria mais elegante e mais novo”<br />

49


caracteriza como aquelas em que não há possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma or<strong>de</strong><strong>na</strong>ção dos fatos, uma sucessão<br />

temporal dos acontecimentos. Elas funcio<strong>na</strong>m como comentário <strong>de</strong> caráter dissertativo, no interior <strong>de</strong><br />

qualquer tipo <strong>de</strong> texto .<br />

Na <strong>de</strong>scrição, não há uma progressão temporal tal como no texto<br />

<strong>na</strong>rrativo (tipo história). A or<strong>de</strong><strong>na</strong>ção das situações se dá numa relação <strong>de</strong> simultaneida<strong>de</strong>. Nesse tipo<br />

<strong>de</strong> texto, as proprieda<strong>de</strong>s, os aspectos <strong>de</strong> um dado objeto, pessoa, ce<strong>na</strong>, etc. <strong>de</strong>scritos inscrevem-se<br />

num certo momento estático do tempo, não havendo, assim, uma relação <strong>de</strong> anteriorida<strong>de</strong> e<br />

posteriorida<strong>de</strong> entre as situações que figuram a coisa <strong>de</strong>scrita. As situações caracterizam-se pela sua<br />

simultaneida<strong>de</strong> em relação ao tempo referencial.<br />

GENETTE (1966, apud NEIS, 1985:54) afirma que<br />

“(...)a <strong>na</strong>rração está ligada a ações ou a eventos consi<strong>de</strong>rados<br />

como processos e, por isso mesmo, ela ressalta o aspecto<br />

temporal e dramático da <strong>na</strong>rrativa; a <strong>de</strong>scrição pelo contrário,<br />

visto que se <strong>de</strong>tém em objetos e seres consi<strong>de</strong>rados <strong>na</strong> sua<br />

simultaneida<strong>de</strong> encara os próprios processos como espetáculos,<br />

parece suspen<strong>de</strong>r o curso do tempo e contribuir para esten<strong>de</strong>r a<br />

<strong>na</strong>rração”.<br />

São raros os <strong>textos</strong> em que ocorrem <strong>de</strong>scrições puras; entre os que se<br />

apresentam como tal, há alguns <strong>textos</strong> técnicos, manuais e instruções <strong>de</strong> uso e montagem <strong>de</strong> aparelhos<br />

eletroeletrônicos, charadas. Normalmente, o tipo <strong>de</strong>scritivo se encontra no interior <strong>de</strong> outros <strong>textos</strong> -<br />

<strong>na</strong>rrativo, dissertativo, injuntivo, <strong>de</strong>sempenhando funções discursivas diversas. Dentro do texto<br />

<strong>na</strong>rrativo, por exemplo, a <strong>de</strong>scrição cumpre várias funções. ADAM & PETITJEAN (1982, apud, NEIS,<br />

1985: 61) apontam um certo número <strong>de</strong>las:<br />

• “construir o cenário da <strong>na</strong>rrativa;<br />

• fazer o retrato <strong>de</strong> uma perso<strong>na</strong>gem;<br />

• exprimir o ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> uma perso<strong>na</strong>gem;<br />

• introduzir enunciados explicativos <strong>de</strong> ações anteriores;<br />

• assumir as apreciações e os conhecimentos do autor;<br />

• anunciar prospectivamente ações mais ou menos previsíveis;<br />

• estabelecer as isotopias do contexto; etc”.<br />

50


No texto dissertativo, a or<strong>de</strong><strong>na</strong>ção das situações caracteriza-se, também,<br />

pela simultaneida<strong>de</strong> em relação ao tempo referencial. De modo geral, as relações que as situações<br />

estabelecem entre si são <strong>de</strong> <strong>na</strong>tureza lógica: premissa e conclusão; problema e solução; tese e<br />

evidência; <strong>de</strong>finição e exemplos; causa e efeito, etc. Como é um tipo <strong>de</strong> texto que se presta mais à<br />

a<strong>na</strong>lise, à interpretação , a fazer conhecer uma dada realida<strong>de</strong> por meio <strong>de</strong> conceitos e generalizações,<br />

ele se apresenta, muitas vezes, abstraído <strong>de</strong> tempo e espaço. Entre os <strong>textos</strong> dissertativos que circulam<br />

em nossa socieda<strong>de</strong>, estão as monografias, dissertações, ensaios, teses, artigos científicos ou <strong>de</strong><br />

divulgação científica, manuais didáticos, artigos jor<strong>na</strong>lísticos, etc.<br />

Já a injunção, em relação ao tempo referencial, caracteriza-se pela<br />

indiferença à simultaneida<strong>de</strong> ou não das situações. Nos tipos tais como a receita culinária, manuais e<br />

instruções <strong>de</strong> uso e montagem <strong>de</strong> aparelhos eletroeletrônicos, há uma or<strong>de</strong><strong>na</strong>ção <strong>de</strong> situações (ações),<br />

mas <strong>de</strong> <strong>na</strong>tureza pragmática, prática. A or<strong>de</strong>m em que as ações são apresentadas representa uma<br />

melhor seqüência para atingir o fim pretendido. É uma or<strong>de</strong><strong>na</strong>ção que se configura como necessária.<br />

Caso haja uma inversão ou alteração <strong>na</strong> sua execução, provavelmente haverá problemas em relação<br />

ao que se preten<strong>de</strong> fazer. 28<br />

Para exemplificar essa or<strong>de</strong><strong>na</strong>ção <strong>de</strong> ações necessárias <strong>de</strong> caráter<br />

pragmático, tomemos algumas orientações típicas presentes <strong>na</strong> receita culinária, que refletem a<br />

sucessão das ações para a execução do que se quer realizar: “primeiramente, coloque a farinha <strong>de</strong> trigo<br />

<strong>na</strong> tigela, acrescente em seguida dois ovos, um <strong>de</strong> cada vez, e continue mexendo até formar uma<br />

massa uniforme”.<br />

Além <strong>de</strong> receitas culinárias, manuais e instruções <strong>de</strong> uso e montagem <strong>de</strong><br />

aparelhos eletroeletrônicos e utensílios em geral, normalmente são injuntivos os <strong>textos</strong> <strong>de</strong> orientação<br />

como recomendações <strong>de</strong> trânsito e direção, <strong>de</strong> plantio, receitas médicas, bulas <strong>de</strong> remédio, horóscopo,<br />

boletins meteorológicos,etc.<br />

Passemos, agora, ao outro tipo <strong>de</strong> texto também pertinente ao nosso<br />

estudo.<br />

28 As consi<strong>de</strong>rações tecidas aqui sobre o texto injuntivo baseiam-se <strong>na</strong>s análises feitas por TRAVAGLIA (1991), ao<br />

pesquisar o funcio<strong>na</strong>mento textual-discursivo do verbo em <strong>textos</strong> <strong>de</strong>sse tipo, como também em <strong>textos</strong> do tipo <strong>na</strong>rrativo,<br />

<strong>de</strong>scritivo, dissertativo e argumentativo...<br />

51


3.1.2 - O tipo argumentativo “stricto sensu”<br />

Todo e qualquer discurso tem um veio argumentativo, seja do tipo<br />

<strong>na</strong>rrativo, <strong>de</strong>scritivo, dissertativo, injuntivo. Não há discurso neutro, imparcial, há sempre uma<br />

orientação argumentativa; <strong>na</strong>s palavras <strong>de</strong> KOCH & FÁVERO(1987:7):<br />

“(...)a <strong>na</strong>rração é feita a partir <strong>de</strong> um ponto <strong>de</strong> vista; <strong>na</strong><br />

<strong>de</strong>scrição, selecio<strong>na</strong>m-se os aspectos a serem apresentados <strong>de</strong><br />

acordo com os objetivos que se têm em mente; a exposição <strong>de</strong><br />

idéias envolve tomadas <strong>de</strong> posição (nunca se tem a coisa em si,<br />

mas como ela é vista por alguém) e assim por diante”.<br />

Em cada um <strong>de</strong>sses tipos <strong>de</strong> discurso a argumentativida<strong>de</strong> projeta-se <strong>de</strong><br />

forma distinta, em grau maior ou menor, <strong>de</strong>ixando entrever pelas marcas lingüísticas a posição que o<br />

locutor assume, no processo <strong>de</strong> enunciação, em relação ao objeto do dizer, ao assunto da interação.<br />

O texto do tipo argumentativo ”stricto sensu” distingue-se dos <strong>de</strong>mais<br />

tipos, segundo KOCH & FÁVERO (1987:9) e TRAVAGLIA(1991:58), por ser um texto cujo veio<br />

argumentativo se configura <strong>de</strong> maneira explícita, atingindo, assim, no processo interlocutivo, o grau<br />

máximo <strong>de</strong> orientação argumentativa.<br />

A fi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> última <strong>de</strong>sse modo enunciativo é persuadir o outro a aceitar<br />

ou “a fazer crer, ou a fazer fazer ” o que está sendo enunciado. Daí o nome <strong>de</strong> argumentativo ”stricto<br />

sensu ”por marcar uma oposição àqueles em que o objetivo <strong>de</strong> convencer, persuadir não se manifesta<br />

explicitamente.<br />

Embora TRAVAGLIA (1991) tome a mesma posição em relação à<br />

distinção entre o tipo argumentativo “stricto sensu” e os outros quatro tipos, quanto ao grau <strong>de</strong><br />

argumentativida<strong>de</strong> que se manifesta em cada um <strong>de</strong>les, propõe, entretanto, que o tipo argumentativo<br />

“strictu sensu” (a que doravante chamaremos ape<strong>na</strong>s argumentativo) seja incluído em uma tipologia à<br />

parte, pois a relação que o locutor estabelece com o objeto do dizer e com o interlocutor configura-se<br />

em uma perspectiva que foge àquela(s) prevista(s) pela tipologia da <strong>de</strong>scrição, <strong>na</strong>rração, dissertação e<br />

injunção. Essa tipologia, como afirma TRAVAGLIA (1991:59),<br />

52


“(...)se institui por modos <strong>de</strong> enunciação caracterizados pelas<br />

perspectivas em que o locutor se coloca em termos <strong>de</strong> tempo e<br />

espaço por um lado e do fazer (e/ou acontecer) ou do conhecer<br />

por outro, em relação ao objeto do dizer; a tipologia do<br />

argumentativo se institui por modos <strong>de</strong> enunciação<br />

caracterizados por perspectivas do locutor dadas pela<br />

antecipação que ele faz em termos da concordância ou<br />

discordância, a<strong>de</strong>são ou não do interlocutor ao seu discurso.”<br />

Na relação interlocutiva, em que o tipo argumentativo se institui como a<br />

forma <strong>de</strong> interação, o locutor, pela antecipação (Cf.PÊCHEUX,1990:77), experimenta o lugar do(s)<br />

seu(s) interlocutor(es), a partir do seu próprio lugar. É nessa instância que se constrói o jogo <strong>de</strong><br />

imagens entre os interlocutores (locutor/interlocutor). O locutor tem a habilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> imagi<strong>na</strong>r, <strong>de</strong> prever<br />

a imagem que o interlocutor faz <strong>de</strong>le, do assunto, do objeto do dizer, da situação discursiva.<br />

Assim, mediante essa antecipação, que é parte constitutiva das<br />

condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong> do discurso e, portanto, da sua significação, o locutor organiza o seu discurso<br />

com o fim <strong>de</strong> persuadir o outro. Entretanto, nessa relação dialógica, o interlocutor, por sua vez, po<strong>de</strong><br />

concordar com o que está sendo enunciado, ou seja, com o discurso produzido pelo locutor, ou<br />

discordar <strong>de</strong>le.<br />

Nesse caso, po<strong>de</strong>m-se estabelecer duas formas <strong>de</strong> interlocução que<br />

caracterizam dois tipos <strong>de</strong> discursos argumentativos: o discurso da transformação e o discurso da<br />

cumplicida<strong>de</strong> (ORLANDI,1987:125-126) e TRAVAGLIA (1991:58). No primeiro, o locutor vê o<br />

interlocutor como discordando <strong>de</strong>le e assume, assim a posição <strong>de</strong> transformar o seu interlocutor em<br />

cúmplice, buscando, para tanto, estratégias discursivas plausíveis ou verossímeis com o fim <strong>de</strong><br />

influenciá-lo, persuadi-lo, convencê-lo, fazê-lo crer no seu que está dizendo. No segundo, no discurso<br />

da cumplicida<strong>de</strong>,<br />

“(...)o locutor vê o interlocutor como concordando com ele, como<br />

a<strong>de</strong>pto <strong>de</strong> seu discurso, e assume a posição <strong>de</strong> cúmplice que se<br />

i<strong>de</strong>ntifica com locutor”.(TRAVAGLIA, 1991:58)<br />

53


Essas duas formas <strong>de</strong> interlocução - não <strong>de</strong>finem, a priori, concordância<br />

ou discordância com o que está sendo enunciado -, mas, sim, pela ativida<strong>de</strong> estruturante<br />

(funcio<strong>na</strong>mento discursivo) que <strong>de</strong>termi<strong>na</strong> o modo enunciativo que se apresenta como mais a<strong>de</strong>quado<br />

às condições que cercam a <strong>produção</strong> do discurso.<br />

Em suma, o critério que se encontra <strong>na</strong> base conceitual da tipologia do<br />

argumentativo, tor<strong>na</strong>ndo-a distinta <strong>de</strong> outras, é a dimensão argumentativa que se apresenta em um<br />

grau máximo e explícito nos discursos <strong>de</strong>sse tipo, por um lado, e as perspectivas do locutor dadas pela<br />

antecipação que ele faz em termos da concordância do interlocutor com o seu discurso, ou, por outro<br />

lado, <strong>de</strong> discordância.<br />

A argumentação é um modo enunciativo que se atualiza em outros tipos<br />

<strong>de</strong> texto - seja <strong>na</strong> <strong>na</strong>rração, dissertação, <strong>de</strong>scrição ou injunção. Essas formas configuram-se como<br />

estratégias discursivas agenciadas pelo locutor para provocar o efeito <strong>de</strong> sentido <strong>de</strong>sejado em seu<br />

interlocutor: o <strong>de</strong> persuadir, o <strong>de</strong> fazer crer, ou fazer realizar algo ou agir <strong>de</strong> um certo modo, o <strong>de</strong><br />

provar, o <strong>de</strong> ilustrar, o <strong>de</strong> mostrar, o <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar, etc.<br />

Na dissertação, por exemplo, é típico encontrar <strong>de</strong>scrição, ou <strong>na</strong>rração,<br />

cumprindo a função <strong>de</strong> argumentos para ilustrar, orientar, constatar, <strong>de</strong>monstrar, provar o que está<br />

sendo proposto pelo locutor. Ou seja, o locutor <strong>na</strong>rra e/ou <strong>de</strong>screve um dado fato ou situação com o fim<br />

<strong>de</strong> provocar no interlocutor uma aceitação do que está sendo enunciado no discurso.<br />

Como apontamos anteriormente, há também as relações intercambiáveis<br />

que um tipo <strong>de</strong> texto po<strong>de</strong> estabelecer com um outro, isto é, po<strong>de</strong> ocorrer o uso <strong>de</strong> um tipo por outro,<br />

assumindo a sua configuração textual típica. Nesse caso, po<strong>de</strong>r-se-iam citar as fábulas, os apólogos, as<br />

parábolas, que apresentam uma configuração típica da <strong>na</strong>rração, mas são tradicio<strong>na</strong>lmente<br />

institucio<strong>na</strong>lizadas como tipo <strong>de</strong> texto argumentativo.<br />

KOCH e FÁVERO (1987:7) citam alguns tipos <strong>de</strong> texto que são<br />

argumentativos: texto publicitário em geral, as propagandas, peças judiciárias (<strong>de</strong> acusação e <strong>de</strong>fesa),<br />

matérias opi<strong>na</strong>tivas em geral, o editorial <strong>de</strong> jor<strong>na</strong>is, <strong>de</strong> revistas, os sermões, etc.<br />

Para fi<strong>na</strong>lizar, se se tomam os tipos <strong>de</strong> texto a partir do seu<br />

funcio<strong>na</strong>mento discursivo, remetendo-os às suas condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong>, reconhece-se que, enquanto<br />

forma <strong>de</strong> interação, eles não são puros <strong>na</strong> sua constituição, nem se <strong>de</strong>finem,a priori. As fronteiras<br />

discursivas entre eles são flexíveis, uma vez que os discursos, materializados por meio <strong>de</strong> <strong>textos</strong>,<br />

54


epresentam parte (produto) <strong>de</strong> um processo discursivo que é sempre dinâmico. E o que os distingue é<br />

a relação <strong>de</strong> dominância <strong>de</strong> um sobre os <strong>de</strong>mais, adquirindo, assim, um efeito <strong>de</strong> sentido distinto.<br />

3.2 - Outras propostas tipológicas<br />

A apresentação <strong>de</strong> outras propostas tipológicas elaboradas, igualmente,<br />

nos campos da Lingüística Textual e da Teoria do Discurso, como dissemos anteriormente, tem dois<br />

propósitos: o primeiro é apontar <strong>tipologias</strong> cujos princípios para tipificar os <strong>textos</strong> ou discursos<br />

buscamos comparar com os utilizados pelos alunos para classificar os seus próprios <strong>textos</strong> ou outros<br />

<strong>textos</strong> representativos dos tipos <strong>de</strong> discurso produzidos <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>; o segundo propósito é apontar a<br />

multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> critérios que se encontram <strong>na</strong>s bases conceituais <strong>de</strong>ssas <strong>tipologias</strong>. Em relação a<br />

esse segundo propósito, convém esclarecer que não preten<strong>de</strong>mos discutir o grau <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> e o<br />

fundamento teórico das <strong>tipologias</strong> no estabelecimento <strong>de</strong> seus critérios; contentar-nos-emos, ape<strong>na</strong>s,<br />

em apresentá-las, sucintamente.<br />

Nesta parte do trabalho, faremos somente o levantamento <strong>de</strong> critérios<br />

tipológicos que serão a<strong>na</strong>lisados comparativamente no Capítulo 7, em que procuramos apresentar <strong>de</strong><br />

modo sistemático as relações entre as <strong>de</strong>cisões em que os alunos se baseavam para tipificar os <strong>textos</strong>,<br />

e os critérios propostos pelas <strong>tipologias</strong> .<br />

Entretanto, sem entrar em pormenores <strong>de</strong> análise da relação entre os<br />

princípios classificatórios construídos pelas <strong>tipologias</strong> e os construídos pelos alunos, adiantaremos, <strong>de</strong><br />

modo geral, os critérios que este estudo observou como os mais recorrentes <strong>na</strong> tipificação dos <strong>textos</strong><br />

pelos alunos. Tais critérios, apesar <strong>de</strong> assumirem dimensões diversificadas, quanto à sua <strong>na</strong>tureza<br />

tipológica, como veremos mais adiante, revelam, <strong>de</strong> uma maneira ou <strong>de</strong> outra, o conhecimento que os<br />

alunos têm sobre algumas proprieda<strong>de</strong>s constitutivas e específicas do texto, a saber:<br />

a) a intenção comunicativa do autor em relação ao tema da interação - o objeto do dizer - e com o<br />

interlocutor, numa dada situação discursiva;<br />

b) os gêneros do discurso em relação ao domínio institucio<strong>na</strong>l ou social a partir do qual os tipos <strong>de</strong><br />

discurso são produzidos;<br />

c) os diferentes suportes <strong>de</strong> texto;<br />

d) a distinção entre discurso ficcio<strong>na</strong>l e não ficcio<strong>na</strong>l.<br />

55


Além <strong>de</strong>stes, outros critérios também figuraram para a classificação dos<br />

<strong>textos</strong> pelos alunos, mas não <strong>de</strong> forma tão recorrente como os acima elencados, quais sejam: a função<br />

da linguagem no processo <strong>de</strong> enunciação, algumas marcas lingüísticas relacio<strong>na</strong>das com certos modos<br />

verbais, o processo <strong>de</strong> adjetivação em <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>dos <strong>textos</strong>.<br />

A antecipação ampla <strong>de</strong>sse conjunto <strong>de</strong> critérios explica-se porque a<br />

partir <strong>de</strong>le é que tentaremos mapear as <strong>tipologias</strong>, formando grupos ou vertentes tipológicas que<br />

reflitam os princípios elaborados pelos alunos.<br />

Para tanto, tomaremos como referência o trabalho <strong>de</strong>senvolvido por<br />

ANDRÉ PETITJEAN (1989), Les Typologies Textuelles, texto em que propõe uma distinção entre as<br />

propostas tipológicas, distribuindo-as em três gran<strong>de</strong>s famílias: as <strong>tipologias</strong> enunciativas; as <strong>tipologias</strong><br />

comunicativas ou funcio<strong>na</strong>is e as <strong>tipologias</strong> situacio<strong>na</strong>is.<br />

Esse autor efetiva tal distribuição mediante alguns princípios<br />

classificatórios, <strong>de</strong> caráter amplo, inscritos <strong>na</strong> própria base conceitual das <strong>tipologias</strong>. Isto, entretanto, diz<br />

ele, não significa que elas tenham objetivos semelhantes <strong>na</strong> elaboração <strong>de</strong> critérios adotados para<br />

tipificar os <strong>textos</strong> ou discursos. O eixo em torno do qual elas se organizam para pertencer a esta ou<br />

àquela família não se dimensio<strong>na</strong> pela especificida<strong>de</strong> mesma dos critérios, mas por princípios<br />

tipológicos mais abrangentes que se entrecruzam, caracterizando-se, assim, uma base conceitual<br />

comum entre elas. 29<br />

29 No quadro em que se inscreve o trabalho <strong>de</strong> PETITJEAN (1989), os termos base conceitual, base tipológica equivalemse.<br />

A <strong>de</strong>finição, que lhes é atribuída, <strong>na</strong>quele contexto, refere-se a um conjunto <strong>de</strong> critérios homogêneos ou heterogêneos<br />

que compõem o grupo <strong>de</strong> <strong>tipologias</strong>. Diante da multiplicida<strong>de</strong> e da <strong>na</strong>tureza diversificada dos critérios utilizados pelas<br />

<strong>tipologias</strong>, para a<strong>na</strong>lisar <strong>textos</strong>, discursos e gêneros, esse autor, consi<strong>de</strong>rando que, em cada uma das propostas tipológicas,<br />

há uma base tipológica constituída <strong>de</strong> uma ou várias se<strong>de</strong>s conceituais (princípio classificatório), sugere três tipos <strong>de</strong><br />

classificação que recobririam as <strong>tipologias</strong> existentes: a classificação homogênea, a intermediária e a heterogênea. As<br />

classificações homogêneas relacio<strong>na</strong>m-se com <strong>tipologias</strong> que buscam classificar o texto a partir <strong>de</strong> uma base tipológica<br />

única, homogênea, tomando-a como forma <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo abstrato, aplicável a qualquer análise que se fizer do texto. Para<br />

essas classificações, o autor propõe que seja reservado a noção <strong>de</strong> tipo <strong>de</strong> texto.(p.97) Já as classificações intermediárias<br />

voltam-se para as <strong>tipologias</strong> cuja base tipológica é elaborada com a ajuda <strong>de</strong> critérios heterogêneos e cujo princípio<br />

classificatório essencial é o modo enunciativo , a intenção comunicativo ou as condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong>. Para as classificações<br />

<strong>de</strong>ssa <strong>na</strong>tureza, o autor propõe que seja reservada a noção <strong>de</strong> tipo <strong>de</strong> discurso.(p.98) É sob a perspectiva <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong><br />

classificação que o autor distingue as três gran<strong>de</strong>s famílias tipológicas: as <strong>tipologias</strong> enunciativas, as <strong>tipologias</strong><br />

comunicacio<strong>na</strong>is e as tiplogias situacio<strong>na</strong>is. Estas, portanto, segundo PETITJEAN são do tipo do discurso. Por fim, as<br />

classificações heterogêneas relacio<strong>na</strong>m-se com <strong>tipologias</strong> que têm a base tipológica constituída <strong>de</strong> critérios <strong>de</strong> <strong>na</strong>tureza<br />

56


Passemos, então, à apresentação <strong>de</strong> como se <strong>de</strong>finem essas famílias<br />

tipológicas, em que base conceitual elas se inscrevem e que <strong>tipologias</strong> as compõem.<br />

3.2.1 - Tipologias enunciativas<br />

Segundo PETITJEAN, as <strong>tipologias</strong> que se reúnem nesta família são as<br />

que têm como princípio classificatório as relações que o locutor instaura com a situação <strong>de</strong> enunciação.<br />

São <strong>tipologias</strong> que trazem, em seus quadros teóricos, critérios tais como: a intenção comunicativa do<br />

locutor; o modo enunciativo produzido em <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>das condições discursivas; o papel e lugar dos<br />

interlocutores (locutor e alocutário) no processo enunciativo, a atualização espácio-temporal do locutor<br />

em seu discurso.<br />

Na origem <strong>de</strong>ssas <strong>tipologias</strong>, encontra-se a proposta <strong>de</strong> BENVENISTE<br />

(1991), que se volta para o estudo da subjetivida<strong>de</strong> <strong>na</strong> língua, do “aparelho formal da enunciação”,<br />

tomando basicamente como referência os sistemas pronomi<strong>na</strong>l e verbal do francês. É a partir <strong>de</strong> alguns<br />

elementos <strong>de</strong>sses sistemas que ele propõe “dois planos <strong>de</strong> enunciação”: o do discurso e o da <strong>na</strong>rrativa<br />

histórica, os quais correspon<strong>de</strong>m a dois tipos <strong>de</strong> práticas diferentes e, por conseguinte, a diferentes<br />

utilizações da linguagem.<br />

Antes <strong>de</strong> apresentar as características <strong>de</strong>sses dois tipos enunciativos, é<br />

interessante expor como BENVENISTE formula o conceito <strong>de</strong> enunciação, uma vez que esse conceito é<br />

uma matriz <strong>de</strong>cisiva para a tipificação dos planos <strong>de</strong> enunciação em discurso e <strong>na</strong>rrativa histórica.<br />

Para ele, a enunciação é a língua em seu funcio<strong>na</strong>mento, exercida por<br />

um ato individual. O sujeito só se apropria da língua e se <strong>de</strong>clara locutor no processo enunciativo, no<br />

exercício da linguagem. Nessa acepção, a linguagem se tor<strong>na</strong> em instâncias <strong>de</strong><br />

discurso, 30caracterizadas como tais por índices próprios (indicadores <strong>de</strong> pessoa, <strong>de</strong> tempo, <strong>de</strong> lugar,<br />

presentes no sistema lingüístico).<br />

diversificada: a intenção comunicativa, o modo enunciativo, o efeito perlocutório, o conteúdo temático, as marcas <strong>de</strong><br />

superfície, etc. Em vista disso, esse autor consi<strong>de</strong>ra que seria conveniente adotar a noção <strong>de</strong> gênero para <strong>de</strong>sig<strong>na</strong>r esse<br />

tipo <strong>de</strong> classificação.(p.117)<br />

30 Instâncias do discurso são “ atos discretos e cada vez únicos pelos quais a língua é atualizada em palavra por um<br />

locutor” BENVENISTE (1990: 277) , “A <strong>na</strong>tureza dos pronomes” in Problemas <strong>de</strong> Lingüística Geral 1.<br />

57


O sujeito, ao assumir a posição <strong>de</strong> locutor <strong>na</strong> instância do discurso,<br />

<strong>de</strong>fine-se como eu, como o sujeito da ação verbal e, ao mesmo tempo, <strong>de</strong>fine o seu parceiro como tu.<br />

Nesse jogo <strong>de</strong> relações (inter)subjetivas, tu assume a posição do objeto da ação verbal - aquele para<br />

quem a ação é dirigida, evi<strong>de</strong>nciando-se, assim, um lugar <strong>de</strong> oposição em relação a eu. Contudo, nessa<br />

relação, os papéis e lugares alter<strong>na</strong>m-se, pois “essa condição <strong>de</strong> diálogo é que é constitutiva da<br />

pessoa, por implicar uma relação <strong>de</strong> reciprocida<strong>de</strong> - que eu me torne tu <strong>na</strong> alocução daquele que por<br />

sua vez se <strong>de</strong>sig<strong>na</strong> por eu”. 31<br />

Nessa perspectiva, o autor chega ao estabelecimento <strong>de</strong> duas classes<br />

distintas no sistema pronomi<strong>na</strong>l em relação às diferentes utilizações da linguagem: há formas<br />

pronomi<strong>na</strong>is consi<strong>de</strong>radas pessoa e não-pessoa. Os pronomes que ganham a categoria <strong>de</strong> pessoa,<br />

nesse quadro teórico, são eu e tu (nós, vós), por se <strong>de</strong>finirem interlocutores pela relação <strong>de</strong><br />

(inter)subjetivida<strong>de</strong> que se estabelece entre eles <strong>na</strong>s instâncias do discurso. Já os consi<strong>de</strong>rados <strong>na</strong>opessoa<br />

são ele, eles, por <strong>de</strong>sig<strong>na</strong>rem o referente da ação verbal, ou seja, ser(es) do mundo<br />

extralingüístico <strong>de</strong> que se fala e, conseqüentemente, por assumirem uma posição jamais reflexiva <strong>na</strong>s<br />

instâncias do discurso, por não serem compatíveis com o paradigma dos termos como aqui e agora,<br />

próprios do espaço do discurso, da ação verbal dos sujeitos envolvidos <strong>na</strong> interlocução.<br />

Quanto às categorias temporais do verbo, estas também <strong>de</strong>sempenham<br />

um papel essencial <strong>na</strong> oposição entre as duas instâncias enunciativas ou planos enunciativos, a do<br />

discurso e a da <strong>na</strong>rrativa histórica. Em cada uma <strong>de</strong>las, os tempos verbais figuram <strong>de</strong> maneira distinta.<br />

Na enunciação histórica ou <strong>na</strong>rrativa histórica, trata-se da apresentação<br />

dos fatos ocorridos em um certo momento do tempo, sem nenhuma intervenção do locutor. Ela é<br />

concebida como um modo enunciativo que exclui toda forma lingüística “autobiográfica” e restringe-se à<br />

língua escrita. Nessa forma enunciativa, o <strong>na</strong>rrador jamais dirá eu nem tu nem aqui nem agora, pois,<br />

como apontamos, estes indicadores - pessoa, tempo e lugar - pertencem ao discurso. Assim, ”os<br />

acontecimentos parecem <strong>na</strong>rrar-se a si mesmos”.<br />

Os tempos verbais que caracterizam a <strong>na</strong>rrativa histórica, conforme<br />

propõe BENVENISTE, são o aoristo (passé simples = pretérito perfeito simples) o imperfeito, o maisque-perfeito<br />

e o futuro do pretérito do indicativo.<br />

31 BENVENISTE (1990:286), “Da subjetivida<strong>de</strong> <strong>na</strong> linguagem”in Problemas <strong>de</strong> Lingüística Geral 1.<br />

58


A forma pronomi<strong>na</strong>l típica <strong>de</strong>sse modo enunciativo é a terceira pessoa<br />

(ele, eles). Nesse caso, não há locutor, o sujeito da ação verbal. O <strong>na</strong>rrador relata os fatos<br />

distanciando-se <strong>de</strong>les, e sua voz é apagada em favor dos próprios acontecimentos apresentados.<br />

Segundo BENVENISTE, quando o <strong>na</strong>rrador, no seio da <strong>na</strong>rrativa,<br />

reproduz a fala <strong>de</strong> um perso<strong>na</strong>gem ou intervém, ele próprio, para julgar os acontecimentos referidos,<br />

passa-se a um outro sistema temporal do discurso. A reflexão, o comentário escapam do plano da<br />

<strong>na</strong>rrativa, pois estes são tipos que pertencem à instância discursiva.<br />

O discurso, por sua vez, é o modo enunciativo que se opõe à <strong>na</strong>rrativa<br />

histórica. Essa oposição é marcada pelos indicadores (pessoa, tempo, lugar) relacio<strong>na</strong>dos com a<br />

instância <strong>de</strong> enunciação: há um locutor eu e um interlocutor tu, <strong>de</strong>finidos num <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do lugar e num<br />

<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do momento. Ou seja, é uma enunciação que pressupõe um locutor e um ouvinte e, no<br />

primeiro, a intenção <strong>de</strong> influenciar o outro <strong>de</strong> algum modo, 32e que se caracteriza pelo aqui e agora em<br />

função das relações (inter)subjetivas que se atualizam <strong>na</strong> instância do discurso. Os tempos verbais<br />

característicos do discurso são presente, o passé composé (=pretérito perfeito composto) o futuro do<br />

presente. Comuns aos dois planos enunciativos são o imperfeito e o mais-que-perfeito, tanto em forma<br />

<strong>de</strong> primeira e segunda, como <strong>de</strong> terceira pessoa.<br />

Em suma, a proposta dos “planos <strong>de</strong> enunciação” <strong>de</strong> BENVENISTE<br />

funda-se sobre a presença/ausência <strong>de</strong> indicadores lingüísticos (pessoa, tempo, lugar) <strong>na</strong>s instância da<br />

linguagem, refletindo-se assim uma escolha entre os modos (atitu<strong>de</strong>s) enunciativos: a enunciação<br />

pessoal (subjetiva) - o discurso, e a enunciação histórica (impessoal) - a <strong>na</strong>rrativa. 33<br />

Na esteira da proposta <strong>de</strong> BENVENISTE, surgiram <strong>tipologias</strong> como a <strong>de</strong><br />

H. WEINRICH (1968, 1973, apud, KOCH,1992,1993) a <strong>de</strong> SIMONIN-GRUMBACH (1983), esta<br />

apresentando uma tipologia que não se limita aos dois tipos a<strong>na</strong>lisados por aquele autor,<br />

acrescentando-lhes três outros, como veremos mais adiante.<br />

32 BENVENISTE (1976 :267) “As relações <strong>de</strong> tempo no verbo francês”in Problemas <strong>de</strong> Lingüística Geral.1<br />

33 Vários lingüistas como OSAKABE (1979), PETITJEAN (1989), SIMONIN-GRUMBACH (1983) e outros apresentam<br />

severas críticas à proposta <strong>de</strong> BENVENISTE no que respeita à enunciação histórica, seja pela ausência <strong>de</strong> uma intervenção<br />

do locutor, seja pela distinção <strong>de</strong> alguns tempos verbais consi<strong>de</strong>rados típicos <strong>de</strong>sse modo enunciativo. Em linhas gerais, as<br />

críticas fundam-se sobre o fato <strong>de</strong> que em qualquer discurso, por mais objetivo e impessoal que possa parecer, há sempre<br />

um sujeito-locutor- posicio<strong>na</strong>ndo-se em relação ao que enuncia. Diante <strong>de</strong>sse pressuposto, consi<strong>de</strong>ram impossível que os<br />

fatos se <strong>na</strong>rrem a si mesmos.<br />

59


H. WEINRICH, estudando a atualização dos tempos verbais do francês<br />

no discurso, em várias situações <strong>de</strong> comunicação, estabelece uma distinção entre dois tipos <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong><br />

comunicativa que os interlocutores (locutor e alocutário) po<strong>de</strong>m assumir em relação ao que está sendo<br />

enunciado. Essa distinção configura-se como mundo <strong>na</strong>rrado (ou relato) e mundo comentado (ou<br />

comentário).<br />

É por meio dos tempos verbais que o locutor apresenta o mundo, isto é,<br />

o conteúdo objetivo <strong>de</strong> que fala, e o alocutário o toma como mundo <strong>na</strong>rrado ou mundo comentado.<br />

No mundo comentado, o locutor compromete-se, responsabiliza-se por<br />

aquilo que enuncia, expressando uma a<strong>de</strong>são ao discurso, pois, as questões nele enunciadas o afetam<br />

diretamente. Isto equivale a dizer que “comentar é falar comprometidamente” (WEINRICH, apud,<br />

KOCH, 1993:38). Nessas condições discursivas, instaura-se uma relação <strong>de</strong> tensão entre os<br />

interlocutores que estão envolvidos diretamente no discurso. Segundo WEINRICH, os tempos verbais<br />

empregados no mundo comentado são o presente, o “passé composé” (= pretérito perfeito composto), o<br />

futuro do presente e todas as locuções verbais formadas com seus tempos no modo indicativo.<br />

No mundo <strong>na</strong>rrado, a atitu<strong>de</strong> do locutor é mais “relaxada”, distensa. Ele<br />

se coloca distante, <strong>de</strong>scomprometido com o que enuncia, ou seja, assume uma posição <strong>de</strong> não<br />

envolvimento com os fatos relatados. Nessas condições discursivas, o alocutário posicio<strong>na</strong>-se como um<br />

simples ouvinte, um “espectador não participante”. Os tempos verbais que pertencem a esse mundo<br />

são os pretéritos imperfeito, mais-que-perfeito, o “passé simple” (=pretérito perfeito), o futuro do<br />

pretérito e todas as locuções verbais que se formam com esses tempos do modo indicativo.<br />

No relato <strong>de</strong> uma história, <strong>de</strong> um filme ou <strong>de</strong> uma novela - tipos que<br />

pertencem ao mundo <strong>na</strong>rrado - usam-se geralmente os pretéritos perfeito e imperfeito, ora para marcar<br />

as unida<strong>de</strong>s da ação <strong>na</strong>rrativa, ora para marcar as unida<strong>de</strong>s relativas à <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> ce<strong>na</strong>s,<br />

perso<strong>na</strong>gens, etc. Entretanto, quando se faz um resumo ou comentário sobre filmes,por exemplo,<br />

normalmente, emprega-se o presente (acompanhado ou não <strong>de</strong> outros tempos verbais relativos ao<br />

mundo comentado), pois esses tipos se caracterizam por uma situação comentadora. Os argumentos<br />

neles contidos sempre conservam os tempos do mundo comentado, manifestando-se, assim, por parte<br />

do locutor, uma atitu<strong>de</strong> comunicativa <strong>de</strong> engajamento, <strong>de</strong> compromisso com o que enuncia. As<br />

manchetes <strong>de</strong> jor<strong>na</strong>l, por se referirem a um mundo comentado, em sua maioria, trazem o verbo no<br />

60


presente, mesmo que o fato enunciado tenha já ocorrido ou esteja para ocorrer, pois é a partir <strong>de</strong>las<br />

que será feito o comentário, é por meio <strong>de</strong>las que se solicita a atenção do leitor. 34<br />

Além da atitu<strong>de</strong> comunicativa, WEIRNCH aponta outras noções<br />

importantes relacio<strong>na</strong>das com o sistema temporal do verbo: a perspectiva, o relevo e a metáfora<br />

temporal. Quanto a essas noções, entretanto, não as <strong>de</strong>screveremos, aqui, pois interessa-nos tão<br />

somente, para nossos objetivos, a tipificação do texto em relação à atitu<strong>de</strong> comunicativa do locutor e a<br />

reação do interlocutor ao que está sendo enunciado.<br />

Resumidamente, a proposta tipológica <strong>de</strong> WEINRICH funda-se sobre a<br />

caracterização dos tipos <strong>de</strong> discurso a partir das marcas lingüísticas (formas temporais do verbo) que<br />

refletem o tipo <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong> comunicativa que o locutor assume em relação ao que enuncia: uma atitu<strong>de</strong><br />

mais comprometida ou menos comprometida, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do tipo <strong>de</strong> situação discursiva em que ele<br />

estiver inserido.<br />

Quanto à proposta <strong>de</strong> SIMONIN-GRUMBACH (1983), em linhas gerais,<br />

po<strong>de</strong>r-se-ia dizer que ela procura esboçar uma tipologia dos discursos em função das diferentes<br />

relações que po<strong>de</strong>m ser estabelecidas e/ou marcadas entre enunciado e enunciação. Consi<strong>de</strong>rando<br />

que as distinções feitas por BENVENISTE revelam uma restrição aos tipos <strong>de</strong> discursos existentes,<br />

SIMONIN-GRUMBACH recusa-se a reduzir as práticas <strong>de</strong> linguagem a ape<strong>na</strong>s dois tipos : o discurso e<br />

a <strong>na</strong>rrativa histórica, e propõe outros tipos: os <strong>textos</strong> teóricos, os <strong>textos</strong> poéticos ,o discurso indireto,<br />

além do discurso e da história. Esta se distancia dos mol<strong>de</strong>s proposto por BENVENISTE, uma vez que,<br />

a autora concebe que a enunciação histórica - a história - não se limita tão somente a fatos relatados no<br />

tempo passado: há texto do tipo história cujos acontecimentos são <strong>na</strong>rrados no tempo presente e<br />

associados à terceira pessoa, seja <strong>na</strong>s obras <strong>de</strong> ficção (literatura), seja nos romances históricos ou<br />

<strong>textos</strong> teóricos. Diante da existência <strong>de</strong> <strong>textos</strong> do tipo história, SIMONIN-GRUMBACH os <strong>de</strong>fine pela<br />

ausência <strong>de</strong> relacio<strong>na</strong>mento com a situação <strong>de</strong> enunciação e não pela ausência <strong>de</strong> shifters, enquanto<br />

elementos <strong>de</strong> superfície (SIMONIN-GRUMBACH,1983:50)..<br />

Por fim, uma outra tipologia que se encontra <strong>na</strong>s fronteiras da família das<br />

<strong>tipologias</strong> enunciativas é a <strong>de</strong> WERLICH(1975,apud ISENBERG,1987),cujos critérios se fundam <strong>na</strong><br />

relação entre os atos <strong>de</strong> locução em uma <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>da situação comunicativa e a postura do<br />

interlocutor.<br />

34 Exemplos citados por KOCH (1992 e 1993) em ‘A inter-ação pela linguagem”e “Argumentação e<br />

Linguagem” respectivamente.<br />

61


Este autor, para estabelecer uma classificação dos tipos <strong>de</strong> texto,<br />

segundo ISENBERG (1987:113) parte do seguinte pressuposto:<br />

“os <strong>textos</strong> estão sempre <strong>de</strong> uma maneira específica em<br />

correlação com <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>dos fatores con<strong>textuais</strong> em uma<br />

situação <strong>de</strong> comunicação”.<br />

WERLICH consi<strong>de</strong>ra que o falante (ou escritor), <strong>na</strong> <strong>produção</strong> do texto,<br />

dirige a atenção do ouvinte (ou leitor) <strong>de</strong> modo regulado, em função <strong>de</strong> fatores e circunstâncias muito<br />

peculiares ao conjunto <strong>de</strong> condições que cercam a situação comunicativa. Esses fatores po<strong>de</strong>m-se<br />

classificar <strong>de</strong> uma forma que tem a ver com <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>dos processos cognitivos <strong>de</strong> categorização<br />

textual, a saber: percepção do espaço; percepção no continuum do tempo; a compreensão <strong>de</strong> idéias e<br />

conceitos, mediante os processos <strong>de</strong> análise e síntese; juízos e projetos <strong>de</strong> comportamentos futuros<br />

(ISENBERG,1987:113).<br />

A partir <strong>de</strong>sses critérios - que atuam como ponto <strong>de</strong> partida para a<br />

caracterização dos tipos <strong>de</strong> <strong>textos</strong> - o autor estrutura uma tipologia composta <strong>de</strong> cinco tipos, cada um<br />

<strong>de</strong>les relacio<strong>na</strong>ndo-se com um dos processos cognitivos acima citados:<br />

1) o tipo <strong>de</strong>scritivo, ligado à percepção no espaço;<br />

2) o tipo <strong>na</strong>rrativo, ligado à percepção no tempo;<br />

3) o tipo expositvo, ligado à análise ou síntese <strong>de</strong> idéias conceituais;<br />

4) o tipo argumentativo, associado a opiniões, juízos, tomada <strong>de</strong> posição do locutor;<br />

5) o tipo instrutivo, relacio<strong>na</strong>do com previsão <strong>de</strong> comportamentos vindouros.<br />

Consi<strong>de</strong>rando o conjunto <strong>de</strong> critérios que <strong>de</strong>finem o princípio<br />

classificatório das <strong>tipologias</strong> enunciativas, acima exemplificadas, po<strong>de</strong>riam ser incluídas entre elas as<br />

<strong>tipologias</strong> abordadas no item 3.1, visto que estas, <strong>na</strong> tipificação dos discursos, adotam critérios que se<br />

relacio<strong>na</strong>m com fatores <strong>de</strong> <strong>na</strong>tureza enunciativa: atitu<strong>de</strong> do locutor no processo interlocutivo, o modo<br />

enunciativo (tipo <strong>de</strong> discurso) produzido <strong>de</strong> acordo com as condições enunciativas, a postura do<br />

interlocutor frente ao que está sendo enunciado,etc.<br />

3.2.2 - Tipologias comunicacio<strong>na</strong>is ou funcio<strong>na</strong>is<br />

62


Nas propostas <strong>de</strong> PETITJEAN (1989) as <strong>tipologias</strong> comunicacio<strong>na</strong>is são<br />

<strong>tipologias</strong> cujos princípios classificatórios fundam-se sobre os componentes do processo <strong>de</strong><br />

comunicação. PETITJEAN, para <strong>de</strong>finir a matriz teórica <strong>de</strong>ssa família. utiliza-se <strong>de</strong> uma reflexão<br />

<strong>de</strong>senvolvida por J.L.SCHAEFFER(1989):“(...) todo ato discursivo faz ao menos cinco coisas diferentes,<br />

que os teóricos da informação expressam sob a forma <strong>de</strong> uma pergunta que se tornou célebre: “Quem<br />

diz o quê, através <strong>de</strong> que ca<strong>na</strong>l, a quem e com que objetivo?”(...) Olhando mais <strong>de</strong> perto a formulação<br />

da pergunta, percebe-se que três subperguntas são concernentes às condições do ato <strong>de</strong> comunicação<br />

ou a seu quadro <strong>de</strong> comunicativo ( quem fala, a quem e com que objetivo), enquanto as duas outras<br />

dizem respeito à mensagem realizada, isto é, ao texto no sentido estrito do termo (o que é dito e como é<br />

dito)”.<br />

Na origem das <strong>tipologias</strong> comunicativas ou funcio<strong>na</strong>is, além <strong>de</strong><br />

K.BÜHLER 35 e outros, encontra-se, especialmente, o trabalho <strong>de</strong> R. JAKOBSON (1960).<br />

A proposta <strong>de</strong> R.JAKOBSON consiste em reduzir a diversida<strong>de</strong> das<br />

trocas sociais <strong>de</strong> linguagem a um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> comunicação construído a partir <strong>de</strong> elementos presentes<br />

no processo <strong>de</strong> comunicação: o emissor, o <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>tário, o contexto, o código, o ca<strong>na</strong>l <strong>de</strong> transmissão da<br />

mensagem e a própria mensagem. Segundo esse autor, a transmissão <strong>de</strong> uma mensagem pressupõe<br />

um emissor (locutor) e um <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>tário (alocutor). A mensagem requer um contexto a que se refira e<br />

que seja apreensível pelo <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>tário; ela é expressa num certo código e para sua transmissão é<br />

necessário um ca<strong>na</strong>l ou contato entre o emissor e o <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>tário. A esses seis componentes do ato <strong>de</strong><br />

comunicação JAKOBSON associa seis principais funções da linguagem, cada uma <strong>de</strong>las se<br />

distinguindo pela fi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada ato <strong>de</strong> fala ou pelo conteúdo que cada um transmite:<br />

1) função referencial (<strong>de</strong>notativa ou cognitiva) - centra-se no contexto; o emissor procura transmitir uma<br />

dada informação <strong>de</strong> modo objetivo;<br />

2) função expressiva (emotiva) - centra-se no emissor; este <strong>de</strong>ixa revelar as suas reações (sentimentos<br />

e emoções) diante do que enuncia;<br />

3) função co<strong>na</strong>tiva (apelativa) - centra-se no <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>tário; o emissor procura influenciar o <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>tário, a<br />

fim <strong>de</strong> que este aceite ou faça o que está sendo enunciado;<br />

35<br />

K Bühler (1934), a<strong>na</strong>lisando as ativida<strong>de</strong>s da linguagem, como ato <strong>de</strong> comunicação, distingue três funções<br />

que a linguagem po<strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenhar em relação a: 1- o conteúdo comunicado, Representação; 2- o <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>tário,<br />

Apelação; 3- o locutor, Expressiva. O esquema <strong>de</strong> BÜHLER foi completado por JAKOBSON com mais três<br />

funções, mas sem alterar o seus pressupostos. As três funções apontadas por BÜHLER foram rebatizadas como<br />

Referencial, Expressiva e Co<strong>na</strong>tiva.<br />

63


4) função metalingüística - centra-se no código; o emissor usa a linguagem para explicar fatos da<br />

própria língua;<br />

5) função poética - centra-se <strong>na</strong> mensagem; o emissor usa a própria materialida<strong>de</strong> (lingüística) da<br />

linguagem para criar certos efeitos, os quais po<strong>de</strong>m dar-se em vários planos do texto: fônico - a<br />

sonorida<strong>de</strong> e ritmo das frases, das palavras; sintático - construções das frases, e semântico - a<br />

virtualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sentido das palavras;<br />

6) função fática - centra-se no contato; o emissor utiliza-se <strong>de</strong> vários meios para estabelecer ou manter<br />

o contato com o <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>tário; entre esses meios, encontram-se algumas fórmulas ritualizadas, a saber,<br />

alô! um minuto, por favor! usadas em conversas por telefone.<br />

JAKOBSON afirma que, embora “distinga seis aspectos básicos da<br />

linguagem, dificilmente, encontrar-se-iam mensagens verbais que preenchessem uma única<br />

função”(1960:123), pois, numa mesma mensagem po<strong>de</strong>m coexistir diversas funções, mas uma <strong>de</strong>las<br />

predomi<strong>na</strong>, orientando as <strong>de</strong>mais.<br />

Outras <strong>tipologias</strong> que, igualmente, voltam-se para a caracterização das<br />

funções da linguagem, <strong>de</strong>finindo-as em termos do uso que os interlocutores fazem da linguagem no<br />

processo <strong>de</strong> interação, são as propostas <strong>de</strong> VANOYE (1979), BRITTON et alii,(1975, apud KATO,<br />

1986), HALLIDAY(1973 ).<br />

Entre estas, interessa-nos, particularmente, a <strong>de</strong> VANOYE, por se<br />

a<strong>de</strong>quar aos propósitos <strong>de</strong>ste estudo: há uma proximida<strong>de</strong> entre os príncípios que adota para<br />

caracterizar as funções da linguagem presentes <strong>na</strong>s mensagens escritas o e aqueles propostos pelos<br />

alunos <strong>na</strong> tipificação dos <strong>textos</strong>.<br />

VANOYE (1979), consi<strong>de</strong>rando difícil encontrar mensagens que<br />

preencheriam ape<strong>na</strong>s uma única função da linguagem, pelo fato <strong>de</strong> que, numa mesma mensagem, é<br />

possível várias funções entrecruzarem-se, imbricarem-se; consi<strong>de</strong>rando igualmente que, uma ou outra<br />

função po<strong>de</strong> atualizar-se como domi<strong>na</strong>nte numa dada mensagem, propõe uma tipologia <strong>de</strong> mensagens<br />

escritas, baseando-se <strong>na</strong>s funções da linguagem indicadas por JAKOBSON.<br />

Segundo VANOYE, a classificação das mensagens escritas efetiva-se<br />

conforme a dominância das funções da linguagem nelas atualizadas. Assim distingue os seguintes tipos<br />

<strong>de</strong> mensagens escritas:<br />

- mensagens referenciais, centradas sobretudo no referente<br />

(situacio<strong>na</strong>l, ou textual, real ou fictício);<br />

64


- mensagens expressivas, centradas sobretudo no <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>dor e<br />

voltadas para a expressão dos sentimentos, suas emoções, seus<br />

julgamentos;<br />

- mensagens co<strong>na</strong>tivas, centradas sobretudo no <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>tário,<br />

acio<strong>na</strong>ndo-o diretamente;<br />

- mensagens metalingüísticas, são explicativas e estão centradas<br />

no código;<br />

- mensagens poéticas, on<strong>de</strong> ritmos, sonorida<strong>de</strong>s e estruturas da<br />

mensagem têm tanta importância quanto o conteúdo das<br />

informações que ela veicula.(p.56)<br />

Para VANOYE, a função referencial (a informação bruta), seja ela<br />

domi<strong>na</strong>nte ou não, está sempre presente <strong>na</strong>s mensagens escritas. Isso porque, segundo o autor:<br />

“(...) a comunicação escrita veicula a mensagem no espaço e no<br />

tempo, e essa mensagem para que seja compreendida pelo<br />

<strong>de</strong>sti<strong>na</strong>tário, <strong>de</strong>ve remeter explicitamente a referentes<br />

situacio<strong>na</strong>is ou <strong>textuais</strong>. Não existe mensagem escrita cuja<br />

função referencial esteja ausente”.<br />

E continua explicando:<br />

“Todo texto apresenta-se, então, como um conjunto <strong>de</strong><br />

elementos referenciais aos quais se superpõem elementos que<br />

participam <strong>de</strong> outras funções da linguagem e que variam<br />

conforme a fi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> da mensagem. Simplificando um pouco as<br />

coisas, diremos que os elementos referenciais <strong>de</strong>finem as<br />

informações <strong>de</strong> base da mensagem - informações enumeráveis,<br />

sintetizáveis ”brutas ou objetivas” - e que os outros elementos<br />

<strong>de</strong>finem o trabalho <strong>de</strong> organização <strong>de</strong>ssas informações em<br />

função do propósito almejado pelo autor da mensagem”.( p.68)<br />

65


Nessa acepção, a hipótese básica que orienta o trabalho <strong>de</strong> classificação<br />

das mensagens escritas esboçada por VANOYE é :<br />

“A função referencial serve <strong>de</strong> base para todo texto escrito e<br />

<strong>de</strong>fine seus elementos <strong>de</strong> informações brutas; a essa função<br />

superpõem-se as outras funções da linguagem, utilizadas<br />

conforme a fi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> do texto”.(p.70)<br />

Tomando com princípio organizador essa hipótese, para pensar a<br />

classificação das mensagens escritas, esse autor expõe, no quadro-resumo que se segue36 , as funções<br />

que se somam à função referencial manifestada em todo texto escrito.<br />

Função referencial:informação <strong>de</strong> base<br />

função referencial informação bruta, objetiva, enxuta, sem comentários nem juízos.<br />

função expressiva presença do <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>dor, <strong>de</strong> seus juízos, sentimentos - <strong>textos</strong> críticos,<br />

subjetivos, “impressionistas”<br />

função co<strong>na</strong>tiva o leitor é levado em consi<strong>de</strong>ração - <strong>textos</strong> “impressivos”, persuasivos,<br />

sedutores.<br />

função fática <strong>textos</strong> que instauram ou facilitam a comunicação.<br />

função metalingüística <strong>textos</strong> explicativos - <strong>de</strong>finições.<br />

função poética <strong>textos</strong> que valorizam a informação pela forma da mensagem.<br />

Dramatização, poetização.<br />

A partir <strong>de</strong>ssa classificação, VANOYE indica os diferentes tipos <strong>de</strong><br />

mensagens escritas que se po<strong>de</strong>m atualizar nos diferentes gêneros discursivos.<br />

Segundo esse autor, a mensagem puramente referencial tem como<br />

objetivo informar e relacio<strong>na</strong>-se com diretamente com a função referencial, pois<br />

36<br />

Esse quadro é uma re<strong>produção</strong> do quadro esboçado por VANOYE , em “A classificação das mensagens<br />

escritas”, in :Usos da linguagem : problemas e técnicas <strong>na</strong> <strong>produção</strong> oral e escrita. (1979:71). Na colu<strong>na</strong> da<br />

direita são indicadas as funções que se superpõem à função referencial mencio<strong>na</strong>da <strong>na</strong> alto do quadro.<br />

66


“(...) os elementos referenciais são os únicos representados;<br />

nenhuma outra função vem imprimir uma orientação particular às<br />

“informações brutas” (p.74)<br />

Nessa classificação, incluem-se os <strong>textos</strong> impessoais, objetivos que se<br />

voltam exclusivamente para levar ao leitor (<strong>de</strong>sti<strong>na</strong>tário) as informações “puras”, isto é, como afirma<br />

VANOYE, as informações que lhes po<strong>de</strong>m ser úteis <strong>de</strong> algum modo. Segundo o autor, <strong>na</strong> constituição<br />

<strong>de</strong> <strong>textos</strong>, cuja função predomi<strong>na</strong>nte é a referencial, não se percebe nem a presença do <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>dor nem<br />

do <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>tário. A neutralização do <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>dor é intencio<strong>na</strong>l. A objetivida<strong>de</strong>, característica discursiva<br />

<strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> mensagem, não é obra do acaso, mas ,sim, o resultado <strong>de</strong> um esforço do trabalho<br />

lingüístico do escritor (<strong>de</strong>sti<strong>na</strong>dor). Talvez, como pon<strong>de</strong>ra VANOYE, possa-se mesmo dizer “ <strong>de</strong> uma<br />

ascese ”. Os <strong>textos</strong> apontados pelo autor como dois tipos <strong>de</strong> mensagem puramente referenciais são o<br />

informe e a resenha objetiva.<br />

A mensagem fática <strong>na</strong>s mensagens escritas volta-se para facilitar a<br />

comunicação.VANOYE explica que,<br />

“tudo que numa mensagem se <strong>de</strong>sti<strong>na</strong> a atrair a atenção para<br />

estabelecer um contato e mantê-lo, tem uma função fática”(p.85).<br />

O enfoque dado pelo autor, <strong>na</strong> análise <strong>de</strong> estratégias que favorecem um<br />

contato eficaz entre emissor e <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>tário, recai sobre certas técnicas que têm o efeito <strong>de</strong> facilitar a<br />

comunicação. A técnica por ele apontada é a legibilida<strong>de</strong> do texto. Essa qualida<strong>de</strong> permitiria, segundo<br />

VANOYE, uma leitura mais fácil, uma maior e mais rápida compreensão da mensagem. Neste caso, são<br />

indicados por ele dois fatores que contribuiriam <strong>de</strong>cisivamente para o grau <strong>de</strong> legibilida<strong>de</strong> do texto: a<br />

construção (configuração formal e conceitual) e a (tipo)grafia. 37<br />

Já a função expressiva atualiza-se numa dada mensagem quando o<br />

<strong>de</strong>sti<strong>na</strong>dor manifesta seus pensamentos, suas opiniões ou suas reações em relação ao conteúdo da<br />

mensagem. VANOYE afirma que:<br />

37<br />

A respeito <strong>de</strong>sses dois fatores sobretudo o que se refere à construção do texto, VANOYE propõe uma análise<br />

<strong>de</strong>talhada , apresentando exemplos <strong>de</strong> <strong>textos</strong> (mensagens escritas) que figuram uma legibilida<strong>de</strong> ou não para<br />

leitor.<br />

67


“ Os elementos expressivos indicam a presença, a existência do<br />

<strong>de</strong>sti<strong>na</strong>dor. Introduzem a subjetivida<strong>de</strong> <strong>na</strong> mensagem. Esta<br />

subjetivida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> tomar conta <strong>de</strong> toda a mensagem, que se<br />

tor<strong>na</strong> então o veículo da expressão pessoal do <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>dor”.(p.92)<br />

Segundo o autor, diferentes atitu<strong>de</strong>s do <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>dor <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>m<br />

diferentes tipos <strong>de</strong> mensagens expressivas: a mensagem <strong>de</strong> caráter pessoal, a carta; a expressão do<br />

juízo, a resenha crítica, e certos relatórios, quando neles se fazem presentes elementos que expressam<br />

uma tomada <strong>de</strong> posição (análise, crítica, julgamento).<br />

A função co<strong>na</strong>tiva, Segundo VANOYE, manifesta-se quando o<br />

<strong>de</strong>sti<strong>na</strong>tário <strong>de</strong> uma mensagem está implicado, <strong>de</strong> uma maneira ou <strong>de</strong> outra, no processo comunicativo.<br />

Um dos casos mais simples da manifestação da função co<strong>na</strong>tiva, em mensagens escritas, é o<br />

envolvimento direto do <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>tário por meio do emprego <strong>de</strong> pronomes característicos da 2ª pessoa,<br />

singular ou plural, do imperativo, do vocativo(p.104). Esse autor aponta os <strong>textos</strong> publicitários e políticos<br />

como <strong>textos</strong> em que esse tipo <strong>de</strong> procedimento é muito comum.<br />

Sendo a metalinguagem a linguagem que fala da própria linguagem,<br />

empregada para <strong>de</strong>finir, explicar ou esclarecer qualquer aspecto relativo à linguagem utilizada,<br />

VANOYE afirma que<br />

“ A função metalingüística intervem nos <strong>textos</strong> explicativos ou<br />

didáticos. Todavia, ela se revela não só <strong>na</strong>s linguagens<br />

científicas, mas sempre que uma linguagem “fala” das<br />

significações da linguagem ou mesmo <strong>de</strong> um outro<br />

código”.(p.119)<br />

Segundo VANOYE,”a função poética caracteriza-se pela valorização em<br />

si mesma e por si mesma”. Ela atualiza-se <strong>na</strong>s mensagens escritas “sempre que a forma e a estrutura<br />

reforçam ou modificam o conteúdo <strong>de</strong>sta mensagem”(p.132). Esse autor assi<strong>na</strong>la que as manifestações<br />

essenciais da função poética são o ritmo, o jogo das sonorida<strong>de</strong> e as imagens. Esses recursos<br />

expressivos oferecidos pela materialida<strong>de</strong> da língua(gem), agenciados pelo emissor para criar certos<br />

efeitos no discurso (texto escrito), não se limitam, como sugere VANOYE, ao discurso literário. Por<br />

68


exemplo, são também utilizados nos discursos publicitários, propagandas, slogans, nos discursos<br />

políticos,etc.<br />

Além <strong>de</strong>ssa tipologia <strong>de</strong> mensagens escritas, em que a função<br />

referencial <strong>de</strong> base é uma função que se soma a outras presentes <strong>na</strong> mensagem, VANOYE sugere uma<br />

outra tipologia dos gêneros literários, em que a função poética é a função que se encontra aliada a<br />

outras funções atualizadas nos discursos ou mensagens escritas pertencentes a esse gênero.<br />

Para encerrar o estudo tipológico das mensagens escritas proposto por<br />

VANOYE, segue-se um quadro por ele esboçado, cujo objetivo é mostrar a predominância <strong>de</strong> alguma<br />

função que se acrescenta à função poética <strong>na</strong>s mensagens escritas literárias.<br />

69


Função Poética<br />

Função expressiva Obra on<strong>de</strong> o “eu”, a perso<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> do autor: confissões, diários íntimos,<br />

cartas, memórias, cartas, poemas líricos (leva-se em conta o processo <strong>de</strong><br />

mascaramento do eu.<br />

Exemplos: Kafka (Carta a Meu Pai), Graciliano Ramos (Memórias do<br />

Cárcere),Pedro Navas (Baú <strong>de</strong> Ossos), Soror Maria<strong>na</strong> Alfordado (Cartas<br />

<strong>de</strong> Amor).<br />

Função co<strong>na</strong>tiva Obra on<strong>de</strong> o <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>tário está implicado <strong>de</strong> maneira direta: discursos,<br />

exortações, sermões, súplicas, orações, teatro político e didático.<br />

Exemplo: Brecht (e seu teatro político), Oswald <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> (teatro),<br />

Augusto Boal (teatro), Padre Vieira (sermões), Gianfrancesco Guarnieri<br />

(teatro).<br />

Função referencial Obra on<strong>de</strong> predomi<strong>na</strong> o “ele” e o “isso”, os heróis e os acontecimentos:<br />

<strong>na</strong>rrativas, epopéia, história.<br />

Exemplo: Homero (Ilíada, Odisséia), Camões (Os Lusíadas), Machado <strong>de</strong><br />

Assis, Guimarães Rosa.<br />

função metalingüística Obra on<strong>de</strong> domi<strong>na</strong> o projeto didático: as <strong>na</strong>rrativas educativas, poemas<br />

didáticos.<br />

Exemplo: As fábulas <strong>de</strong> La Fontaine, os livros infantis <strong>de</strong> Monteiro<br />

Lobato.<br />

Função fática Obras on<strong>de</strong> domi<strong>na</strong> o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> comunicar, <strong>de</strong> tocar o leitor: obras “grito”,<br />

obras “si<strong>na</strong>l”. No entanto, como distinguir o que é expressão pura do que<br />

é comunicação, o que é <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> se exteriorizar do <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> tocar? A<br />

função fática, dificilmente, po<strong>de</strong>, por si mesma, fundar um gênero literário.<br />

Função poética Obra on<strong>de</strong> a função poética se manifesta em estado puro, por si mesma:<br />

poesia pura, poesia <strong>de</strong> essência da poesia.<br />

Exemplo: poesia par<strong>na</strong>sia<strong>na</strong>, Mallarmé, Augusto <strong>de</strong> Campos, Haroldo <strong>de</strong><br />

Campos.<br />

70


Outra proposta tipológica que também volta-se para o estudo das<br />

funções da linguagem no processo comunicativo é a <strong>de</strong> BRITTON et alii (1975, apud<br />

KATO(1986).Esses autores distinguem três macro-funções da linguagem <strong>de</strong>finidas <strong>de</strong> acordo com o uso<br />

que o locutor (escritor) faz <strong>de</strong>las no processo <strong>de</strong> <strong>produção</strong> da escrita <strong>de</strong> seus texto: funções expressiva,<br />

poética e transacio<strong>na</strong>l. Tanto a expressiva como a poética são <strong>de</strong>finidas nos mesmos termos propostos<br />

por JAKOBSON. A função transacio<strong>na</strong>l configura-se como uma prática (função) <strong>de</strong> linguagem que é<br />

usada pelo locutor com o fim <strong>de</strong> conseguir metas, obter coisas, como informar, persuadir, instruir,<br />

or<strong>de</strong><strong>na</strong>r, fazer agir, fazer aceitar o que está sendo proposto.<br />

No interior da função transacio<strong>na</strong>l, os autores incluem duas<br />

subcategorias que expressam outras funções, quais sejam, a co<strong>na</strong>tiva e a informacio<strong>na</strong>l (equivalentes<br />

às funções co<strong>na</strong>tiva e referencial apontadas por JAKOBSON).<br />

Vale ressaltar que, para a <strong>de</strong>finição das macro-funções e suas<br />

respectivas subcategorias, os autores tomam como referência o papel que os interlocutores (tanto o<br />

locutor como o alocutário) po<strong>de</strong>m assumir <strong>na</strong> situação comunicativa: o <strong>de</strong> participante ou o <strong>de</strong><br />

espectador.<br />

O participante <strong>de</strong>fine-se como aquele que assume um papel ativo no<br />

processo da interlocução. Utiliza-se da linguagem com o fim <strong>de</strong> satisfazer as suas intenções, seja a <strong>de</strong><br />

informar, a <strong>de</strong> persuadir, a <strong>de</strong> fazer fazer, a <strong>de</strong> fazer aceitar, etc. Através das ações que ele pratica com<br />

a linguagem, o que lhe interessa é agir sobre o outro (interlocutor), é modificar a atitu<strong>de</strong> do outro em<br />

relação ao que está sendo enunciado., criando, assim, novos compromissos entre eles. Já o espectador<br />

se <strong>de</strong>fine como aquele que pratica ações sobre a linguagem. Utiliza-se <strong>de</strong>la não para criar novos<br />

compromissos entre interlocutores ou alterar as relações entre eles, mas para construir algo com a<br />

própria linguagem, produzir certos efeitos com recursos que a língua lhe oferece ou criar outros para<br />

<strong>de</strong>spertar a atenção do seu interlocutor.<br />

Segundo BRITTON et alii, se o locutor e alocutário <strong>de</strong>sempenham o<br />

papel <strong>de</strong> participantes, no espaço interlocutivo, a prática (função) da linguagem usada é a transacio<strong>na</strong>l;<br />

se são espectadores, usam a função poética; se os papéis se entrecruzam, a prática <strong>de</strong> linguagem que<br />

emerge é a expressiva. Ser espectador, para esses autores, não significa ser passivo.<br />

Por fim, esses autores também afirmam que diferentes funções po<strong>de</strong>m<br />

entrecruzar-se num mesmo discurso, mas uma sobre<strong>de</strong>termi<strong>na</strong> as <strong>de</strong>mais.<br />

71


3.2.3 - Tipologias situacio<strong>na</strong>is<br />

Segundo PETITJEAN, as <strong>tipologias</strong> situacio<strong>na</strong>is são aquelas cujo<br />

princípio classificatório funda-se no domínio social e/ou institucio<strong>na</strong>l, em que os discursos são<br />

produzidos. Estes recobrem vários tipos construídos social, histórica e culturalmente pelos diferentes<br />

segmentos <strong>de</strong> uma dada socieda<strong>de</strong>. Os gêneros discursivos representam a <strong>produção</strong> simbólica <strong>de</strong> uma<br />

dada cultura.<br />

Numa sociedada complexa, a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> esferas da ativida<strong>de</strong><br />

huma<strong>na</strong> implica a diversida<strong>de</strong> dos gêneros discursivos.<br />

“Cada um <strong>de</strong>les, reflete as condições específicas e as fi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> cada uma <strong>de</strong>ssas esferas”<br />

(BAKHTIN, 1992:279)<br />

Há, assim, uma relaçao indissociável entre gênero do discurso e a esfera<br />

da ativida<strong>de</strong> huma<strong>na</strong> que o produz. Cada uma <strong>de</strong>ssas esferas compreen<strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> gêneros do<br />

discurso que<br />

“(...) vai diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria<br />

esfera se <strong>de</strong>senvolve e fica mais complexa”.<br />

(BAKHTIN,1992:279)<br />

Em outra passagem, esse autor continua afirmando:<br />

“Cada esfera conhece seus gêneros, apropriados à sua<br />

especificida<strong>de</strong>, aos quais correspon<strong>de</strong>m <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>dos estilos.<br />

Uma dada função (científica, técnica, i<strong>de</strong>ológica, oficial,<br />

cotidia<strong>na</strong>) e dadas condições, específicas para cada uma das<br />

esferas da comunicação verbal, geram um dado gênero”.(p.284)<br />

72


Os gêneros do discurso, nessa perspectiva, representam ativida<strong>de</strong>s<br />

discursivas reais e concretas do sujeito. Configuram, assim, um elo entre o fazer e o dizer <strong>de</strong>sse sujeito<br />

em uma dada esfera da socieda<strong>de</strong>.<br />

Entre os trabalhos que se inscrevem no quadro das <strong>tipologias</strong><br />

situacio<strong>na</strong>is, encontram-se o <strong>de</strong> BAKHTIN(1992), o <strong>de</strong> J.P.BRONCKART(1985) e o <strong>de</strong><br />

J.M.ADAM(1987).<br />

Diante da heterogeneida<strong>de</strong> dos gêneros do discurso, BAKHTIN<br />

(1992:279-280) salienta que<br />

“ os gêneros sejam orais, sejam escritos, incluem<br />

indiferentemente: a curta réplica do diálogo cotidiano (com a<br />

diversida<strong>de</strong> que este po<strong>de</strong> apresentar conforme os temas, as<br />

situações e a composição <strong>de</strong> seus protogonistas), o relato<br />

familiar, a carta (com suas variadas formas), a or<strong>de</strong>m militar<br />

padronizada, em sua forma lacônica e em sua forma <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m<br />

circunstanciada, o repertório bastante diversificado dos<br />

documentos oficiais (em sua maioria padronizados), o universo<br />

das <strong>de</strong>clarações públicas (num sentido amplo, as sociais, as<br />

políticas). E é também com os gêneros do discurso que<br />

relacio<strong>na</strong>mos as variadas formas <strong>de</strong> exposição científica e todos<br />

os modos literários (<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o ditado até o romance volumoso)”.<br />

Para a caracterização tipológica <strong>de</strong>sses gêneros discursivos, BAKHTIN<br />

propõe duas categorias, a saber, o gênero secundário do discurso (complexo) e o gênero primário do<br />

discurso (simples).<br />

Entre os gêneros secundários, figuram o romance, o teatro, o discurso<br />

científico, o discurso i<strong>de</strong>ológico, etc. Estes, diz o autor, aparecem em circunstâncias <strong>de</strong> uma<br />

comunicação cultural mais complexa e relativamente mais evoluída, principalmente escrita: artística,<br />

científica, sociopolítica.<br />

Os gêneros primários do discurso constituem-se em circunstância <strong>de</strong><br />

uma comunicação espontânea (BAKHTIN,1992:281): linguagem das reuniões sociais, dos círculos,<br />

linguagem familiar, cotidia<strong>na</strong>, relatos, casos, carta pessoal etc.<br />

73


Os gêneros discursivos, sejam os secundários, sejam os primários,<br />

variam segundo os lugares e as épocas. Segundo BAKHTIN, <strong>de</strong> uma forma imediata, sensível e ágil,<br />

eles refletem a menor mudança <strong>na</strong> vida social:<br />

“Os gêneros do discurso são as correias <strong>de</strong> transmissão que<br />

levam da história da socieda<strong>de</strong> à história da língua. Nenhum<br />

fenômeno novo (fonético, lexical, gramatical) po<strong>de</strong> entrar no<br />

sistema da língua sem ter sido longamente testado e ter passado<br />

pelo acabamento do estilo-gênero”.<br />

(BAKHTIN, 1992:285)<br />

Já BRONCKART (1985) 38 apresenta uma classificação para os tipos <strong>de</strong><br />

discurso a partir das diferentes espécies <strong>de</strong> instituições existentes <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>; haveria assim um<br />

discurso jor<strong>na</strong>lístico, publicitário, religioso, <strong>escola</strong>r, científico, acadêmico, político, jurídico, literário, etc.<br />

J.ADAM (1987), seguindo um raciocínio semelhante ao <strong>de</strong><br />

BRONCKART, aponta os tipos <strong>de</strong> discurso que se po<strong>de</strong>m configurar no interior dos gêneros discursivos,<br />

quais sejam: gênero do discurso literário - romance, conto, novela, teatro, poema,etc.; gênero do<br />

discurso jor<strong>na</strong>lístico - notícia, reportagem, editorial; gênero do discurso religioso - parábola, sermão,<br />

homilia, hagiografia, oração, etc; gênero do discurso publicitário - propaganda; gênero do discurso<br />

científico - ensaios em geral, tese, dissertação, monografia, etc.; gênero do discurso jurídico - os artigos<br />

<strong>de</strong> lei em geral, processos ou peças judiciárias (<strong>de</strong>fesa e/ou acusação), preleção, etc.<br />

Para fi<strong>na</strong>lizar este percurso no interior do labirinto das <strong>tipologias</strong>,<br />

<strong>de</strong>screveremos, em linhas gerais, a proposta <strong>de</strong> PATRICK CHARAUDEAU (1983, apud, PEREIRA<br />

1988:44-45), que procura combi<strong>na</strong>r o discursivo, o situacio<strong>na</strong>l e o lingüístico <strong>na</strong> base conceitual <strong>de</strong> uma<br />

tipologia para classificar os discursos.<br />

Esse autor estabelece como ponto <strong>de</strong> referência o conceito <strong>de</strong><br />

competência semiolingüística, que se caracteriza como uma capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reconhecer e manipular o<br />

material lingüístico em situações discursivas, e constitui resultado <strong>de</strong> três componentes que se<br />

combi<strong>na</strong>m: o lingüístico, o situacio<strong>na</strong>l e o discursivo.<br />

38 BRONCKART, J.P. Le Fonctionnement <strong>de</strong>s discours, Delachaux et Niestlé, 1985., apud PETITJEAN,A. Les<br />

Typologies Textuelles , in: Classer les textes, Pratiques nº 62, junho , Paris, 1989:114.<br />

74


O componente lingüístico refere-se à competência lingüística, cuja<br />

constituição se dá pelas diferentes or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> organização do material lingüístico em diferentes tipos -<br />

enunciativo, argumentativo, <strong>na</strong>rrativo e retórico,etc.<br />

O componente situacio<strong>na</strong>l refere-se à competência situacio<strong>na</strong>l, cuja<br />

constituição se dá pelas situações sociolingüísticas representantes das práticas sociais mesmas <strong>de</strong> uma<br />

dada comunida<strong>de</strong>. Nessas práticas se <strong>de</strong>finem os protagonistas do ato <strong>de</strong> linguagem mediante o<br />

contrato <strong>de</strong> fala que, por sua vez, <strong>de</strong>termi<strong>na</strong> o jogo discursivo atualizado no processo interlocutivo, no<br />

qual os atos da linguagem se configuram como gêneros discursivos.<br />

O componente discursivo refere-se à competência discursiva, cuja<br />

constituição se dá pelas estratégias discursivas <strong>de</strong>correntes da correlação do contrato <strong>de</strong> fala com os<br />

outros componentes - o lingüístico e o situacio<strong>na</strong>l.<br />

A partir <strong>de</strong>sses fundamentos teóricos, o autor propõe uma tipologia <strong>de</strong><br />

gêneros discursivos:<br />

1) o gênero <strong>de</strong> informação - que supõe um contrato <strong>de</strong> autenticida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> serieda<strong>de</strong>;<br />

2) o gênero <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong> - que supõe uma estratégia <strong>de</strong> ocultação e, por outro lado, <strong>de</strong> sedução<br />

estabelecida no circuito socioeconômico <strong>de</strong> uma dada comunida<strong>de</strong>;<br />

3) o gênero oficial - que supõe uma relação reguladora, manifestada no discurso das leis, da moral, do<br />

método;<br />

4) o gênero literário - que, tendo <strong>na</strong> ficção uma das características principais, apresenta-se em<br />

subgêneros: o realismo - alternância ou simultaneida<strong>de</strong> <strong>de</strong> efeitos <strong>de</strong> ficção e realida<strong>de</strong> com o fim <strong>de</strong><br />

obter uma maior verossimilhança; o fantástico - alternância e simultaneida<strong>de</strong> dos efeitos <strong>de</strong> ficção e<br />

realida<strong>de</strong>, mas po<strong>de</strong>ndo distinguir ou confundir os dois planos, <strong>de</strong> modo a gerar dúvidas no leitor sobre<br />

as ações contidas <strong>na</strong> história; o objetivismo - que tenta abolir a ce<strong>na</strong> <strong>de</strong> ficção.<br />

4. Conclusão<br />

Nos três capítulos prece<strong>de</strong>ntes, que constituem a primeira parte <strong>de</strong>ste<br />

trabalho, procuramos caracterizar o objeto <strong>de</strong> estudo <strong>de</strong>sta dissertação, apontando, para tanto, o lugar<br />

teórico <strong>de</strong> on<strong>de</strong> lançamos o nosso olhar sobre as questões relativas a tipos <strong>de</strong> texto, <strong>de</strong> discurso, e a<br />

<strong>tipologias</strong> do texto e do discurso.<br />

No Capítulo 1, buscamos apresentar o conjunto <strong>de</strong> condições que<br />

cercaram a constituição <strong>de</strong>ste objeto <strong>de</strong> pesquisa, e tentamos <strong>de</strong>screver o quadro <strong>de</strong> funcio<strong>na</strong>mento em<br />

75


que se inscreve a tipologia textual <strong>escola</strong>r, levantando algumas suposições sobre as implicações que<br />

essa tipologia, tal como vem sendo proposta, po<strong>de</strong>ria ter para a apropriação dos tipos <strong>textuais</strong>, por<br />

parte dos alunos, ao longo do seu processo <strong>de</strong> <strong>escola</strong>rização.<br />

No Capítulo 2, procuramos mostrar a abordagem que preten<strong>de</strong>mos dar<br />

ao estudo dos tipos <strong>de</strong> texto produzidos em condições <strong>escola</strong>res. Como se pô<strong>de</strong> notar, a intenção não é<br />

classificá-los a partir <strong>de</strong> um quadro tipológico escolhido, a priori. O que preten<strong>de</strong>mos é entendê-los a<br />

partir das condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong> que se instauram no espaço da sala <strong>de</strong> aula, levando em conta o<br />

suposto conhecimento que o aluno tem sobre os tipos <strong>textuais</strong>.<br />

No Capítulo 3, tentamos evi<strong>de</strong>nciar a concepção <strong>de</strong> tipo (<strong>de</strong> texto e <strong>de</strong><br />

discurso) que norteia este trabalho, o papel que a tipologia <strong>de</strong>sempenha, como instrumento<br />

metodológico, <strong>na</strong> análise que se quer empreen<strong>de</strong>r em um dado conjunto <strong>de</strong> <strong>textos</strong> e/ou discursos, bem<br />

como a tipologia selecio<strong>na</strong>da para a<strong>na</strong>lisar tipos <strong>textuais</strong> produzidos em condições <strong>escola</strong>res. Por fim,<br />

procuramos apresentar um conjunto <strong>de</strong> <strong>tipologias</strong> elaboradas nos campos da Lingüística Textual e da<br />

Teoria do Discurso, com o fim não só <strong>de</strong> evi<strong>de</strong>nciar a multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> critérios que há para tipificar o<br />

texto ou o discurso, em função dos objetivos da análise que queremos realizar, mas também <strong>de</strong> apontar<br />

as <strong>tipologias</strong> com as quais buscamos estabelecer uma relação <strong>de</strong> comparação, confrontando os seus<br />

princípios classificatórios com os construídos pelos alunos, para caracterizar os seus próprios <strong>textos</strong> e<br />

<strong>textos</strong> que circulam <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>.<br />

Esclarecidas essas questões, as quais configuram o objeto <strong>de</strong> estudo<br />

<strong>de</strong>ste trabalho, a sua <strong>na</strong>tureza e extensão, apresentaremos, <strong>na</strong> segunda parte que se segue, a<br />

pesquisa feita e os resultados a que chegamos.<br />

76


PARTE II<br />

A PESQUISA<br />

77


CAPÍTULO 4<br />

A pesquisa: configuração geral<br />

Nesta parte do trabalho, procuraremos explicitar as características do<br />

campo da pesquisa, em que se realizou a coleta <strong>de</strong> dados, bem como os objetivos e as diretrizes<br />

metodológicas que nortearam a efetivação do estudo do objeto proposto.<br />

Trata-se <strong>de</strong> uma pesquisa em cujo <strong>de</strong>senrolar se fizeram necessárias<br />

duas etapas sucessivas no tocante ao trabalho <strong>de</strong> coleta dos dados, a saber: a primeira, <strong>de</strong> caráter<br />

mais amplo, voltada para a observação das práticas <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> redação do 1º Grau e entrevistas com<br />

os professores <strong>de</strong>ssa discipli<strong>na</strong>; a segunda, <strong>de</strong> caráter restrito, <strong>de</strong>corrente do estudo empreendido <strong>na</strong><br />

primeira etapa, cujas análises permitiram uma nova <strong>de</strong>limitação, voltada para um estudo que tem como<br />

fim <strong>de</strong> apreen<strong>de</strong>r que princípios tipológicos os alunos utilizam para classificar os seus próprios <strong>textos</strong> e<br />

outros que representam algumas práticas <strong>de</strong> escrita da socieda<strong>de</strong>. Em vista disto, propomos, então,<br />

uma apresentação <strong>de</strong>ssas duas etapas em dois momentos, uma vez que cada uma <strong>de</strong>las exigiu<br />

objetivos e metodologias bastante distintos.<br />

Assim sendo, ocupar-nos-emos, no Capítulo(5) que se segue, da<br />

caracterização do campo da pesquisa <strong>de</strong>limitado <strong>na</strong> primeira etapa, dos objetivos e metodologia cuja<br />

selecão se impôs, em face das próprias condições <strong>de</strong> funcio<strong>na</strong>mento e existência da realida<strong>de</strong> objetiva<br />

do campo em sua relação com o objeto estudado.<br />

Em seguida, no Capítulo 6, buscaremos mostrar o quadro das condições<br />

<strong>de</strong> <strong>produção</strong> dos tipos <strong>de</strong> texto constituído <strong>na</strong>s e pelas práticas correntes do ensino <strong>de</strong> redação da<br />

<strong>escola</strong>, os discursos dos professores sobre as suas próprias práticas e sobre os tipos <strong>textuais</strong><br />

produzidos por seus alunos.<br />

No Capítulo 7, <strong>de</strong>dicar-nos-emos à segunda etapa <strong>de</strong>ste estudo, em que<br />

se explicitará a hipótese que animou esta etapa - possibilitada pelos estudos <strong>de</strong>senvolvidos <strong>na</strong> primeira,<br />

cujas análises permitiram, como foi dito, realizar um nova <strong>de</strong>limitação, esta concernente ao suposto<br />

conhecimento tipológico que os alunos têm sobre os tipos <strong>textuais</strong> existentes nos diversos gêneros<br />

discursivo <strong>de</strong> nossa cultura.<br />

78


Antes, porém, <strong>de</strong> passar à exposição <strong>de</strong>sta primeira fase do trabalho, é<br />

preciso esclarecer alguns pontos, precisamente aqueles que se relacio<strong>na</strong>m com as escolhas aqui feitas<br />

para <strong>de</strong>finir o campo on<strong>de</strong> se realizaria a coleta dos dados.<br />

Tendo em vista que os propósitos <strong>de</strong>ste estudos inci<strong>de</strong>m sobre os tipos<br />

<strong>de</strong> texto produzidos, ao longo do ensino <strong>de</strong> 1º Grau, os princípios que se impuseram para a <strong>de</strong>finição<br />

das escolhas relativas ao campo <strong>de</strong> pesquisa foram: primeiro, que o campo se caracterizasse por uma<br />

<strong>escola</strong> pública representativa das camadas populares e, segundo, que a <strong>escola</strong> tivesse o 1º Grau <strong>de</strong><br />

ensino completo.<br />

A <strong>de</strong>limitação <strong>de</strong>sses dois critérios se justifica, basicamente, por duas<br />

razões. Vejamos a primeira: por que eleger uma <strong>escola</strong> pública representativa das instituições <strong>de</strong> ensino<br />

que aten<strong>de</strong>m às camadas populares?<br />

Dadas as condições concretas <strong>de</strong> funcio<strong>na</strong>mento da <strong>escola</strong> pública em<br />

nosso contexto sociohistórico, sobretudo, a partir da relativa <strong>de</strong>mocratização do acesso a ela pelas<br />

camadas populares, uma série <strong>de</strong> questões referentes tanto à organização estrutural e funcio<strong>na</strong>l do<br />

trabalho docente, como aos conhecimentos por ela propostos, mediante suas práticas pedagógicas, tem<br />

se tor<strong>na</strong>do matéria <strong>de</strong> reflexão <strong>de</strong> muitos estudos.<br />

Quanto a esta última questão - os conhecimentos veiculados <strong>na</strong> <strong>escola</strong> -<br />

po<strong>de</strong>ríamos <strong>de</strong>stacar aquele que diz respeito à apropriação da norma culta da língua portuguesa, <strong>na</strong><br />

modalida<strong>de</strong> escrita, pelos alunos pertencentes a essas camadas, no contexto das práticas correntes <strong>de</strong><br />

ensino <strong>de</strong> Português.<br />

A relação entre ensino e aprendizagem <strong>de</strong>sse conhecimento instituído<br />

pela <strong>escola</strong> tem sido abordada por estudos39 <strong>de</strong>senvolvidos em diferentes áreas do conhecimento. A<br />

reflexão que eles têm revelado é que o produto <strong>de</strong>ssa relação: apropriação da língua escrita, aluno das<br />

camadas populares e <strong>escola</strong>, não é <strong>na</strong>da favorável àqueles que buscam <strong>na</strong> <strong>escola</strong>,os conhecimentos e<br />

habilida<strong>de</strong>s necessários ao domínio da tecnologia da leitura e escrita usada não só pela e <strong>na</strong> própria<br />

39<br />

Entre os estudos que têm procurado elucidar esta questão - cada um <strong>de</strong>les abordando-a a partir <strong>de</strong> enfoques<br />

teóricos metodológicos bastante distintos - po<strong>de</strong>r-se-ia citar SOARES “ Linguagem e <strong>escola</strong>: uma perspectiva<br />

social”. S.P.: Ática, 1986; CASTANHEIRA, M.L. “Entrada <strong>na</strong> Escola, saída da escrita.” B.H., FAE/UFMG,<br />

1991 (dissertação <strong>de</strong> Mestrado).; LEAL, Leiva <strong>de</strong> F.,V. “A escrita aprisio<strong>na</strong>da - uma análise da <strong>produção</strong> <strong>de</strong><br />

texto <strong>na</strong> <strong>escola</strong>.” B.H., FAE/UFMG,1991 (dissertação <strong>de</strong> Mestrado); FRANCHI, Eglê. “E as crianças eram<br />

difíceis... A redação <strong>na</strong> <strong>escola</strong>.”S.P.: Martins Fontes, 1986.<br />

79


<strong>escola</strong>, como também por outros segmentos sociais que <strong>de</strong>têm o uso e, conseqüentemente, o domínio<br />

<strong>de</strong>sse conhecimento, <strong>de</strong>ssa tecnologia.<br />

Tais estudos acabam pondo à mostra que as condições <strong>de</strong> sucesso<br />

<strong>de</strong>sses alunos, no que tange à apropriação da língua escrita para a <strong>produção</strong> e recepção <strong>de</strong> <strong>textos</strong> têm<br />

sido cada vez mais restritas no espaço <strong>escola</strong>r. E esse insucesso não se explicaria por <strong>de</strong>ficiências<br />

lingüísticas, cognitivas, ou culturais dos alunos, mas pelo tratamento que a <strong>escola</strong> vem dando às<br />

variantes lingüísticas usadas por eles. Tal tratamento configura-se em práticas pedagógicas<br />

organizadas em torno <strong>de</strong> um ensino gramatical, que visa a uma correção lingüística, consi<strong>de</strong>rada<br />

necessária pela <strong>escola</strong>, uma vez que a variante lingüística usada pelos alunos se distância do modo<br />

lingüístico adotado por ela, a saber, aquele que se associa às práticas lingüístico-culturais das classes<br />

domi<strong>na</strong>ntes.<br />

As razões que explicariam a intensa movimentação acadêmica e<br />

científica em torno <strong>de</strong>ssa questão voltam-se não só para compreen<strong>de</strong>r e explicitar os fatores que<br />

influenciam <strong>na</strong> relação acima <strong>de</strong>scrita, mas também para apontar caminhos que superem o hiato criado<br />

pela <strong>escola</strong> entre alunos oriundos das camadas populares e os discursos que compõem o mundo da<br />

escrita, principalmente, aqueles em que os conhecimentos e infomações são veiculados.<br />

Pensando em contribuir com este estudo para a compreensão do quadro<br />

<strong>de</strong> condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> escrita presente <strong>na</strong>s práticas correntes do ensino da Língua Portuguesa é<br />

que nos propusemos uma investigação nesse campo, apresentando, para tanto, um outro fator - os<br />

tipos <strong>textuais</strong> produzidos em condições <strong>escola</strong>res - até então não discutido, o que justifica a sua<br />

escolha, como objeto <strong>de</strong> estudo <strong>de</strong>sta dissertação. 40 Tal escolha se explica, igualmente, por<br />

consi<strong>de</strong>rarmos que a aprendizagem sistemática dos tipos <strong>textuais</strong> <strong>de</strong>sempenha um papel fundamental<br />

40<br />

Embora saibamos que para a redimensão <strong>de</strong>sse estado <strong>de</strong> coisas há uma série <strong>de</strong> fatores que não são nem<br />

exclusivamente científicos, nem pedagógicos - como bem apontam PÉCORA(1989) e ILARI(1986) - mas, sim,<br />

<strong>de</strong> outras <strong>na</strong>turezas que transcen<strong>de</strong>m quaisquer empreendimentos realizados nos campos acadêmico e científico,<br />

os quais vêm balizando projetos voltados para alteração das condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong> da escrita presentes <strong>na</strong>s<br />

práticas correntes do ensino <strong>de</strong> Português, é preciso que (para muito além <strong>de</strong> postura ingênua/utópica) tais<br />

estudos, bem como as discussões fomentadas no espaço <strong>escola</strong>r continuem pontuando e refi<strong>na</strong>ndo cada vez mais<br />

questões (entre outras) relativas à <strong>de</strong>mocratização da <strong>escola</strong>, às diferenças <strong>de</strong> linguagem (variantes) entre alunos<br />

<strong>de</strong> origem social diversa, à qualificação <strong>de</strong> práticas <strong>escola</strong>res <strong>de</strong> leitura e escrita, <strong>de</strong> modo que possamos,<br />

criticamente, vislumbrar uma <strong>escola</strong>, cujo ensino não se insira nos mol<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uma <strong>escola</strong> nem “re<strong>de</strong>ntora”, nem<br />

“impotente” diante das injunções sociohistóricas e econômicas colocadas pela socieda<strong>de</strong> à instituição <strong>escola</strong>r.<br />

80


<strong>na</strong> <strong>produção</strong> e recepção <strong>de</strong> <strong>textos</strong> processados pelos alunos, po<strong>de</strong>ndo, assim, conforme as estratégias<br />

<strong>de</strong> ensino mobilizadas pela <strong>escola</strong>, restringir ou ampliar as relações entre o aluno os tipos <strong>de</strong> discurso<br />

que compõem o mundo da escrita.<br />

Voltando-nos, agora, para o outro aspecto que se refere à escolha do<br />

campo <strong>de</strong> pesquisa - uma <strong>escola</strong> pública com o 1º Grau <strong>de</strong> ensino completo - po<strong>de</strong>mos dizer que essa<br />

<strong>de</strong>limitação <strong>de</strong>corre das próprias condições <strong>de</strong> existência dos tipos <strong>textuais</strong>, como conteúdo <strong>escola</strong>r,<br />

propostos no universo das práticas <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto do 1º Grau.<br />

Como apontamos no Capítulo 1, é nesse grau <strong>de</strong> ensino, conforme<br />

propõem os livros didáticos, manuais <strong>de</strong> redação, instruções oficiais, planos <strong>de</strong> curso, etc, que se <strong>de</strong>ve<br />

proporcio<strong>na</strong>r aos alunos, por intermédio <strong>de</strong> um acesso graduado, por série <strong>escola</strong>r, o conhecimento dos<br />

tipos <strong>de</strong> texto, o <strong>na</strong>rrativo, <strong>de</strong>scritivo e dissertativo, <strong>na</strong> forma escrita, (o tipo injuntivo não é mencio<strong>na</strong>do,<br />

pelo menos, nos materiais didáticos que foram a<strong>na</strong>lisados).<br />

Em vista disso e, conseqüentemente, do próprio interesse <strong>de</strong>ste estudo -<br />

i<strong>de</strong>ntificar quais e como os tipos <strong>textuais</strong> são produzidos à luz do processo interlocutivo que se<br />

estabelece <strong>na</strong> sala <strong>de</strong> aula, ao longo da <strong>escola</strong>rização <strong>de</strong> 1º Grau - <strong>de</strong>cidimos que, para verificar tal<br />

fenômeno discursivo41 e ter <strong>de</strong>le uma idéia relativamente nítida e concreta42 ,não se recobririam todas as<br />

séries <strong>escola</strong>res presentes no quadro <strong>de</strong>sse nível <strong>de</strong> ensino, mas ape<strong>na</strong>s algumas <strong>de</strong>las, a saber: 2ª,<br />

4ª, 6ª e 8ª séries; e, para tanto, uma turma por série.<br />

O que nos animou a selecio<strong>na</strong>r essas séries e não outras que,<br />

igualmente, figuram no quadro <strong>de</strong>sse grau <strong>de</strong> ensino foi o fato <strong>de</strong> levarmos em conta algumas crenças<br />

41<br />

Abordar os tipos <strong>de</strong> <strong>textos</strong> à luz do processo interlocutivo implica consi<strong>de</strong>rá-los, como já apontamos no<br />

Capítulo 3, produto <strong>de</strong> um tipo <strong>de</strong> interação verbal constituída no interior <strong>de</strong> um funcio<strong>na</strong>mento discursivo<br />

específico. É neste sentido que concebemos o objeto <strong>de</strong>ste estudo um fenômeno discursivo.<br />

42<br />

Pensamos que a precisão conceitual dos fatores que figuram no estudo <strong>de</strong> qualquer fenômeno (como objeto<br />

<strong>de</strong> teorização) é fundamental. Entretanto, quando se trata <strong>de</strong> fenômeno discursivo, em cuja constituição há uma<br />

série <strong>de</strong> elementos cambiantes que concorrem (e co-ocorrem) para o seu funcio<strong>na</strong>mento, há que se consi<strong>de</strong>rar<br />

que não se está lidando com <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> fatores estáticos <strong>de</strong>finidos em sua essência, mas com fatores que se<br />

<strong>de</strong>finem <strong>na</strong> singularida<strong>de</strong> do seu acontecimento, no seu modo <strong>de</strong> funcio<strong>na</strong>mento. E só adquirem uma relativa<br />

niti<strong>de</strong>z mediante à prática <strong>de</strong> análise que se impuser a eles. Nesse domínio, não se lida com regras prontas e<br />

acabadas, mas com regularida<strong>de</strong>s que permitem a sistematização (ou a teorização) do objeto em questão. A<br />

flui<strong>de</strong>z e plasticida<strong>de</strong> da linguagem é que nos levaram a afirmar que o que preten<strong>de</strong>mos aqui é ter <strong>de</strong>ste<br />

fenômeno discursivo, pelo menos, uma idéia relativamente nítida e concreta.<br />

81


advindas do universo da <strong>escola</strong>, 43especificamente, as referentes às condições <strong>de</strong> apropriação e<br />

<strong>produção</strong>, por parte dos alunos, previstas para as séries <strong>escola</strong>res, aqui escolhidas.<br />

Assim, nos termos do discurso <strong>escola</strong>r, como o apresentamos no<br />

Capítulo 1 , acredita-se que:<br />

a) <strong>na</strong> 2º série, o aluno já se encontraria apto a produzir texto <strong>na</strong>rrativo, <strong>na</strong> modalida<strong>de</strong> escrita, por estar,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito cedo, acostumado a ouvir e contar histórias, casos e, também, por ter sido, basicamente,<br />

esse tipo <strong>de</strong> texto que o introduziu, enquanto aprendiz, no mundo da escrita <strong>escola</strong>r;<br />

b) <strong>na</strong> 4º série, por ser a última do primeiro segmento do 1º Grau <strong>de</strong> ensino, espera-se que o aluno já<br />

tenha um certo domínio e conhecimento, <strong>na</strong> modalida<strong>de</strong> escrita, dos tipos <strong>na</strong>rrativo e <strong>de</strong>scritivo, por<br />

possuir maturida<strong>de</strong> cognitiva que lhe possibilite produzir <strong>textos</strong> <strong>de</strong>sses tipos;<br />

c) <strong>na</strong> 6ª série - <strong>na</strong>da difere da 4ª série quanto aos tipos - espera-se que o aluno já produza <strong>textos</strong><br />

<strong>na</strong>rrativo e <strong>de</strong>scritivo com relativa fluência, pelo fato <strong>de</strong> ele não só <strong>de</strong>ter conhecimentos necessários à<br />

<strong>produção</strong> <strong>de</strong>sses tipos <strong>na</strong> modalida<strong>de</strong> escrita - construídos em experiências <strong>escola</strong>res anteriores -, mas<br />

também por ter maturida<strong>de</strong> cognitiva condizente com a <strong>na</strong>tureza da tarefa;<br />

d) e, por fim, <strong>na</strong> 8ª série, por ser a última do 1º Grau, o aluno já se encontraria apto a apropriar-se do<br />

texto dissertativo, não só por conhecer e domi<strong>na</strong>r os <strong>textos</strong> <strong>na</strong>rrativo e <strong>de</strong>scritivo, como também por<br />

estar em uma fase <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo mais avançada, o que lhe permitiria operar com<br />

generalizações, conceitos abstratos, para efetivar suas análises, interpretações, comentários sobre os<br />

objetos, fenômenos do mundo físico e,ou social, etc.<br />

Ao selecio<strong>na</strong>r ape<strong>na</strong>s algumas séries <strong>escola</strong>res do 1º Grau, como objeto<br />

<strong>de</strong> análise, a abordagem, do ponto <strong>de</strong> vista metodológico, que impôs a este estudo é aquela <strong>de</strong><br />

<strong>na</strong>tureza transversal. Com ajuda <strong>de</strong>ssa metodologia, que se caracteriza por recolher os dados<br />

transversalmente, esperamos po<strong>de</strong>r fazer algumas inferências que, a posteriori, venham a contribuir<br />

para as discussões que se refirem aos fatores envolvidos no processo <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> tipos <strong>de</strong> texto <strong>na</strong><br />

<strong>escola</strong>.<br />

43<br />

V. Capítulo 1 a respeito das crenças que permeiam o universo <strong>escola</strong>r. Apesar <strong>de</strong> termos algumas restrições à<br />

distribuição que se dá aos tipos <strong>textuais</strong> no universo <strong>escola</strong>r <strong>de</strong>scrito no capítulo referido, julgamos, entretanto,<br />

pertinente valer-nos das referências empíricas fornecidos por esse discurso, como expediente para, então,<br />

promover a seleção das séries, por ele <strong>de</strong>ixar evi<strong>de</strong>nciar a realida<strong>de</strong> do cotidiano <strong>de</strong> práticas <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong><br />

<strong>produção</strong> <strong>de</strong> (tipos <strong>de</strong>) texto. Como vimos, estas não só <strong>de</strong>finem o momento, o lugar, mas também quem estaria<br />

apto a se apropriar dos tipos, <strong>na</strong> modalida<strong>de</strong> escrita, ao longo do processo <strong>de</strong> <strong>escola</strong>rização do 1º Grau.<br />

82


Por fim, a realização <strong>de</strong>sta pesquisa no campo correspon<strong>de</strong> a duas<br />

etapas sucessivas: a primeira se <strong>de</strong>u ao longo <strong>de</strong> todo o 2º semestre do ano letivo <strong>de</strong> 1993, e a<br />

segunda, no primeiro semestre letivo <strong>de</strong> 1994.<br />

Feitos os necessários esclarecimentos, procuraremos, a seguir, explicitar<br />

os objetivos, as diretrizes metodológicas que nortearam este estudo, bem como a caracterização da<br />

realida<strong>de</strong> pesquisada.<br />

83


1 - Objetivos do estudo<br />

Capítulo 5<br />

Objetivos, diretrizes metodológicas e caracterização<br />

do campo da pesquisa<br />

A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> investigar os tipos <strong>textuais</strong> produzidos <strong>na</strong> <strong>escola</strong><br />

<strong>de</strong>corre <strong>de</strong> uma pista que se relacio<strong>na</strong> com a presença marcante dos livros didáticos e manuais <strong>de</strong><br />

redação, <strong>na</strong>s <strong>escola</strong>s em geral. Como se sabe, salvo algumas exceções, tais materiais <strong>de</strong> ensino têm<br />

sido os indicadores do trabalho com a escrita, seja o <strong>de</strong> leitura, seja o <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto no ensino<br />

<strong>de</strong> Língua Portuguesa. Ora, tanto os livros didáticos, como os manuais <strong>de</strong> redação, em sua gran<strong>de</strong><br />

maioria, vêm propondo uma tipologia textual muito semelhante entre si, quer do ponto <strong>de</strong> vista dos<br />

critérios tipológicos, quer do ponto <strong>de</strong> vista da <strong>na</strong>tureza do corpus <strong>de</strong> <strong>textos</strong> selecio<strong>na</strong>dos, quer do ponto<br />

<strong>de</strong> vista da distribuição e hierarquização dos três tipos - <strong>na</strong>rrativo, <strong>de</strong>scritivo e dissertativo, ao longo da<br />

organização estrutural das coleções. Tal organização acaba por sugerir quem po<strong>de</strong> apropriar-se dos<br />

tipos <strong>textuais</strong>, <strong>na</strong> modalida<strong>de</strong> escrita, ao longo do processo <strong>de</strong> <strong>escola</strong>rização do ensino <strong>de</strong> 1º Grau e<br />

quando po<strong>de</strong> fazê-lo.<br />

Em face <strong>de</strong> tudo isso, julgamos que seria razoável supor a presença <strong>de</strong><br />

uma tipologia textual, no contexto <strong>escola</strong>r, on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>u a coleta dos dados.<br />

Diante <strong>de</strong>ssa hipótese, as questões que se impuseram foram: caso haja<br />

uma tipologia textual, quais as suas reais fi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>s no universo <strong>escola</strong>r? De que maneira tal tipologia<br />

funcio<strong>na</strong>ria <strong>na</strong>s práticas <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto? Como essa tipologia se refletiria nos <strong>textos</strong><br />

produzidos pelos alunos, <strong>na</strong> <strong>escola</strong>? E qual seria o discurso dos professores sobre essa tipologia<br />

utilizada?<br />

Entretanto, po<strong>de</strong>mos adiantar que à medida em que mergulhavámos <strong>na</strong><br />

situação estudada, percebíamos que a nossa hipótese distanciava-se da realida<strong>de</strong> <strong>escola</strong>r, quanto à<br />

84


utilização <strong>de</strong> qualquer espécie <strong>de</strong> tipologia, seja a do texto, seja a do discurso, para a sistematização da<br />

aprendizagem dos tipos <strong>de</strong> texto <strong>na</strong> linguagem escrita, por parte dos alunos.<br />

Desse modo, diante das reais condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> escrita dos<br />

tipos <strong>textuais</strong> <strong>na</strong>s quatro séries <strong>escola</strong>res observadas, tivemos, obviamente, que afastar as suposições<br />

iniciais e rever alguns dos objetivos. Tal re<strong>de</strong>finição não implicou, contudo, o abandono, ou a alteração<br />

do eixo central <strong>de</strong>ste estudo. Isso porque, apesar da ausência <strong>de</strong> qualquer proposta <strong>de</strong> tipologia, como<br />

instrumento didático-pedagógico, <strong>na</strong>s práticas <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto, os alunos construíam os<br />

seus discursos, <strong>na</strong> modalida<strong>de</strong> escrita, atualizando-os em diferentes tipos <strong>de</strong> texto - <strong>na</strong>rrativo, <strong>de</strong>scritvo,<br />

dissertativo, argumentativo e injuntivo - em resposta às situações e problemas retóricos propostos pelos<br />

professores em sala <strong>de</strong> aula. O que, aliás, por parte dos alunos, não po<strong>de</strong>ria dar-se diferentemente,<br />

visto que tais tipos <strong>textuais</strong> correspon<strong>de</strong>m aos modos enunciatvos básicos presentes em nossa cultura.<br />

Assim, em vista do quadro das condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> escrita dos<br />

tipos <strong>de</strong> texto constituído <strong>na</strong>s quatro séries observadas, os objetivos que nortearam a primeira etapa<br />

<strong>de</strong>ste estudo foram:<br />

a) i<strong>de</strong>ntificar os tipos <strong>de</strong> <strong>textos</strong> produzidos no universo <strong>escola</strong>r, <strong>de</strong> acordo com a série observada;<br />

b) <strong>de</strong>screver e a<strong>na</strong>lisar as condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> escrita dos tipos <strong>textuais</strong>, instauradas <strong>na</strong><br />

singularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada uma da práticas <strong>de</strong> ensino construídas no universo das séries <strong>escola</strong>res em<br />

questão;<br />

c) <strong>de</strong>screver e a<strong>na</strong>lisar as condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> escrita em que se inscrevem os tipos <strong>de</strong> texto<br />

produzidos <strong>na</strong>s práticas <strong>escola</strong>res <strong>de</strong> redação das quatro séries;<br />

d) a<strong>na</strong>lisar o discurso dos professores sobre as sua práticas, bem como sobre a opção por uma prática<br />

<strong>de</strong> redação não fundada <strong>na</strong> proposta <strong>de</strong> um tipologia do texto e/ou do discurso;<br />

e) levantar, a partir do quadro <strong>de</strong> condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> escrita em que se inserem os tipos <strong>de</strong> texto<br />

produzidos pelos alunos, hipóteses sobre as relações entre as práticas <strong>escola</strong>res <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> redação<br />

e o <strong>de</strong>senvolvimento da competência comunicativa do aluno;<br />

f) apresentar, elementos que possam contribuir para a compreensão das implicações da adoção ou não<br />

<strong>de</strong> uma tipologia do discurso e/ou do texto <strong>na</strong>s práticas <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto.<br />

85


2 - Diretrizes metodológicas<br />

Dadas as características do objeto <strong>de</strong>ste estudo, as suas condições <strong>de</strong><br />

emergência, a <strong>de</strong>limitação assumida e, por fim, os objetivos propostos, a metodologia <strong>de</strong> pesquisa<br />

adotada no <strong>de</strong>senvolvimento do trabalho <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> dados no campo investigado caracteriza-se como<br />

um estudo <strong>de</strong> caso.<br />

O princípio básico que orienta este gênero <strong>de</strong> pesquisa é: para<br />

apreensão mais completa do objeto é preciso levar em conta o contexto em que ele se situa<br />

(LÜDKE,M. & ANDRÉ,M.E.D.A.,1986:18). Ou seja, o objeto só po<strong>de</strong> ser compreendido em sua<br />

singularida<strong>de</strong> tendo em vista o contexto ou situação específica em que ocorre o fenômeno estudado. O<br />

que implica, conseqüentemente, um contato direto do pesquisador com a situação que quer investigar.<br />

Como pressupõe este gênero <strong>de</strong> pesquisa, a preocupação com o<br />

processo é muito maior do que com o produto,(LÜDKE,M. & ANDRÉ,M.E.D.A.,1986:12), nessa<br />

perspectiva, o <strong>de</strong>senvolvimento do estudo assume um caráter processual e estruturante, que se vai<br />

constituindo <strong>na</strong> e pela interação contínua do pesquisador com a situação pesquisada.<br />

Assim, a construção dos dados se dá por um processo indutivo - evitase,<br />

geralmente, uma <strong>de</strong>finição rígida e apriorística <strong>de</strong> hipóteses, isto é, ou não se propõem hipóteses<br />

prévias sobre o objeto <strong>de</strong> estudo, ou quando se o faz, parte-se <strong>de</strong> hipóteses bastante amplas - tal como<br />

a que levantou este estudo - pois é <strong>na</strong> prática <strong>de</strong> observação e análise dos dados que possibilida<strong>de</strong>s se<br />

abrem para a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> novas hipóteses a serem comprovadas a posteriori.<br />

Com relação a esse caráter indutivo que assume o andamento da<br />

pesquisa e, portanto, a própria configuração do objeto investigado, BOURDIEU(1989: 26-27) afirma<br />

que:<br />

“(...)a construção do objeto - pelo menos <strong>na</strong> minha experiência<br />

<strong>de</strong> investigador - não é uma coisa que se produza <strong>de</strong> uma<br />

assentada, por uma espécie <strong>de</strong> acto teórico i<strong>na</strong>ugural, e o<br />

programa <strong>de</strong> observações ou <strong>de</strong> análise por meio do qual a<br />

operação se efectua não é um plano que se <strong>de</strong>senhe<br />

86


antecipadamente, à maneira <strong>de</strong> um engenheiro: é um trabalho <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong> fôlego, que se realiza pouco a pouco, por retoques<br />

sucessivos, por toda uma série <strong>de</strong> correções, <strong>de</strong> emendas,<br />

sugeridas por o que se chama o ofício, quer dizer, esse conjunto<br />

<strong>de</strong> princípios práticos que orientam as opções, ao mesmo tempo,<br />

minúsculas e <strong>de</strong>cisivas”.<br />

Diante das características <strong>de</strong>sse gênero <strong>de</strong> pesquisa acima <strong>de</strong>scrito,<br />

po<strong>de</strong>-se dizer que elas se mostraram, em larga medida, a<strong>de</strong>quadas aos propósitos <strong>de</strong>ste estudo, visto<br />

que o nosso interesse se circunscreve à i<strong>de</strong>ntificão dos tipos <strong>de</strong> texto que figuram <strong>na</strong>s práticas <strong>de</strong><br />

redação <strong>de</strong> uma dada <strong>escola</strong> <strong>de</strong> 1º Grau. Para sermos mais precisos, buscamos retratar e<br />

compreen<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> forma mais apurada, as relações entre tipo <strong>de</strong> texto e <strong>escola</strong>; tipo <strong>de</strong> texto e aluno, por<br />

série <strong>escola</strong>r; tipo <strong>de</strong> texto e prática <strong>escola</strong>r <strong>de</strong> redação; tipo <strong>de</strong> texto e discurso do professor que se<br />

constituem <strong>na</strong> singularida<strong>de</strong> do espaço da sala <strong>de</strong> aula, esta, por sua vez, inserida num contexto amplo<br />

- a instituição <strong>escola</strong>r.<br />

Assim, <strong>na</strong> medida em que assumimos a perspectiva da totalida<strong>de</strong> - sala<br />

<strong>de</strong> aula (micro) em sua relação com contexto <strong>escola</strong>r (macro) - para apreen<strong>de</strong>r as relações que<br />

perpassam e, portanto, constituem o objeto <strong>de</strong> estudo, pensamos que, ao utilizar tal metodologia,<br />

possibilida<strong>de</strong>s se abririam para a construção <strong>de</strong> um sistema coerente <strong>de</strong> relações que permitiria explicar<br />

o como, o porquê da manifestação do objeto apresentar-se <strong>de</strong> tal modo e não <strong>de</strong> outro - a ausência <strong>de</strong><br />

uma proposta tipológica <strong>na</strong>s práticas <strong>de</strong> redação. Enfim, essa estratégia metodológica contribuiria para<br />

compreen<strong>de</strong>r a multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ções, em sua relação, presentes <strong>na</strong> situação <strong>de</strong> sala <strong>de</strong> aula;<br />

no que tange ao processo <strong>de</strong> <strong>produção</strong> dos tipos <strong>de</strong> texto.<br />

2.1 - Procedimentos metodológicos<br />

Os procedimentos metodológicos utilizados para o coleta dos dados são<br />

aqueles que se mostraram a<strong>de</strong>quados ao caráter <strong>na</strong>turalístico do tipo estudo <strong>de</strong> caso que este trabalho<br />

assumiu.<br />

87


Uma pesquisa <strong>de</strong>ssa <strong>na</strong>tureza <strong>de</strong>senvolve-se no contexto mesmo on<strong>de</strong><br />

as ativida<strong>de</strong>s discursivas - prática <strong>escola</strong>r, discurso do professor e do aluno, <strong>textos</strong> <strong>de</strong> alunos -<br />

aparecem marcadas pela a singularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu(s) acontecimento(s). Desse modo, este estudo buscou<br />

utilizar métodos <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> dados tais como:<br />

DADOS PROCEDIMENTOS<br />

1 - O contexto <strong>escola</strong>r como um todo: • Entrevista com diretor e equipe técnica,<br />

Caracterização da <strong>escola</strong> e dos sujeitos perfazendo um total <strong>de</strong> 2 horas <strong>de</strong> gravação<br />

envolvidos <strong>na</strong> pesquisa<br />

• Análise <strong>de</strong> ficha <strong>de</strong> matrícula <strong>de</strong> alunos<br />

• Observação <strong>de</strong> aula<br />

• Entrevista com professores<br />

2 - Prática <strong>de</strong> sala <strong>de</strong> aula • Observação <strong>de</strong> aulas<br />

Gravação <strong>de</strong> aulas, perfazendo um total <strong>de</strong> 34<br />

horas:<br />

3 - Discurso dos professores sobre a prática<br />

<strong>de</strong><br />

redação e ausência <strong>de</strong> uma dada tipologia<br />

4 - Textos escritos pelos alunos em sala <strong>de</strong><br />

aula<br />

5 - Outros <strong>textos</strong> relacio<strong>na</strong>dos com prática <strong>de</strong><br />

produçao textual<br />

− 2ª série - 10 aulas <strong>de</strong> 50 min<br />

− 4ª série - 09 aulas <strong>de</strong> 50 min<br />

− 6ª série - 08 aulas <strong>de</strong> 50 min<br />

− 8ª série - 10 aulas <strong>de</strong> 50 min<br />

• Entrevista com cada professor da série<br />

observada,<br />

• perfazendo um total <strong>de</strong> 9 horas <strong>de</strong> gravação<br />

aproximadamente.<br />

2ª série - 243 <strong>textos</strong><br />

4ª série - 218 <strong>textos</strong><br />

6ª série - 228 <strong>textos</strong><br />

8ª série - 268 <strong>textos</strong><br />

Total <strong>de</strong> 957 <strong>textos</strong><br />

• Livros didáticos<br />

• Textos suplementares<br />

• Ilustrações<br />

88


O instrumento teórico utilizado para a análise dos dados dos itens 2, 3 e<br />

4 provém do campo <strong>de</strong> estudos da linguagem em seu funcio<strong>na</strong>mento: Lingüística Textual e Teoria do<br />

Discurso.<br />

A recorrência a esse quadro teórico, apresentado nos Capítulos 2 e 3,<br />

explica-se por abordar o funcio<strong>na</strong>mento da linguagem em suas dimensões reais, isto é, por se ocupar,<br />

como objeto <strong>de</strong> estudo, das manifestações discursivas produzidas por sujeitos concretos, em situação<br />

<strong>de</strong> interlocução concretas, oferecendo, para tanto, elementos teóricos e metodológicos que possibilitam<br />

a articulação entre o texto/discurso e as suas condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong>; o tipo <strong>de</strong> texto e tipo <strong>de</strong> relação<br />

interlocutiva em que se produz.<br />

3.- Caracterização do campo <strong>de</strong> pesquisa<br />

Tendo em vista o critério estabelecido para a escolha do campo <strong>de</strong><br />

pesquisa, a <strong>escola</strong> em que se realizou o trabalho <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> dados pertence à Re<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong><br />

Educação, e mantém as seguintes modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ensino: pré-<strong>escola</strong>r, 1º e 2º Graus.<br />

Geograficamente, a <strong>escola</strong> localiza-se <strong>na</strong> Região Oeste <strong>de</strong> Belo<br />

Horizonte e encontra-se construída <strong>na</strong> área mais alta do bairro Caba<strong>na</strong> do Pai Tomás. Em seus<br />

arredores, há dois conjuntos habitacio<strong>na</strong>is e uma favela com uma população <strong>de</strong> aproximadamente <strong>de</strong><br />

50 mil habitantes, conhecida tradicio<strong>na</strong>lmente por “favela da Caba<strong>na</strong>”.<br />

Do ano <strong>de</strong> sua fundação, 1964, até 1979, a <strong>escola</strong> funcionou em galpões<br />

pré-fabricados em chapas <strong>de</strong> aço, e, <strong>na</strong> ocasião, segundo os informantes, era chamada <strong>de</strong> “<strong>escola</strong> <strong>de</strong><br />

lata” por alunos e moradores da região.<br />

Com o crescimento do bairro e o aumento da <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> crianças e<br />

jovens em ida<strong>de</strong> <strong>escola</strong>r, em 1979, foi construído um amplo prédio <strong>de</strong> dois pavimentos, pela CARPE -<br />

Companhia <strong>de</strong> Ampliação e Reforma <strong>de</strong> Prédios Escolares. A sua arquitetura segue o estilo<br />

contemporâneo: tijolos à vista, janelas em ferro e vidraça, varanda em toda a sua extensão, telhas <strong>de</strong><br />

barro do tipo francês e um jardim com altas árvores à sua frente.<br />

89


Nos anos em que foi realizada a pesquisa 1993 (2º semestre) e 1994 (1º<br />

semestre), a <strong>escola</strong> atendia aproximadamente 2000 alunos e funcio<strong>na</strong>va em três turnos, a saber: no<br />

turno da manhã, das 7:00 h às 11:30 h, encontravam-se as 2ª, 3ª e 4ª séries; no da tar<strong>de</strong>, das 13:00 h<br />

às 17:30 h, o pré-<strong>escola</strong>r, 1ª, 5ª e 6ª séries e, no da noite, das 18:00 h às 22:30 h, as 6ª, 7ª e 8ª do 1º<br />

Grau e as três séries do 2º Grau.<br />

Desses 2000 alunos, 95% eram pertencentes às camadas <strong>de</strong> baixa<br />

renda - 1 a 3 salários mínimos, sendo que a gran<strong>de</strong> maioria (90%) era resi<strong>de</strong>nte <strong>na</strong> área que formava a<br />

favela. As profissões dos pais <strong>de</strong>sses alunos eram aquelas qualificadas tecnicamente pelo modo <strong>de</strong><br />

<strong>produção</strong> como manuais: vigia, motorista <strong>de</strong> ônibus, frentistas <strong>de</strong> postos <strong>de</strong> gasoli<strong>na</strong>, pedreiro,<br />

ven<strong>de</strong>dor ambulante, para os homens; doméstica, manicure, faxineira, ven<strong>de</strong>dora ambulante,<br />

cozinheira, auxiliar <strong>de</strong> enfermagem, para as mulheres. Dentre esses 95%, havia um pequeno<br />

contingente <strong>de</strong> alunos (5%) resi<strong>de</strong>ntes no conjunto habitacio<strong>na</strong>l formado por pequenos prédios, 44 e<br />

cujos pais tinham como profissão a <strong>de</strong> policial civil e militar, ocupando <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssas corporações, o<br />

cargo <strong>de</strong> <strong>de</strong>tetive e soldado, respectivamente, para os homens; as mulheres tinham, em geral, as<br />

seguintes profissões: doméstica, professora primária, manicure, cabelereira, auxiliar <strong>de</strong> escritório,<br />

ven<strong>de</strong>dora ambulante. Já os outros 5% eram resi<strong>de</strong>ntes em um outro conjunto habitacio<strong>na</strong>l, formado<br />

por altos edifícios, e pertenciam a um extrato social cuja renda familiar girava em torno <strong>de</strong> 10 a 20<br />

salários mínimos. As profissões dos pais <strong>de</strong>sses alunos caracterizavam-se, em geral, como liberais ou<br />

outras, igualmente, valorizadas, do ponto <strong>de</strong> vista técnico, no mercado <strong>de</strong> trabalho: advogado,<br />

administrador <strong>de</strong> empresa, comerciante, corretor <strong>de</strong> imóveis, pequeno empresário, técnico em<br />

informática, para os homens; secretária, professora, psicóloga, publicitária, advogada, comerciante,<br />

para as mulheres.<br />

4 - Seleção e caracterização das turmas<br />

Diante do número <strong>de</strong> turmas por série que a <strong>escola</strong> possuía, <strong>na</strong> época<br />

em que se realizou a 1ª etapa da pesquisa (1993) - 6 turmas <strong>de</strong> 2ª série; 5 <strong>de</strong> 4ª série; 6 <strong>de</strong> 6ª série e 2<br />

44<br />

Segundo o diretor da <strong>escola</strong>, <strong>na</strong> década <strong>de</strong> 80, esse conjunto habitacio<strong>na</strong>l foi construído pela COHAB para<br />

aten<strong>de</strong>r às polícias civil e militar, especificamente àqueles que, <strong>de</strong>ntro das respectivas categorias, exerciam<br />

funções menos valorizadas do ponto <strong>de</strong> vista econômico - <strong>de</strong>tetive e soldado.<br />

90


<strong>de</strong> 8ª série, foi sugerido, pelo diretor e equipe técnica, que a seleção das turmas fosse feita pelos<br />

próprios professores que lecio<strong>na</strong>vam a discipli<strong>na</strong> Redação45 nessas séries. Para tanto, foi apresentada<br />

a todos esses professores, em seus respectivos turnos - 2ª e 4ª séries se encontravam no 1º, e 6ª e 8ª<br />

séries no 3º - a proposta do estudo a ser realizado.<br />

Assim, foi-lhes explicitado o objeto da pesquisa, os seus objetivos e o<br />

fato <strong>de</strong> que as aulas observadas seriam a<strong>na</strong>lisadas e gravadas. Após tal apresentação, quatro<br />

professores, cada um <strong>de</strong>les atuando <strong>na</strong>s séries selecio<strong>na</strong>das e nos turnos acima <strong>de</strong>scritos, aceitaram<br />

prontamente a realização da pesquisa em suas respectivas salas <strong>de</strong> aula.<br />

Feito isto, no princípio <strong>de</strong> setembro, iniciou-se.o trabalho <strong>de</strong> observação<br />

<strong>de</strong> aulas <strong>na</strong>s turmas 204, 401, 606 e 801.<br />

A turma 204, 2ª série, era composta por 36 alunos, apresentando um<br />

equilíbrio quanto ao número <strong>de</strong> alunos do sexo masculino e feminino. Todos eles se encontravam<br />

<strong>de</strong>ntro da faixa etária prevista para série, entre oito e nove anos. Estavam sempre uniformizados,<br />

traziam os seus ca<strong>de</strong>rnos e livros encapados. Sobre suas carteiras havia sempre lápis <strong>de</strong> cor,<br />

canetinhas hidrocor, borrachas coloridas e “cheirosas”, etc.<br />

A relação dos alunos entre si e com a professora era constante e<br />

harmoniosa. Estavam sempre falando <strong>de</strong> si mesmos para os colegas e/ou para a professora. Os<br />

exemplos para ilustrar as conversas em sala vinham <strong>de</strong> experiência <strong>de</strong> alunos e/ou professora. Durante<br />

as aulas, perguntavam sempre sobre a escrita <strong>de</strong> palavras, preocupavam-se com a letra, com o<br />

tamanho do texto, com a sua ilustração, etc.. Após a <strong>produção</strong> <strong>de</strong> <strong>textos</strong> gostavam <strong>de</strong> lê-los para os<br />

colegas. Transitavam pela sala com uma certa liberda<strong>de</strong>: ora para apontar o lápis, ora para entregar<br />

algo que havia tomado emprestado <strong>de</strong> algum colega, ora para mostrar o texto escrito à professora, ora<br />

para brincar, cochichar com o colega.<br />

Entretanto, quando a professora julgava que os alunos estavam<br />

dispersos ou conversando muito, dizia, irritada: “Agora, eu quero silêncio e discipli<strong>na</strong>. Sem essas duas<br />

coisas não se faz <strong>na</strong>da. Nada <strong>de</strong> passeio pela sala .Estamos combi<strong>na</strong>dos ! ”.<br />

45 Para as 2ª e 4ª séries havia um professor específico <strong>de</strong> Redação, já <strong>na</strong>s 6ª e 8ª séries, o professor lecio<strong>na</strong>va<br />

tanto redação como outros conteúdos pertinentes à discipli<strong>na</strong> Língua Portuguesa,<br />

91


Já a turma 401, 4ª série, era composta por 33 alunos, sendo que a<br />

maioria era do sexo feminino. Em relação à ida<strong>de</strong>, alguns alunos do sexo masculino encontravam-se<br />

fora da faixa etária prevista para essa série - 12 a 14 anos. Estes eram repetentes da própria série ou<br />

<strong>de</strong> outras anteriores. Poucos alunos possuíam uniforme completo, alguns usavam suas roupas comuns,<br />

outros tinham ape<strong>na</strong>s a blusa do uniforme.<br />

Não se viam, <strong>na</strong> sala, materiais <strong>escola</strong>res sofisticados como jogos <strong>de</strong><br />

canetas, borrachas coloridas ou similares; quando um dos alunos aparecia com algum, os colegas<br />

vizinhos sempre lhe pediam emprestado.<br />

A relação entre alunos parecia um pouco complicada, fragilizada. As<br />

conversas, muitas vezes, tinham um tom <strong>de</strong> agressivida<strong>de</strong>. Parecia haver uma relação <strong>de</strong> competição<br />

entre eles, por exemplo, quando se tratava <strong>de</strong> contar uma novida<strong>de</strong> à professora e/ou ao colega, havia<br />

uma disputa para ocupar o papel <strong>de</strong> locutor: o tom <strong>de</strong> voz aumentava, os apelos verbais e não verbais<br />

multiplicavam-se, <strong>na</strong> tentativa <strong>de</strong> fazer ouvir-se e <strong>de</strong> fazer valer o que estava sendo dito.<br />

Entretanto a relação entre alunos e professora era carinhosa e alegre.<br />

Quando a professora percebia que as conversas entre os alunos ganhavam um tom <strong>de</strong> discussão ou<br />

briga, intervinha, tentando levá-las para o lado da brinca<strong>de</strong>ira.<br />

Alguns alunos sempre reclamavam das propostas <strong>de</strong> redação feitas pela<br />

professora, ora diziam que não sabiam falar sobre o tema, ora que estavam cansados, ora procuravam<br />

ape<strong>na</strong>s cumprir a tarefa; quando não, abaixavam a cabeça sobre a carteira e pareciam dormir.<br />

A turma 606, 6ª série, era composta por 36 alunos e o número <strong>de</strong> alunos<br />

do sexo masculino e feminino era o mesmo. A ida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses alunos variava entre 14 e 17 anos. A<br />

maioria trabalhava durante o dia como mecânico, trocador, office-boy, operário <strong>de</strong> peque<strong>na</strong>s fábricas do<br />

bairro ou região vizinha, doméstica, faxineira, babá, manicure, etc. Poucos possuíam uniforme, uns<br />

usavam suas roupas diárias, outros ape<strong>na</strong>s a blusa do uniforme. Como somente alguns possuíam o<br />

livro didático, no início das aulas <strong>de</strong> redação havia um corre-corre às outras turmas em busca <strong>de</strong> livros<br />

emprestados, pois o professor não aceitava, em suas aulas, o aluno sem esse material. A chegada do<br />

professor à sala era sempre alegre, vários alunos o esperavam à porta, carregavam a sua pasta, uns o<br />

abraçavam, outros lhe dirigiam brinca<strong>de</strong>iras do tipo: “Hoje o senhor está muito cansado, vamos ficar<br />

conversando. É bem melhor que ficar falando essas coisas <strong>de</strong> redação.”.<br />

Após esse burburinho, o professor, em tom baixo e rouco, solicitava dos<br />

alunos que fizessem silêncio, que se assentassem e tirassem uma folha em branco, pois, conforme ele<br />

92


dizia, “era hora <strong>de</strong> trabalhar” . Os alunos, <strong>de</strong> imediato, ora em silêncio, ora conversando com o colega à<br />

meia voz , cumpriam o seu pedido, aguardando a proposta <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto que seria feita pelo<br />

professor. Conforme o que era proposto, alguns reclamavam, sugerindo outros temas, ou forma <strong>de</strong><br />

<strong>produção</strong> textual, como, por exemplo, a confecção <strong>de</strong> pequenos livros.<br />

Por fim, a turma 801, 8ªsérie, era composta por 43 alunos, apresentando<br />

um número <strong>de</strong> alunos do sexo feminino e masculino equilibrado. A ida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses alunos variava entre 14<br />

e 18 anos. A maioria dos alunos também trabalhava, exercendo profissões semelhantes às dos alunos<br />

da 606. Quanto ao uniforme, todos possuíam uma blusa, em cujas costas encontrava-se impresso um<br />

pequeno texto com todos os nomes dos colegas, professor da série e em <strong>de</strong>staque a frase: “Formandos<br />

da 8ª série <strong>de</strong> 1993”. O material <strong>escola</strong>r da discipli<strong>na</strong> - ca<strong>de</strong>rno, livro didático, às vezes, dicionário -<br />

estava sempre organizado sobre as carteiras. Estas eram colocadas simetricamente uma atrás da<br />

outra. Os alunos aguardavam a professora sentados e em pleno silêncio. Raramente se ouvia um<br />

sussurro, raramente os alunos se voltavam para o colega <strong>de</strong> trás. A professora, ao chegar à sala,<br />

cumprimentava-os <strong>de</strong> forma fria, impessoal, pedia-lhes que tirassem uma folha em branco, propunha o<br />

tema ou título da redação, escrevendo-o no quadro, fazia um rápido comentário e solicitava a escrita do<br />

texto. A maioria cumpria a tarefa silenciosamente, uns ensaiavam uma reclamação, outros<br />

manifestavam uma certa resistência à proposta, mas, <strong>de</strong> imediato, tudo voltava àquele silêncio que<br />

chegava a ser inquietador.<br />

5 - Caracterização dos professores<br />

5.1 - Professora da 204 - a quem doravante chamaremos H.<br />

H. aparenta uns quarenta anos, é alegre e simpática. Trabalhava <strong>na</strong><br />

<strong>escola</strong> há mais <strong>de</strong> 20 anos, durante os quais exerceu as funções <strong>de</strong> secretária e vice-diretora. Há pouco<br />

tempo retornou à sala <strong>de</strong> aula. Chegava sempre atrasada à <strong>escola</strong> e entrava em sala um pouco<br />

ofegante. No início das aulas, orava com os alunos, <strong>de</strong> mãos postas e olhos fechados, fi<strong>na</strong>lizando esse<br />

momento com invocações para que as aulas daquele dia transcorressem bem. Falava quase todo o<br />

93


tempo da aula e andava entre as fileiras das carteiras, com relativa dificulda<strong>de</strong>, pois o espaço entre elas<br />

era muito pequeno, <strong>de</strong>vido ao tamanho da sala.<br />

Ao propor os temas para <strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto, estes quase sempre<br />

relacio<strong>na</strong>dos com animais ou flores, procurava explicá-los ao máximo, ora fazendo associações com o<br />

comportamento <strong>de</strong> pessoas, ora estabelecendo relações com supostas experiências vivenciadas pelos<br />

alunos. Normalmente tais relações possuíam um fundo moral, seja no que diz respeito aos sentimentos<br />

, amor, amiza<strong>de</strong>; aos comportamentos relacio<strong>na</strong>dos à educação, discipli<strong>na</strong>, liberda<strong>de</strong> ou a outros<br />

valores, como verda<strong>de</strong>, honestida<strong>de</strong>, respeito, racismo, responsabilida<strong>de</strong>, etc.<br />

Em suas recomendações aos alunos quanto à feitura do texto, havia uma<br />

palavra-chave - carinho.<br />

“ Basta fazer com um pouco <strong>de</strong> carinho. O carinho é essencial<br />

em tudo que a gente faz. Se a gente não usar amor e carinho no<br />

que a gente faz, não fica bonito, não”.<br />

Em algumas <strong>de</strong> nossas conversas, comentando sobre a sua relação com<br />

leitura e escrita <strong>na</strong> época <strong>de</strong> colégio, H. disse:<br />

“(...)eu adoro redação, agora não escrevo mais como antes, mas<br />

<strong>na</strong> minha época <strong>de</strong> colégio era ótima em redação, tirava as<br />

melhores notas, cheguei a ganhar alguns prêmios. Eu fazia as<br />

minhas redações com uma facilida<strong>de</strong>, escrevia bem. As<br />

professoras que tive <strong>de</strong> Português gostavam do que eu escrevia,<br />

tinha idéias, dava asas à imagi<strong>na</strong>ção, mas, também, lia muito.<br />

Hoje é que eu não tenho mais tempo, sinto falta da leitura, ler me<br />

faz bem. Tinha o costume <strong>de</strong> ler um ou dois livros por sema<strong>na</strong>,<br />

<strong>de</strong>pendia do livro, romances <strong>de</strong> ficção eu adorava. Lendo você<br />

fica mais informada, te ajuda <strong>na</strong>s idéias, amplia o seu<br />

vocabulário. Hoje, infelizmente, não faço mais isso. Tenho que<br />

cuidar <strong>de</strong> casa, filhos, marido. Tudo isso, mais <strong>escola</strong> consomem<br />

todo o meu tempo. Agora mal, mal leio jor<strong>na</strong>l, sentar para ler um<br />

bom livro já faz um bom tempo. No colégio, além <strong>de</strong> fazer as<br />

94


5.2 - Professora da 401 - a quem doravante chamaremos K.<br />

minhas redações, fazia também redações para as minhas<br />

colegas <strong>de</strong> sala. As professoras nunca <strong>de</strong>scobriam essa nossa<br />

façanha”.<br />

K. aparenta uns trinta anos, é alegre e sempre muito bem humorada. Na<br />

<strong>escola</strong>, exercia duas funções: pela manhã, atuava como professora <strong>de</strong> redação <strong>na</strong>s turmas <strong>de</strong> quarta e<br />

terceira séries, à tar<strong>de</strong> trabalhava <strong>na</strong> secretaria como auxiliar <strong>de</strong> escrita. Há pouco tempo formara-se<br />

professora. Fez seu curso <strong>de</strong> magistério à noite, em uma <strong>escola</strong> particular <strong>de</strong> Belo Horizonte.<br />

Sendo a sua primeira experiência como professora <strong>de</strong> redação, K.<br />

consi<strong>de</strong>rava tal tarefa um <strong>de</strong>safio:<br />

“(...)quando a supervisora me disse que ia trabalhar só com<br />

redação, fiquei muito preocupada, achava que não levava jeito<br />

para isso. Escrever já é difícil, imagine ensi<strong>na</strong>r a escrever,<br />

ensi<strong>na</strong>r a produzir texto. Mas como gosto <strong>de</strong> <strong>de</strong>safio e tudo que<br />

faço quero fazer bem feito, então, eu aceitei e me <strong>de</strong>dico”.<br />

Em sala <strong>de</strong> aula, andava e falava quase o tempo todo. A sua relação<br />

com os alunos, como já apontamos no item 4, era amigável e carinhosa. Quando percebia que a turma<br />

estava um pouco agitada, conversando muito, interrompia o que estava fazendo - discutindo sobre<br />

algum assunto, ou orientando o trabalho <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto, ou aten<strong>de</strong>ndo a algum aluno<br />

individualmente - e propunha aos alunos ora exercícios <strong>de</strong> relaxamento, ora esclarecimento daquela<br />

conversa, ora aguardava em silêncio a atenção dos alunos.<br />

Ao mesmo tempo que K. usava estratégias <strong>de</strong>ssa <strong>na</strong>tureza para manter<br />

um ambiente calmo em sala <strong>de</strong> aula, esforçava-se por convencer os alunos a participarem dos <strong>de</strong>bates<br />

que antecipavam a escrita do texto, como também a produzi-lo.<br />

Muitas vezes, em nossas conversas, K. atribuía esse comportamento<br />

dos alunos à ida<strong>de</strong> <strong>de</strong>les ou ao fato <strong>de</strong> muitos serem repetentes.<br />

95


Em vista disso, e <strong>na</strong> tentativa <strong>de</strong> incentivá-los a produzir os <strong>textos</strong> <strong>na</strong><br />

<strong>escola</strong>, K. acreditava que as suas aulas <strong>de</strong>veriam ser dinâmicas e propor assuntos ou temas <strong>de</strong><br />

interesse dos alunos:<br />

5.3 - Professor da 606 - a quem doravante chamaremos D.<br />

“Se a gente não for dinâmica, os alunos po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>sanimar e até<br />

dormir <strong>na</strong>s aulas <strong>de</strong> redação, acho que em qualquer aula. Ainda<br />

mais que eu tenho vários alunos que são repetentes. Já<br />

incentivando eles não gostam <strong>de</strong> redação, imagine se eu não<br />

colocasse a turma para participar, falar, dar opinião, ia ser uma<br />

aula chata. Com isso, a gente tem que preparar as aulas,<br />

escolher ativida<strong>de</strong>s interessantes para <strong>de</strong>spertar nos alunos o<br />

interesse <strong>de</strong> escrever”.<br />

D. é calmo, introvertido, atencioso e gentil, completou 58 anos <strong>na</strong> época<br />

em que a pesquisa foi realizada. Há oito anos que se formou professor <strong>de</strong> Português pela UCMG e dá<br />

aula <strong>na</strong> <strong>escola</strong>. As suas condições <strong>de</strong> trabalho são tão precárias como as da maior parte dos<br />

professores, trabalha em outras <strong>escola</strong>s no horário da manhã.<br />

Ao falar <strong>de</strong> sua experiência como aluno da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras,<br />

percebe-se em D. um ar <strong>de</strong> satisfação e orgulho. Segundo suas palavras, aqueles tempos foram <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>dicação e esforço, pois reservava as madrugadas para estudar, resolver as ativida<strong>de</strong>s <strong>escola</strong>res, uma<br />

vez que durante o dia trabalhava como contador no escritório da antiga Companhia <strong>de</strong> Força e Luz<br />

(atual CEMIG). Depois que se aposentou, passou a lecio<strong>na</strong>r Português:<br />

“Este era o meu sonho, tor<strong>na</strong>r-me professor <strong>de</strong> Português, dar<br />

aula para adolescentes, ensi<strong>na</strong>r a língua mater<strong>na</strong>”.<br />

Nas aulas <strong>de</strong> redação, D. geralmente propunha um tema, anotando-o no<br />

quadro, ou solicitava dos alunos a <strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto a partir da leitura <strong>de</strong> outro, geralmente feita em<br />

aulas anteriores. Os comentários que antecipavam a escrita eram rápidos e, muitos vezes, sem uma<br />

certa organicida<strong>de</strong>, falava passando <strong>de</strong> um assunto para outro. Ao mesmo tempo em que procurava<br />

96


esclarecer questões relativas ao tema, mencio<strong>na</strong>va, <strong>de</strong> modo vago, aspectos formais (lingüísticos) e<br />

estruturais do suposto texto que seria produzido:<br />

“Atenção à ortografia, pontuação, cuidado com o uso dos<br />

pronomes. Todo texto tem introdução, <strong>de</strong>senvolvimento e<br />

conclusão”.<br />

A impressão que se tinha, durante as aulas observadas, era a <strong>de</strong> que D.<br />

já havia discutido as funções que essas partes - introdução, <strong>de</strong>senvolvimento e conclusão -<br />

<strong>de</strong>sempenham <strong>na</strong> constituição do texto, daí referir-se a elas <strong>de</strong> modo tão amplo. Entretanto, algumas<br />

falas do tipo: professor, precisa <strong>de</strong>stas três partes? e se eu não quiser colocar, o que vai acontecer?<br />

sugeriam que tal questão, provavelmente, não estava ainda muito clara para alguns alunos.<br />

Após os comentários rotineiros sobre a <strong>produção</strong> do texto, D. ora andava<br />

pela sala <strong>de</strong> um lado para o outro, observando a escrita dos alunos; ora se sentava à sua mesa,<br />

aguardando o término da aula.<br />

Em algumas <strong>de</strong> nossas conversas, D. <strong>de</strong>ixava entrever a imagem que<br />

tinha do seu papel como professor em relação ao aluno e ao papel <strong>de</strong>ste em relação às suas aulas:<br />

5.4 - Professora da 801 - a quem doravante chamaremos I.<br />

“Às vezes, o aluno não tem incentivo. De on<strong>de</strong> parte esse<br />

incentivo ? De mim, professor. Cabe a mim dar a eles uma certa<br />

responsabilida<strong>de</strong>, uma certa obrigação para eles fazerem. O<br />

aluno tem um ponto objetivo, ele procura <strong>de</strong>senvolver tendo<br />

sempre um objetivo. Esse objetivo, essa tábua <strong>de</strong> salvação é o<br />

professor. É ele que <strong>de</strong>ve estar atento a qualquer movimento<br />

para não <strong>de</strong>ixar que o aluno <strong>de</strong>svirtue a sua atenção daquilo que<br />

está se propondo fazer, que é a redação, que é o minitexto”.<br />

I. aparenta uns quarenta anos, é séria, calma. Atua como professora <strong>de</strong><br />

Português há 20 anos, no 1º e 2º Graus, <strong>na</strong> <strong>escola</strong> pública da Re<strong>de</strong> Estadual, em dois turnos.<br />

97


A maior parte <strong>de</strong> sua formação acadêmica fez-se em instituições<br />

católicas, em sistema <strong>de</strong> inter<strong>na</strong>to, no interior <strong>de</strong> Mi<strong>na</strong>s Gerais. Segundo I., somente foi conhecer uma<br />

<strong>escola</strong> mais livre quando cursou a Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras em Divinópolis.<br />

É consi<strong>de</strong>rada pelos colegas e alunos como uma das melhores<br />

professoras <strong>de</strong> Português do colégio. Por isso, segundo a supervisora, sempre lhe ficavam reservadas<br />

as turmas <strong>de</strong> oitava série e as do 2º Grau. Normalmente, no horário do recreio, o professor D. solicitava<br />

<strong>de</strong> I. algumas sugestões e/ou explicações relativas à gramática, as quais eram dadas <strong>de</strong> imediato e com<br />

uma certa segurança. Durante a realização da pesquisa, nunca percebemos, porém, uma atitu<strong>de</strong> que<br />

revelasse vaida<strong>de</strong> em função <strong>de</strong>ssa imagem relacio<strong>na</strong>da com a sua competência. Apesar <strong>de</strong>ssa<br />

distinção entre os colegas, notávamos em suas atitu<strong>de</strong>s traços <strong>de</strong> simplicida<strong>de</strong> e humilda<strong>de</strong>.<br />

Em sala <strong>de</strong> aula, I. estabelecia uma relação <strong>de</strong> distância com os alunos.<br />

As conversas com eles eram raras, quando ocorriam, <strong>de</strong>ixava emergir um tom <strong>de</strong> formalida<strong>de</strong>. Poucas<br />

vezes sorria.<br />

Os temas propostos para a <strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto eram escritos no quadro<br />

por I., sem nenhum ou quase nenhum comentário. Os que fazia, em geral, referiam-se, basicamente, a<br />

idéias amplas sobre o tema ou título e às recomendações sobre aspectos relacio<strong>na</strong>dos à ortografia,<br />

sintaxe e à estética do texto.<br />

No <strong>de</strong>senrolar das aulas, I. andava <strong>de</strong> um lado para o outro, lentamente,<br />

com as mãos cruzadas para trás. Às vezes, parava ao lado <strong>de</strong> um aluno, lia o seu texto, apontava-lhe<br />

algo que parecia relacio<strong>na</strong>r-se com ortografia, sem nenhum comentário retomava o seu passeio entre<br />

as fileiras das carteiras. Muitas vezes saía da sala para fumar, mas o silêncio continuava presente. I.<br />

sempre dizia que não abria mão da discipli<strong>na</strong>, pois, para <strong>de</strong>senvolver qualquer trabalho, eram<br />

imprescindíveis a organização, a educação por parte dos alunos:<br />

“No início, eu não era professora <strong>de</strong>les. Eles eram rebel<strong>de</strong>s, não<br />

gostavam <strong>de</strong> escrever. No primeiro bimestre era pior, <strong>de</strong>itavam<br />

<strong>na</strong> carteira e não faziam mesmo, dormiam o tempo todo,<br />

reclamavam. Agora estão bem melhores, são educados, estão<br />

escrevendo”.<br />

Em algumas <strong>de</strong> nossas conversas, I. relatou a sua experiência com a<br />

redação quando alu<strong>na</strong> no colégio :<br />

98


“Eu não gosto <strong>de</strong> redação, mas procuro fazer um trabalho bem<br />

feito, mas eu não gosto. Gosto <strong>de</strong> gramática, gramática é igual à<br />

matemática: é ou não é. Em redação isso não acontece. Acho<br />

que o fato <strong>de</strong> eu não gostar, acho que é <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a minha primeira<br />

série do primário, estu<strong>de</strong>i em colégio <strong>de</strong> freiras e elas eram<br />

terríveis. Quando eu fiz o curso fundamental (5ª à 8ª série),<br />

também, em colégio Salesiano eu tive uma professora que<br />

adorava dar redação. As minhas redações não eram lá muito<br />

boas. Até que eu me esforçava, mas escrever as redações que<br />

ela pedia eram muito para mim.(...) E, no entanto, procuro não<br />

passar isso para os meus alunos. Procuro, ao máximo, <strong>de</strong>ixar<br />

que eles escrevam livremente, procuro não intervir, falo pouco,<br />

não quero cortar as idéias <strong>de</strong>les. Eles não têm culpa do meu<br />

problema com redação”.<br />

***<br />

Feita essa caracterização geral dos sujeitos envolvidos <strong>na</strong> pesquisa,<br />

procuraremos, no capítulo que se segue, <strong>de</strong>screver <strong>de</strong> modo sistemático as práticas <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong><br />

<strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto em que se inscreve a escrita dos tipos <strong>de</strong> texto em sala <strong>de</strong> aula, com o fim <strong>de</strong><br />

apontar o produto - os tipos <strong>de</strong> texto - que <strong>de</strong>las resulta. Para tanto, tomaremos como objeto <strong>de</strong> análise<br />

duas questões, em sua relação, a saber: uma refere-se às condições discursivas que cercam a<br />

<strong>produção</strong> dos <strong>textos</strong> - a interlocução entre professor e aluno, bem como os temas, o objeto <strong>de</strong><br />

interação, estabelecidos pelos professores, enquanto propostas para o trabalho <strong>de</strong> escrita <strong>de</strong> texto em<br />

sala <strong>de</strong> aula; a outra refere-se aos discursos do professores sobre sua práticas, sobre os tipos <strong>textuais</strong><br />

como conteúdo <strong>escola</strong>r; pronunciados em situação <strong>de</strong> entrevista.<br />

Antes, porém, <strong>de</strong> passar à <strong>de</strong>scrição das práticas pedagógicas,<br />

esclarecemos, ainda, e por fim, que, para o cumprimento das observações das aulas <strong>de</strong> redação <strong>na</strong>s<br />

99


turmas <strong>de</strong> 6ª e 8ª séries, foi preciso confirmar, anteriormente, com os professores o dia e horário <strong>de</strong><br />

nossa presença <strong>na</strong> <strong>escola</strong>, uma vez que não havia um dia nem horário <strong>de</strong>finidos pela <strong>escola</strong> e/ou<br />

professores para a aula <strong>de</strong> redação. Em vista disto, a impressão que tivemos foi a <strong>de</strong> que não havia<br />

uma sistematização do ensino <strong>de</strong> redação nessas séries, isto é, ora as redações aconteciam, ora não.<br />

Ambos os professores <strong>de</strong>ixaram bem claro que, muitas vezes, acabavam se esquecendo da redação<br />

em função <strong>de</strong> outros conteúdos <strong>de</strong> ensino consi<strong>de</strong>rados mais urgentes; isto se evi<strong>de</strong>ncia <strong>na</strong> fala <strong>de</strong> I.:<br />

“Agora, com a presença da pesquisadora, será até bom que fique<br />

uma coisa certa. Sugiro que seja às quintas-feiras, em minha<br />

turma, pois <strong>na</strong>s sextas-feiras, geralmente, dou avaliação”.<br />

Quanto às outras séries, 2ª e 4ª, isto, entretanto, não ocorreu, uma vez<br />

que o dia e horário já estavam previstos pelo calendário <strong>escola</strong>r. Passemos, então, à caracterização do<br />

quadro das condições <strong>de</strong> escrita em que se inscrevem os tipos <strong>de</strong> texto produzidos pelos alunos em<br />

situação <strong>de</strong> sala <strong>de</strong> aula.<br />

100


1 - Introdução<br />

Capítulo 6<br />

As condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong> dos tipos<br />

<strong>de</strong> texto <strong>na</strong> <strong>escola</strong><br />

Tentar compreen<strong>de</strong>r a intricada trama que ocorre no cotidiano <strong>de</strong> uma<br />

realida<strong>de</strong> <strong>escola</strong>r, constituído por práticas <strong>de</strong> sujeitos - professores e alunos, no processo <strong>de</strong> suas<br />

relações interlocutivas, para apreen<strong>de</strong>r os fios que perpassam e constroem os tipos <strong>de</strong> texto, ao longo<br />

do curso <strong>de</strong> <strong>escola</strong>rizaçào do 1º Grau, com certeza, não é uma tarefa <strong>de</strong> fácil êxito, visto que, <strong>na</strong> busca<br />

<strong>de</strong>ssa compreensão não se po<strong>de</strong> pensar esse cotidiano com algo indiferente, neutro, <strong>de</strong>sprovido <strong>de</strong><br />

injunções i<strong>de</strong>ológicas, ou, então, como uma instância em que todas as práticas que nele se constituem<br />

estivessem sujeitas às mesmas condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong> e se traduzissem em realida<strong>de</strong>s constantes,<br />

uniformes e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes das condições objetivas em que acontecem.<br />

Embora se parta <strong>de</strong>sse pressuposto, embora as práticas <strong>escola</strong>res<br />

observadas assumam contornos distintos e peculiares, como veremos adiante, pelo fato <strong>de</strong> se<br />

constituírem por sujeitos diferentes, por séries <strong>escola</strong>res diferentes e, conseqüentemente, por relações<br />

interlocutivas singulares, tais práticas, entretanto, apresentam entre si pontos <strong>de</strong> semelhança, no que<br />

respeita a duas questões: uma refere-se a ausência <strong>de</strong> uma tipologia do texto e/ou do discurso,<br />

enquanto referência metodológica para o ensino, <strong>na</strong> modalida<strong>de</strong> escrita, dos tipos <strong>de</strong> <strong>textos</strong> presentes<br />

nos gêneros discursivos que circulam <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>, isto é, enquanto condição necessária para a<br />

<strong>produção</strong> e análise <strong>de</strong> texto <strong>na</strong> <strong>escola</strong>; a outra refere-se à organização metodológica que essas<br />

mesmas práticas se impõem.<br />

Se, por um lado, não há uma tipologia que assuma um papel <strong>de</strong> princípio<br />

organizador para a <strong>produção</strong> dos tipos <strong>de</strong> texto, <strong>na</strong> modalida<strong>de</strong> escrita, <strong>na</strong> prática <strong>de</strong> redação <strong>na</strong> <strong>escola</strong>,<br />

permitindo uma sistematização dos tipos <strong>de</strong> texto, quanto às sua características, proprieda<strong>de</strong>s e<br />

funções específicas, por outro, há elementos que se atualizam no processo interlocutivo da sala <strong>de</strong> aula<br />

101


que fazem com que tais práticas se <strong>de</strong>fi<strong>na</strong>m por certas características e não por outras. Tais<br />

características formam o conjunto <strong>de</strong> condições que cercam a <strong>produção</strong> dos tipos <strong>textuais</strong> no universo<br />

<strong>de</strong> cada série <strong>escola</strong>r observada.<br />

A sala <strong>de</strong> aula, nessa perspectiva, como afirmamos no Capítulo 2,<br />

configura-se como espaço <strong>de</strong> acontecimento da linguagem, acontecimento discursivo, em que se<br />

instauram relações interlocutivas diversas, pelas quais a linguagem se constitui, como ativida<strong>de</strong> em que<br />

constroem significações, como ação que transforma e constitui os sujeitos nela envolvidos.<br />

No jogo da constituição da linguagem, em que os discursos se<br />

materializam lingüisticamente por meio <strong>de</strong> <strong>textos</strong>, entram processos históricos e sociais. Os sujeitos,<br />

locutor - alocutário, a situação imediata, o contexto mais amplo (sociohistórico) são constituidores <strong>de</strong><br />

significação do que está sendo dito, pois, “quando se diz algo,alguém o diz <strong>de</strong> algum lugar da socieda<strong>de</strong><br />

e isso faz parte da significação do discurso”.(ORLANDI,1987:26)<br />

Assim, a significação das palavras que compõem um dado discurso não<br />

existe por si só. É <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>da pelas posições que os sujeitos ocupam <strong>na</strong> singularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada<br />

acontecimento discursivo, numa dada situação <strong>de</strong> enunciação concreta.<br />

Se é em função da posição do sujeito - do lugar <strong>de</strong> que fala - que a<br />

palavra encar<strong>na</strong> o seu sentido, esta, <strong>de</strong> fato, apresenta-se como uma are<strong>na</strong>(BAKHTIN,1990:46), <strong>na</strong><br />

qual se entrecruzam e se confrontam valores sociais diversos. Isso significa que a construção dos<br />

sentidos, nos processos interlocutivos, é não só permeada, como também reflete o social, o histórico e<br />

o i<strong>de</strong>ológico da posição que esses sujeitos ocupam no mundo. Daí a pertinência do uso da metáfora<br />

are<strong>na</strong>: um espaço em que diferentes formações sociais, <strong>de</strong>ntro dos diferentes sistemas <strong>de</strong> referência,<br />

cruzam-se, digladiam-se <strong>na</strong> e pela <strong>produção</strong> do sentido, do discurso.<br />

Nessa acepção, o trabalho lingüístico di<strong>na</strong>mizado pelo sujeito, <strong>na</strong><br />

seleção <strong>de</strong> recursos expressivos (lingüísticos e/ou discursivos) para produzir o efeito <strong>de</strong> sentido<br />

<strong>de</strong>sejado, <strong>na</strong> verda<strong>de</strong>, está submetido a certos valores sociais que <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>m o seu dizer. Ou seja, <strong>na</strong><br />

constituição do discurso, há regras estabelecidas pelas formações i<strong>de</strong>ológicas, que <strong>de</strong>finem não só o<br />

lugar do sujeito, no processo interacio<strong>na</strong>l, mas também a significação do seu discurso.<br />

Segundo PÊCHEUX(1990), o sentido <strong>de</strong> uma palavra, expressão,<br />

proposição não existe em si mesmo (isto é, em sua relação transparente com a literalida<strong>de</strong> do<br />

significante), mas é <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do pelas posições i<strong>de</strong>ológicas colocadas em jogo no processo<br />

sociohistórico em que as palavras, proposições são produzidas (isto é, reproduzidas). Estas mudam <strong>de</strong><br />

sentido segundo as posições sustentadas por aqueles que as empregam, o que significa que elas<br />

102


tomam o seu sentido em referência às formações i<strong>de</strong>ológicas <strong>na</strong>s quais se inscrevem. Daí <strong>de</strong>rivam-se<br />

as formações discursivas como um conjunto <strong>de</strong> práticas que regulam o que po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve ser dito em<br />

uma dada situação discursiva, inscrita em uma conjuntura histórica <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>da. Dessa maneira, a<br />

seleção que o sujeito faz entre o que diz e o que não diz é significativa <strong>na</strong> construção do seu discurso.<br />

Concebe-se, também, que o dizer não é ape<strong>na</strong>s do domínio do locutor;<br />

além <strong>de</strong> relacio<strong>na</strong>r-se com as condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong> em que se produz, relacio<strong>na</strong>-se com os outros<br />

dizeres, com os outros discursos. O discurso enunciado pelo sujeito é único <strong>na</strong> instância da enunciação,<br />

<strong>na</strong> singularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu acontecimento discursivo, mas ele está em relação com outros discursos.<br />

Assim, o sujeito não é origem <strong>de</strong> sentido ou fonte absoluta do seu discurso; nele há outros que se<br />

dizem, “ele está repleto dos ecos e lembranças <strong>de</strong> outros enunciados, aos quais está vinculado no<br />

interior <strong>de</strong> uma esfera comum da comunicação verbal.”(BAKHTIN,1992:316)<br />

Para encerrar esta introdução, em que levamos em conta os processos<br />

interlocutivos estabelecidos em sala <strong>de</strong> aula para enten<strong>de</strong>r o que faz com que as práticas <strong>de</strong> redação<br />

assumam certas características e não outras, em relação aos tipos <strong>de</strong> <strong>textos</strong> que nelas se produzem,<br />

há que consi<strong>de</strong>rar, conseqüentemente, que temos sujeitos, cujas vozes são mediatizadas por discursos<br />

que refletem um percurso social e historicamente constituído <strong>na</strong>s e pelas relações enunciativas por eles<br />

construídas. Essas relações acabam por <strong>de</strong>finir o fazer e o dizer <strong>de</strong>sses sujeitos. Assim, <strong>na</strong> tentativa <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>lie<strong>na</strong>r o fazer e o dizer dos sujeitos <strong>na</strong> sala <strong>de</strong> aula, isolamos alguns recortes discursivos no interior<br />

das práticas <strong>de</strong> redação observadas, os quais representam e refletem os ecos dos discursos produzidos<br />

<strong>na</strong>s aulas <strong>de</strong> redação <strong>de</strong>senvolvidas ao longo da nossa estada no campo pesquisado.<br />

2 - A interlocução <strong>na</strong> sala <strong>de</strong> aula<br />

Como dissemos anteriormente, apesar <strong>de</strong> não consi<strong>de</strong>ramos, aqui, que<br />

as práticas <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto se traduzam em realida<strong>de</strong>s homogêneas, visto que cada<br />

uma <strong>de</strong>las encar<strong>na</strong> nuances distintas, <strong>na</strong> singularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu acontecimento discursivo, em função dos<br />

próprios sujeitos que as constituem e nelas se constituem, como professor e aluno, as observações que<br />

<strong>de</strong>las foram feitas nos permitiram perceber que havia, entre o fazer e o dizer dos professores, relações<br />

<strong>de</strong> semelhança, no que respeita à exclusão <strong>de</strong> uma tipologia <strong>de</strong> texto e/ou <strong>de</strong> discurso qualquer, como<br />

proposta pedagógica, e no que respeita à organização metodológica por elas adotada. Essa<br />

103


organização se configura como um ritual pedagógico composto, basicamente, por três instâncias<br />

discursivas que caracterizam a situação <strong>de</strong> interloculação em sala <strong>de</strong> aula e, portanto, as condições <strong>de</strong><br />

<strong>produção</strong> <strong>de</strong> escrita dos tipos <strong>de</strong> texto no contexto <strong>escola</strong>r.<br />

Em função do papel que cada uma <strong>de</strong>ssas instâncias discursivas<br />

<strong>de</strong>sempenha no interior da organização da práticas <strong>de</strong> redação <strong>na</strong> <strong>escola</strong>, atribuímos-lhes o nome <strong>de</strong><br />

abertura das aulas, motivação e orientação do trabalho <strong>de</strong> escrita do texto e, por fim, a redação do<br />

texto.<br />

Com o objetivo <strong>de</strong> caracterizá-las, seguiremos o curso que elas<br />

apresentam no <strong>de</strong>senrolar das práticas <strong>de</strong> ensino, buscando, para tanto, estabelecer entre elas e entre<br />

as turmas/séries uma relação que permita <strong>de</strong>linear o quadro <strong>de</strong> condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong> em que se<br />

inscrevem os tipos <strong>de</strong> texto <strong>na</strong> <strong>escola</strong>.<br />

Para fazê-lo, recorreremos, como objeto <strong>de</strong> análise, a recortes <strong>de</strong><br />

discursos <strong>de</strong> professores e alunos, <strong>na</strong> tentativa <strong>de</strong> retratar, <strong>na</strong> dimensão das aulas <strong>de</strong> redação, a<br />

configuração da situação interlocutiva que se instaura entre o aluno, o professor e o objeto <strong>de</strong><br />

aprendizagem, a escrita <strong>de</strong> texto.<br />

A escolha dos recortes discursivos se <strong>de</strong>u <strong>de</strong> modo aleatório, uma vez<br />

que estes refletem o conjunto <strong>de</strong> discursos típicos pronunciados <strong>na</strong>s aulas <strong>de</strong> redação das<br />

turmas/séries observadas, ou seja, representam ecos dos discursos que compõem o campo discursivo<br />

<strong>escola</strong>r. Como veremos mais adiante, tais recortes po<strong>de</strong>rão variar quanto à sua extensão, isto é,<br />

lançamos mão tanto <strong>de</strong> pequenos como <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s fragmentos. Em se tratando <strong>de</strong>stes últimos, a<br />

utilização <strong>de</strong> tal procedimento se <strong>de</strong>u porque buscamos apresentar todo o <strong>de</strong>senvolvimento discursivo<br />

que figura e caracteriza a especificida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma dada instância, por exemplo, a motivação e orientação<br />

do trabalho <strong>de</strong> escrita do texto.<br />

Convém esclarecer que a forma que se buscou para caracterizar a última<br />

instância, a redação do texto - momento em que o professor autoriza o aluno a escrever - assume<br />

contornos diferentes <strong>na</strong> sua apresentação em relação à das outras duas instâncias, abertura das aulas<br />

e motivação e orientação da escrita do texto. Quanto a estas, procuramos <strong>de</strong>screvê-las,<br />

separadamente, reunindo recortes discursivos que as caracterizam <strong>na</strong> sua especificida<strong>de</strong>; quanto<br />

àquela, buscamos explicitá-la no transcorrer da própria análise que impusemos aos dados referentes à<br />

segunda instância - motivação e orientação da escrita do texto. O uso <strong>de</strong>sse procedimento se explica<br />

pelo fato <strong>de</strong> que o que nos interessa não é o momento em si da escrita do texto, o ato em si <strong>de</strong> redigir,<br />

mas os fatores que contribuem para a <strong>produção</strong> do produto que resulta da prática como um todo. Entre<br />

104


esses fatores estão aqueles que, <strong>de</strong> uma maneira ou <strong>de</strong> outra, relacio<strong>na</strong>m-se com motivação e<br />

orientação do trabalho <strong>de</strong> escrita proposto pelo professor.<br />

Antes, porém, <strong>de</strong> avançarmos <strong>na</strong> exposição <strong>de</strong>ssas instâncias<br />

discursivas que figuram <strong>na</strong> organização das aulas <strong>de</strong> redação, convém esclarecer que no transcorrer da<br />

análise, procuraremos matizá-la com outros recortes discursivos produzidos pelos professores em<br />

situação <strong>de</strong> entrevista.<br />

2.1 - Abertura das aulas <strong>de</strong> redação<br />

Segunda série<br />

Quarta série<br />

Sexta série<br />

“Hoje é dia <strong>de</strong> redação”. 46<br />

“Hoje é redação!<br />

Produção <strong>de</strong> texto, redação, composição,<br />

tudo é a mesma coisa”.(aula 1;9/9)<br />

“Ô gente, quinta-feira é o dia que a gente escolheu para<br />

conversar com o papel, não é ?” (aula 3;30/9)<br />

“Agora, nós vamos nos preparar para produzir um texto, porque<br />

é o dia <strong>de</strong> redação”.(aula 1;21/9)<br />

“Gente, atenção, hoje é o dia que reservamos para escrever.<br />

Atenção!” (aula 3;5/10)<br />

“Agora é hora <strong>de</strong> trabalhar, hoje é redação! vamos trabalhar aí<br />

(indica o livro didático) e procurar formar um minitexto ou uma<br />

redação”.(aula 2;8/10)<br />

46 Esta frase era escrita pela profeossora H. no início das aulas <strong>de</strong> redação, com letras que se assemelhavam a<br />

um estilo bordado.<br />

105


Oitava série<br />

“Sem conversa, hoje é o dia <strong>de</strong> trabalharmos com redação,<br />

precisamos <strong>de</strong> silêncio para escrever, pensar. Redação e<br />

conversa não combi<strong>na</strong>m. Vocês vão confeccio<strong>na</strong>r um minitexto”.<br />

(aula 3;21/10)<br />

“Hoje é redação. Vocês vão produzir um texto. Tirem uma folha<br />

do ca<strong>de</strong>rno, façam margem e coloquem nome, número e<br />

série”.(aula 1;10/09)<br />

“Hoje o tema da nossa redação é esse aqui” (indica o título<br />

anotado no quadro: “A <strong>escola</strong> i<strong>de</strong>al”).<br />

(aula 9;11/11)<br />

Os recortes discursivos arrolados acima representam o rito <strong>de</strong> abertura<br />

<strong>na</strong> roti<strong>na</strong> <strong>escola</strong>r das aulas <strong>de</strong> redação. Ainda que cada um <strong>de</strong>les se concretize por meio <strong>de</strong> recursos<br />

expressivos (lingüísticos e discursivos) diferentes, todos, entretanto, trazem em sua constituição,<br />

marcas lingüísticas que balizam a ação que se <strong>de</strong>ve fazer numa dada aula, num dado dia. Todos eles,<br />

explicitamente, estabelecem e situam a ativida<strong>de</strong> que se <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>senvolver e quem <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>senvolvê-la<br />

num dado dia da vida <strong>escola</strong>r.<br />

Apesar <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>les representar acontecimentos discursivos<br />

singulares, por ocorrer em situações dispersas no tempo e no espaço (turnos, séries , sujeitos distintos),<br />

no interior da instituição <strong>escola</strong>r, todos expressam uma coexistência <strong>de</strong> enunciados - ecos - que<br />

parecem procurar instaurar e/ou institucio<strong>na</strong>lizar o espaço que a aula <strong>de</strong> redação (e a ação que se faz<br />

nela) <strong>de</strong>ve figurar no bojo <strong>de</strong> outras aulas que se praticam <strong>na</strong> <strong>escola</strong>. Isto, como se po<strong>de</strong> ver,evi<strong>de</strong>nciase<br />

pelo modo como a redação e o seu dia são anunciados e enunciados pelos professores. Modo que,<br />

igualmente, não só sugere um convite aos alunos para participarem da aula, uma chamada da ação que<br />

se pratica nesse dia, como também <strong>de</strong>ixa entrever que o trabalho <strong>de</strong> escrita <strong>de</strong> texto, enquanto ação e<br />

conteúdo comuns à vida <strong>escola</strong>r, era algo que parecia não acontecer com uma certa sistematicida<strong>de</strong> no<br />

universo da <strong>escola</strong>. Daí,talvez, a ênfase <strong>na</strong>s expressões: “hoje é dia <strong>de</strong> redação”; “porque hoje é<br />

redação”; “hoje é o dia que reservamos para escrever”; “Agora é hora <strong>de</strong> trabalhar, hoje é redação”.<br />

106


Nota-se que, em cada um <strong>de</strong>sses recortes discursivos, a significação<br />

que se dá à ação <strong>de</strong> escrever e ao texto ganha valores que se dimensio<strong>na</strong>m diferentemente em relação<br />

ao modo como cada professor os enuncia: “vamos conversar um pouquinho com o papel”; ”vamos nos<br />

preparar para produzir um texto”; “vocês vão confeccio<strong>na</strong>r um minitexto”; “vocês vão produzir um texto”.<br />

São estratégias discursivas que, além <strong>de</strong> provocar efeitos <strong>de</strong> sentido diversos, <strong>na</strong> relação interlocutiva<br />

<strong>de</strong> sala <strong>de</strong> aula, acabam, conseqüentemente, por constituir, no interior <strong>de</strong> um mesmo campo <strong>escola</strong>r,<br />

uma multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> significacões que po<strong>de</strong>m contribuir para a construção <strong>de</strong> imagens diversas e<br />

adversas sobre o texto, a sua função e uso <strong>na</strong> <strong>escola</strong>, por parte dos alunos.<br />

Por fim, a escolha <strong>de</strong>sse modo <strong>de</strong> dizer, <strong>de</strong> anunciar e enunciar a<br />

redação e o dia que se <strong>de</strong>dica a ela <strong>na</strong> <strong>escola</strong> não só caracteriza o lugar <strong>de</strong> quem fala, o lugar que o<br />

professor ocupa <strong>na</strong> situação <strong>de</strong> interlocução <strong>de</strong> sala <strong>de</strong> aula (além do institucio<strong>na</strong>l), como também a<br />

formação discursiva em que se inscreve e que o autoriza a dizer o que diz aos alunos que se encontram<br />

no outro pólo da interlocução. Assim, instituídos, pela fala dos professores, as aulas <strong>de</strong> redação e o seu<br />

espaço no contexto da <strong>escola</strong>, propõe-se, introduz-se e orienta-se o que se vai escrever.<br />

2.2 - Motivação e orientação do trabalho <strong>de</strong> escrita <strong>de</strong> texto<br />

Tanto a motivação como a orientação representam ações pedagógicas<br />

agenciadas pelos professores com o propósito <strong>de</strong> preparar o terreno para a <strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto, por<br />

parte do aluno. Isto é, são ações que antece<strong>de</strong>m a escrita do texto do aluno. A motivação consistia <strong>na</strong><br />

ação que pretensamente voltava-se para o envolvimento do aluno com o assunto ou tema sugerido pelo<br />

professor. Assunto ou tema que se prestava a duas funções no conjunto das condições que cercavam a<br />

<strong>produção</strong> textual: uma, <strong>de</strong> ser o objeto <strong>de</strong> interação <strong>na</strong> interlocução entre professor e aluno; outra, <strong>de</strong><br />

ser o suposto objeto do dizer do discurso do aluno, que ainda estaria por ser produzido. Nesse<br />

momento, a intenção dos professores era a <strong>de</strong> <strong>de</strong>spertar o interesse do aluno para um dado conteúdo<br />

(assunto) que o levaria a escrever.<br />

A exploração <strong>de</strong>sse assunto ou tema ora se dava por intermédio da<br />

leitura <strong>de</strong> um texto-base (do livro didático ou texto suplementar mimeografado), ora mediante <strong>de</strong><br />

ilustrações <strong>de</strong> ce<strong>na</strong>s seriadas em folha mimeografada, ora por meio <strong>de</strong> um título anotado no quadro, ora<br />

e, por fim, pela fala do professor.<br />

107


Já a orientação se caracterizava por ações relativas à instrução e<br />

recomendações sobre aspectos (formais e/ou estruturais ) da escrita do texto. Geralmente, era feita<br />

oralmente pelo professor.<br />

Apesar <strong>de</strong> cada uma <strong>de</strong>ssas ações <strong>de</strong>sempenhar funções distintas no<br />

processo interlocutivo <strong>na</strong> sala <strong>de</strong> aula, muitas vezes, ambas ações se entrecruzavam, agindo e<br />

interagindo ao mesmo tempo: motivação se misturava a orientação, atuando assim num mesmo tempo,<br />

em que se instaurava uma relação difusa.<br />

Passemos, então, à exposição <strong>de</strong>ssa instância discursiva.<br />

Segunda Série<br />

(aula 2; 23/9)<br />

H.: Hoje vamos fazer um trabalhinho, uma <strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto,<br />

redação, composição. Tudo é a mesma coisa, não é? E vamos<br />

aproveitar que estamos <strong>na</strong> primavera, que nós tivemos o dia da<br />

árvore, dia 21, não é mesmo? Então, vamos trabalhar com uma<br />

coisa bem...<br />

Al.: Primaveril.<br />

H.: Bem próxima da <strong>na</strong>tureza, né? Com os animaizinhos, com os<br />

pássaros, com alguma coisa <strong>de</strong>sse...<strong>de</strong>sse...<br />

Al.: Desse tipo.<br />

H.: Desse tipo, muito bem , Jackson! Ajudou direitinho, Jackson!<br />

Muito bem! Gostei! Então, nessa sema<strong>na</strong>, vocês já tiveram um<br />

trabalhinho sobre a árvore, vocês coloriram, leram aquela poesia<br />

bonita sobre o valor da árvore, sobre a primavera.<br />

(À medida que H. falava, ia distribuindo aos alunos uma folha com uma<br />

ilustração mimeografada, cujas ce<strong>na</strong>s, seriadas, eram <strong>de</strong> um pássaro e seu filhote em uma árvore. Tal<br />

ilustração sugeria uma ação do pássaro ensi<strong>na</strong>ndo o seu filhote a voar. Este, em um dos seus vôos, ao<br />

retor<strong>na</strong>r à árvore, bate contra ela e quebra uma <strong>de</strong> suas asas, e uma tipóia é colocada nele.)<br />

Al.: Professora, po<strong>de</strong> colorir?<br />

108


H.: No fi<strong>na</strong>l da <strong>produção</strong> do texto, você po<strong>de</strong> colorir. Agora, não!<br />

Po<strong>de</strong> guardar o lápis. Você vai produzir alguma coisa pra mim,<br />

<strong>de</strong>pois vocês po<strong>de</strong>m colorir. Então, hoje, vamos trabalhar com<br />

uma historinha muito bonita que aconteceu, como se diz, <strong>na</strong><br />

<strong>na</strong>tureza, com os pássaros. Então, vocês vão aproveitar toda<br />

essa riqueza, toda essa maravilha que é a <strong>na</strong>tureza para<br />

escrever essa redação. Vocês vão caprichar <strong>na</strong> letra, não é?<br />

para que fique um trabalho bem feito. Não vão esquecer o nome.<br />

A primeira coisa que eu quero, para <strong>de</strong>pois não ficar aí: <strong>de</strong> quem<br />

será? <strong>de</strong> quem será, né? Vamos conversar alguma coisa a<br />

respeito, né, <strong>de</strong>sse trabalhinho. Agora, gente, nós vamos<br />

observar bem o que está acontecendo. Alguém já teve essa<br />

experiência, já presenciou o carinho, o amor que a mamãe<br />

pássaro tem pelos seus filhotes?<br />

AL.: Eu já, lá em casa tem um casal <strong>de</strong> pássaros. Eles vivem<br />

juntinhos.<br />

H.: Muito bem, Denise, os pássaros são animaizinhos muito<br />

carinhosos. Quem mais tem pássaros em casa e já observou<br />

como eles vivem?<br />

AL.: Pássaro foi feito para voar, professora, é covardia pren<strong>de</strong>r <strong>na</strong><br />

gaiola.<br />

H.: É também acho que os pássaros vivem mais felizes livres <strong>na</strong>s<br />

florestas, mas algumas pessoas sabem cuidar direitinho <strong>de</strong>les <strong>na</strong><br />

gaiola. Você, Deivson, já cuidou <strong>de</strong> algum filhotinho?<br />

AL.: Eu não, mas meu primo tem criação <strong>de</strong> canário e quando eles<br />

chocam, dá uma porção <strong>de</strong> filhote, tudo sem pe<strong>na</strong>.<br />

H.: Os filhotes quando <strong>na</strong>scem não são bonitos, mas em pouco dias,<br />

aparecem as pe<strong>na</strong>s e eles ficam uma gracinha, não é?<br />

( A turma em coro respon<strong>de</strong>: é.)<br />

AL.: Do<strong>na</strong> H., esse passarinho po<strong>de</strong> ser macho ou fêmea. Como é<br />

que eu vou colocar <strong>na</strong> história?<br />

109


H.: Você é quem vai escolher, você é quem vai pensar o que fica<br />

melhor. Po<strong>de</strong> ser macho ou fêmea. Tanto o papai pássaro como<br />

a mamãe pássaro ensi<strong>na</strong>m os filhotinhos a voar, não é, gente?<br />

(A turma em coro respon<strong>de</strong>: é)<br />

Gente, eu gostei muito das consi<strong>de</strong>rações <strong>de</strong> vocês. Vocês<br />

observaram muito bem essa historinha que acontece todos os<br />

dias (não audível).. Gente, olhando para cá (indica a folha),<br />

vamos, agora, então, trazer para aqui, para a nossa historinha<br />

essa experiência que vocês relataram.<br />

AL.: Do<strong>na</strong> H., o que é experiência?<br />

H.: Gente, eu vou explicar. Experiência é uma coisa, por exemplo,<br />

que eu já tenho, que eu aprendi e vou passar para você.<br />

Enten<strong>de</strong>u? Experiência é você conhecer alguma coisa e passar<br />

pra alguém que não sabe. É uma experiência, não é?<br />

(Vários alunos repetem a palavra experiência, uns falam que têm<br />

experiência, outros que já fizeram experiência.)<br />

H.: Gente, então, vamos começar o nosso trabalhinho. (Alguns<br />

alunos assobiam, procurando imitar o canto dos pássaros.)<br />

Natália, eu quero que você fale por que motivo ele trombou <strong>na</strong><br />

árvore.<br />

AL.: Porque ele não sabia voar, ele per<strong>de</strong>u o equilíbrio.<br />

H.: Isso, ele é um aprendiz, né, ainda. Ele ainda está apren<strong>de</strong>ndo. É<br />

uma pessoa que está apren<strong>de</strong>ndo.<br />

AL.: O que é aprendiz? Ele vai ganhar carteira <strong>de</strong> motorista?<br />

H.: É igualzinho a uma pessoa que vai ganhar uma carteira <strong>de</strong><br />

motorista. Muito bem falado. Primeiro tem que apren<strong>de</strong>r, quem<br />

não apren<strong>de</strong> tromba. Agora, <strong>de</strong>pois que apren<strong>de</strong>u, po<strong>de</strong> sair por<br />

aí com cuidado, né? Gente, observe a última ce<strong>na</strong>. Po<strong>de</strong> ter<br />

acontecido <strong>de</strong> alguém ter aparecido, algum meninozinho, aqui<br />

(indica a ce<strong>na</strong>) e ter feito isso, colocado uma tipóia no<br />

passarinho.(Alguns alunos respon<strong>de</strong>m que po<strong>de</strong>, outros dizem<br />

que não, que não dá para saber). Po<strong>de</strong>, também. Vocês vão<br />

110


otar a imagi<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> vocês para funcio<strong>na</strong>r. Vocês vão pensar<br />

se foi a mamãe ou não. Vou <strong>de</strong>ixar uma pergunta para vocês,<br />

então, o que será que aconteceu, <strong>de</strong>pois que o passarinho<br />

trombou <strong>na</strong> hora do aprendizado do voar...voar...O que será que<br />

aconteceu com ele, que ele já está <strong>de</strong> tipóia em cima da árvore?<br />

Quem será que colocou essa tipóia no braço <strong>de</strong>le?<br />

AL.: Um menininho<br />

H.: Será que foi a mamãe? Será que foi algum garotinho? Quem?<br />

Então, vocês vão fazer um fi<strong>na</strong>l <strong>de</strong> vocês. Cada um vai criar a<br />

sua história com todo silêncio e quero a história mais bonita que<br />

vocês já pu<strong>de</strong>ram fazer. Po<strong>de</strong>m começar. Quem precisar <strong>de</strong> mim<br />

é só levantar a mão que eu vou até aí. Agora eu quero silêncio<br />

para vocês trabalharem. Vocês vão observar no quadro o que eu<br />

vou escrever. Ninguém vai falar <strong>na</strong>da, vai concentrar, aí, no<br />

<strong>de</strong>senho, olhar, observar, viu? (H. escreve no quadro as<br />

seguintes orientações: 1º ): Assi<strong>na</strong>r o nome; 2º:) Escolher um<br />

título bem sugestivo para a sua história; 3º:) Comece a sua<br />

história, observando como está a <strong>na</strong>tureza; 4º ): Conte a sua<br />

história com amor e carinho.). Gente, não <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> olhar o<br />

quadro porque há mensagens importantes para vocês.( A turma<br />

está conversando, H. chama a atenção) As histórias ficam mais<br />

bonitas com silêncio. O silêncio é a coisa mais importante,<br />

quando estamos fazendo um trabalho. O silêncio é que nos<br />

ajuda a escrever coisas bonitas, belas. Com barulho a gente não<br />

racioci<strong>na</strong> bem! (Grasiela, uma alu<strong>na</strong>, conversa )<br />

H.: Grasiela, qual é o problema?<br />

AL.: Estou querendo saber o que é pra fazer com essa folha?<br />

H.: Vamos contar pra ela, gente? Vanessa, fala pra ela.<br />

AL.: Uma história, a gente vai inventar!<br />

AL.: Como assim, inventar?<br />

H.: Que história, Vanessa? A que acabamos <strong>de</strong> comentar, não é?<br />

AL.: Qualquer uma!<br />

111


Quarta série<br />

(aula 3; 5/10)<br />

H.: Qualquer uma, Deivson?<br />

Al.: Não, a do pássaro.<br />

H.: Gente, a Grasiela voou, não voou?<br />

(Os alunos em coro repetem:voou, voou)<br />

H.: Gente, mais uma vez, não se esqueça (indica as orientações<br />

registradas no quadro).Gente, o que é título?<br />

( A turma em coro respon<strong>de</strong>: O nome da história)<br />

H.: Título bem sugestivo para a história. Depois vocês vão começar<br />

a sua história. O que a gente observa primeiro?<br />

( A turma em coro: a <strong>na</strong>tureza.)<br />

H.: Fala sobre a <strong>na</strong>tureza, <strong>de</strong>pois conta a história e fi<strong>na</strong>liza e<br />

prontinho.<br />

K.: Como vocês sabem, neste momento, nós estamos passando por<br />

um período <strong>de</strong> perturbações, <strong>de</strong> violência, <strong>de</strong> muita briga. Nós<br />

temos que parar um pouquinho e ver que em nosso arredor<br />

acontecem coisas boas também. Não é só coisas ruins que o<br />

mundo está cheio, não. Têm muitas coisas boas que a gente vê<br />

por aí, que a gente agra<strong>de</strong>ce a Deus pelas coisas boas, pelos<br />

milagres que acontecem. Na vida da gente não é só tristeza, há<br />

momentos que existem coisas que mexem lá <strong>de</strong>ntro da gente<br />

que dão uma alegria muito gran<strong>de</strong>. É um presente que você<br />

ganha, é uma promoção do seu pai, é uma boa que acontece. É<br />

qualquer coisa, uma palavra <strong>de</strong> um amigo para te <strong>de</strong>ixar feliz.<br />

Então, nós temos que ver os dois lados da vida e agra<strong>de</strong>cer a<br />

Deus por eles existirem. Às vezes, Deus manda alguma coisa<br />

para dar uma sacudida em você, dar um aperto assim. Você fica<br />

triste <strong>na</strong>quele momento, daí a pouco, você pensa e fala: é, tem<br />

razão, isso não é <strong>na</strong>da mesmo. E isso acontece com todo<br />

mundo, não só com os adultos, mas com adolescentes, crianças.<br />

112


E a gente sempre está com um pensar para frente. Por isso, eu<br />

vou dar um texto hoje que vocês vão adorar, pelo menos, eu<br />

adorei. Não sei se vocês vão gostar, <strong>de</strong>pois vocês vão dar uma<br />

opinião, tá bom?<br />

AL.: Professora, você vai dar o texto escrito, não é?<br />

K.: É, e <strong>de</strong>pois vocês vão produzir em cima do texto.<br />

(Alguns alunos reclamam, dizendo que não gostam <strong>de</strong> escrever<br />

baseando em um outro escrito.)<br />

AL.: Professora, hoje eu não estou bem, estou passando mal.<br />

K.: Depois que você ler este texto, você vai ficar bom para da<strong>na</strong>r.<br />

AL.: Só se for bem mal.<br />

K.: Eu vou conversar com você aí e você vai melhorar.<br />

(A professora distribui o texto mimeografado e pe<strong>de</strong> aos alunos<br />

que o leiam.)<br />

K.: 401, por favor, vocês vão fazer uma leitura silenciosa <strong>de</strong>ste<br />

texto, refletindo cada passagem, cada parágrafo, respeitando a<br />

pontuação.<br />

Trata-se do texto “Bombaboa”, cujo assunto gira em torno <strong>de</strong><br />

uma bomba que tinha sentimentos humanos. Essa bomba, quando percebia que seria usada em<br />

situação <strong>de</strong> guerras, para <strong>de</strong>struir alguma cida<strong>de</strong>, procurava <strong>de</strong>sviar-se do alvo e cair sobre algum lugar<br />

on<strong>de</strong> não causaria danos a ninguém. Sempre que a usavam com essa fi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>, repetia a estratégia:<br />

afastava-se do alvo. Certa vez, ao ser lançada ao céu, explodiu, cobrindo-o <strong>de</strong> flores e espalhando<br />

alegria por todos os lugares.<br />

K.: Eu gostaria que alguém, aqui, me falasse o que achou do texto.<br />

Davi, comece.<br />

AL.: Eu achei interessante, fala sobre a história <strong>de</strong> uma bomba boa<br />

que tinha coração, um enorme coração.<br />

(Vários alunos falam ao mesmo tempo, procurando recontar a<br />

história ou expor a opinião. K. tenta dirigir a discussão e indica<br />

um dos alunos).<br />

K.: Luciano, o que você achou do texto?<br />

113


Sexta Série<br />

(aula 1;10/10)<br />

AL.: Eu não gostei, não.<br />

K.: Por quê?<br />

AL: Porque eu vou ter que escrever igual.<br />

K.: Que pe<strong>na</strong>! Ó meu Deus! Então, Roberta, o que você achou do<br />

texto?<br />

AL.: Eu adorei. É um texto muito engraçado, coisa <strong>de</strong> ficção, <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senho animado.<br />

K.: Bom, vocês viram que essa bomba aí tem sentimentos, ela não<br />

queria <strong>de</strong>struir a cida<strong>de</strong>, causar mortes, não é? Então baseado<br />

neste texto, nessa folha que eu <strong>de</strong>i, on<strong>de</strong> está <strong>de</strong>senhado mais<br />

ou menos um bombinha, vocês vão criar um texto <strong>de</strong> vocês. Tem<br />

que ser rapidinho porque o horário <strong>de</strong> hoje é <strong>de</strong> 40 minutos.<br />

AL.: Do<strong>na</strong>, é para fazer resumo, não é?<br />

K.: É, fazer um resumo.O que você achou <strong>de</strong> mais importante, mas<br />

com as suas próprias palavras. Qual é o título? O título está aí<br />

“Bombaboa”. Você vai tirar as suas idéias a partir <strong>de</strong>sse texto e<br />

escrever com as suas palavras.<br />

(Uns alunos conversam, outros colorem a ilustração, outros<br />

fazem a margem <strong>na</strong> folha, apontam o lápis, parecem adiar a<br />

tarefa.)<br />

AL.: Professora, esse título não está errado? Não ficaria mais legal “A<br />

bomba boba”?<br />

K.: Agora vamos acabar com as brinca<strong>de</strong>iras e começar a escrever<br />

porque o tempo está curto.<br />

D.: Hoje você farão a confecção <strong>de</strong> um minitexto. Como eu já<br />

trabalhei com vocês. Nós vamos provi<strong>de</strong>nciar o livro. É sobre o<br />

texto da unida<strong>de</strong> 6. Nós temos aí o primeiro parágrafo da<br />

pági<strong>na</strong>...<br />

AL.: 94.<br />

114


Trata-se do texto “O progresso da eletricida<strong>de</strong>”, <strong>de</strong> Olavo Romano. O<br />

assunto do texto estrutura-se em torno da chegada da eletricida<strong>de</strong> a uma cida<strong>de</strong> do interior <strong>de</strong> Mi<strong>na</strong>s e<br />

das novida<strong>de</strong>s que po<strong>de</strong>riam surgir em uma venda, on<strong>de</strong> se encontrava <strong>de</strong> tudo para comprar. O povo<br />

alvoroçado com a notícia passou a apostar sobre o que Bento Pereira, o comerciante, iria <strong>de</strong>sta vez<br />

inventar. No dia da i<strong>na</strong>uguração da luz, as pessoas pu<strong>de</strong>ram satisfazer a curiosida<strong>de</strong>: o comerciante<br />

havia comprado uma gela<strong>de</strong>ira. Como não havia ingredientes para fazer picolé e sorvete, resolveu<br />

ven<strong>de</strong>r cubinhos <strong>de</strong> gelo, expondo-os à frente da venda, amarrados em barbantes. O preço era uma<br />

fortu<strong>na</strong>. Tal fato tornou-se uma atração para a meni<strong>na</strong>da. O gelo, com calor, <strong>de</strong>rretia e escorria pelo<br />

barbante, formando poças d’água no chão. No entra e sai <strong>de</strong> fregueses, o negociante esqueceu-se da<br />

mercadoria exposta e quando foi verificá-la, só havia as poças d’água. Não sabendo que tal situação<br />

po<strong>de</strong>ria ocorrer, julgou que a meni<strong>na</strong>da, além <strong>de</strong> ter chupado todo o seu gelo, havia uri<strong>na</strong>do à porta <strong>de</strong><br />

sua loja.<br />

D.: Como vocês sabem, não está <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do nesse primeiro<br />

parágrafo o título. A autora <strong>de</strong>ste livro não divi<strong>de</strong> o texto em<br />

parágrafo, divi<strong>de</strong>-o por partes. Ela vai <strong>de</strong> uma certa palavra até<br />

<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>da palavra e encerra aqui (mostra o parágrafo em<br />

questão). Aí, nós temos a primeira parte, né, que é “Pois é” até<br />

“Pouco”. Dentro <strong>de</strong>sse parágrafo aí dá-se o nome <strong>de</strong> “Bento<br />

Pereira” não é? Tem aí o título escrito? Não. Então, vocês vão<br />

confeccio<strong>na</strong>r um minitexto a partir <strong>de</strong>ssa primeira parte do texto<br />

que é o primeiro parágrafo. Enten<strong>de</strong>ram? Vocês vão ler e <strong>de</strong>pois<br />

interpretar, modificando algumas palavras que existem nessa<br />

primeira parte. Alguma dúvida, gente? E’ uma notícia que<br />

ocorreu no interior <strong>de</strong> Mi<strong>na</strong>s. Aliás uma cida<strong>de</strong> do nosso Estado,<br />

né? Por quê? Porque o autor é mineiro, também. Ele achou <strong>de</strong><br />

preferência falar <strong>de</strong> algumas cida<strong>de</strong>s do nosso Estado. Então,<br />

vocês serão capazes <strong>de</strong> cconfeccio<strong>na</strong>r e produzir um minitexto.<br />

Não é um texto quilométrico, não, gente. É uma coisa objetiva,<br />

igual ao fi<strong>na</strong>l da primeira parte “Trocado em miúdos”.O que é<br />

trocado em miúdo? É explicar com objetivida<strong>de</strong>, enten<strong>de</strong>ram?<br />

115


Oitava Série<br />

(aula 5; 21/10)<br />

Vocês são capazes <strong>de</strong> interpretar esse primeiro parágrafo ou a<br />

primeira parte e fabricar, produzir um texto, um minitexto.<br />

AL.: D., é para usar o título que a autora <strong>de</strong>u?<br />

D.: Po<strong>de</strong>, mas se vocês quiserem po<strong>de</strong>m modificá-lo, vocês é que<br />

são os autores. Po<strong>de</strong>m fazer a lápis, caligrafia boa. Vamos fazer<br />

em folha separada, com margem, caprichar <strong>na</strong> letra, assim ficará<br />

uma coisa bonita.<br />

AL.: D., é para produzir uma redação <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sse parágrafo?<br />

D.: Quero ver o que você vai produzir. Aí você vai escrever,<br />

colocando as idéias bem objetivas e bem simplificadas. Escrever<br />

pouco com objetivida<strong>de</strong> para não escrever muitas palavras<br />

erradas. Vamos prestar atenção nisso: acentuação, pontuação,<br />

enten<strong>de</strong>ram?<br />

I.: O assunto da nossa redação hoje é “O trabalho” (anota-o no<br />

quadro seguido <strong>de</strong> alguns subtítulos, temas). Vocês po<strong>de</strong>m se<br />

basear nesses itens ou em um <strong>de</strong>les para produzir o texto <strong>de</strong><br />

vocês: “Uma fonte <strong>de</strong> sustento”, “Proporcio<strong>na</strong> saú<strong>de</strong>”, “Gera o<br />

progresso”, “Arma contra o mal”.(Os alunos em silêncio<br />

acompanha a leitura dos temas feita por I..)<br />

AL.: Você podia explicar o último item, “Arma contra o mal”.por que,<br />

arma?<br />

K.: Quando você está trabalhando, você pensa em alguma<br />

malda<strong>de</strong>? É nesse sentido.<br />

AL.: “Proporcio<strong>na</strong> saú<strong>de</strong>”? Como assim? I.. Não estou enten<strong>de</strong>ndo o<br />

que você quer. Esses títulos aí são diferentes, tenho que falar<br />

sobre cada um?<br />

I.: Não, você vai escolher. Hoje eu não posso dar explicações, não.<br />

Vocês vão pensar e colocar as idéias no papel. Vamos ficar em<br />

silêncio. Muita atenção à escrita das palavras, à concordância,<br />

116


lembrem da nossa aula <strong>de</strong> ontem, pontuação é muito importante,<br />

tudo isso é importante para um bom texto.(O mesmo aluno que<br />

solicitou da professora uma explicação sobre o tema “ Trabalho:<br />

arma contra o mal” insiste mais uma vez.)<br />

AL.: I., eu não entendi <strong>na</strong>da <strong>de</strong>sta última parte, a arma.<br />

K.: Não enten<strong>de</strong>u <strong>na</strong>da? Quem quer falar para ele?<br />

AL.: Eu já falei para ele agora.<br />

AL.: Você falou, mas eu não entendi.<br />

AL.: Quando a gente está trabalhando, a gente não pensa em fazer<br />

bobagens. É uma coisa séria, <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>. A gente está<br />

<strong>de</strong>sviado do mal.<br />

I.: É claro que tem mais coisas, pensem e escrevam com atenção.<br />

Os recortes discursivos acima arrolados retratam o quadro das<br />

condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> escrita em que as práticas <strong>de</strong> redação observadas se inscreviam. Tais<br />

recortes refletem os ecos <strong>de</strong> enunciados - os fios discursivos - produzidos por professores e alunos nos<br />

processos <strong>de</strong> interlocução <strong>de</strong> sala <strong>de</strong> aula. Põem à mostra o conjunto <strong>de</strong> condições (<strong>escola</strong>res) que<br />

cercavam a <strong>produção</strong> dos tipos <strong>de</strong> texto no universo <strong>de</strong> cada uma <strong>de</strong>ssas séries.<br />

A apreensão <strong>de</strong>sses ecos <strong>de</strong> enunciados se <strong>de</strong>u à medida em que íamos<br />

mergulhando <strong>na</strong> situação estudada, isto é, durante a observação em sala <strong>de</strong> aula e, após, quando se<br />

realizou o trabalho <strong>de</strong> manipulação dos dados e a <strong>de</strong>limitação do corpus selecio<strong>na</strong>do.<br />

E foi <strong>na</strong> tessitura <strong>de</strong>sses fios dialógicos vivos, que intertextualmente se<br />

colocavam como constitutivos do tecido do processo interlocutivo instituído <strong>na</strong>s turmas/séries<br />

observadas, que pu<strong>de</strong>mos constatar que os tipos <strong>textuais</strong> - <strong>na</strong>rrativo, <strong>de</strong>scritivo, dissertativo,<br />

argumentativo e injuntivo, enquanto objeto <strong>de</strong> ensino-aprendizagem sistemático, <strong>na</strong> modalida<strong>de</strong> escrita,<br />

eram <strong>de</strong>ixados à margem do processo <strong>de</strong> escrita <strong>de</strong> texto <strong>na</strong> <strong>escola</strong>. Os professores pareciam ignorálos<br />

ou não reconhecê-los como modos enunciativos básicos que o falante/escritor agencia, selecio<strong>na</strong>,<br />

como operação discursiva <strong>na</strong> constituição do seu texto, para dizer o que tem a dizer ao outro, no nosso<br />

caso, por meio da escrita.<br />

Se, por um lado, não presenciamos, por parte dos professores, uma<br />

si<strong>na</strong>lização que se referisse aos tipos <strong>de</strong> <strong>textos</strong> e <strong>de</strong> gêneros discursivos existentes <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>, às<br />

suas características, proprieda<strong>de</strong>s e funções específicas, por outro, vários fatores se atualizavam <strong>na</strong><br />

117


prática <strong>de</strong> redação, <strong>de</strong>lineando as condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> escrita <strong>na</strong> sala <strong>de</strong> aula e <strong>de</strong>ixando<br />

entrever a concepção <strong>de</strong> texto, <strong>de</strong> escrita (usos e função), enfim, <strong>de</strong> linguagem que ali se manifestava.<br />

Na tentativa <strong>de</strong> apontar tais concepções, que norteavam o trabalho <strong>de</strong><br />

texto <strong>na</strong> <strong>escola</strong>, colocaremos o foco sobre um fator que <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>va a ação <strong>escola</strong>r <strong>na</strong> proposta <strong>de</strong><br />

escrita: os temas <strong>de</strong> redação.<br />

2.3 - Tema <strong>de</strong> redação: diretriz do trabalho <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto <strong>na</strong> <strong>escola</strong><br />

A fim <strong>de</strong> fornecer uma visão mais completa dos temas e/ou assuntos<br />

propostos pela <strong>escola</strong>, que serviam <strong>de</strong> objeto <strong>de</strong> interação <strong>na</strong> interlocução entre professor e aluno e,<br />

supostamente, <strong>de</strong> objeto do discurso do aluno, segue-se um quadro, on<strong>de</strong> se relacio<strong>na</strong>m os temas e as<br />

respectivas aulas<br />

118


Propostas Temáticas <strong>de</strong> Redação<br />

2º 09/09 23/09 30/09 07/10 14/10 21/10 28/10 11/11 18/11 02/12<br />

Ilustração:<br />

ce<strong>na</strong>s seriadas<br />

Perso<strong>na</strong>gens:<br />

D. Pata e seus<br />

filhotes<br />

Ilustração:<br />

ce<strong>na</strong>s seriadas<br />

Perso<strong>na</strong>gens:<br />

Pássaro e o<br />

filhote com uma<br />

tipóia<br />

Ilustração:<br />

1 ce<strong>na</strong> seguida<br />

<strong>de</strong> introdução<br />

Perso<strong>na</strong>gens:<br />

flores (<strong>produção</strong><br />

<strong>de</strong> diálogo)<br />

Ilustração:<br />

1 ce<strong>na</strong><br />

Perso<strong>na</strong>gem:<br />

uma criança<br />

lendo jor<strong>na</strong>l<br />

Ilustração:<br />

ce<strong>na</strong>s<br />

seriadas<br />

Perso<strong>na</strong>gem:<br />

peixinho<br />

Ilustração:<br />

ce<strong>na</strong>s seriadas<br />

Perso<strong>na</strong>gem:<br />

Pintinho<br />

Título: O filho à<br />

casa tor<strong>na</strong><br />

Ilustração:<br />

1 ce<strong>na</strong><br />

Perso<strong>na</strong>gem:<br />

formiga e<br />

flores<br />

(<strong>produção</strong> <strong>de</strong><br />

diálogo)<br />

Ilustração:<br />

1 ce<strong>na</strong><br />

Perso<strong>na</strong>gem<br />

:<br />

pássaros:<br />

pai e filhotes<br />

Texto -<br />

base:<br />

“A lenda do<br />

Milho”<br />

4º 21/09 28/09 05/10 26/10 09/11 16/11 23/11 30/11 07/12<br />

Texto-base:<br />

“ Brazil com Z”<br />

Título:<br />

Minhas<br />

preferências<br />

Texto-base:<br />

“A bombaboa”<br />

Texto-base:<br />

Artigos da<br />

revista “VEJA”<br />

Produção <strong>de</strong><br />

resumo<br />

Apresentaçã<br />

o do texto<br />

produzido em<br />

26/10.<br />

Leitura à<br />

frente da<br />

classe<br />

Título:<br />

Auto-avaliação<br />

do crescimento<br />

pessoal<br />

Ilustração:<br />

I ce<strong>na</strong><br />

Título:<br />

A caixinha <strong>de</strong><br />

surpresa.<br />

Apresentaçã<br />

o do texto<br />

produzido<br />

em 23/11.<br />

Leitura à<br />

frente da<br />

classe<br />

6º 10/09 08/10 21/10 28/10 04/11 11/11 18/11 02/12<br />

119<br />

Título:<br />

O que<br />

é para<br />

você<br />

uma<br />

redaçã<br />

o?<br />

Título:<br />

Redação <strong>na</strong> <strong>escola</strong>


Texto-base:<br />

“ O progresso<br />

da eletricida<strong>de</strong>”<br />

Produção <strong>de</strong><br />

texto a partir do<br />

primeiro<br />

parágrafo<br />

Texto-base:<br />

“As aventuras<br />

<strong>de</strong> Simbá, o<br />

marujo”<br />

Produção <strong>de</strong><br />

texto a partir do<br />

primeiro<br />

parágrafo<br />

Título:<br />

O mês <strong>de</strong><br />

outubro<br />

Título:<br />

Ouro Preto<br />

Título:<br />

O professor<br />

D.<br />

Título:<br />

A<br />

pesquisadora<br />

Texto-base:<br />

“ O gavião <strong>de</strong><br />

pe<strong>na</strong>cho”<br />

Título:<br />

A redação<br />

8º 10/09 17/09 01/10 08/10 21/10 04/11 11/11 18/11 25/11 02/12<br />

Título: Eu<br />

Proposta <strong>de</strong><br />

texto a partir <strong>de</strong><br />

um conjunto <strong>de</strong><br />

palavras:<br />

“ Amor,<br />

felicida<strong>de</strong>, paz,<br />

guerra, comida,<br />

sorte, união,<br />

fome, amiza<strong>de</strong>,<br />

amigos”<br />

Texto-base:<br />

“ Um sonho<br />

vivido”<br />

Título:<br />

Minha rua<br />

Título:<br />

O trabalho:<br />

uma fonte <strong>de</strong><br />

sustento;<br />

proporcio<strong>na</strong><br />

saú<strong>de</strong>, gera<br />

progresso;<br />

arma contra<br />

o mal<br />

Título:<br />

Sexo <strong>na</strong><br />

adolescência<br />

Título:<br />

Escola i<strong>de</strong>al<br />

Título:<br />

Problemas<br />

<strong>na</strong> família<br />

Título:<br />

A política<br />

no Brasil<br />

120<br />

Título:<br />

A<br />

redaçã<br />

o <strong>na</strong><br />

<strong>escola</strong>


O dia e a hora <strong>de</strong> redação <strong>na</strong> <strong>escola</strong> passaram a ser conhecidos pelo<br />

aluno. Sabia-se, portanto, que havia um tempo previsto para se fazer redação ali. O que não se sabia<br />

era o que se iria escrever, para quem , para quê e como. O aluno não conhecia, <strong>de</strong> antemão, qual seria<br />

o objeto do dizer do seu próprio discurso <strong>na</strong>s aulas <strong>de</strong> redação.<br />

Ora escrevia sobre D.Pata e seus filhotes, O pássaro e seu filhote, A flor<br />

e a formiga, O peixinho esperto (2ª série); ora sobre Brazil com z, A bombaboa, Minhas preferências,<br />

Auto-avaliação (4ª série); ora sobre Ouro Preto, Mês <strong>de</strong> outubro, O professor D., A pesquisadora, As<br />

aventuras <strong>de</strong> Simbá, o marujo (6ª série);ora sobre Sexo <strong>na</strong> adolescência, Minha rua, A <strong>escola</strong> i<strong>de</strong>al, um<br />

conjunto <strong>de</strong> palavras, tais como: Amor, felicida<strong>de</strong>, paz, guerra, comida, sorte, união, amiza<strong>de</strong>, amigo e<br />

fome (8ª série.).<br />

Eram temas, assuntos, títulos que se <strong>de</strong>finiam a partir <strong>de</strong> uma unida<strong>de</strong><br />

do livro didático, <strong>de</strong> <strong>textos</strong> suplementares mimeografados, <strong>de</strong> ilustrações,e , muitas vezes, pareciam<br />

resultar da inspiração dos professores.<br />

Diante da multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> temas <strong>na</strong>s aulas <strong>de</strong> redação, a impressão<br />

que tínhamos era a <strong>de</strong> que tais aulas se assemelhavam a uma caixinha <strong>de</strong> surpresas. Não havia uma<br />

certa sistematização <strong>na</strong>s propostas temáticas, quanto à <strong>na</strong>tureza dos temas, às abordagens feitas, em<br />

suma, não havia uma inter-relação entre temas e/ou assuntos indicados. Tampouco as sugestões <strong>de</strong><br />

redação que fechavam as unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> estudo do livro didático adotado eram usadas. As proposta<br />

pareciam surgir tal como cartas <strong>de</strong> baralho que se tiram da manga <strong>de</strong> uma casaca. Em um passe <strong>de</strong><br />

mágica, ganhavam corpo <strong>na</strong> fala do professor, materializavam-se no texto do aluno e, ali, no texto<br />

mesmo, confi<strong>na</strong>vam-se, esgotavam-se em si mesmas, uma vez que não ultrapassavam os limites das<br />

prática <strong>de</strong> escrita <strong>na</strong> sala <strong>de</strong> aula.<br />

Essa varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> temas que se somavam e acumulavam, ao longo das<br />

aulas, é apontada por alguns alunos da 6ª e 8ª séries, mediante <strong>textos</strong> produzidos em uma das aulas,<br />

cujo assunto girava em torno da redação <strong>na</strong> <strong>escola</strong>47 . Transcreveremos aqui algumas passagens<br />

<strong>de</strong>sses <strong>textos</strong>:<br />

“A redação muda <strong>de</strong> sentido todos os dias, cada dia um tipo <strong>de</strong> redação,<br />

assim, o jor<strong>na</strong>l muda <strong>de</strong> assunto todos os dias”.(6ª série).<br />

47 Esse tema foi sugerido pela pesquisadora aos professores, com o fim <strong>de</strong> apreen<strong>de</strong>r dos alunos a visão que<br />

teriam sobre a redação <strong>na</strong> <strong>escola</strong>.<br />

121


“Achei muito interessante os títulos das redações, escrevemos um pouco <strong>de</strong><br />

cada coisa”.(8ª série).<br />

“Durante o ano, nós, eu e meus colegas, tivemos algumas aulas <strong>de</strong> redação,<br />

on<strong>de</strong> às vezes escrevíamos em grupo e às vezes sozinho, cada aula era um<br />

tema diferente. Muitas redações eram legais <strong>de</strong> escrever e muitas também<br />

eram um verda<strong>de</strong>iro saco”.(8ª série)<br />

“Muitas vezes eu lia o título e ficava meio perturbado, pensando:”Será que vai<br />

ficar bom?” Naquele medo <strong>de</strong> escrever bobeiras, foi que eu escrevi as<br />

redações “.(8ª série)<br />

Como a diretriz <strong>de</strong> todo o trabalho <strong>de</strong> <strong>produção</strong> centrava-se no fator, o<br />

que escrever, a preocupação dos professores era a <strong>de</strong> buscar temas que, pretensamente, aten<strong>de</strong>ssem<br />

ao interesse do aluno:<br />

H.: “Nessa fase, eles estão vivendo as fantasias. Por isso que eu<br />

sempre estou sugerindo histórias com perso<strong>na</strong>gens, por<br />

exemplo, animais que agem como as pessoas, flores, também.<br />

Procuro sugerir redações que envolvam situações <strong>de</strong> <strong>na</strong>tureza,<br />

animais. Isso tem a ver com eles. Acho que para eles é mais<br />

tranqüilo inventar histórias sobre essas coisas”.<br />

K.: “Para esses alunos escreverem, eu tive que sondar o que eles<br />

gostam <strong>de</strong> escrever e <strong>de</strong>scobrir que eles não gostavam <strong>de</strong><br />

assuntos bobos, gostavam <strong>de</strong> assuntos atuais, que têm mais<br />

ação, coisas do momento. E não usa mais redações com títulos<br />

que não têm <strong>na</strong>da a ver com os alunos”.<br />

122


D.: “Geralmente, os temas são do texto do livro <strong>de</strong>les, isso facilita<br />

muito <strong>na</strong> hora <strong>de</strong> fazer uma redação. Mas estou sempre dando<br />

os temas que vejo que são interessantes, diferentes do livro<br />

didático. Não é possível ficar só no livro, porque os alunos não<br />

gostam. Então, preparo alguns que são do interesse <strong>de</strong>les”.<br />

I.: “Os temas que eu proponho para as redações são sempre do<br />

interesse <strong>de</strong>les (alunos). Têm que agradá-los, se não é a maior<br />

reclamação. A maioria <strong>de</strong>sses temas é selecio<strong>na</strong>da <strong>de</strong> livros só<br />

<strong>de</strong> redação, esses manuais como o <strong>de</strong> Sargentim, por exemplo,<br />

ou às vezes assuntos do momento”.<br />

Não se po<strong>de</strong> negar que alguns temas sugeridos relacio<strong>na</strong>vam-se com fatos<br />

atuais, situações próximas ao cotidiano do aluno, com o realismo mágico das crianças, enfim, com<br />

questões que pareciam aten<strong>de</strong>r aos seus interesses. Já outros, no entanto, que se propunham e se<br />

impunham, muitas vezes, lembravam os famigerados títulos ou temas que figuravam <strong>na</strong>s longas listas<br />

dos antigos manuais <strong>de</strong> Comunicação Expressão ou <strong>de</strong> Língua Pátria. Tais temas pareciam sugerir que<br />

ape<strong>na</strong>s haviam ganhado uma nova maquiagem, procurando adaptar-se aos novos mo<strong>de</strong>los, valores e<br />

comportamentos liberais incorporados pela <strong>escola</strong>, pela via <strong>de</strong> alguns temas recorrentes nos livros <strong>de</strong><br />

literatura infanto-juvenil ou nos recentes livros didáticos: combate às drogas, consciência ecológica,<br />

crítica à corrupção, ao racismo, <strong>de</strong>fesa das minorias, etc. Se não eram aqueles rotineiros títulos ou<br />

temas relativos às datas comemorativas: O dia do índio, Dia das mães, São João, Minha pátria, ou, O<br />

brinquedo predileto, Minhas férias, O progresso do Brasil ou, por fim, Depois <strong>de</strong> um dia <strong>de</strong> chuva, eram<br />

outros que refletiam uma tradição homóloga àquela do “Ama com fé e orgulho a terra em que <strong>na</strong>sceste”.<br />

As discussões sobre os temas que antecediam a escrita e pretendiam<br />

uma preparação do terreno para a sua <strong>produção</strong>, dada a abordagem escolhida pelos professores,<br />

pareciam não chegar a propiciar uma reflexão que remetesse a instâncias - política, i<strong>de</strong>ológica, social,<br />

etc. - que o próprio tema podia suscitar. As condições <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> criadas no processo <strong>de</strong><br />

interlocução entre aluno e professor e o objeto da interação (tema) não permitiam que o aluno<br />

trouxesse, <strong>de</strong> fato, para o bojo das reflexões, as informações, crenças, conhecimentos, pontos <strong>de</strong> vista<br />

<strong>de</strong> que po<strong>de</strong>ria dispor sobre o assunto ou tema em questão.<br />

123


Quando tais discussões giravam em torno <strong>de</strong> um texto, geralmente<br />

limitavam-se tão somente ao que ele dizia. As outras possibilida<strong>de</strong>s relacio<strong>na</strong>das com o modo como o<br />

texto diz o que diz - por que diz <strong>de</strong> um dado modo e não <strong>de</strong> outro, que estratégias lingüísticas,<br />

discursivas são usadas para dizer o que se diz, a intenção do autor ao dizer o que diz - não eram objeto<br />

<strong>de</strong> estudo e, portanto, <strong>de</strong> aprendizagem <strong>na</strong>s aulas que se <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>vam a ensi<strong>na</strong>r a escrever, on<strong>de</strong>,<br />

geralmente, pressupõe-se um momento para, entre outras coisas, refletir sobre o modo como outros<br />

organizam o que tinham a dizer, para conhecer outras possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> escolha <strong>de</strong> estratégias <strong>de</strong> dizer<br />

o que se tem a dizer, como aponta GERALDI(1991:182).<br />

Outros aspectos, igualmente, minimizados eram: as relações <strong>de</strong><br />

hierarquização entre as diversas informações veiculadas no texto - as mais relevantes e não relevantes<br />

- ,bem como as categorias relacio<strong>na</strong>das à configuração do tipo <strong>de</strong> texto lido, ao modo enunciativo<br />

domi<strong>na</strong>nte <strong>na</strong> sua constituição; o gênero discursivo a que pertenciam, por exemplo, os fragmentos <strong>de</strong><br />

romance, contos, crônicas, casos, lendas, poemas, recortes <strong>de</strong> notícias, reportagens, presentes no livro<br />

didático adotado <strong>na</strong>s turmas/séries.<br />

Po<strong>de</strong>ríamos dizer que, basicamente, as perguntas feitas ao texto<br />

circunscreviam-se ao mo<strong>de</strong>lo: O que você acha <strong>de</strong>sse texto? ou Qual a mensagem que você tira <strong>de</strong>sse<br />

texto? Ainda que essas questões pu<strong>de</strong>ssem suscitar um envolvimento do aluno com o assunto em<br />

discussão, a relação dialógica estabelecida entre aluno, professor e texto, entretanto, parecia não se<br />

sustentar, visto que não se tecia, por parte do professor, um fio condutor (alimentador) entre as<br />

respostas dadas pelos alunos às suas perguntas. Muitas vezes, essa relação se tor<strong>na</strong>va mais frágil,<br />

quando a não escuta, os ouvidos moucos se faziam presentes às respostas <strong>de</strong> outros alunos, que se<br />

encontravam, no momento da interlocução, à margem da interação, isto é, não eram o pólo-alvo a quem<br />

o professor estava dirigindo a pergunta.<br />

Assim, nesse processo interlocutivo, as relações dialógicas em sala <strong>de</strong><br />

aula dimensio<strong>na</strong>vam-se não em trocas tais como aquelas que ocorrem em situações não-<strong>escola</strong>res, em<br />

que os interlocutores mudam constantemente <strong>de</strong> papéis para construir a significação do discurso que<br />

está sendo enunciado, seja concordando, discordando, informando, comentando, ou outra ação<br />

discursiva qualquer. O que se evi<strong>de</strong>nciava era uma interlocução <strong>de</strong>marcada por pólos bem <strong>de</strong>finidos:<br />

124


um, que dirigia as perguntas; um outro, a quem cabia respondê-las. As condições que se impunham,<br />

nessa interação <strong>escola</strong>r, 48 davam aos papéis que os sujeitos <strong>de</strong>sempenhavam dimensões fixas.<br />

LEGRAND-GELBER (apud GERALDI,1991:159)assim caracetiza essas<br />

condições <strong>de</strong> interlocução em sala <strong>de</strong> aula:<br />

“O professor dirige os turnos <strong>de</strong> fala. Em toda relação educativa,<br />

as trocas ten<strong>de</strong>m a se construir em três intervenções, o aluno se<br />

encontra “ensanduichado” entre uma abertura e um fechamento<br />

do professor. Este sistema é geral no diálogo pedagógico. O<br />

professor abre a troca por uma pergunta que, utilizando-se a<br />

terminologia do grupo <strong>de</strong> Genebra, constitui um ato diretor com<br />

função iniciativa. Este impõe ao interpelado três obrigações<br />

discursivas: reagir verbalmente (um gesto ou uma recusa são<br />

improváveis), dar uma resposta (um comentário ou uma<br />

pergunta são raros), dar uma boa resposta. A resposta do aluno<br />

constitui um ato subordi<strong>na</strong>do com função reativa que preten<strong>de</strong><br />

satisfazer as três obrigações prece<strong>de</strong>ntes. Uma nova intervenção<br />

do professor constitui um ato subordi<strong>na</strong>do com função que<br />

encerra a troca se o aluno satisfez as três obrigações; há uma<br />

retomada se uma das obrigações não for satisfeita. A retomada<br />

po<strong>de</strong> ser uma refutação (não, é falso) ou uma concessão (sim,<br />

mas...) seguidas <strong>de</strong> uma nova pergunta acompanhada <strong>de</strong><br />

reformulações ou precisões. O ciclo se repete até a satisfação<br />

total e o fechamento pelo professor. Este tem sempre a primeira<br />

palavra e a última e este po<strong>de</strong>r lhe vem da sua posição <strong>na</strong><br />

instituição <strong>escola</strong>r que <strong>de</strong>termi<strong>na</strong> sua posição <strong>na</strong> interação”.<br />

48 Expressão usada por LEAL, em “A escrita apriso<strong>na</strong>da - uma análise <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> <strong>textos</strong> <strong>na</strong> <strong>escola</strong>”, para<br />

caracterizar o tipo <strong>de</strong> interação que se institui <strong>na</strong> sala <strong>de</strong> aula.(1991:86).<br />

125


Por essa via, o processo interlocutivo estabelecido em sala <strong>de</strong> aula <strong>na</strong>s<br />

turmas/séries observadas acabava pondo à mostra a função que cumpre o texto escrito por outro e<br />

mesmo aquele que ainda está por escrever pelo aluno, <strong>na</strong> prática <strong>de</strong> redação. Os <strong>textos</strong>, enquanto<br />

pretexto, coisificavam-se, <strong>na</strong> medida que eram tomados abstraídos da situação discursiva, do contexto<br />

mais amplo que os envolvem. Assumiam, assim, uma dimensão congelada, ao per<strong>de</strong>r a plasticida<strong>de</strong><br />

própria da linguagem que neles se atualiza. Transformavam-se em lições vazias <strong>de</strong> sentido. Já o<br />

produto <strong>de</strong>ssa prática, questão que abordaremos mais adiante, assumia valores <strong>de</strong> uma tarefa <strong>escola</strong>r,<br />

já que o dia, a hora, o assunto a ser escrito <strong>na</strong> <strong>escola</strong> eram <strong>de</strong>finidos pelo professor, a pessoa<br />

legitimada para fazê-lo, como apontam BOURDIEU & PASSEROM (1982).<br />

Antes <strong>de</strong> encerrar esta parte das nossas análises, gostaríamos <strong>de</strong><br />

acrescentar ape<strong>na</strong>s uma observação concernente à relação entre tema e tipo <strong>de</strong> texto. Ela nos parece<br />

pertimente, visto que, sob o discurso da professora I., manifestava-se o pressuposto <strong>de</strong> que um dado<br />

tema levaria à construção <strong>de</strong> um dado tipo <strong>de</strong> texto:<br />

I.: “Os títulos que <strong>de</strong>i ajudam os alunos a fazer redação<br />

dissertativa. Na verda<strong>de</strong>, têm temas que são mais dissertativos<br />

e levam os alunos à dissertação”.<br />

Po<strong>de</strong>-se notar que I. parece estabelecer, entre tema e título, uma relação<br />

<strong>de</strong> sinonímia e consi<strong>de</strong>rar que um dado tema e/ou título po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>r a construção do tipo <strong>de</strong> texto<br />

<strong>de</strong> que, conforme a sua <strong>na</strong>tureza (o que o tema suscita), resultará um dado tipo <strong>de</strong> texto. Em suma,<br />

po<strong>de</strong>-se dizer que se espera <strong>de</strong> alguns temas ou títulos um dado tipo <strong>de</strong> texto.<br />

É sabido que não são os temas que se <strong>de</strong>finem como <strong>de</strong>scritivos,<br />

dissertativos, <strong>na</strong>rrativos, etc., mas, sim, o modo enunciativo, o como se diz o que se diz a respeito <strong>de</strong><br />

um assunto, o modo como o autor o aborda, aliados a outros fatores, é que caracterizam um texto<br />

como <strong>de</strong>scritivo, dissertativo, etc..<br />

Conforme apontamos em passagens anteriores, o modo enunciativo<br />

constitui-se <strong>na</strong> interação verbal Representa a escolha <strong>de</strong> uma ação discursiva feita pelo autor para<br />

satisfazer a sua intenção comunicativa, isto é, para provocar o efeito <strong>de</strong> sentido <strong>de</strong>sejado no seu<br />

interlocutor: fazer conhecer, fazer agir, fazer crer, relatar, contar, <strong>de</strong>monstrar, etc. Tal escolha implica<br />

um conjunto <strong>de</strong> fatores que se atualizam <strong>na</strong> situação enunciativa. Entre eles, encontra-se o tema, objeto<br />

da interação, mas este por si só não é elemento <strong>de</strong>finidor do tipo <strong>de</strong> texto.<br />

126


Outros elementos que igualmente compõem a situação discursiva são<br />

<strong>de</strong>cisivos <strong>na</strong> constituição da forma do texto e da sua significação, tais como: intenção comunicativa do<br />

autor, o efeito <strong>de</strong> sentido que quer provocar no interlocutor, o papel, o lugar que cada um representa -<br />

autor e interlocutor - <strong>na</strong> relação interlocutiva, as imagens que fazem um do outro, <strong>de</strong> si próprios, do<br />

tema (o conhecimento <strong>de</strong> mundo, enciclopédico que o autor tem e pressupõe que o interlocutor tenha),<br />

etc. Todos esses fatores são a<strong>na</strong>lisados intuitivamente ou não pelo autor para selecio<strong>na</strong>r o modo<br />

enunciativo mais a<strong>de</strong>quado para dizer o que tem a dizer numa situação discursiva.<br />

Dessa forma, um mesmo tema po<strong>de</strong> assumir tratamento diferente,<br />

configuração textual e função enunciativa distintas em razão <strong>de</strong>sses fatores que influem e confluem <strong>na</strong><br />

<strong>produção</strong> do texto, redundando, portanto, em <strong>textos</strong> distintos do ponto <strong>de</strong> vista do tipo <strong>de</strong> estrutura<br />

conceitual e formal.<br />

Para ilustrar esta questão, tomemos como exemplo uma análise feita por<br />

COSTA VAL(1992:26)<br />

“Partindo <strong>de</strong> um mesmo tema - um aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> carro, por<br />

exemplo - diferentes tipos <strong>de</strong> texto po<strong>de</strong>rão ser produzidos para<br />

cumprir objetivos diferentes. O perito do Detran tratará <strong>de</strong>le num<br />

relatório técnico que subsidiará a <strong>de</strong>cisão judicial sobre quem é o<br />

responsável, quem <strong>de</strong>ve arcar com os prejuízos fi<strong>na</strong>nceiros. O<br />

repórter do diário popular verá nele o pretexto para uma notícia<br />

capaz <strong>de</strong> chamar a atenção <strong>de</strong> quem passa pela banca <strong>de</strong><br />

revista e <strong>de</strong> provocar a compra do jor<strong>na</strong>l. O filhinho do papai fará<br />

<strong>de</strong>le o motivo para escrever para casa pedindo dinheiro. Com<br />

objetivos diferentes (e, é claro, prevendo leitores diferentes e<br />

valendo-se <strong>de</strong> veículos diferentes), esses <strong>textos</strong> tomarão formas<br />

diversas. Diferentes aspectos do conteúdo informacio<strong>na</strong>l serão<br />

selecio<strong>na</strong>dos para serem organizados em estruturas formais<br />

distintas e expressos em varieda<strong>de</strong>s lingüísticas diferentes”.<br />

Como se po<strong>de</strong> notar, o que caracteriza o tipo <strong>de</strong> texto produzido no<br />

processo interlocutivo é o tipo <strong>de</strong> interação estabelecida entre o autor e o interlocutor. Esse tipo <strong>de</strong> texto<br />

127


será, portanto, produto do funcio<strong>na</strong>mento discursivo que se instaurará <strong>na</strong> situação <strong>de</strong> enunciação que<br />

envolve os sujeitos: a intenção comunicativa do autor (objetivo), o efeito <strong>de</strong> sentido que quer provocar<br />

no interlocutor em relação ao que está sendo enunciado (o objeto do discurso, tema),etc.<br />

O perito do Detran, por exemplo, <strong>na</strong> relação interativa com o seu<br />

interlocutor, aquele que <strong>de</strong>cidirá quem <strong>de</strong>ve respon<strong>de</strong>r pelos prejuízos causados pelo aci<strong>de</strong>nte, po<strong>de</strong> ter<br />

como objetivo possibilitar-lhe o conhecimento sobre como o aci<strong>de</strong>nte ocorreu, isto é, a sua intenção<br />

comunicativa po<strong>de</strong> ser a <strong>de</strong> produzir no interlocutor, por meio do seu relatório, uma impressão<br />

equivalente a uma imagem que corresponda às reais condições em que se <strong>de</strong>u o fato e as retrate. Para<br />

tanto, o perito buscará dizer como foi o aci<strong>de</strong>nte, caracterizará o local on<strong>de</strong> ocorreu, o estado em que<br />

os carros se encontram, ou seja, as partes danificadas <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>les, bem como a marca, mo<strong>de</strong>lo,<br />

cor, ano, placa dos veículos, as pessoas envolvidas e os motivos que provocaram a situação. Com base<br />

nesse conjunto <strong>de</strong> dados, o seu interlocutor terá informações para <strong>de</strong>cidir a quem cabe arcar com os<br />

danos.<br />

Nesse processo <strong>de</strong> interlocução, que se dará por meio do relatório, o<br />

papel que o interlocutor assumirá é <strong>de</strong> um “voyeur” da passagem <strong>de</strong>scrita, como aponta<br />

TRAVAGLIA(1991),ou seja, aquele que, mediante a linguagem atualizada no texto escrito, apreen<strong>de</strong>rá a<br />

situação tal como foi <strong>de</strong>scrita pelo autor. Este, <strong>na</strong> situação <strong>de</strong> enunciação, assume o papel daquele que<br />

conhece49 o objeto (situação) <strong>de</strong>scrito, e que tem a intenção <strong>de</strong> caracterizar (dizer como é) esse objeto.<br />

VAN DIJK (1983,1992) em seus estudos teóricos sobre as<br />

superestruturas 50dos tipos <strong>de</strong> texto - <strong>na</strong>rrativo e argumentativo - propõe uma análise a respeito da<br />

49<br />

Quanto ao papel <strong>de</strong> conhecer assumido pelo autor no processo interlocutivo, cujo modo enunciativo é a<br />

<strong>de</strong>scrição, TRAVAGLIA, em “Um estudo textual-discursivo do verbo no Português do Brasil”, cujo objetivo é<br />

a<strong>na</strong>lisar o funcio<strong>na</strong>mento textual-discursivo do verbo, suas formas e categorias, nos tipos <strong>textuais</strong> em questão,<br />

aponta para uma distinção entre as perspectivas que o enunciador, <strong>na</strong> <strong>de</strong>scrição e dissertação, assume em relação<br />

à ação <strong>de</strong> conhecer : “ <strong>na</strong> <strong>de</strong>scrição como <strong>na</strong> dissertação, a perspectiva do enunciador é a <strong>de</strong> conhecer, mas é<br />

um conhecer distinto, porque o da <strong>de</strong>scrição é um conhecer da perspectiva do espaço, que diz como é, portanto<br />

um conhecimento visual, sensorial; enquanto o conhecer da dissertação é um conhecimento conceitual, que diz o<br />

que é, envolvendo a reflexão e o raciocínio, portanto a razão e não a sensação, a percepção. Po<strong>de</strong>-se dizer que<br />

<strong>na</strong> <strong>de</strong>scrição o conhecimento é mais concreto e <strong>na</strong> dissertação , é mais abstrato, porque mo<strong>de</strong>lizado e sempre<br />

genérico.”(1991:52)<br />

50<br />

VAN DIJK, entre outros autores, conceitua a superestrutura como uma estrutura global que caracteriza cada<br />

tipo <strong>de</strong> texto. Possui um caráter hieráquico, abstrato, convencio<strong>na</strong>l, formal. Assumindo tais características,<br />

apresenta-se como uma espécie <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo cognitivo construído pelos falantes <strong>de</strong> uma dada cultura, por meio <strong>de</strong><br />

128


elação entre estas e o tema, isto é, entre a macroestrutura semântica (tema global) do texto e o<br />

esquema (superestrutura) ao qual o texto se adapta. Segundo esse autor, há, numa certa medida, uma<br />

relação <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência entre a estrutura típica (esquema) <strong>de</strong> um dado texto e o tema nele veiculado.<br />

O tema não sobre<strong>de</strong>termi<strong>na</strong> tal estrutura, esta é que lhe impõe certas limitações quanto à organização<br />

conceitual do conteúdo informacio<strong>na</strong>l apresentado no texto.<br />

Desenvolvendo um raciocínio semelhante ao <strong>de</strong> COSTA VAL, e, para<br />

tanto, utilizando como exemplo o tema “roubo”, diz o autor que vários tipos <strong>de</strong> texto51 po<strong>de</strong>m ter como<br />

conteúdo semântico o mesmo tema, entretanto, o que os tor<strong>na</strong> diferentes entre si são as funções<br />

comunicativa e social, o contexto comunicativo (situação discursiva) que se impõe, bem como os<br />

(esquemas) que os caracterizam.<br />

Uma estrutura <strong>na</strong>rrativa, por exemplo, - afirma esse autor - é uma<br />

superestrutura in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do conteúdo semântico (tema) proposto no texto. O tema, por sua vez,<br />

po<strong>de</strong>rá sofrer certas imposições, quanto à sua estrutura temática, isto é, quanto às relações <strong>de</strong><br />

hierarquização entre as diversas informações veiculadas no texto (idéia central versus <strong>de</strong>talhes,<br />

informação relevante versus não relevante) em função da superestrutura típica em que se atualiza.<br />

A superestrutura da <strong>na</strong>rrativa é composta <strong>de</strong> várias partes ou categorias,<br />

tais como, situação, complicação, resolução, partes que se integram, cumprindo funções distintas no<br />

interior <strong>de</strong>ssa superestrutura, para construir a configuração do texto. O mesmo ocorre com o texto<br />

argumentativo (e os outros tipos <strong>textuais</strong>), cujo esquema básico se constitui pelas seguintes categorias:<br />

hipótese - premissa - ,argumentos, conclusão.<br />

O que vale ressaltar, nessa análise feita por VAN DIJK, é que essa<br />

in<strong>de</strong>pendência da superestrutura em relação ao tema se dá pelo fato <strong>de</strong> que as superestruturas<br />

suas interações verbais sociais. A superestrutura traz, em sua constituição, uma série <strong>de</strong> categorias (partes<br />

esquemáticas) entre as quais se encontram aquelas que são obrigatórias e outras opcio<strong>na</strong>is. Normalmente, po<strong>de</strong>m<br />

ter uma or<strong>de</strong>m fixa e posições <strong>de</strong>finidas e ser ou não recursivas. As possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> combi<strong>na</strong>ção das categorias<br />

(relação entre si) relacio<strong>na</strong>m-se com regras <strong>de</strong> formação, cuja função é <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>r em que or<strong>de</strong>m essas categorias<br />

<strong>de</strong>vem ocorrer <strong>na</strong> configuração do texto, isto é, <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>m os arranjos possíveis <strong>na</strong> organização estrutural do<br />

texto, estes, normalmente, hierárquicos.<br />

51<br />

Os tipos <strong>de</strong> texto apontados pelo autor referem -se a um informe policial, a uma <strong>de</strong>claração dos danos do<br />

roubo- um informe- a uma agência <strong>de</strong> seguros, uma ocorrência policial. Vale lembrar que este estudo, baseado <strong>na</strong><br />

classificação proposta por ADAM (1987:53) e BAKHTIN (1992:279), consi<strong>de</strong>ra os tipos citados tanto por VAN<br />

129


correspon<strong>de</strong>m a esquemas que possuem uma <strong>na</strong>tureza fixa, abstrata, convencio<strong>na</strong>l para cada tipo <strong>de</strong><br />

texto, po<strong>de</strong>ndo apresentar variações <strong>de</strong> cultura para cultura. E a imposição <strong>de</strong> certas limitações que ela<br />

faz incidir sobre o tema resulta <strong>de</strong> que<br />

“(...) as superestruturas organizam as macroestruturas temáticas<br />

<strong>de</strong> modo bastante semelhante àquele como a sintaxe organiza o<br />

sentido <strong>de</strong> uma sentença. Por outro lado, o que fornece o<br />

conteúdo semântico para as categorias (partes) da<br />

superestrutura são as macroestruturas”.<br />

(VAN DIJK,1992:123)<br />

Em resumo, a superestrutura sobre<strong>de</strong>termi<strong>na</strong> a macroestrutura (tema) <strong>na</strong><br />

medida que lhe impõe certos arranjos (em relação ao conteúdo informacio<strong>na</strong>l veiculado <strong>na</strong>s partes ou<br />

categorias) <strong>na</strong> constituição da organização estrutural do texto. Na constituição do sentido global e<br />

coerente do texto, ambas acabam por se imbricar, uma vez que a macroestrutura está ligada<br />

diretamente às relações lógico-semânticas que se aplicam ao modo como um dado tema é abordado no<br />

texto e a superestrutura, à armação sustentadora <strong>de</strong>sse modo como se aborda o tema.<br />

Para efeito <strong>de</strong> exemplo, apresentaremos aqui cinco <strong>textos</strong> que foram<br />

produzidos por alunos <strong>de</strong> I.. O nosso objetivo não é fazer uma análise <strong>de</strong>sses <strong>textos</strong>, mas tão somente<br />

apontar os tipos <strong>de</strong> texto produzidos a partir <strong>de</strong> um mesmo tema ou título propostos pela professora <strong>na</strong>s<br />

aulas observadas.<br />

Três <strong>de</strong>sses <strong>textos</strong>, cujo título é “Sexo <strong>na</strong> adolescência”, apesar <strong>de</strong> se<br />

estruturarem sobre o mesmo tema - o comportamento sexual do adolescente e as possíveis<br />

implicações em sua vida - apresentam entre si diferenças quanto ao tipo <strong>de</strong> estruturação esquemática<br />

(superestrutura) e conceitual.<br />

DIJK como COSTA VAL como gêneros discursivos, nos quais po<strong>de</strong>m figurar vários tipos <strong>de</strong> texto, mas um<br />

<strong>de</strong>stes sobre<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ndo os <strong>de</strong>mais, e apresentando assim uma superestrutura típica.<br />

130


1 - Dissertativo com peque<strong>na</strong> passagem injuntiva<br />

131


2 - Argumentativo com peque<strong>na</strong>s passagens dissertativa e injuntiva<br />

132


3 - Narrativo com discurso indireto e uma peque<strong>na</strong> passagem argumentativa<br />

133


Os outros dois <strong>textos</strong>, embora tenham sido produzidos a partir <strong>de</strong> um<br />

mesmo texto-base, “O sonho vivido”, <strong>de</strong> Joel Rufino Santos, não mantêm nenhuma relação com o<br />

conteúdo semântico veiculado nesse texto-base. Este tem como tema a discrimi<strong>na</strong>ção que o negro vem<br />

sofrendo <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong> brasileira e o papel que o Quilombo dos Palmares representa <strong>na</strong> história da raça<br />

negra. A significação dada pelos alunos à expressão “sonho” presente no título, supõe conotações<br />

diferentes: sonhar quando se dorme (o texto 4) e <strong>de</strong>sejar a realização <strong>de</strong> algo (no texto 5). Os alunos,<br />

ao optarem por alter<strong>na</strong>tivas que fugiam da proposta da professora, acabam por construir <strong>textos</strong> não só<br />

com conteúdos semânticos distintos também em tipos distintos.<br />

seguinte orientação:<br />

Vale ressaltar que a professora, antes que os alunos redigissem, <strong>de</strong>u a<br />

“Este texto foi lido e discutido <strong>na</strong> aula passada. Como vocês<br />

viram, ele fala sobre os negros no Brasil-Colônia e sobre o<br />

racismo que havia e há entre as pessoas. Então, vocês vão<br />

produzir um texto baseado neste tema, neste texto. Quem quiser<br />

po<strong>de</strong> fazer uma leitura rápida, mas eu gostaria que, quando<br />

fossem fazer a redação, guardassem o livro. O título po<strong>de</strong> ser o<br />

mesmo do livro, ou po<strong>de</strong> ser outro, “O negro, hoje, <strong>na</strong> nossa<br />

socieda<strong>de</strong>”.(Este anotado no quadro)<br />

134


4 - Narrativo do tipo história com passagens <strong>de</strong>scritivas<br />

135


5 - Descritivo com uma orientação argumentativa<br />

136


O conjunto <strong>de</strong> <strong>textos</strong> e o quadro teórico proposto por VAN DIJK e<br />

COSTA VAL põem à mostra que um dado tema, ou mesmo um título, por si só, não <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>m o tipo<br />

<strong>de</strong> texto. Como apontamos, vários elementos, inclusive o tema, contribuem para sua constituição.<br />

Antes <strong>de</strong> concluir estas consi<strong>de</strong>rações a respeito do tema, a questão<br />

centralizadora das práticas <strong>de</strong> redação <strong>na</strong>s turmas/séries observadas, po<strong>de</strong>ríamos dizer que não se<br />

apren<strong>de</strong> a escrever escrevendo a partir <strong>de</strong> um dado tema, assunto, título ou ilustração. Apren<strong>de</strong>-se a<br />

escrever, domi<strong>na</strong>r tal tecnologia, à medida em que se apropria <strong>de</strong> conhecimentos necessários à<br />

participação, enquanto leitor e produtor <strong>de</strong> texto, nos discursos que compõem o mundo da escrita.<br />

Discursos que se atualizam nos mais variados registros, veículos, suportes , tipos <strong>textuais</strong> e gêneros<br />

discursivos, cumprindo usos e funções comunicativas distintas.<br />

Nas práticas cotidia<strong>na</strong>s, valemo-nos da escrita para respon<strong>de</strong>r a<br />

necessida<strong>de</strong>s comunicativas diversas. HEATH (1986), <strong>de</strong>senvolvendo uma pesquisa sobre os usos da<br />

leitura e escrita em uma comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhadores negros norte-americanos, aponta as várias<br />

possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> utilização <strong>de</strong>ssas duas tecnologias <strong>na</strong> vida diária: para registro permanente <strong>de</strong><br />

informações, uso instrumental, para substituição <strong>de</strong> mensagens orais, uso sociointeracio<strong>na</strong>l, noticioso e,<br />

também, como apoio à memória.<br />

Já OLIVEIRA (1987:24), trabalhando com adultos a<strong>na</strong>lfabetos, constata<br />

haver, <strong>na</strong>s práticas <strong>de</strong> escrita e leitura <strong>de</strong>senvolvidas pelos sujeitos pesquisados, uma outra função,<br />

além daquelas indicadas por HEATH, a saber, expressão pessoal.<br />

Nessas várias condições <strong>de</strong> uso da escrita, manifestam-se as diferentes<br />

funções que ela <strong>de</strong>sempenha numa dada cultura, caracterizando-se, assim, a sua prática social.<br />

Por exemplo, os jor<strong>na</strong>is diversos, as revistas femini<strong>na</strong>s, fotonovelas,<br />

gibis, livros sobre os gênios da pintura, da música, da literatura, os guias turísticos, os indicadores<br />

econômicos, etc. expostos <strong>na</strong> banca <strong>de</strong> jor<strong>na</strong>l; os letreiros; os out-doors; as faixas à frente <strong>de</strong> lojas,<br />

anunciando ofertas; os cartazes afixados em ônibus, muros, divulgando campanhas <strong>de</strong> vaci<strong>na</strong>ção,<br />

shows, etc.;os folhetos <strong>de</strong> propaganda <strong>de</strong> produtos novos, <strong>de</strong> consertos em geral, <strong>de</strong> pessoas que<br />

prevêem o futuro (a sorte), <strong>de</strong> políticos; as placas <strong>de</strong> si<strong>na</strong>lização, as inscrições em muro, as pichações;<br />

os carnês <strong>de</strong> prestação; a carta enviada (ou recebida) a (<strong>de</strong>) uma pessoa; os filmes legendados; a<br />

receita culinária; as bulas <strong>de</strong> remédio, o diário íntimo, etc., são tantas, entre outras ativida<strong>de</strong>s<br />

discursivas, que representam a escrita (<strong>produção</strong> simbólica) da socieda<strong>de</strong> e suas funções e usos<br />

sociais.<br />

137


Na verda<strong>de</strong>, o que se apren<strong>de</strong> a escrever, enquanto usuário <strong>de</strong>ssa<br />

tecnologia <strong>de</strong> comunicação, são os gêneros discursivos que correspon<strong>de</strong>m a essas ativida<strong>de</strong>s<br />

discursivas reais e concretas que o sujeito pratica no universo social em que se está inserido.<br />

Desse modo, parece evi<strong>de</strong>nte que, para se apropriar da linguagem<br />

escrita, em seus processos diversos <strong>de</strong> funcio<strong>na</strong>mento, que ocorrem e se manifestam sob a forma <strong>de</strong><br />

texto, não basta uma prática <strong>de</strong> escrita cuja diretriz é o tema.<br />

Escrevem-se, entre outras coisas, cartas, bilhetes, convites (com as suas<br />

variadas formas), diários íntimos, histórias ficcio<strong>na</strong>is ou não, contos, crônicas, relatórios, informes,<br />

<strong>de</strong>claração e procuração oficiais, ensaios científicos, monografias, sermões, receitas culinárias, lista <strong>de</strong><br />

compras, etc. Essas diferentes formas <strong>de</strong> escrita que, figuram <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>, com usos e funções<br />

sociais diferentes, é que <strong>de</strong>vem constituir objeto <strong>de</strong> aprendizagem.<br />

Esses gêneros discursivos recobrem vários tipos <strong>de</strong> texto - <strong>na</strong>rrativo,<br />

dissertativo, <strong>de</strong>scritivo, argumentativo e injuntivo - os básicos da prática discursiva <strong>de</strong> nossa cultura.<br />

A escolha <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sses gêneros discursivos e dos possíveis tipos<br />

<strong>textuais</strong> - para cumprir funções sociointeracio<strong>na</strong>is com o outro - não se dá por razões exclusivas do<br />

tema (o objeto do discurso), mas também por outros fatores que, em sua relação, <strong>de</strong>finem a construção<br />

do texto.<br />

E alguém, para se tor<strong>na</strong>r usuário dos discursos que compõem o mundo<br />

da escrita <strong>de</strong> uma dada socieda<strong>de</strong>, necessita <strong>de</strong> um conhecimento que implica a mudança <strong>de</strong><br />

si<strong>na</strong>lizações discursivas, lingüísticas, <strong>textuais</strong>, estruturais em vários níveis, <strong>de</strong>mandados pelas<br />

condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong> em que se inscreve o texto escrito. E ter acesso a esse tipo <strong>de</strong> conhecimento<br />

pressupõe uma aprendizagem sistemática que permita ao aprendiz (no nosso caso, o aluno) não só<br />

adquirir o domínio <strong>de</strong>ssa tecnologia <strong>de</strong> comunicação, mas também compreen<strong>de</strong>r que pela linguagem e<br />

com a linguagem os sujeitos praticam ações para agirem sobre o mundo e sobre o outro.<br />

BAKHTIN(1992:282), em sua obra “Estética da Criação Verbal”, ao<br />

apontar a diversida<strong>de</strong> dos gêneros discursivos, relacio<strong>na</strong>ndo-os com as diferentes esferas da ativida<strong>de</strong><br />

e da comunicação huma<strong>na</strong>, pon<strong>de</strong>ra que<br />

“(...)ignorar a <strong>na</strong>tureza do enunciado e as particularida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

gênero que assi<strong>na</strong>lam a varieda<strong>de</strong> do discurso em qualquer área<br />

do estudo lingüístico leva ao formalismo e à abstração,<br />

138


(...)enfraquece o vínculo existente entre a língua e a vida. A<br />

língua penetra <strong>na</strong> vida através dos enunciados concretos que a<br />

realizam, e é também através dos enunciados concretos que a<br />

vida penetra <strong>na</strong> língua”.<br />

Apesar <strong>de</strong> os alunos, inevitavelmente, lidarem no seu dia-a-dia com os<br />

diferentes gêneros discursivos concretos (orais e escritos) típicos da esfera <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> e <strong>de</strong><br />

comunicação huma<strong>na</strong>s em que se encontram inseridos, bem como com outros pertencentes a outras<br />

esferas (grupo social), a <strong>escola</strong>, entretanto, nega ou parece ignorar não só os diferentes modos<br />

enunciativos (tipos <strong>de</strong> texto) que se atualizam nos múltiplos gêneros discursivos, respon<strong>de</strong>ndo a usos e<br />

funções sociais diferentes, mas também os próprios gêneros discursivos que representam as ativida<strong>de</strong>s<br />

reais e concretas que esses sujeitos praticam <strong>na</strong>s suas interações verbais sociais.<br />

Essa postura explicita-se discursivamente, em grau maior e menor, <strong>na</strong>s<br />

falas dos profeesores:<br />

H.: “Na segunda série, eles (os alunos) primeiro precisam apren<strong>de</strong>r<br />

a escrever histórias com perso<strong>na</strong>gens, eles precisam fazer<br />

produções <strong>de</strong> texto com mais criativida<strong>de</strong>, com títulos bem<br />

sugestivos, bem interessantes. Acho que esse é o primeiro<br />

passo, sabendo fazer isso, acho que <strong>na</strong>s outras séries eles irão<br />

apren<strong>de</strong>r outros tipos <strong>de</strong> redação”.<br />

K.: “(...)se eles fazem redações do tipo <strong>na</strong>rração, <strong>de</strong>scrição,<br />

dissertação, isso para mim, acho que nem sei isso direito, não.<br />

Isso não é matéria <strong>de</strong> quinta à oitava série ou, então, lá do<br />

segundo grau? Eu nunca pensei nisso. Eles (refere-se à equipe<br />

técnica) lá embaixo não cobram da gente isso, aqui, não. O que<br />

é pedido é que a gente dê redações bem interessantes, que<br />

<strong>de</strong>spertem nos alunos o interesse <strong>de</strong> escrever”.<br />

139


2.4 - Condições discursivas <strong>escola</strong>res<br />

D.: “Eu parto <strong>de</strong>sses <strong>textos</strong> que eu dou do livro didático <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do<br />

para eles (alunos) <strong>na</strong> sexta série. Dou também vários temas<br />

diferentes para eles escreverem as suas redações. São <strong>textos</strong><br />

diferentes, mas mais é <strong>na</strong>rração que se vê no livro <strong>de</strong>les. O meu<br />

ponto principal é saber se eles colocam para fora os temas<br />

trabalhados com eles, para ver se aquilo que eu ensinei foi<br />

captado. Não ensino se o texto é <strong>de</strong>sse tipo ou daquele. O meu<br />

ponto principal é pôr esses alunos para escrever muito porque<br />

senão fica difícil chegar no segundo grau com capacida<strong>de</strong>”.<br />

I.: “(...)com relação a essas coisas <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrição, dissertação,<br />

<strong>na</strong>rração que tem nos livros didáticos, <strong>na</strong> <strong>escola</strong>, para falar a<br />

verda<strong>de</strong>, eu nunca me preocupei com isso. Para mim, tanto faz<br />

se eles (alunos) escrevem <strong>na</strong>rração <strong>de</strong>scrição ou dissertação, é<br />

claro que eles escrevem essas redações, <strong>de</strong>i muitos temas que<br />

ajudaram, mas para mim o importante é se eles produzem<br />

<strong>textos</strong>, se sabem colocar as idéias no papel organizadas com<br />

sentido, com concordância verbal e nomi<strong>na</strong>l, pontuação. Agora<br />

se vai ser <strong>de</strong> um <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do tipo <strong>na</strong>rração, dissertação,<br />

<strong>de</strong>scrição, isso para mim não tem nenhum valor, para falar a<br />

verda<strong>de</strong>”.<br />

“Por mais ingênuo que possa parecer, para produzir um texto<br />

(em qualquer modalida<strong>de</strong>) é preciso que: a) se tenha o que dizer;<br />

b) se tenha uma razão para dizer o que se tem a dizer; c) se<br />

tenha para quem dizer o que se tem a dizer; d) o locutor se<br />

constitua como tal, enquanto sujeito que diz o que diz para quem<br />

140


diz (ou, <strong>na</strong> imagem wittgensteinia<strong>na</strong>, seja um jogador no jogo; e)<br />

se escolham as estratégias para realizar (a), (b), (c) e<br />

(d).(GERALDI,1991:137)<br />

Levando em conta este quadro <strong>de</strong> condições necessárias à <strong>produção</strong> <strong>de</strong><br />

um texto, o mesmo autor pon<strong>de</strong>ra:<br />

A observação mais <strong>de</strong>spretenciosa do ato <strong>de</strong> escrever para a<br />

<strong>escola</strong> po<strong>de</strong> mostrar que, pelos <strong>textos</strong> produzidos, há muita<br />

escrita e pouco texto (ou discurso), precisamente porque se<br />

constroem nestas ativida<strong>de</strong>s, para cada um dos aspectos<br />

apontados acima, respostas diferentes daquelas que se<br />

constroem quando a fala (e o discurso) é para valer”.(op.cit)<br />

GERALDI, entre outros, em estudos que se voltam para o ensino da<br />

linguagem escrita <strong>na</strong> <strong>escola</strong>, vem pondo à mostra que, apesar <strong>de</strong> a <strong>escola</strong> atribuir-se o papel <strong>de</strong> ensi<strong>na</strong>r<br />

a ler e a escrever, as práticas com texto nela <strong>de</strong>senvolvidas têm- se inserido em um quadro <strong>de</strong><br />

condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong> que distancia a escrita <strong>de</strong> um dos seus usos efetivos, a saber, como<br />

instrumento social <strong>de</strong> interação.<br />

Po<strong>de</strong>-se dizer que tal distanciamento, muitas vezes, já se manifesta no<br />

início dos primeiros momentos do processo <strong>de</strong> alfabetização, quando, geralmente, os <strong>textos</strong> da cartilha<br />

se transformam no mo<strong>de</strong>lo que o aluno <strong>de</strong>ve seguir, quando escreve. E a convivência com esses<br />

mo<strong>de</strong>los, o modo como a <strong>escola</strong> os aborda acabam favorecendo ao aluno a construção <strong>de</strong> uma imagem<br />

<strong>de</strong> que texto é tão-somente uma seqüência <strong>de</strong> frases isoladas, <strong>de</strong>sprovidas <strong>de</strong> coerência e coesão ou<br />

em muita escrita e pouco texto.<br />

Outro aspecto que, igualmente, ten<strong>de</strong>ria a levar o texto do aluno a tomar<br />

tal configuração seriam as condições discursivas que compõem o conjunto <strong>de</strong> condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong><br />

<strong>de</strong> texto que cercam a situação <strong>de</strong> enunciação das aulas observadas. Consi<strong>de</strong>rado o modo como essas<br />

condições discursivas se atualizavam, seria razoável supor que elas acabariam possibilitando que o<br />

produto da prática <strong>de</strong> escrita do aluno <strong>de</strong>ixasse <strong>de</strong> ser texto para se transformar em produto <strong>de</strong> um<br />

141


mero exercício <strong>escola</strong>r ou redação. Tal possibilida<strong>de</strong> evi<strong>de</strong>nciava-se à medida que essas situações<br />

discursivas pareciam assumir dimensões cujos valores se distanciavam daqueles que orientam (as<br />

respostas construídas para valer) as reais relações interlocutivas estabelecidas entre falante/escritor e<br />

ouvinte/leitor. Com o fim <strong>de</strong> <strong>de</strong>lineá-las, transcreveremos alguns recortes já arrolados no item 2.2.<br />

Vejamos, então, como essas condições se atualizavam no interior das práticas <strong>de</strong> redação.<br />

“Para quem”se escreve <strong>na</strong> <strong>escola</strong>:<br />

“Como” se escreve <strong>na</strong> <strong>escola</strong>:<br />

“O que” se escreve <strong>na</strong> <strong>escola</strong>:<br />

“Você vai produzir alguma coisa para mim”.(2ª série)<br />

“Fale sobre a <strong>na</strong>tureza, <strong>de</strong>pois conta a história e fi<strong>na</strong>liza e<br />

prontinho.<br />

Conte a sua história com amor e carinho”.(2ª série)<br />

“Tirar as suas idéias a partir <strong>de</strong>sse texto e escrever com as suas<br />

palavras”.(4ª série)<br />

“Modificando algumas palavras que existem nessa primeira<br />

parte.<br />

Colocando as idéias bem objetivas e bem simplificadas. Escrever<br />

pouco com objetivida<strong>de</strong> para não escrever muitas palavras<br />

erradas.<br />

Com boa caligrafia.<br />

Acentuação, pontuação”.(6ª série)<br />

“Atenção à escrita das palavras, à concordância, pontuação”.(8ª<br />

série)<br />

142


uma história (2ª série)<br />

um resumo (4ª série)<br />

um minitexto (6ª série)<br />

uma redação (8ª série)<br />

Quanto ao “sobre o quê” se escreve <strong>na</strong> <strong>escola</strong>, o assunto ou tema,<br />

julgamos <strong>de</strong>snecessário expor, uma vez que esta questão foi objeto <strong>de</strong> análise item no 2.3.<br />

Por fim, “para quê” se escreve <strong>na</strong> <strong>escola</strong>? Uma rápida análise <strong>de</strong>ssas<br />

condições permite verificar que as razões que parecem ser criadas para escrever o que se tem a<br />

escrever <strong>na</strong> <strong>escola</strong> caracterizam-se, basicamente, por um cumprimento <strong>de</strong> uma tarefa <strong>escola</strong>r: o aluno<br />

escreve para mostrar ao professor que realizou aquilo que foi solicitado e para, conseqüentemente,<br />

receber <strong>de</strong>le uma aprovação. Em meio aos <strong>textos</strong> a<strong>na</strong>lisados, percebemos, entretanto, que, como<br />

veremos mais adiante, há alguns que, apesar <strong>de</strong> refletirem um cumprimento <strong>de</strong> tarefa <strong>de</strong> sala <strong>de</strong> aula,<br />

parecem romper com esse artificialismo, ou sobrepô-lo, <strong>na</strong> medida em que manifestam outras razões<br />

para dizer o que ali foi dito, ou seja, refletem uma experiência, um ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> seus autores.<br />

Contudo, ao que parece, po<strong>de</strong>-se dizer que, diante <strong>de</strong> tais condições <strong>de</strong><br />

<strong>produção</strong> <strong>de</strong> escrita, o que acaba emergindo e tipificando o uso <strong>de</strong> escrita <strong>na</strong> <strong>escola</strong> é aquilo que se<br />

<strong>de</strong>fine como muita escrita e pouco texto. Pois, ter algo a dizer e uma razão para fazê-lo, utilizando a<br />

escrita para interagir com o outro, é, <strong>na</strong> verda<strong>de</strong>, praticar ações com a linguagem e por meio da<br />

linguagem para agir sobre o outro e sobre o mundo, recorrendo (conscientemente ou não)a estratégias<br />

discursivas, lingüísticas, <strong>textuais</strong> (macro e superestruturais) próprias às condições em que se inscreve o<br />

texto nessa modalida<strong>de</strong>. Por outro lado, escrever algo sem precisar as razões que levam a fazê-lo, a<br />

não ser aquelas acima mencio<strong>na</strong>das, cuja função é instrumental (Cf.SOARES,1988:8), mostrar que fez,<br />

mostrar que realizou o que foi pedido, é, <strong>na</strong> verda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ixar que os outros usos e funções da escrita<br />

fiquem <strong>na</strong> penumbra do processo da aprendizagem <strong>de</strong>ssa tecnologia. No caso <strong>de</strong>ste estudo, as<br />

condições <strong>de</strong> utilização da linguagem escrita <strong>na</strong> <strong>escola</strong> pareciam respon<strong>de</strong>r a um objetivo que se<br />

distanciava da linguagem como modo <strong>de</strong> interação.<br />

SOARES (1988), em “Alfabetização: A (<strong>de</strong>s)aprendizagem das funções<br />

da escrita”, apresenta uma reflexão sobre as funções da linguagem que a <strong>escola</strong> usa e espera que<br />

sejam usadas em suas ativida<strong>de</strong>s com texto escrito. Essa autora, com base em estudos <strong>de</strong> HALLIDAY<br />

sobre as funções da linguagem, <strong>de</strong>monstra, mediante análise <strong>de</strong> alguns <strong>textos</strong> produzidos em<br />

143


condições <strong>escola</strong>res, por crianças pertencentes a camadas socioeconômicas diferentes, que tais<br />

crianças atribuem ao uso da língua escrita, <strong>na</strong>quelas condições, funções distintas.<br />

Por exemplo, a criança das camadas favorecidas, pelo seu processo <strong>de</strong><br />

socialização e dado o seu contexto cultural, sabe com que funções <strong>de</strong>ve usar a língua escrita <strong>na</strong> <strong>escola</strong>.<br />

Sabe, portanto, que, quando o seu interlocutor <strong>escola</strong>r lhe pe<strong>de</strong> um texto escrito, este não tem a<br />

intenção, propriamente, <strong>de</strong> que seja <strong>de</strong>monstrado o que ela pensa ou sente (o uso da linguagem com<br />

funções pessoal e interacio<strong>na</strong>l), mas o que conhece ou o que é capaz <strong>de</strong> criar (o uso da linguagem com<br />

funções representativa - referencial - ou imagimativa).<br />

Já a criança das camadas populares, também pelo seu processo <strong>de</strong><br />

socialização, diferente da cultura <strong>escola</strong>r, em seus <strong>textos</strong> <strong>escola</strong>res, usa outras funções - pessoal e<br />

interacio<strong>na</strong>l -, distanciando-se, assim, da linguagem e das funções autorizadas pela <strong>escola</strong>. Entretanto,<br />

a insistência e a persistência da <strong>escola</strong> em levar os seus alunos a usarem a escrita com funções que<br />

ela, <strong>escola</strong>, privilegia (representativa e imagi<strong>na</strong>tiva) acabam possibilitanto um processo <strong>de</strong><br />

aprendizagem/<strong>de</strong>saprendizagem das funções da escrita. Por um lado, apren<strong>de</strong>m, ao longo da<br />

<strong>escola</strong>rização, a usar a escrita com funções por ela autorizada e que a transformam numa interlocução<br />

artificial, por outro, <strong>de</strong>sapren<strong>de</strong>m a escrita como instrumento sociointeracio<strong>na</strong>l e pessoal. SOARES<br />

(p.10), nesse estudo, apresenta a seguinte conclusão:<br />

“O processo <strong>de</strong> aquisição da língua escrita, <strong>na</strong> <strong>escola</strong>, é, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />

primeiro momento, um processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>saprendizagem da escrita<br />

com as funções <strong>de</strong> interação autor/leitor, <strong>de</strong> intersubjetivida<strong>de</strong>, e<br />

<strong>de</strong> aprendizagem <strong>de</strong> uma escrita que, em vez <strong>de</strong> interação, é<br />

re<strong>produção</strong> <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo <strong>escola</strong>r <strong>de</strong> texto, é “prestação <strong>de</strong><br />

contas” do autor a um leitor que <strong>na</strong>da mais espera senão<br />

reconhecer, no texto produzido esse mo<strong>de</strong>lo; que, em vez <strong>de</strong><br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> intersubjetivida<strong>de</strong>, é, ao contrário, negação da<br />

subjetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> autor e leitor, porque um e outro se negam<br />

como sujeitos, <strong>na</strong> escrita/leitura do texto”.<br />

Assim, a partir <strong>de</strong>ssas e nessas condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> escrita dadas<br />

pela <strong>escola</strong>, instaura-se o processo <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto escrito pelo aluno. Opera-se, <strong>de</strong>sse modo, ao<br />

longo da <strong>escola</strong>rização, o confi<strong>na</strong>mento da escrita a um número reduzido <strong>de</strong> usos e funções permitidos<br />

144


e aconselhados por ela. Tal confi<strong>na</strong>mento, evi<strong>de</strong>ntemente, acaba por restringir as virtuais relações entre<br />

sujeito e a linguagem atualizada nessa modalida<strong>de</strong>.<br />

Outro aspecto que, igualmente, ten<strong>de</strong>ria a intensificar as possibilida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> restrições entre aluno e a linguagem escrita refere-se às estratégias propostas pela <strong>escola</strong> no que<br />

respeita ao como se <strong>de</strong>ve escrever um texto. Consi<strong>de</strong>rando, entre outras, as <strong>de</strong>senvolvidas <strong>na</strong> 2ª série,<br />

anteriormente arroladas, po<strong>de</strong>-se dizer que já no início do processo <strong>de</strong> <strong>escola</strong>rização se <strong>de</strong>ixa emergir<br />

uma concepção <strong>de</strong> como os <strong>textos</strong> se constituem <strong>na</strong> <strong>escola</strong>.<br />

As orientações que se <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>vam ao como escrever, nessa série, como<br />

se pô<strong>de</strong> ver, sugeriam, basicamente, a forma <strong>de</strong> organizar ou estruturar um texto <strong>na</strong>rrativo do tipo<br />

história: “Fale sobre a <strong>na</strong>tureza, <strong>de</strong>pois conte a história e fi<strong>na</strong>liza e prontinho”. Essas orientações, ao<br />

que parece, tinham como objetivo indicar as estratégias <strong>textuais</strong> (esquemáticas) que po<strong>de</strong>riam ser<br />

usadas <strong>na</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> texto. Embora percebêssemos essa intenção, por parte da<br />

professora, as si<strong>na</strong>lizações que explicitariam as razão por que se <strong>de</strong>veria, primeiramente, falar sobre a<br />

<strong>na</strong>tureza ou por que, geralmente, se usa especificar ou <strong>de</strong>screver o lugar (a <strong>na</strong>tureza = cenário ou<br />

situação), on<strong>de</strong> acontecerão as ações <strong>na</strong>rradas (contadas) ao longo da história, tal orientação não era<br />

feita. Da mesma forma “<strong>de</strong>pois conte a história”, apesar <strong>de</strong> sugerir a atitu<strong>de</strong> enunciativa que o aluno<br />

<strong>de</strong>veria tomar frente ao assunto proposto, e, ao mesmo tempo, parecer relacio<strong>na</strong>r-se com a parte da<br />

história em que se <strong>de</strong>senvolve a trama, tal orientação não criava condições <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o aluno<br />

apropriar-se <strong>de</strong> um conhecimento sistemático no que respeita à estruturação do seu texto, visto que não<br />

eram explicitadas que estratégias discursivas, lingüísticas, <strong>textuais</strong> (macro e esquemática),etc po<strong>de</strong>riam<br />

ou não ser utilizadas para contar algo por escrito. E por fim, o “prontinho e fi<strong>na</strong>liza“: diante do caráter<br />

vago <strong>de</strong>ssas instruções, po<strong>de</strong>-se dizer que elas acabavam por incorporar valores não muito diferentes<br />

das orientações que as antecediam. Na verda<strong>de</strong>, essas últimas se assemelhavam ao jargão usado <strong>na</strong>s<br />

outras turmas/séries: ”Atenção, todo texto tem princípio, meio e fim”.<br />

Ao que tudo indica, uma das concepções que parecem orientar a escrita<br />

<strong>de</strong> texto <strong>na</strong> <strong>escola</strong> é que escrever é uma prática que não requer um conhecimento <strong>de</strong> si<strong>na</strong>lizações<br />

peculiares <strong>de</strong>mandadas pela própria condição <strong>de</strong> <strong>produção</strong> que o texto escrito impõe. Escrever algo <strong>na</strong><br />

<strong>escola</strong> era quase uma espécie <strong>de</strong> milagre do espírito, ou uma ativida<strong>de</strong> mágica, on<strong>de</strong> o êxito é atribuído<br />

ao dom, como diz VIGNER(1988:123). Ou como pon<strong>de</strong>ra LAJOLO (1988:60), por uma espécie <strong>de</strong><br />

milagre contagioso, o aluno que lê um bom texto está automaticamente apto a produzir um texto<br />

igualmente bom.<br />

145


Essas restrições, conjugadas com aquelas relativas ao para quê e para<br />

quem se escreve <strong>na</strong> <strong>escola</strong>, permitiam que os <strong>textos</strong> produzidos pelos alunos <strong>de</strong>ixassem <strong>de</strong> cumprir<br />

uma função real da linguagem, construindo-se, assim, uma situação artificial <strong>de</strong> interlocução. Gran<strong>de</strong><br />

parte dos texto, conseqüentemente, passava a não respon<strong>de</strong>r a nenhuma intenção comunicativa do<br />

aluno, a nenhum interesse <strong>de</strong> atuação sobre um interlocutor virtual ou empírico, a nenhum processo <strong>de</strong><br />

interação (inter)subjetiva.<br />

Assim, nessas condições, escrevia-se um texto, não para dizer o que se<br />

tinha a dizer ou gostaria <strong>de</strong> dizer, mas o que já fora dito pela <strong>escola</strong>. As estratégias para dizer o que se<br />

<strong>de</strong>via e/ou se podia dizer já estavam preestabelecidas, e basicamente circunscreviam-se ao mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

língua(gem) e <strong>de</strong> texto por ela proposto.<br />

Contudo, não são ações <strong>de</strong>ssa <strong>na</strong>tureza que locutores (e interlocutores),<br />

em seus processos interlocutivos reais, assumem. Nestes, o locutor conduz a <strong>produção</strong> <strong>de</strong> seu texto<br />

(aquelas respostas construídas para valer) em função daqueles fatores expostos anteriormente. Nas<br />

interações que se dão à distância, no caso da escrita, por exemplo, ele procura prever possíveis<br />

interpretações <strong>de</strong> seus enunciados, baseando-se no suposto conhecimento que possui do seu<br />

interlocutor. Em vista disto, orienta a construção do seu texto estrategicamente para que seja<br />

interpretado pelo interlocutor <strong>de</strong> forma satisfatória. ECO (apud FOUCAMBERT,1994:80) diz que durante<br />

o trabalho <strong>de</strong> escrita, o locutor age tal como um pintor frente à tela:<br />

“Após dar a primeira pincelada (o pintor) recua dois ou três<br />

passos e observa o efeito: olha para a tela com o mesmo olhar<br />

que o espectador lançará sobre ela quando a admirar pronta, <strong>na</strong>s<br />

condições <strong>de</strong> luz a<strong>de</strong>quadas, pendurada <strong>na</strong> pare<strong>de</strong>. Termi<strong>na</strong>da a<br />

obra, instaura-se o diálogo entre o texto e seus leitores. Durante<br />

a elaboração da obra, há um diálogo duplo: o diálogo entre esse<br />

texto e todos os outros escritos anteriormente, e o diálogo entre<br />

o autor e seu leitor-mo<strong>de</strong>lo”.<br />

Por outro lado, o locutor espera <strong>de</strong> seu interlocutor uma atitu<strong>de</strong> frente ao<br />

texto que está sendo enunciado. Como afirma BAKHTIN(1992), todo enunciado se elabora como que<br />

para ir ao encontro <strong>de</strong>ssa atitu<strong>de</strong>. O interlocutor que recebe e compreen<strong>de</strong> a significação <strong>de</strong> um<br />

discurso adota, simultaneamente, para com esse discurso, uma atitu<strong>de</strong> responsiva ativa: concorda ou<br />

146


discorda (total ou parcialmente), completa, adapta-se àquilo que está sendo enunciado, etc; todos esses<br />

mecanismos trabalham em favor da significação do texto (discurso).<br />

Mediante algumas falas (outros recortes discursivos) dos professores, é<br />

possível perceber que a atitu<strong>de</strong> responsiva ativa que eles tomam em relação ao texto do aluno se<br />

expressa como uma interlocução que se volta mais para a aferição. Concorda ou discorda não com o<br />

que o texto diz, mas com a variante língüística que foi usada para dizer o que se disse. Dessa forma, o<br />

que se leva em conta é, ape<strong>na</strong>s, o código lingüístico típico da linguagem que a <strong>escola</strong> usa e espera que<br />

nela seja usada. Os outros componentes constitutivos da significação do texto, como, por exemplo, o<br />

grau <strong>de</strong> informativida<strong>de</strong>, intencio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> (Cf.BEAUGRANDE & DRESSLER,1981) do aluno , parecem<br />

assumir papéis secundários.<br />

H.: “Esses alunos precisam escrever muito, eles têm sérios<br />

problemas <strong>de</strong> ortografia, pontuação, <strong>de</strong> expressar as suas idéias<br />

quando escrevem. Eles precisam adquirir esse hábito <strong>de</strong><br />

escrever”.<br />

K.: “O que ajuda os alunos a melhorar <strong>na</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto é leitura<br />

e bastante exercícios estruturais. Isso ajuda muito <strong>na</strong> expressão<br />

escrita. Estou atenta às redações dos alunos <strong>na</strong> parte da<br />

ortografia, da colocação das palavras, da paragrafação, essas<br />

coisas são importantes, porque <strong>na</strong> 5ª série eles (os professores)<br />

cobram tudo isso”.<br />

D.: “Dou muito trabalho para as minhas turmas. Em geral, todos têm<br />

dificulda<strong>de</strong> <strong>na</strong> escrita, estão melhorando. Dou as coor<strong>de</strong><strong>na</strong>das<br />

<strong>na</strong>s aulas <strong>de</strong> gramática, explico como se usam os termos e<br />

<strong>de</strong>pois eu olho se eles apren<strong>de</strong>ram, se souberam aplicar <strong>de</strong><br />

modo certo”.<br />

I. “Um fato verificado e difícil <strong>de</strong> resolver é ortografia dos alunos.<br />

Eles já chegam aqui com problemas <strong>de</strong> ortografia, <strong>de</strong><br />

concordância, <strong>de</strong> pontuação. Cobro isso muito, mas não adianta,<br />

147


asta olhar, assim, por cima, o que mais se vê são esses<br />

problemas”.<br />

A concepção <strong>de</strong> ensino-aprendizagem <strong>de</strong> língua escrita que emerge<br />

nesse conjunto <strong>de</strong> falas parece ancorar-se no princípio <strong>de</strong> que a apropriação da escrita só ocorre pela<br />

via das práticas do ensino <strong>de</strong> língua mater<strong>na</strong> construídas sobre as bases <strong>de</strong> um ensino metalingüístico,<br />

isto é, a aprendizagem da língua se dá por meio <strong>de</strong> exercícios, repetições, memorizações <strong>de</strong> conceitos<br />

e regras (já prontas e <strong>de</strong>finidas a priori), <strong>de</strong> estruturas lingüísticas (geralmente <strong>de</strong>svinculadas do seu<br />

contexto comunicativo), etc. Assim, nessa perspectiva, os fatos da língua só po<strong>de</strong>m ser apropriados<br />

pelo aluno caso sejam organizados nos mol<strong>de</strong>s do ensino metalingúístico, e, daí, aplicados <strong>na</strong> prática<br />

<strong>de</strong> escrita <strong>de</strong> <strong>textos</strong>, por intermédio dos quais o aluno po<strong>de</strong>rá mostrar ao professor se está domi<strong>na</strong>ndo<br />

ou não a norma culta padrão.<br />

Em função <strong>de</strong>ssa imagem que permeia o universo do ensino <strong>de</strong> redação,<br />

o que resulta são práticas que acabam por se distanciar do uso da língua em seu funcio<strong>na</strong>mento<br />

efetivo, <strong>na</strong> medida em que a preocupação se centraliza ape<strong>na</strong>s no seu aspecto formal, aliás, uma das<br />

dimensões <strong>de</strong>sse funcio<strong>na</strong>mento. Ao assumir tal postura, o ensino da língua escrita ten<strong>de</strong> a neutralizar<br />

as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> o aluno usar a linguagem como interação, pois seu convívio com ela, no cotidiano<br />

da sala <strong>de</strong> aula, direcio<strong>na</strong>-se por ativida<strong>de</strong>s lingüísticas veiculadas por uma língua sem vida, esvaziada<br />

<strong>de</strong> sentido e distante do aluno. Distante por caracterizar-se como um objeto abstraído <strong>de</strong> um contexto<br />

comunicativo, distante por representar uma outra variante lingüística. Isto, conseqüentemente, po<strong>de</strong><br />

levar o aluno à construção da imagem <strong>de</strong> que a única língua(gem) a<strong>de</strong>quada <strong>na</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> qualquer<br />

texto é aquela veiculada <strong>na</strong> <strong>escola</strong>.<br />

É sabido que a língua usada <strong>na</strong> <strong>escola</strong> para objetivar essas práticas não<br />

é aquela adquirida pelo aluno em sua convivência social diária, mas, sim, outra, a saber, a que foi<br />

elevada à categoria <strong>de</strong> língua padrão ou norma culta por uma série <strong>de</strong> fatores (políticos, econômicos,<br />

i<strong>de</strong>ológicos) que <strong>na</strong>da têm a ver com qualida<strong>de</strong>s e/ou características intrínsecas da forma ou estrutura<br />

<strong>de</strong>ssa língua. E o valor atribuído a essa variante lingüística provém do valor que os falantes <strong>de</strong>ssa<br />

variante têm <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>. Nesses termos, como bem sintetiza GNERRE(1991:6):<br />

“Uma varieda<strong>de</strong> lingüística “vale” o que valem <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong> os<br />

seus falantes, isto é, vale como reflexo do po<strong>de</strong>r e da autorida<strong>de</strong><br />

que eles têm <strong>na</strong>s relações econômicas e sociais”.<br />

148


Em vista disto, e, conseqüentemente, as outras variantes lingüísticas -<br />

aquelas associadas a grupos <strong>de</strong> menor prestígio socioeconômico, que se distanciam <strong>de</strong>sse mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

língua - são consi<strong>de</strong>radas como <strong>de</strong>svios, como <strong>de</strong>turpações <strong>de</strong>sse paradigma usado e privilegiado pela<br />

<strong>escola</strong>.<br />

E o que se percebe é que, ao longo da <strong>escola</strong>rização, tal estigma ten<strong>de</strong> a<br />

intensificar-se, <strong>na</strong> medida em que ela não só nega a linguagem que o aluno traz para o interior <strong>de</strong> suas<br />

práticas, como também parece não criar condições <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> para que ele domine o dialeto<br />

legitimado por ela, como acréscimo (e não substituição) àquele que ele domi<strong>na</strong>.<br />

Nessa dinâmica <strong>escola</strong>r, o que se acaba criando entre o aluno e a sua<br />

linguagem <strong>de</strong> todos os dias é uma lacu<strong>na</strong>. Lacu<strong>na</strong> que, quanto mais <strong>escola</strong>rizado o aluno está, mais<br />

fortalecida se tor<strong>na</strong>, por uma máscara i<strong>de</strong>ológica que reflete os valores <strong>de</strong> uma tradição lingüística <strong>de</strong><br />

uma cultura privilegiada pela <strong>escola</strong>. Assim, entre as exigências da tradição lingüística (fomentada pela<br />

concepção <strong>de</strong> língua(gem), que condicio<strong>na</strong> historicamente o ensino <strong>de</strong> língua mater<strong>na</strong> <strong>na</strong> <strong>escola</strong>) e o<br />

convívio do aluno com a língua viva do seu dia-a-dia cria-se uma imagem <strong>escola</strong>r <strong>de</strong> linguagem que<br />

solapa todos os valores culturais, sociais da sua própria língua.<br />

Por fim, o que essas exigências conseguem evi<strong>de</strong>nciar é a distância<br />

(instituída pela <strong>escola</strong>) que separa o dialeto não-padrão do dialeto <strong>de</strong> prestígio. Assim,<br />

conseqüentemente, o resultado <strong>de</strong> tudo isso, como explica POSSENTI(1984:39):<br />

“(...) é o aumento do silêncio, pois <strong>na</strong> <strong>escola</strong> não se consegue<br />

apren<strong>de</strong>r a varieda<strong>de</strong> ensi<strong>na</strong>da, e se consagra o preconceito que<br />

impe<strong>de</strong> <strong>de</strong> falar segundo outras varieda<strong>de</strong>s. E isto é<br />

politicamente grave porque, segundo Foucault o discurso não é<br />

simplesmente o que traduz as lutas ou os sistemas <strong>de</strong><br />

domi<strong>na</strong>ção mas o por que, aquilo pelo que se luta, o po<strong>de</strong>r cuja<br />

posse se procura”.<br />

Desse modo, nesse contexto comunicativo, a possibilida<strong>de</strong> da presença<br />

<strong>de</strong> interlocutores que estabeleçam uma relação dialógica pela via do texto escrito é apagada. E,<br />

freqüentemente, o que acaba acontecendo é a renúncia do locutor (aluno) a usar a linguagem com suas<br />

149


marcas <strong>de</strong> subjetivida<strong>de</strong> em função <strong>de</strong> uma imagem <strong>de</strong> linguagem e <strong>de</strong> língua construída <strong>na</strong> relação<br />

entre aluno e <strong>escola</strong>, uma vez que esta institui um certo tipo <strong>de</strong> expressão lingüística, e só essa.<br />

Essa postura limitadora que a <strong>escola</strong> assume frente aos <strong>textos</strong> do aluno<br />

difun<strong>de</strong>-se ao longo do processo <strong>de</strong> <strong>escola</strong>rização e tem seu ponto culmi<strong>na</strong>nte <strong>na</strong> redação dos exames<br />

<strong>de</strong> vestibular. Conforme BRITO(1984:109), a inclusão da redação nesses exames, <strong>na</strong> década <strong>de</strong> 70,<br />

parece ter servido para retratar em que pé se encontra a <strong>produção</strong> <strong>de</strong> <strong>textos</strong> por <strong>escola</strong>res.<br />

Muitas pesquisas cujo objeto <strong>de</strong> estudo são as redações produzidas por<br />

alunos egressos do 2º Grau, em situação <strong>de</strong> vestibular, afirmam que tais <strong>textos</strong> não po<strong>de</strong>riam <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />

retratar a trajetória e a relação do aluno com a escrita <strong>na</strong> <strong>escola</strong>. Essas redações refletem a prática<br />

<strong>de</strong>vastadora da <strong>escola</strong> no que tange ao ato <strong>de</strong> escrever, este reduzido a uma mera re<strong>produção</strong> do<br />

mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> linguagem escrita privilegiado e imposto por ela <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primeiros momentos do ingresso<br />

do aluno nela.<br />

PÉCORA(1989:72), por exemplo, <strong>de</strong>staca, <strong>de</strong>ntre outros aspectos, que,<br />

para a marca <strong>de</strong> ausência <strong>de</strong> intersubjetivida<strong>de</strong> nos <strong>textos</strong> <strong>de</strong> vestibulandos, uma das causas possíveis<br />

seria<br />

“(...)o processo histórico <strong>de</strong> <strong>escola</strong>rização que <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> fornecer<br />

esse conhecimento específico (a dimensão argumentativa,<br />

proprieda<strong>de</strong> básica para a caracterização da linguagem como<br />

discurso), substituindo-o por uma falsificação do quadro <strong>de</strong><br />

condições da escrita. E o que ele mais falsifica é justamente a<br />

potencialida<strong>de</strong> argumentativa <strong>de</strong>sse quadro. É exatamente isso o<br />

que ocorre quando o processo <strong>escola</strong>r procura <strong>de</strong>stacar a escrita<br />

do seu uso efetivo da linguagem, quando ten<strong>de</strong> a alie<strong>na</strong>r a sua<br />

prática <strong>de</strong> uma ativida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> um empenho pessoal, quando<br />

procura resguardá-la <strong>de</strong> todo valor que não corresponda à<br />

expectativa oficial <strong>de</strong> perpetuação <strong>de</strong>sse processo <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sapropriação do sujeito da linguagem”.<br />

LEMOS (1977), diante do <strong>de</strong>sempenho lingüístico apresentado pelos<br />

alunos em redações <strong>de</strong> exame vestibular, também tece algumas críticas às ativida<strong>de</strong>s com <strong>textos</strong><br />

150


escritos <strong>na</strong> <strong>escola</strong> e consi<strong>de</strong>ra que a maioria das construções i<strong>na</strong><strong>de</strong>quadas dos vestibulandos po<strong>de</strong>ria<br />

ser explicada como resultado da utilização <strong>de</strong> uma estratégia <strong>de</strong> preenchimento <strong>de</strong> um arcabouço<br />

formal previamente dado em <strong>textos</strong> mo<strong>de</strong>los. Dessa forma, segundo essa autora, o texto <strong>de</strong>sses<br />

vestibulandos não representaria o produto <strong>de</strong> sua reflexão sobre o tema, mas, ao contrário, <strong>de</strong> um<br />

arcabouço ou esquema preenchido com fragmentos <strong>de</strong> reflexões ou evocações <strong>de</strong>sarticuladas.<br />

COSTA VAL (1991), estudando a questão da textualida<strong>de</strong> em redações<br />

<strong>de</strong> vestibular, constata que o problema que mais compromete a qualida<strong>de</strong> das redações a<strong>na</strong>lisadas<br />

localiza-se no plano da coerência do texto (os aspectos referentes às relações lógico-semânticas do<br />

texto - macroestruturais). Conforme a autora, esse problema ten<strong>de</strong> a ocorrer principalmente porque o<br />

aluno parte da falsa crença <strong>de</strong> que há um modo certo <strong>de</strong> escrever, um modo certo <strong>de</strong> interpretar a<br />

realida<strong>de</strong> e, em conseqüência, passa a buscar receitas e fórmulas prontas, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> lado a chance<br />

<strong>de</strong> produzir um discurso próprio. E ela aponta como uma das possíveis causas para isso o processo <strong>de</strong><br />

alie<strong>na</strong>ção lingüística a que se têm submetido os alunos no contexto <strong>escola</strong>r.<br />

Já LEAL (1991), a<strong>na</strong>lisando as condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto escrito<br />

em <strong>escola</strong>s <strong>de</strong> 1º Grau, que se diferenciam por aten<strong>de</strong>r alunos pertencentes a extratos sociais<br />

diferentes, constata que as <strong>escola</strong>s se assemelhavam em relação ao discurso sobre a redação e à<br />

metodologia adotada <strong>na</strong>s salas <strong>de</strong> aula. Segundo a autora, as práticas <strong>de</strong> redação nessas <strong>escola</strong><br />

caracterizavam-se por<br />

“(...) um ritual pedagógico que nega a escrita, enquanto processo<br />

interativo e faz com que o aluno <strong>de</strong>saprenda o uso efetivo da<br />

escrita e aprenda a simulação <strong>de</strong> um jogo: escrever é <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r<br />

<strong>de</strong>, é repetir o discurso <strong>de</strong> outrem...é imitar. Dessa forma os<br />

alunos produzem redações que se apresentam sem textualida<strong>de</strong><br />

e caracterizam-se como parafrásticas, contextualizadas e<br />

previsíveis”.<br />

Todos esse trabalhos acima mencio<strong>na</strong>dos, embora tenham trilhado<br />

caminhos distintos, apontam, basicamente, para uma mesma questão: os <strong>textos</strong> produzidos em<br />

situação <strong>de</strong> vestibular e <strong>de</strong> sala <strong>de</strong> aula acabam refletindo o processo <strong>de</strong> falsificação das condições <strong>de</strong><br />

<strong>produção</strong> escrita instituído <strong>na</strong>/pela <strong>escola</strong>. E são condições <strong>de</strong>ssa <strong>na</strong>tureza que acabam<br />

151


<strong>de</strong>scaracterizando o aluno como sujeito, como aquele que diz a sua palavra, como alguém capaz <strong>de</strong><br />

instaurar, por meio da linguagem escrita, uma relação <strong>de</strong> interlocutiva com o outro, seja para pensar o<br />

mundo seja para agir sobre ele.<br />

Vale ressaltar que, apesar da persistência da <strong>escola</strong> em criar tais<br />

condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> escrita, entretanto, há alunos que ainda insistem em não se <strong>de</strong>ixar anular, e<br />

enquanto sujeitos <strong>de</strong> seus próprios discursos, insistem em trazer para o texto produzido <strong>na</strong> <strong>escola</strong>, a<br />

sua palavra, a sua visão <strong>de</strong> mundo. Como se verá no texto que se segue, o aluno ousa questio<strong>na</strong>r as<br />

práticas <strong>de</strong> redação <strong>de</strong>senvolvidas <strong>na</strong> <strong>escola</strong>, e esse questio<strong>na</strong>mento expressa o valor e o po<strong>de</strong>r da<br />

escrita não só como uma tecnologia construída histórica e culturalmente pelo homem para interagir com<br />

o outro, mas também o po<strong>de</strong>r que ela confere para pensar o mundo e agir sobre ele e os outros. Po<strong>de</strong>se<br />

dizer que, nesse caso, tal aluno resiste em se tor<strong>na</strong>r um locutor que reproduz os valores que a<br />

<strong>escola</strong> espera que sejam anunciados e enunciados por aqueles que nela se encontram. Por meio <strong>de</strong> um<br />

texto do tipo argumentativo, objetiva a visão que tem <strong>de</strong> redação <strong>na</strong> <strong>escola</strong> e do uso e função da escrita<br />

em um mundo letrado como o nosso.<br />

152


153


Com efeito, a reflexão <strong>de</strong>senvolvida neste texto revela o papel que a<br />

redação <strong>de</strong>sempenha <strong>na</strong> <strong>escola</strong> e o uso que se faz <strong>de</strong>la em suas práticas <strong>de</strong> texto. Deixa entrever,<br />

também, a não-preocupação da <strong>escola</strong> com os usos e funções diversificados da escrita - seja para<br />

manifestar os sentimentos difíceis <strong>de</strong> serem <strong>de</strong>monstrados, seja para relatar ou refletir pensamentos<br />

resultantes <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s imagi<strong>na</strong>ções, seja para inteirar-se com os outros, enquanto meio <strong>de</strong><br />

comunicação expressiva que facilita o convívio com milhões <strong>de</strong> pessoas.<br />

Nota-se, com a ajuda da argumentação <strong>de</strong>ste texto, a clareza que o<br />

aluno tem do distanciamento entre a escrita da <strong>escola</strong> e aquela que circula <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>. Aponta o<br />

<strong>de</strong>scaso da <strong>escola</strong> com as práticas <strong>de</strong> redação: Mas a <strong>na</strong>tureza às vezes é tão estranha que faz com<br />

que algumas pessoas não vejam o valor da tão falada, da tão escrita redação. Nós mesmos, vemos<br />

<strong>de</strong>ntro da nossa comunida<strong>de</strong> a gran<strong>de</strong> represália que fazem a ela.<br />

Acusa a ausência da redação <strong>na</strong> <strong>escola</strong> e a forma como se nega o<br />

acesso, a apropriação da escrita tão falada, tão escrita por outros, cujo acesso não só é livre, mas<br />

também legitimado, pois já está garantido pelo extrato social a que pertence o aluno: São poucas as<br />

<strong>escola</strong>s que a colocam em seu curriculum, o que leva a poucos o privilégio <strong>de</strong> usufruí-la, mesmo assim,<br />

alguns que a têm a mal dizem. Por fim, apesar <strong>de</strong>sse estado <strong>de</strong> coisas, ainda vê a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> a<br />

<strong>escola</strong> permitir-lhe o domínio <strong>de</strong>ssa tecnologia, pois acredita e lutará para que um dia ela, a redação,<br />

seja vista com os seus verda<strong>de</strong>iros valores.<br />

E o que alimenta essa luta, como diz SOARES (1989:73), é o fato <strong>de</strong> os<br />

alunos das camadas populares verem a <strong>escola</strong> como um espaço em que po<strong>de</strong>m ser adquiridos os<br />

instrumentos necessários à luta contra a <strong>de</strong>sigual distribuição dos privilégios usufruídos pelas camadas<br />

domi<strong>na</strong>ntes, no que tange ao domínio da tecnologia da escrita e leitura. Por isso,<br />

“(...)reivindicam o direito <strong>de</strong> acesso à <strong>escola</strong> porque reconhecem<br />

que os conhecimentos e habilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> que as classes<br />

domi<strong>na</strong>ntes mantêm o monopólio são indispensáveis como<br />

instrumentos <strong>de</strong> luta contra as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s econômicas e<br />

sociais”.<br />

154


Depois do acaba <strong>de</strong> ser dito, po<strong>de</strong>mos concluir essa parte do capítulo<br />

com as palavras <strong>de</strong> JEAN FOUCAMBERT(1994:81):<br />

“Preocupar-se com a escrita é esten<strong>de</strong>r a todos, em todas as<br />

áreas, o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> transformar e assim compreen<strong>de</strong>r o mundo, ou<br />

seja, estabelecer outros mapas <strong>de</strong>sse mundo: é promover as<br />

condições da <strong>produção</strong> <strong>de</strong> <strong>textos</strong>; é a conquista <strong>de</strong>sse status <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>r que inclui a escrita como meio <strong>de</strong> pensar o real. É<br />

impossível assumir o po<strong>de</strong>r da língua sem compreen<strong>de</strong>r as<br />

relações sociais que conferem esse po<strong>de</strong>r a ela. As ofici<strong>na</strong>s <strong>de</strong><br />

<strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto que reduzem a escrita a um simples trabalho<br />

sobre a língua estariam se esquecendo disso; pois, <strong>de</strong>vido às<br />

imposições do texto, a escrita é, ao mesmo tempo, a invenção<br />

<strong>de</strong> um ponto <strong>de</strong> vista sobre o mundo. E essa invenção exige,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o <strong>na</strong>scimento do ato <strong>de</strong> escrever e como seu alimento, um<br />

estatuto que confere o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> distanciar-se, experimentar e<br />

teorizar. Sem essa transformação do estatuto numa política<br />

global para a escrita, alguns explorarão o mundo <strong>de</strong>senhandolhe<br />

o mapa enquanto outros só farão uma transposição <strong>de</strong><br />

mapas já existentes(...)”<br />

3 - Caracterização dos tipos <strong>textuais</strong> produzidos <strong>na</strong> <strong>escola</strong><br />

Um dos principais objetivos <strong>de</strong>ste trabalho, como apontamos, é i<strong>de</strong>ntificar<br />

os tipos <strong>de</strong> texto produzidos pelos alunos em situação <strong>escola</strong>r e sob que condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong> eles<br />

são escritos. Em vista disso, ao longo <strong>de</strong>ste capítulo, tentamos <strong>de</strong>linear o conjunto <strong>de</strong> condições que<br />

cercam a <strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto <strong>na</strong>s turmas/séries observadas. E, o que verificamos, conforme <strong>de</strong>scrição<br />

anterior, foi que as aulas <strong>de</strong> redação tomavam como ponto <strong>de</strong> partida para a escrita <strong>de</strong> texto o tema - o<br />

que se escreve - centralizando-se, basicamente, nessa questão. Os outros fatores constitutivos da<br />

<strong>produção</strong> do texto - o para quê, o para quem, diante <strong>de</strong> tais condições, acabavam por assumir<br />

dimensões pragmáticas que pareciam ter valor somente no jogo das relações interativas estabelecidas<br />

155


no contexto <strong>escola</strong>r. Já as orientações <strong>escola</strong>res que se voltavam para o como se escreve - o modo <strong>de</strong><br />

dizer o que se tem a dizer, por meio da escrita - outro fator igualmente constitutivo da <strong>produção</strong> do<br />

texto, incidiam sobre aspectos formais da construção do texto (morfossintáticos e ortográficos); ou, no<br />

caso da 2ª série, sobre alguns aspectos que se referiam às partes da estrutura global do tipo <strong>na</strong>rrativo.<br />

Esssas orientações tor<strong>na</strong>vam-se muito amplas, <strong>na</strong> medida em que não eram explicitadas as funções<br />

específicas que cada uma das partes indicadas exerciam no funcio<strong>na</strong>mento discursivo do tipo textual.<br />

Em suma, diante do quadro das condições <strong>escola</strong>res <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong><br />

texto, o que se evi<strong>de</strong>nciou foi a ausência <strong>de</strong> uma prática <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> redação que se pu<strong>de</strong>sse<br />

constituir como ativida<strong>de</strong> que possibilitasse ao aluno a compreensão do processo <strong>de</strong> enunciação do<br />

texto, a compreensão do funcio<strong>na</strong>mento discursivo dos diferentes modos enunciativos para dizer o que<br />

se tem a dizer.<br />

Entretanto, apesar <strong>de</strong> essas condições <strong>escola</strong>res, <strong>de</strong> certa forma,<br />

restringirem as condições <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um conhecimento mais sistemático <strong>de</strong>ssa <strong>na</strong>tureza,<br />

verificamos, pela análise dos <strong>textos</strong> <strong>escola</strong>res, que os alunos para atualizar o seu discurso, <strong>na</strong><br />

modalida<strong>de</strong> escrita, faziam-no por meio dos diferentes tipos <strong>textuais</strong> existentes <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>: <strong>na</strong>rrativo,<br />

<strong>de</strong>scritivo, argumentativo, dissertativo e injuntivo.<br />

O que percebemos foi que as <strong>de</strong>cisões tomadas pelos alunos no que<br />

respeita ao como se diz algo por escrito, isto é, ao modo enunciativo mais a<strong>de</strong>quado ao tipo <strong>de</strong><br />

interação que pretendiam estabelecer com o seu interlocutor (<strong>escola</strong>r ou virtual), acabavam por<br />

transcen<strong>de</strong>r as orientações propostas pela <strong>escola</strong>. Na <strong>produção</strong> <strong>de</strong> seus <strong>textos</strong>, os alunos buscavam<br />

dar-lhes uma configuração textual (formal, discursiva, semântica e esquemática) equivalentes às dos<br />

tipos <strong>textuais</strong> escritos que circulam <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>.<br />

Com isto não estamos querendo dizer que existem formas puras e<br />

congeladas, <strong>na</strong> modalida<strong>de</strong> escrita, para encaixar ou moldar o que se tem a dizer. Em outras palavras,<br />

que há, a priori, uma correlação direta entre o que se tem a dizer e uma dada configuração textual<br />

própria para atualizar o discurso. Estamos querendo dizer que os alunos, como sujeitos envolvidos no<br />

mundo da linguagem verbal, dispõem <strong>de</strong> modos enunciativos (tipos <strong>textuais</strong>) construídos no processo<br />

interlocutivo da cultura em que se encontram inseridos. Assim, consi<strong>de</strong>ramos razoável presumir que<br />

eles recorriam aos tipos <strong>textuais</strong> <strong>de</strong> acordo com as suas necessida<strong>de</strong>s comunicativas - intenção,<br />

objetivos enunciativos - para estabelecer a relação interlocutiva <strong>de</strong>sejada com o outro. Pois, como<br />

vimos, os tipos <strong>textuais</strong> - <strong>na</strong>rrativo, <strong>de</strong>scritivo, argumentativo, dissertativo e injuntivo - são formas <strong>de</strong><br />

interação básicas existentes <strong>na</strong> nossa socieda<strong>de</strong>, e é por intermédio <strong>de</strong>las que os discursos se<br />

156


atualizam, isto é, materializam-se lingüisticamente. E, como também apontamos, esses discursos são<br />

objetivados nos mais variados gêneros discursivos produzidos <strong>na</strong>s esferas da comunicação e ativida<strong>de</strong><br />

huma<strong>na</strong>s existentes <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>. Por fim, o que estamos querendo dizer é que, <strong>na</strong> verda<strong>de</strong>, o fato <strong>de</strong><br />

os alunos recorrerem aos tipos <strong>textuais</strong> não po<strong>de</strong>ria dar-se <strong>de</strong> modo diferente, pois os tipos não são<br />

fórmulas individuais criadas conforme a necessida<strong>de</strong> comunicativa do sujeito, mas formas interacio<strong>na</strong>is<br />

que refletem práticas discursivas construídas social, histórica e culturalmente por sujeitos <strong>de</strong> uma dada<br />

cultura.<br />

Embora tais tipos representem produtos (cristalizações) <strong>de</strong> trabalhos<br />

lingüísticos <strong>de</strong> processos interlocutivos constituídos <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>, eles não se encontram em sua forma<br />

pura, ou seja, não há <strong>textos</strong> puros quanto ao tipo. O que há é uma relação <strong>de</strong> dominância <strong>de</strong> um tipo<br />

sobre os <strong>de</strong>mais, presentes <strong>na</strong> constituição do texto. Uma <strong>de</strong>nomi<strong>na</strong>ção que se <strong>de</strong>fine pelos fatores que<br />

compõem a situação discursiva. Além <strong>de</strong>ssa dominância <strong>de</strong> um tipo sobre outros no texto, po<strong>de</strong> haver<br />

também uma relação <strong>de</strong> intercâmbio entre os tipos, isto é, um tipo textual assumir características<br />

próprias <strong>de</strong> outro, para criar certos efeitos discursivos, por exemplo, quando se usa a <strong>na</strong>rração para<br />

argumentar (<strong>textos</strong> nº 11 e 22 do Anexo 1, ou alguns <strong>textos</strong> que mostraremos a seguir, tais como, A<br />

<strong>escola</strong> i<strong>de</strong>al - 8ª série e Briga contra a fome - 6ª série) ou quando ela é usada para <strong>de</strong>screver (<strong>textos</strong> nº<br />

8 do Anexo 1 e Autobiografia - 4ª série, D. - 6ª série) que se encontram entre os <strong>textos</strong> selecio<strong>na</strong>dos<br />

para a caracterização que faremos a seguir.<br />

Assim, o uso <strong>de</strong> um modo enunciativo e não <strong>de</strong> outro, ou o intercâmbio<br />

entre eles <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rão do conjunto <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões pragmáticas <strong>de</strong> construção do texto e da sua estrutura<br />

argumentativa subjacente, visto todo e qualquer texto traz um veio argumentativo (MIRANDA,1995).<br />

Tais <strong>de</strong>cisões implicarão <strong>na</strong> escolha <strong>de</strong> estratétgias lingüísticas, discursivas, <strong>textuais</strong> (macroestruturais<br />

e superestruturais). Ao operar com certas estratégias para provocar o efeito <strong>de</strong> sentido <strong>de</strong>sejado <strong>na</strong><br />

relação interativa, o locutor, conseqüentemente, <strong>na</strong> escolha <strong>de</strong>ssas estratégias para dar ao seu texto<br />

uma configuração textual a<strong>de</strong>quada à situação comunicativa, acaba por “<strong>de</strong>sescolher outras e, em certa<br />

medida, comprometendo-se com as estrátégias escolhidas”(GERALDI,1991:184).<br />

Retomando as questões relativas às <strong>de</strong>cisões que os alunos tomavam <strong>na</strong><br />

configuração <strong>de</strong> seus <strong>textos</strong> escritos, po<strong>de</strong>-se dizer que elas, <strong>de</strong> certa forma, revelaram, por parte dos<br />

alunos, um conhecimento do uso <strong>de</strong> estratégias <strong>textuais</strong> (micro e macroestruturais e esquemáticas),<br />

relativamente a<strong>de</strong>quadas ao tipo <strong>de</strong> texto escolhido para atualizar o seu discurso.<br />

157


Por exemplo, <strong>na</strong> 6ª e 8ª séries, em que a <strong>de</strong>scrição foi um tipo que<br />

figurou, como domi<strong>na</strong>nte em relação aos outros tipos presentes <strong>na</strong> constituição dos <strong>textos</strong>, os alunos,<br />

ao usarem esse modo enunciativo para caracterizar uma situação, ou um objeto ou pessoa, ou um<br />

sentimento, como veremos mais adiante, utilizavam-se <strong>de</strong> recursos expressivos (verbos no presente do<br />

indicativo, ou no pretérito imperfeito, adjetivos,etc.); <strong>de</strong> estratégias macroestruturais, cujas relações<br />

entre as proposições se davam por enumeração, por especificação, etc; <strong>de</strong> categorias esquemáticas<br />

típicas estruturadas sobre as bases da apresentação do objeto <strong>de</strong>scrito e sua caracterização.<br />

Quanto às <strong>de</strong>cisões que se voltavam para a construção <strong>de</strong> texto<br />

<strong>na</strong>rrativo do tipo história, este presente em todas as séries observadas, sobretudo <strong>na</strong> 2ª e <strong>na</strong> 6ª séries,<br />

percebemos, igualmente, uma relativa <strong>de</strong>streza <strong>na</strong> escolha <strong>de</strong> certas estratégias próprias <strong>de</strong>sse tipo e<br />

não outras. Basicamente, <strong>na</strong> maioria dos <strong>textos</strong> a<strong>na</strong>lisados, as categorias esquemáticas fundamentais<br />

da estrutura <strong>na</strong>rrativa se fizeram presentes, a saber, a complicação e resolução.<br />

Já nos <strong>textos</strong> do tipo argumentativo, este presente fundamentalmente <strong>na</strong><br />

4ª e <strong>na</strong> 8ª séries, e dissertativo, mais <strong>na</strong> 8ª série, ainda que os alunos não apresentassem um texto<br />

bem articulado no arranjo <strong>de</strong> argumentos e proposições, acabando, muitas vezes, por parafrasear as<br />

justificativas que sustentavam os argumentos e problema em questão, foi possível perceber em todas<br />

as turmas/séries observadas, um conhecimento, por parte <strong>de</strong> um número relativamente expressivo <strong>de</strong><br />

aluno, 52 <strong>de</strong> usos <strong>de</strong> estratégias típicas <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> texto.<br />

E por fim, o injuntivo também foi um tipo <strong>de</strong> texto utilizado pelo alunos,<br />

para aconselhar, alertar, sugerir, or<strong>de</strong><strong>na</strong>r, ou solicitar algo. Esse tipo, como o modo enunciativo<br />

domi<strong>na</strong>nte <strong>na</strong> constituição <strong>de</strong> um dado texto, figurou sobretudo <strong>na</strong> 4ª série.<br />

Diante <strong>de</strong>ssas evidências empíricas - <strong>de</strong> um lado, a ausência <strong>de</strong> uma<br />

prática <strong>escola</strong>r que possibilitasse um conhecimento sistemático dos tipos <strong>textuais</strong> existentes <strong>na</strong><br />

socieda<strong>de</strong>; <strong>de</strong> outro, a presença, no interior <strong>de</strong>ssas práticas, <strong>de</strong> <strong>textos</strong> produzidos pelos alunos, os<br />

quais refletiam os possíveis funcio<strong>na</strong>mentos discursivos dos tipos <strong>textuais</strong> existentes <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong> -<br />

parece-nos razoável supor que os alunos tomavam como parte constitutiva das condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong><br />

do seu texto um conhecimento construído assistematicamente sobre o funcio<strong>na</strong>mento discursivo dos<br />

tipos <strong>textuais</strong>, <strong>na</strong> modalida<strong>de</strong> escrita. Esse conhecimento seria construído nos con<strong>textos</strong> sociais em que<br />

se encontram inseridos, nos quais, evi<strong>de</strong>ntemente, estão incluídas as experiências <strong>escola</strong>res, em que o<br />

52 Veja o quadro <strong>na</strong> pági<strong>na</strong> 240 que oferece uma visão panorâmica dos tipos <strong>textuais</strong> produzidos pelas<br />

turmas/séries observadas.<br />

158


aluno, como leitor/escritor, como falante/ouvinte, <strong>de</strong> uma maneira ou <strong>de</strong> outra, acaba por integrar<br />

diferentes tipos <strong>textuais</strong> veiculados nos diferentes registros, suportes <strong>textuais</strong> dos diferentes discursos<br />

que compõem as diferentes discipli<strong>na</strong>s <strong>escola</strong>res, incluse a discipli<strong>na</strong>, Língua Portuguesa. A essas<br />

experiências acrescentem-se aquelas vivenciadas <strong>na</strong>s suas interações verbais construídas fora da<br />

<strong>escola</strong>, espaço em que os tipos <strong>textuais</strong> correspon<strong>de</strong>m a ativida<strong>de</strong>s discursivas reais e concretas que o<br />

aluno pratica no universo social em que está inserido.<br />

Tais evidências empíricas nos levam ao encontro das reflexões teóricas<br />

<strong>de</strong>senvolvidas pela Lingüística Textual, no que diz respeito à competência comunicativa do falante.<br />

Esse campo científico tem postulado que todo e qualquer falante é dotado <strong>de</strong> uma competência<br />

comunicativa, cuja aquisição e ampliação se dão no exercício <strong>de</strong> sua interação social. E essa<br />

competência não se restringe à linguagem oral, é também, operacio<strong>na</strong>lizada, intuitivamente, em<br />

ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> recepção e <strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto escrito. Quanto à operacio<strong>na</strong>lização <strong>de</strong>sse conhecimento<br />

no oral, <strong>na</strong>s interações face a face, e pela via da escrita, há que consi<strong>de</strong>rar as especificida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cada<br />

uma <strong>de</strong>ssas condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong>, visto que as si<strong>na</strong>lizações discursivas, pragmáticas, lingüísticas,<br />

<strong>textuais</strong> <strong>de</strong>mandadas por parte <strong>de</strong> cada uma <strong>de</strong>las são, evi<strong>de</strong>ntemente, distintas e exigem do aprendiz<br />

<strong>de</strong> escrita um conhecimento relativamente sistemático <strong>de</strong>ssas diferenças.<br />

A respeito <strong>de</strong>ssa capacida<strong>de</strong> do falante, no Capítulo 1, foram<br />

mencio<strong>na</strong>dos alguns estudos que se têm voltado para uma reflexão teórica sobre essa questão. Entre<br />

eles, citamos o trabalho <strong>de</strong> VAN DIJK (1983,1992)e KOCH e TRAVAGLIA (1989,1990a,b). E mais uma<br />

vez recorreremos a esses autores, para buscar neles elementos que nos permitem compreen<strong>de</strong>r a<br />

capacida<strong>de</strong> que o sujeito tem para produzir e compreen<strong>de</strong>r os <strong>textos</strong> que circulam numa dada cultura.<br />

Para VAN DIJK, a capacida<strong>de</strong> que o sujeito tem <strong>de</strong> lançar mão <strong>de</strong><br />

saberes e habilida<strong>de</strong>s para <strong>produção</strong> <strong>de</strong> <strong>textos</strong> coerentes e bem estruturados lingüisticamente, <strong>de</strong><br />

acordo com as suas intenções comunicativas, bem como <strong>de</strong> comparar, avaliar, parafrasear e resumir<br />

<strong>textos</strong> produzidos por seus interlocutores, é adquirida nos processos interacio<strong>na</strong>is em que se encontra<br />

envolvido. Tal capacida<strong>de</strong> constitui-se mediante o trabalho lingüístico realizado com e pelos seus<br />

interlocutores. É nesse e a partir <strong>de</strong>sse trabalho, produzido pelos sujeitos no interior da relação<br />

interlocutiva, que um conjunto <strong>de</strong> conhecimentos sobre os diversos tipos <strong>de</strong> texto vai sendo construído.<br />

Esses conhecimentos são relativos à estruturação global típica dos <strong>textos</strong> (superestrutura) 53 e ao seu<br />

funci<strong>na</strong>mento discursivo específico. Segundo esse autor, a apropriação <strong>de</strong>sse conhecimento por parte<br />

53 A respeito <strong>de</strong>sse conceito, ver nota 50.<br />

159


do sujeito, seja como falante/ouvinte, seja como escritor/leitor, se dá à medida que vai incorporando e,<br />

conseqüentemente, sabendo aplicar a<strong>de</strong>quadamente as regras que compõem a estrutura esquemática<br />

que caracteriza os tipos <strong>de</strong> texto. Consi<strong>de</strong>ra que o conhecimento das categorias constitutivas da<br />

superestruturas, por parte do falante, é relativamente fácil, pelo fato <strong>de</strong> estas possuírem uma estrutura<br />

esquemática convencio<strong>na</strong>l formal para cada tipo textual existente numa dada cultura, como já<br />

apontamos em passagens anteriores, ao tratar da relação tema e tipo textual. A apropriação <strong>de</strong>sse<br />

conhecimento apresenta-se como uma espécie <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo cognitivo construído pelo sujeito acerca das<br />

categorias esquemáticas típicas dos vários tipos <strong>de</strong> texto que circulam <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>. Esse mo<strong>de</strong>lo<br />

cognitivo representa uma organização mental <strong>de</strong> nossa experiência acumulada a respeito dos tipos<br />

<strong>textuais</strong>. Tal mo<strong>de</strong>lo cognitivo <strong>de</strong>sempenha uma importante função, tanto <strong>na</strong> <strong>produção</strong> como <strong>na</strong><br />

recepção <strong>de</strong> <strong>textos</strong> orais ou escritos.<br />

KOCK e TRAVAGILA (1990:76), seguindo um raciocínio semelhante ao<br />

<strong>de</strong> VAN DIJK, afirmam que, sendo as superestruturas ou esquemas <strong>textuais</strong> um conjunto <strong>de</strong><br />

conhecimentos que se vão acumulando quanto aos diversos tipos <strong>de</strong> <strong>textos</strong> utilizados em uma dada<br />

cultura, a criança, <strong>de</strong> tanto ouvir histórias, por exemplo, acaba por construir seu “mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> histórias”,<br />

ou mo<strong>de</strong>lo cognitivo <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> texto. Tal conhecimento lhe permite reconhecer e produzir histórias, e<br />

será o seu ponto <strong>de</strong> partida para a construção do esquema ou superestrutura <strong>na</strong>rrativa. O mesmo -<br />

dizem os autores - vai ocorrer com relação aos outros tipos <strong>de</strong> texto. Consi<strong>de</strong>ram que alguns <strong>de</strong>les vão<br />

ser <strong>de</strong>senvolvidos por meio <strong>de</strong> uma aprendizagem sistemática, <strong>na</strong> <strong>escola</strong>.<br />

Igualmente em BAKHTIN (1992:301) po<strong>de</strong>-se encontrar uma explicação<br />

para o uso que fazemos intuitivamente dos gêneros discursivos existentes numa dada cultura. Vale<br />

lembrar que os gêneros discursivos se materializam lingüisticamente por meio <strong>de</strong> tipos <strong>de</strong> texto.<br />

“Para falar utilizamo-nos sempre dos gêneros do discurso, em<br />

outras palavras, todos os nossos enunciados dispõem <strong>de</strong> uma<br />

forma padrão e relativamente estável <strong>de</strong> estruturação <strong>de</strong> um<br />

todo. Possuímos um rico repertório dos gêneros do discurso<br />

orais (e escritos). Na prática, usamo-los com segurança e<br />

<strong>de</strong>streza, mas po<strong>de</strong>mos ignorar totalmente a sua existência<br />

teórica. Como Jourdain, <strong>de</strong> Molière, que falava em prosa sem<br />

suspeitar disso, falamos em vários gêneros sem suspeitar <strong>de</strong> sua<br />

160


existência. Na conversa mais <strong>de</strong>senvolta, moldamos nossa fala<br />

às formas precisas <strong>de</strong> gêneros, às vezes mais maleáveis, mais<br />

plásticos e mais criativos. A comunicação verbal <strong>na</strong> vida<br />

cotidia<strong>na</strong> não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> dispor <strong>de</strong> gêneros discursivos. Esses<br />

gêneros do discurso nos são dados quase como nos é dada a<br />

língua mater<strong>na</strong>, que domi<strong>na</strong>mos com facilida<strong>de</strong> antes mesmo<br />

que lhe estu<strong>de</strong>mos a gramática”.<br />

Já BEAUGRANDE & DRESSLER (1981:183) tecem algumas reflexões a<br />

respeito da intertextualida<strong>de</strong> por fatores tipológicos. De acordo com esses autores, a intertextualida<strong>de</strong><br />

se dá por diversas maneiras, entre as quais se encontra aquela ligada ao conhecimento dos tipos<br />

<strong>textuais</strong> por parte dos interlocutores, <strong>na</strong> <strong>produção</strong> e recepção <strong>de</strong> <strong>textos</strong><br />

”Este conhecimento po<strong>de</strong> ser aplicado por meio <strong>de</strong> processo<br />

<strong>de</strong>scrito em termos <strong>de</strong> mediação. Quanto mais extenso e<br />

intenso for o processamento <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s entre o texto atual e o<br />

texto previamente conhecido, maior será a mediação. Um<br />

exemplo <strong>de</strong> mediação extensiva seria o <strong>de</strong>senvolvimento e o uso<br />

<strong>de</strong> tipos <strong>textuais</strong> (classes <strong>de</strong> <strong>textos</strong>) em que há a previsão <strong>de</strong><br />

certos traços peculiares que caracterizam cada tipo <strong>de</strong> texto.”<br />

Resumidamente, apoiando-nos nos trabalhos <strong>de</strong> COSTE(1988) e<br />

NEIS(1985), po<strong>de</strong>ríamos apontar os vários tipos <strong>de</strong> conhecimento que compõem a competência<br />

comunicativa:<br />

1)o conhecimento lingüístico, que se relacio<strong>na</strong> com o domínio das regras gramaticais da língua, do<br />

léxico;<br />

2)o conhecimento pragmático, que se relacio<strong>na</strong> com o conhecimento dos usos, estratégias e normas<br />

vigentes <strong>na</strong>s relações <strong>de</strong> comunicação entre os interlocutores e o conhecimento dos fatores que influem<br />

<strong>na</strong> seleção dos recursos lingüísticos e, conseqüentemente, <strong>na</strong> correta interpretação <strong>de</strong>sses recursos,<br />

segundo regras socialmente consagradas ou aceitas numa dada situação comunicativa;<br />

161


3)o conhecimento propriamente textual, que se relacio<strong>na</strong> com a habilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interpretar e produzir<br />

<strong>textos</strong> coerentes e bem organizados lingüisticamente;<br />

4)o conhecimento referencial ou temático, que se relacio<strong>na</strong> com os conhecimentos <strong>de</strong> mundo e<br />

enciclopédico dos interlocutores.<br />

E, por fim, aqui po<strong>de</strong>ríamos acrescentar o conhecimento dos tipos <strong>de</strong><br />

texto mediado pela intertextualida<strong>de</strong> apontada por BEAUGRANDE & DRESSLER.<br />

A partir dos estudos mencio<strong>na</strong>dos, é plausível consi<strong>de</strong>rar a suposição<br />

aqui levantada a respeito do conhecimento que os alunos utilizavam, ao produzir os diferentes tipos <strong>de</strong><br />

<strong>textos</strong> <strong>na</strong> <strong>escola</strong>. Assim, é razoável dizer que eles tomavam como referência os conhecimentos<br />

adquiridos, intuitivamente, acerca dos tipos <strong>textuais</strong> existentes no contexto social em que se<br />

encontravam inseridos. Esse contexto é constituído tanto pelas experiências <strong>escola</strong>res, como por outras<br />

que ocorrem fora da <strong>escola</strong>, on<strong>de</strong> o aluno, enquanto leitor/escritor, falante/ouvinte acaba por inteirar-se<br />

e, conseqüentemente, apropriar-se, <strong>de</strong> uma maneira ou <strong>de</strong> outra, ainda que <strong>de</strong> modo assistemático, dos<br />

diferentes tipos <strong>de</strong> texto veiculados nos diferentes registros, suportes <strong>textuais</strong> dos discursos produzidos<br />

<strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>. Por fim, levando-se em conta as condições <strong>escola</strong>res <strong>de</strong> escrita dadas pela <strong>escola</strong>, po<strong>de</strong>se<br />

dizer que os alunos construíam os seus <strong>textos</strong> sem conhecer a existência teórica <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>les.<br />

Produziam-nos sem ter uma consciência reflexiva das estratégias que inci<strong>de</strong>m nos vários planos da<br />

constituição do texto; assim, ao que tudo indicava, mobilizavam-<strong>na</strong>s intuitivamente.<br />

3.1. - Visão panorâmica dos tipos <strong>textuais</strong> produzidos <strong>na</strong> <strong>escola</strong><br />

A fim <strong>de</strong> possibilitar uma visão panorâmica dos tipos <strong>textuais</strong> produzidos<br />

no conjunto da <strong>escola</strong> e em cada turma/série observada, segue-se abaixo um quadro, on<strong>de</strong> se procurou<br />

computar o número <strong>de</strong> redações que apresentaram uma configuração textual específica dos tipos:<br />

<strong>na</strong>rrativo, <strong>de</strong>scritivo, dissertativo, argumentativo e injuntivo. Convém assi<strong>na</strong>lar que, para a elaboração<br />

<strong>de</strong>sse quadro <strong>na</strong> <strong>de</strong>finição dos tipos <strong>textuais</strong>, consi<strong>de</strong>ramos o tipo <strong>de</strong> texto que sobre<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>va os<br />

<strong>de</strong>mais presentes no interior <strong>de</strong> um mesmo texto.<br />

162


Série <strong>escola</strong>r<br />

Tipo <strong>de</strong> texto<br />

2ª série<br />

Narrativo 50% (123<br />

redações)<br />

4ª série<br />

6ªsérie<br />

8ª série<br />

33% (74 redações) 35% (81 redações) 8% (22 redações)<br />

Descritivo 32% (74 redações) 29% (78<br />

redações)<br />

Argumentativo 7% (18 redações) 24% (54 redações) 17% (39 redações) 46% (125<br />

redações)<br />

Dissertativo 2% (4 redações) 2% (5 redações) 2% (5 redações) 16% (43<br />

redações)<br />

Injuntivo 6% (12 redações)<br />

Nº <strong>de</strong> redações<br />

a<strong>na</strong>lisadas<br />

243 218 228 268<br />

Das 243 redações da 2ª série a<strong>na</strong>lisadas, 98 redações(40%), não<br />

incluídas no quadro acima, embora ten<strong>de</strong>ssem para um texto <strong>na</strong>rrativo do tipo história, não foram<br />

caracterizadas como tal, 26 por omitirem, <strong>na</strong> sua construção, as categorias esquemáticas fundamentais<br />

(complicação e resolução) que compõem a trama da história, e as outras 72 por se apresentarem,<br />

basicamente, <strong>na</strong> forma <strong>de</strong> discurso direto. Esse procedimento adotado pelos alunos <strong>na</strong> construção do<br />

texto parece ter refletido o tipo <strong>de</strong> tarefa proposta pela professora: a partir <strong>de</strong> uma ilustração<br />

acompanhada por uma introdução, a professora solicitou que os alunos produzissem um diálogo entre<br />

os participantes da ce<strong>na</strong>.<br />

Na 4ª série, das 218 redações a<strong>na</strong>lisadas, 73 (33%) não incluídas no<br />

quadro apresentaram-se do seguinte modo: 66 <strong>na</strong> forma <strong>de</strong> respostas curtas às perguntas escritas<br />

feitas pela professora sobre as preferências que os alunos teriam sobre música, esporte, cantor,<br />

diversão, leitura, etc, e 7 assimuram a forma <strong>de</strong> cópia literal do artigo <strong>de</strong> revista distribuído pela<br />

professora. A tarefa proposta era a <strong>produção</strong> <strong>de</strong> um resumo do texto lido.<br />

163


Na 6ª série, das 228 redações a<strong>na</strong>lisadas, 29 (13%), não incluídas no<br />

quadro, apresentaram-se da seguinte forma: 18 assumiram uma configuração semelhante àquelas da<br />

2ª série, qual seja, faltavam ao texto as categorias básicas que fariam <strong>de</strong>le um texto tipo <strong>na</strong>rrativo -<br />

complicação e resolução; as outras 11 redações limitaram-se a transcrever algumas partes do textobase:<br />

5 transcreveram somente a introdução dos <strong>textos</strong> propostos <strong>na</strong>s aulas 10/09 e 18/11 (ver o<br />

quadro que apresenta as propostas temáticas <strong>de</strong> redação, <strong>na</strong> p.177), 6 transcreveram, <strong>de</strong> modo<br />

incompleto, algumas partes do texto-base, as quais representavam a estruturação do texto: introdução,<br />

<strong>de</strong>senvolvimento e conclusão do texto.<br />

Fi<strong>na</strong>lizando, <strong>na</strong> 8ª série, foi possível classificar todas as redações nos<br />

tipos apresentados no quadro.<br />

É interessante observar que, <strong>na</strong> 2ª série, 40% das redações não<br />

assunem um tipo <strong>de</strong>finido; <strong>na</strong> 4ª série, 33%; <strong>na</strong> 6ª série, 13%; <strong>na</strong> 8ª série,.todas encaixam-se nos tipos.<br />

Ou seja: parece que é forte o papel da <strong>escola</strong>rização <strong>na</strong> inter<strong>na</strong>lização dos tipos.<br />

164


3.2. Critérios adotados para caracterização dos tipos <strong>textuais</strong><br />

Embora reconhecendo que o texto é uma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sentido, <strong>na</strong> qual os<br />

elementos significam uns em relação aos outros e em relação ao todo (COSTA VAL, 1991:36), o<br />

tratamento metodológico dispensado neste estudo à i<strong>de</strong>ntificação dos tipos <strong>textuais</strong> produzidos <strong>na</strong>s<br />

turmas/séries observadas inci<strong>de</strong> sobre dois pontos relativos à constituição do texto. O primeiro<br />

relacio<strong>na</strong>-se com alguns princípios classificatórios propostos pela tipologia textual aqui adotada como<br />

instrumento <strong>de</strong> análise dos tipos <strong>de</strong> <strong>textos</strong> em questão, cuja exposição foi feita no Capítulo 3. Os<br />

princípios tipológicos dizem respeito à intenção comunicativa do locutor em relação ao seu objeto do<br />

dizer e em relação ao seu interlocutor, e este em relação ao que está sendo enunciado pelo locutor. O<br />

segundo ponto relacio<strong>na</strong>-se com as categorias básicas das superestruturas dos tipos <strong>textuais</strong>. Os<br />

mo<strong>de</strong>los aqui adotados baseiam-se nos propostos por VAN DIJK (1983) e (1990 apud<br />

TRAVAGLIA1991) no que respeita ao tipo <strong>na</strong>rrativo e argumentativo (dissertativo); por TRAVAGLIA<br />

(1991), quanto ao tipo injuntivo e, por fim, por RICARDOU(apud NEIS,1985) quanto ao tipo <strong>de</strong>scritivo54 .<br />

Assim, <strong>na</strong> tipificação dos <strong>textos</strong>, interessa-nos apreen<strong>de</strong>r as relações<br />

entre o conteúdo informacio<strong>na</strong>l e as suas respectivas categorias esquemáticas, bem como os aspectos<br />

pragmáticos: intenção do locutor, o tipo <strong>de</strong> interação estabelecida com o interlocutor e o efeito<br />

perlocutório <strong>de</strong>ssa interação. Consi<strong>de</strong>ramos que a conjugação <strong>de</strong>sses três planos (macroestrutural,<br />

esquemático e pragmático) permitirá uma análise que indique a configuração textual dos tipos presentes<br />

<strong>na</strong> <strong>escola</strong>.<br />

Ao tomar esses critérios para empreen<strong>de</strong>r a caracterização dos <strong>textos</strong><br />

quanto aos tipos, não prente<strong>de</strong>mos fazer aqui uma discussão do grau <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> ou veracida<strong>de</strong> das<br />

informações veiculadas no texto, procurando, assim, julgar as relações do texto com o mundo que<br />

representa.<br />

Embora pressuponhamos que, em um texto coerente há uma relação <strong>de</strong><br />

equilíbrio entre as idéias nele veiculadas e o mundo a que se refere, isto é, o mundo textual tem que ser<br />

compatível com o mundo que o texto representa(COSTA Val,1991:25), embora pressuponhamos<br />

também que o interesse do interlocutor pelo texto <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá do grau <strong>de</strong> informativida<strong>de</strong> nele proposto,<br />

foge aos objetivos <strong>de</strong>sta análise voltar-se para uma reflexão <strong>de</strong>ssa <strong>na</strong>tureza. O que buscamos é<br />

apreen<strong>de</strong>r as funções pragmáticas do texto articualdas com as relações estabelecidas entre o seu<br />

54 Cf. os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> esquemas <strong>textuais</strong> (superestruturas) aqui adotados no Anexo 3.<br />

165


esquema formal e o conteúdo informacio<strong>na</strong>l que fornece o conteúdo semântico a a cada uma das<br />

categorias que compõem este esquema.<br />

Evi<strong>de</strong>ntemente, ao abordar essas questões relativas à constituição do<br />

texto, estaremos tocando em questões que se relacio<strong>na</strong>m com as suas condições <strong>de</strong> coerência, em<br />

termos semânticos, uma vez que o foco que se impõe inci<strong>de</strong> sobre a organização do conteúdo das<br />

proposições <strong>na</strong> estrutura conceitual e abstrata do texto. Assim, procuraremos ater-nos no ponto que se<br />

refere ao modo como essas proposições se manifestam semanticamente <strong>na</strong> estrutura global e abstrata<br />

do texto, a fim <strong>de</strong> <strong>de</strong>tectar como se dá a sua disposição (do conteúdo informacio<strong>na</strong>l) em relação às<br />

suas categorias esquemáticas e em relação à intenção comunicativa do locutor, ao discurso que está<br />

sendo enunciado e a quem se <strong>de</strong>sti<strong>na</strong> esse discurso.<br />

3.3 - Tipos <strong>textuais</strong> <strong>na</strong> <strong>produção</strong> dos alunos<br />

No conjunto dos <strong>textos</strong> a<strong>na</strong>lisados, foi selecio<strong>na</strong>do um texto <strong>de</strong> cada uma<br />

das turmas/séries observadas para constituição do corpus, (salvo, como exceção, dois <strong>textos</strong> da 4ª<br />

série). Nessa seleção objetivamos buscar, por um lado, um tipo <strong>de</strong> texto que pu<strong>de</strong>sse representar a<br />

média dos <strong>textos</strong>, quanto ao tipo, construídos pelos alunos da turma/série; por outro, que permitisse,<br />

igualmente, representar os tipos <strong>de</strong> texto presentes <strong>na</strong> <strong>escola</strong>.<br />

Para tanto, foram selecio<strong>na</strong>dos cinco <strong>textos</strong> para empreen<strong>de</strong>r a<br />

caracterização dos tipos: um da 2ª série, do tipo dissertativo; dois da 4ª série, dos tipos argumentativo e<br />

injuntivo; um da 6ª série, do tipo <strong>na</strong>rrativa do tipo história; e, por fim, um da 8ª série, do tipo <strong>de</strong>scritivo. A<br />

cada um dos <strong>textos</strong> a<strong>na</strong>lisados seguem-se exemplares <strong>de</strong> tipos <strong>de</strong> texto da turma/série. Julgamos<br />

<strong>de</strong>snecessário incluir um número maior <strong>de</strong> <strong>textos</strong>, visto que os integrantes do corpus refletem, <strong>de</strong> certa<br />

forma, a configuração esquemática que tipifica os <strong>textos</strong> presentes <strong>na</strong> <strong>escola</strong>. Acreditamos, assim, que,<br />

caso o fizéssemos, acabaríamos sendo redundantes <strong>na</strong> apresentação dos mesmos, já que não<br />

percebemos variações que pu<strong>de</strong>ssem retratar uma novida<strong>de</strong> quanto à configuração esquemática dos<br />

<strong>textos</strong>.<br />

A preocupação <strong>de</strong> não apresentar uma análise <strong>de</strong> um mesmo tipo <strong>de</strong><br />

texto implicou a seleção <strong>de</strong>stes por série <strong>escola</strong>r. Como se pô<strong>de</strong> notar, o quadro, apresentado<br />

anteriormente, mostra a predominância <strong>de</strong> alguns tipos <strong>textuais</strong> em algumas turmas/séries. Por<br />

exemplo, a <strong>na</strong>rrativa tipo história foi o tipo que mais figurou nos <strong>textos</strong> produzidos pelos alunos da 2ª e<br />

166


da 6ª séries; o injuntivo, como assi<strong>na</strong>lamos, foi o tipo que se manifestou somente <strong>na</strong> 4ª série, como<br />

modo enunciativo domi<strong>na</strong>nte em relação a outros tipos <strong>na</strong> constituição do texto como um todo; o<br />

<strong>de</strong>scritivo <strong>na</strong> 6ª e <strong>na</strong> 8ªséries; o argumentativo <strong>na</strong> 4ª e 8ª séries; o dissertativo <strong>na</strong> 8ª série. Assim,<br />

embora tenhamos verificado essa predominância, não a seguimos rigorosamente, pois, o que interessanos<br />

não é apreen<strong>de</strong>r a predominância <strong>de</strong> tipos <strong>de</strong> <strong>textos</strong> por série <strong>escola</strong>r, mas, sim, caracterizar,<br />

quanto ao tipo, os <strong>textos</strong> produzidos <strong>na</strong> <strong>escola</strong>, ao do longo do processo da <strong>escola</strong>rização. Mesmo<br />

assim, procuramos respeitar em parte essa predominância, ora optando pelo tipo que mais figurou <strong>na</strong><br />

série, ora recorrendo àquele que tivera pouca incidência <strong>na</strong> <strong>produção</strong> do tipo <strong>de</strong> texto <strong>na</strong> série. Este<br />

último critério explica o caso da 2ª série, ao selecio<strong>na</strong>rmos o tipo dissertativo, que correspon<strong>de</strong> a 2%<br />

dos tipos presentes nos <strong>textos</strong> produzidos pelos alunos, contra os 50% que correspon<strong>de</strong>m ao tipo<br />

<strong>na</strong>rrativo do tipo história, e, também, o caso da 4ª série, cujo tipo selecio<strong>na</strong>do foi o argumentativo,<br />

sendo que este foi superado pela <strong>na</strong>rrativa <strong>na</strong> série, enquanto foi o que mais figurou nos <strong>textos</strong> da 8ª<br />

série. Fora isso, mantivemos a <strong>na</strong>rrativa <strong>na</strong> 6ª série, o <strong>de</strong>scritivo <strong>na</strong> 8ª série, e por fim, o injuntivo <strong>na</strong><br />

4ªsérie por razões já explicitadas.<br />

Feitos esses esclarecimentos, passemos à análise dos <strong>textos</strong>.<br />

167


1. Texto <strong>na</strong>rrativo tipo história<br />

6ª série<br />

168


“O Sumiço dos Pintinhos” é um texto que se caracteriza por uma<br />

<strong>na</strong>rrativa do tipo história, cujo conteúdo semântico(tema) gira em torno do <strong>de</strong>saparecimento dos<br />

pintinhos e da caça ao suposto causador <strong>de</strong>ssa situação. O texto apresenta-se como uma estrutura<br />

<strong>na</strong>rrativa tipicamente canônica: um cenário (o sítio) on<strong>de</strong> ocorreram as ações (fatos ou episódios); os<br />

participantes <strong>de</strong>sta situação e uma trama articulada em torno do tema.<br />

O objetivo do locutor é contar quais e como os fatos aconteceram nesse<br />

espaço. O percurso <strong>na</strong>rrativo que adota para relatá-los inci<strong>de</strong> sobre uma or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> <strong>na</strong>tureza temporal<br />

cronológica. Os fatos <strong>de</strong>senrolam-se uns após os outros, expressando entre si uma relação <strong>de</strong><br />

anteriorida<strong>de</strong> e posteriorida<strong>de</strong>. Isto é, cada uma das ações segue-se à prece<strong>de</strong>nte, estabelecendo entre<br />

si uma relação <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong>, e muitas ações são contingentes <strong>de</strong> outras, prévias. Desse modo, as<br />

informações veiculadas no texto assumem <strong>de</strong>ntro da estrutura da <strong>na</strong>rrativa, uma organização<br />

macroestrutural, cuja configuração segue-se abaixo.<br />

Logo no início do texto (1º parágrafo), o locutor antecipa alguns<br />

acontecimentos, a fim <strong>de</strong> orientar o seu interlocutor sobre o <strong>de</strong> que se trata a história. Especifica o<br />

lugar, o cenário - no sítio - on<strong>de</strong> suce<strong>de</strong>ram os fatos; os participantes da história - pai e filhos, e o fato<br />

ocorrido, o <strong>de</strong>saparecimento dos pintinhos - primeiro sumiu um, <strong>de</strong>pois sumiram mais dois, pai e filho<br />

estavam atentos para ver o que estava acontecendo. Ainda <strong>na</strong> introdução, o locutor utiliza-se <strong>de</strong> uma<br />

estratégia discursiva - as perguntas: seria um gambá? Seriam os cães do sítio? Não parecia... Os<br />

efeitos (perlocutórios) <strong>de</strong>ssas perguntas, ao que sugerem, voltam-se para pren<strong>de</strong>r a atenção do<br />

interlocutor, para instigar o seu interesse em <strong>de</strong>scobrir o agente que vem provocando o sumiço dos<br />

pintinhos. Assim, utilizando-se <strong>de</strong> tal estratégia, a intenção do locutor é convidar o seu interlocutor a<br />

acompanhar, enquanto espectador, a caça ao suposto animal, empreendida por pai e filho.<br />

Após a construção <strong>de</strong>sse quadro <strong>de</strong> referência, o locutor dirige-se <strong>de</strong><br />

imediato para a apresentação da trama propriamente dita, si<strong>na</strong>lizando-a por um elemento, marcador <strong>de</strong><br />

tempo, cuja função é dar início à complicação: Até que um dia. Nessa parte do texto, há uma<br />

especificação do lugar on<strong>de</strong> as ações ocorreram: o pai, ouvindo uma barulhada no galinheiro. A partir<br />

daí, <strong>de</strong>senrolam-se as ações que expressam a complicação da situação, estas ligadas umas às outras<br />

pela relação <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong>: o pai (ouvindo a barulhada) correu e viu um enorme gavião(...) já bem<br />

velho. Tais situações se encaminham para um nível <strong>de</strong> conflito ou clímax da história: o pai atirou, errou<br />

o tiro, o gavião escapou. A dissolução do clímax (resolução) se dá pela seguinte situação: Daquele dia<br />

169


em diante, o menino ficou encarregado <strong>de</strong> vigiar o céu, para dar o alarme quando o gavião<br />

aparecesse... .<br />

Desmontando o texto para apresentar as partes (categorias<br />

esquemáticas) que compõem a superestrutura da <strong>na</strong>rrativa, teríamos a configuração que se segue.<br />

170


O Sumiço dos pintinhos<br />

Narrativa<br />

Cenário Orientação Conclusão<br />

No sítio mora Pai e filho Filho <strong>de</strong><br />

uma família. atentos ao sentinela no<br />

sumiço dos<br />

pintinhos.<br />

galineiro.<br />

Acontecimentos<br />

Introdução Complicação Resolução<br />

Cenário Orientação<br />

171


No galinheiro Pai corre e vê um Pai atira e erra, Filho <strong>de</strong> sentinela<br />

há uma barulhada. enorme gavião. o gavião escapa. no galinheiro.<br />

172


1.1 Narrativa tipo história<br />

2ª série<br />

173


1.2 Narrativa tipo história<br />

4ª série<br />

174


1.3 Narração usada para argumentar<br />

Tipo história<br />

6ª série<br />

175


1.4 Narração usada para argumentar<br />

Tipo História<br />

8ª série<br />

176


1.5 Narração usada para <strong>de</strong>screver<br />

4ª série<br />

177


1.6 Narração usada para <strong>de</strong>screver<br />

6ª série<br />

178


2. Argumentativo<br />

4ª série<br />

179


O texto “Um Brasil Pobre” configura-se como um texto do tipo<br />

argumentativo, cujo conteúdo semântico (tema) gira em torno <strong>de</strong> problemas ecológicos causados pela<br />

ação huma<strong>na</strong>.<br />

O locutor, convencido <strong>de</strong> que o comportamento das pessoas (causa<br />

central) é que leva à <strong>de</strong>struição da <strong>na</strong>tureza (conseqüência central) constrói a sua argumentação,<br />

dando-lhe um tom <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncia, acusação e alerta. Denuncia: a matança dos bichos, a queimada das<br />

matas, a poluição dos rios, mares e praias; acusa o agente <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>struição: Quem faz tudo isso são<br />

as pessoas sem consciência, sem educação, e procura alertar: (o Brasil) vai ficar pobre sem beleza, vai<br />

ficar como o <strong>de</strong>serto cheio <strong>de</strong> areia.<br />

Esses tons atribuídos ao seu discurso parecem refletir o efeito<br />

perlocutório que preten<strong>de</strong> provocar em seu interlocutor virtual (tais pessoas): convencê-lo, persuadi-lo a<br />

não praticar ações contra a <strong>na</strong>tureza e além disso, como apontamos, alertá-lo <strong>de</strong> que tal<br />

comportamento po<strong>de</strong>rá implicar o empobrecimento do País.<br />

Em face <strong>de</strong>sses objetivos - fazer com que o seu interlocutor creia no que<br />

está sendo enunciado, e, conseqüentemente, mu<strong>de</strong> a sua atitu<strong>de</strong> perante a <strong>na</strong>tureza - o locutor a fim <strong>de</strong><br />

envolvê-lo, <strong>de</strong> sensibilizá-lo, (e, portanto, <strong>de</strong> fazer com que ele venha a a<strong>de</strong>rir ao seu discurso),<br />

apresenta uma série <strong>de</strong> argumentos que, por um lado, apontam o quadro que representa a <strong>de</strong>struição<br />

do ecossistema do País; por outro, sugerem o resultado <strong>de</strong> tal ação - o empobrecimento do Brasil, a<br />

perda <strong>de</strong> sua beleza, e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se transformar em um <strong>de</strong>serto - o que, no interior do texto,<br />

figura como uma hipótese (ou uma predição, em vista <strong>de</strong>sse estado <strong>de</strong> coisas).<br />

A estrutura argumentativa do texto, o <strong>de</strong>senvolvimento dos argumentos,<br />

a apresentação da hipótese e conclusão, organiza-se por uma relação (entre as informações) do tipo<br />

causa - conseqüência e fato - oposição, parafraseada em todo seu <strong>de</strong>senrolar. Essa organização<br />

macroestrutural configura-se no texto da forma a seguir.<br />

O texto é introduzido por duas idéias básicas que se opõem e se<br />

assi<strong>na</strong>lam por um marcador, cuja função é expressar o contraste chocante entre elas: <strong>de</strong> um lado, um<br />

Brasil que se caracteriza por ser um gran<strong>de</strong> país, bonito, cheio <strong>de</strong> riqueza, cheio <strong>de</strong> pessoas, que está<br />

crescendo, cheio <strong>de</strong> indústrias, forte e cheio <strong>de</strong> garra (proposição geral); <strong>de</strong> outro, um Brasil que, <strong>de</strong>vido<br />

à <strong>de</strong>vastação <strong>de</strong> seu ecossistema, po<strong>de</strong> empobrecer, per<strong>de</strong>r a sua beleza e tor<strong>na</strong>r-se um <strong>de</strong>serto (esta<br />

já se impondo como (contra)argumento à proposição e seguida <strong>de</strong> uma hipótese). A partir <strong>de</strong>ssa<br />

180


introdução, a amplitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> título “ Um Brasil pobre” se <strong>de</strong>limita, isto é, percebe-se qual o tema e<br />

aspectos que serão <strong>de</strong>senvolvidos para explicitar a pobreza que o título anuncia.<br />

Definidos, assim, os pontos sobre os quais a argumentação incidirá, o<br />

locutor enumera argumentos e justificativas (causas e conseqüências) para sustentá-la. Observa-se que<br />

a causa central da <strong>de</strong>struição da <strong>na</strong>tureza é a não-consciência, a falta <strong>de</strong> educação (ecológica) das<br />

pessoas, acrescenta-se a esta uma outra, as pessoas não gostam do Brasil e da vida. Para essas<br />

questões, o locutor apresenta como justificativa (embora não a explique e/ou a esclareça) a importância<br />

da <strong>na</strong>tureza em suas vidas.<br />

No segundo parágrafo, o locutor mantém a mesma relação <strong>de</strong> oposição<br />

entre as idéias, a mesma organização macroestrutural presente no primeiro parágrafo: fato - O Brasil é<br />

cheio <strong>de</strong> praias bonitas; marcador <strong>de</strong> oposição mais a idéia <strong>de</strong> contraste - mas elas estão poluídas,<br />

sujas <strong>de</strong> óleo, <strong>de</strong> lixo (mais um argumento que reforça ou parafraseia outro, já enunciado). Esse<br />

argumento expressa uma conseqüência do fato <strong>de</strong> as pessoas não saberem cuidar do meio ambiente,<br />

(por isso) as praias estão acabando, (porque) as pessoas não têm educação, não têm consciência.<br />

No último parágrafo, o locutor elabora uma conclusão que sugere uma<br />

or<strong>de</strong>m: Está <strong>na</strong> hora <strong>de</strong> acabar com essa <strong>de</strong>struição. Po<strong>de</strong>-se dizer que a conclusão reflete o<br />

posicio<strong>na</strong>mento assumido pelo locutor ao longo da sua argumentação: o <strong>de</strong> <strong>de</strong>nunciar, acusar, alertar,<br />

daí afirmar a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dar um basta a esse estado <strong>de</strong> coisas. A essa or<strong>de</strong>m, segue-se uma<br />

predição, ele profetiza o que po<strong>de</strong> ocorrer ao Brasil - as suas riquezas vão acabar, o País po<strong>de</strong> morrer,<br />

e mais uma vez retoma o que po<strong>de</strong> levar a tudo isso - as pessoas não sabem cuidar da <strong>na</strong>tureza.<br />

Esquematicamente, as idéias ou informações veiculadas no texto, relacio<strong>na</strong>das com suas respectivas<br />

categorias superestruturais, teriam a configuração que se segue.<br />

181


Um Brasil pobre<br />

Argumentação Principal<br />

Destruição da Natureza<br />

Justificativa Conclusão<br />

Está <strong>na</strong> hora <strong>de</strong> acabar com a<br />

<strong>de</strong>struição da <strong>na</strong>tureza.<br />

182


A<br />

R<br />

G<br />

U<br />

M<br />

E<br />

N<br />

T<br />

O<br />

S<br />

Causa(Central) Conseqüência(Central)<br />

A não-consciência Acabam com a <strong>na</strong>tureza<br />

ecológica das pessoas<br />

As pessoas não gostam do Matança dos bichos, quei-<br />

Brasil e da vida mada das matas, poluição<br />

dos rios, mares e praias<br />

(Matança dos bichos, quei- O Brasil pobre, sem beleza, Hipótese<br />

madas das matas, poluição<br />

dos rios, mares e praias)<br />

como <strong>de</strong>serto cheio <strong>de</strong> areia ou predição<br />

183


2.1. Argumentação<br />

2ª série<br />

184


2.2 Argumentação<br />

6ª série<br />

185


2.3 Argumentação<br />

8ª série<br />

186


3 - Descrição<br />

8ª série<br />

187


O texto “Minha rua” caracteriza-se por ser <strong>de</strong> tipo <strong>de</strong>scritivo. O locutor<br />

busca dizer como é o cotidiano da rua on<strong>de</strong> mora e o faz colocando-se <strong>na</strong> perspectiva <strong>de</strong> um<br />

observador que se envolve com a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>scrita. Procura mostrar ao seu interlocutor as imagens<br />

(impressões) do que vê, ouve e sente da rua em relação à movimentação <strong>de</strong> pessoas que ali passam:<br />

as que saem cedo para trabalhar, as que à tar<strong>de</strong> ficam brincando <strong>na</strong> calçada e as que se recolhem, à<br />

noite, em seus lares.<br />

A escolha dos aspectos selecio<strong>na</strong>dos, o modo como os <strong>de</strong>screve<br />

refletem a subjetivida<strong>de</strong> do locutor, explicitam a sua alegria e satisfação <strong>de</strong> morar <strong>na</strong>quela rua. Essa<br />

projeção <strong>de</strong> seus sentimentos po<strong>de</strong> ser apreendida em: gosto muito da minha rua, ela é limpa e tem um<br />

aspecto ótimo. Fico feliz por ter uma rua, pois muitos não po<strong>de</strong>m dizer: aquela é minha rua, pois eles<br />

não têm on<strong>de</strong> morar.<br />

Percebe-se que o foco que o locutor põe sobre os aspectos físicos da<br />

rua é um pouco difuso. São <strong>de</strong>talhes, por exemplo, ótima e limpa, que quase <strong>na</strong>da acrescentam à<br />

caracterização feita <strong>de</strong>la. Ao que parece, a intenção do locutor em relação ao que está sendo <strong>de</strong>scrito e<br />

ao interlocutor é mostrar algo que está além <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>s físicas da rua on<strong>de</strong> mora, o que preten<strong>de</strong> é<br />

retratar o clima dinâmico do dia-a-dia que há ali <strong>na</strong>quele lugar. Em face <strong>de</strong>sse objetivo, focaliza um<br />

fragmento da rua - a movimentação que há nela. A posição que parece impor ao interlocutor é <strong>de</strong><br />

contemplação do fragmento <strong>de</strong>scrito.<br />

Assim, a fim <strong>de</strong> transmitir-lhe as imagens <strong>de</strong>sejadas, o locutor, <strong>na</strong><br />

<strong>de</strong>scrição do objeto, dá-lhe uma dimensão dinâmica, pois o que lhe interessa retratar é a rua em<br />

movimento. Em vista disto, procura situá-la em ativida<strong>de</strong>, com as ações ali praticadas pelas pessoas e<br />

que expressam tal situação.<br />

O modo como se organizam as informações (as características)<br />

veiculadas no texto assume a perspectiva <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>scrição dinâmica. A organização <strong>de</strong>ssas<br />

informações no nível macroestrutural se dá por um tipo <strong>de</strong> relação <strong>de</strong> or<strong>de</strong><strong>na</strong>ção espaço-temporal. Essa<br />

relação se expressa pela sucessão <strong>de</strong> ações e fatos que singularizam o movimento cotidiano da rua .<br />

Isto é, as características selecio<strong>na</strong>das pelo locutor para retratar tal situação são apresentadas<br />

progressivamente: inicia-se <strong>de</strong>screvendo o movimento que ocorre pela manhã, passando para o que<br />

ocorre à tar<strong>de</strong> até chegar à noite. A sucessão <strong>de</strong>sses fatos começa no segundo parágrafo e termi<strong>na</strong> no<br />

sexto.<br />

Esquematicamente, as informações veiculadas neste texto, associadas<br />

às suas respectivas categorias superestruturais, figurariam da forma que se segue.<br />

188


Minha Rua<br />

Objeto ou<br />

tema-título<br />

Situação Qualida<strong>de</strong>s Elementos<br />

caridosas<br />

Espaço Tempo(em relação ao limpa ótima cheia <strong>de</strong> alegres<br />

cotidiano da rua) pessoas<br />

189


arborizada uma rua qualquer<br />

ambiente da cedo à tar<strong>de</strong> à noite silenciosa movi- (cheia)crianças, jovens<br />

rua. homens crianças todos se à noite menta- idosos, pretos,<br />

e mulhe- brincam recolhem da por brancos, amareres<br />

saem <strong>na</strong> calçada carros e los.<br />

para trabalhar.<br />

ônibus<br />

que passam<br />

190


3.1. Descritivo<br />

6ª série<br />

191


4. Dissertativo<br />

2ª série<br />

192


O texto “O que é para você uma redação” configura-se como tipo<br />

dissertativo, em que o locutor expõe a sua opinião sobre redação. A sua intenção comunicativa é<br />

explicar as razões que o levam a gostar <strong>de</strong> produzir redação. Em vista disso, a atitu<strong>de</strong> que toma em<br />

relação ao seu objeto do discurso (o assunto exposto) é <strong>de</strong> explicar, avaliar, conceituar não só o que é<br />

redação, mas também o que é produzir uma redação. Já a atitu<strong>de</strong> que assume em relação ao seu<br />

interlocutor é a <strong>de</strong> procurar fazê-lo conhecer, fazê-lo saber, mediante essas ações discursivas, a visão<br />

que tem sobre tal questão. Observa-se que, <strong>na</strong> introdução do texto, essa visão já se apresenta <strong>de</strong> modo<br />

explícito : Redação para mim é uma animação. A fim <strong>de</strong> esclarecer essa <strong>de</strong>claração, o locutor aponta<br />

alguns argumentos, estes muitas vezes parafraseados ao longo do texto.<br />

A estrutura argumentativa (macroestrutural): a <strong>de</strong>claração, os<br />

argumentos e a conclusão, basicamente, estabelecem entre si uma relação <strong>de</strong> <strong>na</strong>tureza explicativa.<br />

Esta, geralmente, não é assi<strong>na</strong>lada por marcadores que expressam esse tipo <strong>de</strong> relação lógicosemântica<br />

entre as sentenças. Tal organização se configura no texto da seguinte forma:<br />

A <strong>de</strong>claração inicial, Redação para mim é uma animação, fundamenta-se<br />

nos dois argumentos que se lhe seguem: porque eu gosto <strong>de</strong> escrever e sinto que tenho alegria <strong>de</strong><br />

escrever. Além <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>claração, apresenta uma outra, que se volta para conceituar a redação. O<br />

modo como o faz assume a forma <strong>de</strong> uma comparação: Redação é como produzir uma história. A esta,<br />

segue-se um argumento que, por sua vez, é acompanhado <strong>de</strong> justificativas que o especificam e o<br />

reforçam: gosto <strong>de</strong> fazer história, faço história <strong>de</strong> fantasia real <strong>de</strong> todo tipo <strong>de</strong> redação. Gosto <strong>de</strong><br />

produzir história. A conclusão é elaborada sucintamente; o locutor limita-se a retomar a idéia central<br />

(<strong>de</strong>claração inicial) da sua exposição: por isso é bonito escrever redação.<br />

Desmontando o texto para perceber os passos da argumentação<br />

apresentada pelo locutor e indicando as suas respectivas categorias esquemáticas, ter-se-ia a<br />

configuração esboçada a seguir.<br />

193


Argumentos<br />

O que é para você uma redação?<br />

Argumentação<br />

Redação é para mim animação Declaração<br />

Justificativa Conclusão<br />

Por isso é bonito<br />

Sente-se que gosta <strong>de</strong> escrever<br />

redação<br />

escrever redação.<br />

Sente-se que tem alegria <strong>de</strong> escrever<br />

redação<br />

194


Declaração Redacão é como produzir história<br />

Argumentos Gosta <strong>de</strong> fazer muita história<br />

Faz história <strong>de</strong> fantasia, real e todo tipo<br />

<strong>de</strong> redação<br />

Gosta <strong>de</strong> produzir histórias<br />

195


4.1. Dissertação<br />

4ª série<br />

196


4.2 Dissertação<br />

6ª série<br />

197


4.3 Dissertação<br />

8ª série<br />

198


5. Texto injuntivo<br />

4ª série<br />

199


Em “Nosso Brasil” temos um texto do tipo injuntivo, cujo conteúdo<br />

semântico se estrutura em torno <strong>de</strong> sugestões <strong>de</strong> algumas ações que levem à mudança da realida<strong>de</strong><br />

social brasileira. O objetivo do locutor é incitar a realização <strong>de</strong> ações que promovam tal mudança. Em<br />

vista <strong>de</strong>sse objetivo, o discurso presente nesse tipo <strong>de</strong> texto caracteriza-se pelo discurso do fazer, do<br />

propor ações para serem realizadas. O tom dado ao discurso é <strong>de</strong> sugestão; logo no início do texto, o<br />

locutor posicio<strong>na</strong>-se no lugar <strong>de</strong> quem propõe algo, <strong>de</strong> quem sugere algo para que seja feito ou que<br />

aconteça: Eu, David, sugeriria para que nosso país melhorasse <strong>de</strong>veria mudar e acabar com muita<br />

coisa. Contudo, vale ressaltar que, antes <strong>de</strong> se colocar no lugar <strong>de</strong> quem apresenta sugestões para a<br />

realização <strong>de</strong> ações, consi<strong>de</strong>radas possíveis e viáveis para a transformação da situação <strong>de</strong>sejada, o<br />

locutor procura convencer, persuadir o seu interlocutor <strong>na</strong> prática do que se <strong>de</strong>seja ser feito e, para<br />

tanto, apresenta como justificativa ou explicação o seguinte argumento: Todos nós sabemos: a cada dia<br />

que passa nosso Brasil está pior. Após utilizar-se <strong>de</strong>ssa estratégia discursiva, <strong>de</strong>termi<strong>na</strong> ou incita uma<br />

série <strong>de</strong> ações que <strong>de</strong>vem ser praticadas pelo seu interlocutor virtual: acabar com a fome e com a<br />

morte, evitar queimadas e <strong>de</strong>smatamentos, não <strong>de</strong>struir nossa fau<strong>na</strong> e nossa flora, etc. Além <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>r o que <strong>de</strong>ve ser feito para que ocorra a mudança <strong>de</strong>sejada, antecipa uma pretensa satisfação<br />

(orgulho) caso o que foi proposto venha a ocorrer: Se tudo isso melhorasse eu, David, me orgulharia<br />

ainda mais com o nosso Brasil. Essa antecipação, <strong>na</strong> verda<strong>de</strong>, representa uma explicação (ou<br />

justificativa) e incentivo para a realização das ações <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>das.<br />

Esquematicamente, as informações veiculadas no texto <strong>de</strong> acordo com a<br />

sua organização no plano das categorias superestruturais assumem a configuração esboçada a seguir.<br />

200


Nosso Brasil<br />

Explicação, justificativa Determi<strong>na</strong>ção ou incitação Explicação e incentivo<br />

para a realização das ações das ações para realização das ações<br />

A cada dia o Brasil está pior. Para a melhora do Brasil <strong>de</strong>veria Se tudo isso melhorar, eu, me<br />

mudar e acabar com muita coisa: orgulharia ainda mais do Brasil.<br />

• acabar com a fome e com a morte;<br />

• evitar queimadas e <strong>de</strong>smatamentos;<br />

• não <strong>de</strong>struir a fau<strong>na</strong> e flora;<br />

• não acabar com a <strong>na</strong>tureza, com o<br />

201


meio ambiente, com o Brasil;<br />

• acabar com a inflação, com os roubos,<br />

com o <strong>de</strong>semprego, com os meninos<br />

e adultos <strong>de</strong> rua;<br />

• construir mais <strong>escola</strong>s para os meninos<br />

e meni<strong>na</strong>s a<strong>na</strong>lfabetos.<br />

202


4 .Conclusão<br />

O estudo apresentado neste capítulo visou <strong>de</strong>screver o conjunto <strong>de</strong><br />

condições que cercavam a <strong>produção</strong> <strong>de</strong> escrita <strong>na</strong>s turmas/séries observadas, bem como apontar os<br />

tipos <strong>de</strong> <strong>textos</strong> produzidos pelos alunos sob tais condições. Buscamos, para tanto, focalizar os fatores<br />

que se atualizavam no processo interlocutivo das aulas <strong>de</strong> redação, sobretudo aqueles que incidiam <strong>na</strong><br />

instância discursiva que se voltava para a motivação e orientação da escrita <strong>de</strong> texto. Mediante a<br />

análise dos fatores que <strong>de</strong>finiam essa instância, foi-nos possível verificar que as práticas <strong>de</strong> redação se<br />

inseriam em um quadro <strong>de</strong> condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> escrita que acabava distanciando a própria<br />

escrita <strong>de</strong> um dos seus usos sociais, como instrumento <strong>de</strong> interação, e percebemos que esse<br />

distanciamento se dava, em condições semelhantes, em todas as séries observadas.<br />

Nessa dinâmica <strong>escola</strong>r, como dissemos, escrever assumia dimensões<br />

cujas funções e usos pragmáticos pareciam ter valor somente no jogo das relações interativas no<br />

contexto <strong>escola</strong>r. Conseqüentemente, as práticas <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> redação tendiam para um rompimento<br />

dos usos sociais e funções diversificados da escrita.<br />

As razões para escrever <strong>na</strong> <strong>escola</strong> acabavam tomando um caráter<br />

puramente <strong>de</strong> trei<strong>na</strong>mento, <strong>de</strong> uma suposta preparação para o que vem <strong>de</strong>pois, um <strong>de</strong>pois que parecia<br />

projetar-se para aten<strong>de</strong>r às próprias necessida<strong>de</strong>s <strong>escola</strong>res. Assim, nesse contexto, as condições <strong>de</strong><br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma aprendizagem sistemática dos tipos <strong>textuais</strong> que se atualizam nos mais diferentes<br />

gêneros discursivos para cumprir diversificadas funções pragmáticas e usos sociais, eram, <strong>de</strong> certa<br />

forma, neutralizadas.<br />

De um modo geral, po<strong>de</strong>mos dizer que a <strong>escola</strong> <strong>de</strong>ixava fora das<br />

práticas <strong>de</strong> redação, como objeto <strong>de</strong> ensino-aprendizagem, a multiplicida<strong>de</strong> e complexida<strong>de</strong> dos usos,<br />

valores e funções que os diferentes tipos <strong>textuais</strong> <strong>de</strong>sempenham nos mais diversos gêneros discursivos<br />

produzidos <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>.<br />

Se, por um lado, a <strong>escola</strong> ignorava ou não reconhecia que os tipos<br />

<strong>textuais</strong> são formas <strong>de</strong> interação utilizadas pelos sujeitos para atualizar o discurso e, portanto, para<br />

cumprir <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>das funções e usos sociais no processo interlocutivo, por outro, os alunos usavam tais<br />

formas para objetivar os seus (vale aqui a ambigüida<strong>de</strong>) discursos, <strong>na</strong> modalida<strong>de</strong> escrita. Agenciavam,<br />

203


com relativa proprieda<strong>de</strong>, por exemplo, estratégias esquemáticas específicas dos tipos <strong>textuais</strong> que<br />

circulam <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>.<br />

Ao constatar tal situação - <strong>de</strong> um lado, a ausência <strong>de</strong> uma prática <strong>escola</strong>r<br />

fundamentada em um ensino que possibilitasse uma aprendizagem sistemática dos tipos <strong>textuais</strong><br />

existentes <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>, do outro, a presença dos tipos <strong>textuais</strong> no <strong>textos</strong> escritos pelos alunos, no<br />

interior <strong>de</strong>ssa prática <strong>escola</strong>r - pareceu-nos razoável supor que os alunos produziam os <strong>textos</strong><br />

intuitivamente. Recorriam a um conhecimento textual, esquemático, construído assistematicamente em<br />

suas interações verbais.<br />

Assim, diante <strong>de</strong>sse conjunto <strong>de</strong> situações presentes <strong>na</strong> <strong>escola</strong>, algumas<br />

questões relativas ao conhecimento dos alunos sobre tipos <strong>textuais</strong> <strong>na</strong> modalida<strong>de</strong> escrita se<br />

colocaram:<br />

Como os alunos reconhecem os seus próprios <strong>textos</strong> quanto ao tipo?<br />

Que <strong>de</strong>cisões (e <strong>de</strong> que <strong>na</strong>tureza) são tomadas pelos alunos para<br />

i<strong>de</strong>ntificar os seus <strong>textos</strong> quanto ao tipo?<br />

Que príncípios tipológicos, se é que se po<strong>de</strong> assim falar, são adotados<br />

pelos alunos para classificar seus próprios <strong>textos</strong> e outros que representam a prática social <strong>de</strong> escrita<br />

constituída em nossa socieda<strong>de</strong>?<br />

Foram essas questões que se tornoram o leitmotiv do segundo momento<br />

da pesquisa, cuja realização se <strong>de</strong>u no primeiro semestre letivo <strong>de</strong> 1994.<br />

A seguir, no Capítulo 7, faremos a <strong>de</strong>scrição dos dados recolhidos nessa<br />

etapa da pesquisa e a sua análise.<br />

204


1 - Introdução<br />

CAPÍTULO 7<br />

Princípios tipológicos adotados pelos alunos<br />

Conforme expusemos anteriormente, esta pesquisa, em seu <strong>de</strong>senrolar,<br />

no tocante ao trabalho <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> dados, foi constituída por duas etapas sucessivas. A primeira,<br />

<strong>de</strong>senvolvida ao longo do segundo semestre <strong>de</strong> 1993, foi orientada pelos objetivos tanto <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver<br />

as condições que cercavam a <strong>produção</strong> <strong>de</strong> <strong>textos</strong> <strong>na</strong> <strong>escola</strong>, como <strong>de</strong> apontar os tipos <strong>de</strong> texto nela<br />

produzidos pelos alunos, assunto que foi o objeto <strong>de</strong> análise do 6º Capítulo.<br />

Nessa etapa, como assi<strong>na</strong>lamos, por meio da análise dos dados,<br />

mediada por estudos <strong>de</strong>senvolvidos nos campos da Lingüística Textual e da Teoria do Discurso,<br />

constatamos que, apesar <strong>de</strong> a <strong>escola</strong> não fornecer uma aprendizagem sistemática das possíveis<br />

características e proprieda<strong>de</strong>s que figuram no funcio<strong>na</strong>mento textual dos diferentes tipos <strong>de</strong> texto<br />

existentes <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>, os alunos, para realizar as propostas <strong>de</strong> redação feitas por ela, produziam<br />

seus <strong>textos</strong>, dando-lhes uma configuração textual relativamente condizente com aquela que faz com<br />

que um dado tipo <strong>de</strong> texto seja <strong>de</strong> tal tipo e não <strong>de</strong> outro.<br />

Tal análise conduziu-nos à suposição <strong>de</strong> que os alunos, para produzir os<br />

seus <strong>textos</strong>, recorriam a um conhecimento construído assistematicamente sobre o funcio<strong>na</strong>mento dos<br />

tipos <strong>de</strong> texto : <strong>na</strong>rrativo, <strong>de</strong>scritivo, dissertativo, argumentativo e injuntivo. Um conhecimento que, <strong>de</strong><br />

acordo com as reflexões teóricas propostas <strong>na</strong>queles dois campos científicos, é construído nos<br />

processos interlocutivos em que os sujeitos se encontram inseridos. No caso dos alunos, seriam os<br />

processos constituídos tanto <strong>de</strong>ntro da <strong>escola</strong> como fora <strong>de</strong>la, sendo assim, ambos con<strong>textos</strong> sociais<br />

constitutivos <strong>de</strong>sse conhecimento assistemático relativo aos tipos.<br />

205


Dessa constatação, <strong>de</strong>correu a segunda etapa <strong>de</strong>sta pesquisa,<br />

<strong>de</strong>senvolvida no primeiro semestre <strong>de</strong> 1994. Nessa etapa, o foco do trabalho recaiu sobre como os<br />

alunos reconheceriam os seus próprios <strong>textos</strong> escritos e outros que circulam <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong> para<br />

classificá-los quanto ao tipo textual. Esta foi a questão que se impôs ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>sta etapa.<br />

Em vista disto, <strong>de</strong>cidimo-nos por um trabalho <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> dados voltado para um estudo que pu<strong>de</strong>sse<br />

apreen<strong>de</strong>r os traços (princípios tipológicos) que os alunos utilizariam para reconhecer os seus próprios<br />

<strong>textos</strong>, bem como outros que circulam <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>, quanto ao tipo textual.<br />

2 - Hipótese básica do estudo e objetivos<br />

Como salientamos, a manipulação do material coletado, ao longo e ao<br />

término da primeira etapa da pesquisa, possibilitou o estabelecimento da suposição <strong>de</strong> que os alunos<br />

teriam um conhecimento do funcio<strong>na</strong>mento textual dos diferentes tipos <strong>de</strong> texto, <strong>na</strong> modalida<strong>de</strong> escrita,<br />

construído assistematicamente, <strong>na</strong>s suas interações verbais, seja como leitores, seja como escritores.<br />

Essa suposição, por sua vez, contribuiu para o estabelecimento da hipótese básica do estudo<br />

<strong>de</strong>senvolvido nesta parte da pesquisa, qual seja: o aluno, com base em seu conhecimento prévio<br />

(textual, lingüístico, pragmático, <strong>de</strong> mundo, enciclopédico), mostrar-se-ia capaz <strong>de</strong> reconhecer, quanto<br />

ao tipo textual, os seus próprios <strong>textos</strong> escritos, bem como outros que circulam <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>, a que<br />

doravante chamaremos <strong>textos</strong> não-<strong>escola</strong>res.<br />

Dessa hipótese resultaram algumas perguntas importantes para o<br />

direcio<strong>na</strong>mento do tratamento dado ao corpus e ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> sua análise: a) Que princípios<br />

tipológicos (traços salientados) seriam utilizados pelos alunos para classificar os seus próprios <strong>textos</strong> e<br />

os não-<strong>escola</strong>res? b) Sobre que planos do funcio<strong>na</strong>mento do texto incidiria a análise feita pelos alunos<br />

para a sua classificação, evi<strong>de</strong>nciando-se, assim, tais princípios tipológicos? c) Haveria uma relação <strong>de</strong><br />

proximida<strong>de</strong> entre princípios tipológicos adotados (traços salientados) pelos alunos <strong>na</strong> tipificação dos<br />

<strong>textos</strong> e aqueles construídos nos domínios teóricos das <strong>tipologias</strong> <strong>de</strong> texto e <strong>de</strong> discurso existentes?<br />

Em face <strong>de</strong> tudo isso, os objetivos básicos <strong>de</strong>sta fase da pesquisa foram:<br />

a) evi<strong>de</strong>nciar os traços (príncípios tipológicos) salientados pelos alunos <strong>na</strong> classificação dos seus<br />

próprios <strong>textos</strong> e <strong>na</strong> dos não-<strong>escola</strong>res;<br />

b) i<strong>de</strong>ntificar os planos do funcio<strong>na</strong>mento do texto (formal, discursivo, macroestrutural, esquemático)<br />

sobre os quais incidiriam as análises feitas pelos alunos <strong>na</strong> classificação dos <strong>textos</strong>;<br />

206


c) evi<strong>de</strong>nciar se há ou não relações <strong>de</strong> proximida<strong>de</strong> entre os princípios tipológicos adotados pelos<br />

alunos e os adotados pelas <strong>tipologias</strong> <strong>de</strong> texto e discurso existentes.<br />

Antes, porém, <strong>de</strong> passarmos à exposição da direção metodológica dada<br />

a esta fase do estudo, gostaríamos <strong>de</strong> apresentar algumas pesquisas que investigaram os tipos<br />

<strong>textuais</strong>. Essa nossa intenção é antes uma tentativa <strong>de</strong> mostrar a rarida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estudos que se<br />

interessam por essa questão, seja no que tange às pesquisas sobre a compreensão dos tipos <strong>textuais</strong>,<br />

seja sobre a sua <strong>produção</strong> <strong>na</strong> modalida<strong>de</strong> escrita ou oral, seja, enfim, sobre como os sujeitos os<br />

categorizam.<br />

3 - Alguns estudos sobre tipos <strong>textuais</strong><br />

Se comparássemos o universo <strong>de</strong> estudos teóricos que se voltam para a<br />

elaboração <strong>de</strong> <strong>tipologias</strong> <strong>de</strong> texto e discurso com o universo <strong>de</strong> pesquisas empíricas que objetivam<br />

verificar como se dão a recepção e a <strong>produção</strong> dos tipos <strong>textuais</strong>, e como os sujeitos reconhecem e<br />

categorizam os <strong>textos</strong> quanto ao seu tipo, po<strong>de</strong>r-se-ia dizer que estas, em relação àqueles, são bem<br />

mais reduzidas.<br />

3 1 - Pesquisas sobre a compreensão dos tipos <strong>textuais</strong><br />

No que concerne às pesquisas sobre compreensão dos tipos <strong>textuais</strong>,<br />

como pon<strong>de</strong>ram GOETZ & ARMBUSTER (1980, apud, BENOIT & FAYOL,1989), pouco se sabe a<br />

respeito dos efeitos, <strong>na</strong> leitura, <strong>de</strong> diferentes tipos <strong>textuais</strong>, das especificida<strong>de</strong>s do processamento e<br />

compreensão exigidos pelos tipos, em função das suas estruturas globais (temáticas) e esquemáticas e<br />

<strong>de</strong> outros fatores que envolvem o funcio<strong>na</strong>mento do texto e suas condições <strong>de</strong> recepção. A hipótese<br />

que vigora <strong>na</strong>s reflexões teóricas, em geral, sobre a compreensão <strong>de</strong> texto é a <strong>de</strong> que não há um<br />

processo único <strong>de</strong> compreensão, mas processos <strong>de</strong> processamento e compreensão que po<strong>de</strong>m variar<br />

<strong>de</strong> acordo com as diferentes situações que envolvem a recepção dos diferentes tipos <strong>de</strong> texto.<br />

Entretanto, faltam pesquisas empíricas que busquem evi<strong>de</strong>nciar esses diferentes processos sobre como<br />

o sujeito lê diferentes tipos <strong>de</strong> <strong>textos</strong>, sobre as estratégias (hablida<strong>de</strong>s) utilizadas no processamento e<br />

207


compreensão dos tipos, sobre como os leitores relembram, como recontam ou resumem os diferentes<br />

tipos <strong>de</strong> texto.<br />

A <strong>na</strong>rrativa é um dos tipos <strong>de</strong> texto mais investigado, no que respeita<br />

tanto à sua <strong>produção</strong> (oral e escrita) como à sua compreensão. Quanto a esta última, entre os estudos<br />

<strong>de</strong>senvolvidos, encontra-se o <strong>de</strong> KINSTSCH & VAN DIJK(1975). Esses autores, em “Comment on se<br />

rapelle et on résume <strong>de</strong>s histoires”, procuram observar se o conhecimento da superestrutura da<br />

<strong>na</strong>rrativa em uma dada cultura seria fator <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>nte para a compreensão <strong>de</strong> <strong>textos</strong> <strong>de</strong>sse tipo por<br />

parte <strong>de</strong> sujeitos adultos.<br />

Os autores - orientados pelo pressuposto <strong>de</strong> que os sujeitos, ao lerem<br />

uma <strong>na</strong>rrativa, recorreriam ao esquema textual específico <strong>de</strong>sse tipo, construído em suas interações<br />

verbais sociais, e <strong>de</strong> que parte do processo <strong>de</strong> sua compreensão consistiria no preenchimento dos<br />

espaços vagos <strong>de</strong>sse esquema com as informações organizadas tal como se espera nesse tipo <strong>de</strong> texto<br />

- propõem comparar o modo como sujeitos resumiriam <strong>textos</strong> <strong>na</strong>rrativos, segundo estivessem, ou não,<br />

familiarizados com seus esquemas <strong>textuais</strong>. Para essa experiência, os <strong>textos</strong> utilizados foram o<br />

Decameron e um conto popular ameríndio, cujo assunto girava em torno da história <strong>de</strong> um mito apache<br />

e que apresentava uma estrutura <strong>na</strong>rrativa diferente das típicas <strong>na</strong>rrativas oci<strong>de</strong>ntais. Em vista <strong>de</strong>ssa<br />

diferença, os sujeitos não foram capazes <strong>de</strong> resumir a lenda do mito, por fugir ao esquema <strong>na</strong>rrativo<br />

conhecido. Já o texto em que figura um esquema textual canônico, os leitores foram capazes <strong>de</strong><br />

resumi-lo. Essa capacida<strong>de</strong>, segundo os autores, reflete uma manifestação clara da compreensão do<br />

texto e da competência textual. Diante <strong>de</strong>sse resultado, os autores pon<strong>de</strong>ram que a familiarida<strong>de</strong> com o<br />

tipo <strong>de</strong> texto facilita em gran<strong>de</strong> escala a <strong>de</strong>preeensão do tema, a compreensão do texto.<br />

Sobre essa constatação, feita por esses dois autores, parece haver,<br />

entre os pesquisadores, como em KLEIMAN (1989,1993), um consenso em admitir que, quanto mais<br />

diversificada a experiência <strong>de</strong> leitura dos sujeitos, tanto maior a sua familiarida<strong>de</strong> com os diferentes<br />

tipos <strong>textuais</strong> existentes numa dada cultura, mais conhecida a estrutura <strong>de</strong>sses tipos, favorecendo,<br />

assim, a habilida<strong>de</strong> para a <strong>de</strong>preensão do tema, das relações entre as informações veiculadas no texto.<br />

Tal habilida<strong>de</strong>, segundo os pesquisadores, po<strong>de</strong>ria ser interpretada como resultado da ativação, <strong>na</strong><br />

memória <strong>de</strong> longo termo, dos esquemas <strong>textuais</strong> correspon<strong>de</strong>ntes ao tipo do texto em questão.<br />

Nessa perspectiva, BREWER e HAY(1984, apud BENOIT & FAYOL,<br />

1989:72), em um trabalho com adultos americanos, evi<strong>de</strong>nciaram que os sujeitos, tendo que memorizar<br />

diferentes categorias <strong>de</strong> tipos <strong>de</strong> texto, em diferentes gêneros discursivos (artigos científicos, <strong>de</strong> leis,<br />

etc), nos quais os pesquisadores haviam substituído as características <strong>de</strong> estilo (configuração formal,<br />

208


etórica) por uma formulação ba<strong>na</strong>l, acabaram por retomá-las, ao reconstruirem as características<br />

estilísticas e retóricas <strong>de</strong>sses discursos. Isso ocorreu apesar <strong>de</strong> os sujeitos terem recebido a instrução<br />

<strong>de</strong> que <strong>de</strong>veriam ler e resumir os <strong>textos</strong> tal como eles se apresentavam.<br />

VAN DIJK (1992:161) apresenta reflexões nesse sentido que reforçam os<br />

resultados obtidos por BREWER E HAY. Este autor, em estudos recentes, sugere que<br />

“(...)as pessoas, quando lêem um texto, não ape<strong>na</strong>s constroem<br />

uma representação <strong>de</strong>sse texto. Tal representação textual é<br />

importante para dar conta do fato <strong>de</strong> que os usuários da língua<br />

são capazes <strong>de</strong> reproduzir parte do que efetivamente foi dito<br />

(antes) em um texto, incluindo (às vezes) sintaxe específica,<br />

expressões lexicais e sentidos expressos”.<br />

Na esteira <strong>de</strong>sse raciocínio, BRONCKART e colaboradores (1985,apud<br />

BENOIT & FAYOL, 1989), mediante uma pesquisa empírica, assi<strong>na</strong>lam que certos tipos <strong>de</strong> texto são<br />

fortemente associados a um conjunto <strong>de</strong> marcas lingüísticas <strong>de</strong> superfície constituidoras do seu estilo<br />

retórico. Pon<strong>de</strong>ram que pelo menos os adultos ten<strong>de</strong>m, com relativa facilida<strong>de</strong>, a (re)lembrar os <strong>textos</strong><br />

<strong>de</strong> maneira que corresponda não ape<strong>na</strong>s à sua superestrutura, à sua função discursiva, mas também<br />

às suas marcas lingúísticas.<br />

3. 2 - Pesquisas sobre <strong>produção</strong> dos tipos <strong>textuais</strong><br />

As pesquisas que se voltam para investigar a <strong>produção</strong> dos tipos<br />

<strong>textuais</strong>, tanto <strong>na</strong> modalida<strong>de</strong> oral como <strong>na</strong> escrita, apresentam-se em um número bem menor do que<br />

aquelas que os investigam quanto à sua compreensão. Como salientamos, o tipo <strong>de</strong> texto mais<br />

estudado pelas pesquisas é o <strong>na</strong>rrativo (oral,escrito). 55 Outra vertente que tem emergido no domínio<br />

55<br />

Entre os estudos que tomam a <strong>na</strong>rrativa como objeto <strong>de</strong> estudo, po<strong>de</strong>ríamos citar alguns, tais como: ROJO<br />

(1989), que investiga o <strong>de</strong>senvolvimento do discurso <strong>na</strong>rrativo escrito em sujeitos em ida<strong>de</strong>s <strong>escola</strong>res do 1º<br />

Grau; BASTOS (1994), que a<strong>na</strong>lisa a organização da <strong>na</strong>rrativa escrita, nos planos da coesão e coerência<br />

textual, <strong>de</strong> alunos <strong>de</strong> 2º Grau ; PERRONI ( 1992), que investiga o processo <strong>de</strong> aquisição do discurso <strong>na</strong>rrativo<br />

oral , em crianças dos 2 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> até os 5; MICHAELS (1991), que a<strong>na</strong>lisa, <strong>na</strong>s modalida<strong>de</strong>s oral e escrita,<br />

a seleção dos tópicos discursivos e sua atualização <strong>na</strong> estrutura <strong>na</strong>rrativa em <strong>escola</strong>res <strong>de</strong> séries iniciais do<br />

209


dos estudos empíricos é aquela que propõe análises comparativas do <strong>de</strong>sempenho escrito <strong>de</strong> sujeitos<br />

em ida<strong>de</strong>s <strong>escola</strong>res diferentes <strong>na</strong> <strong>produção</strong> dos tipos <strong>textuais</strong>. Esta, em relação às pesquisa do tipo<br />

<strong>na</strong>rrativo, apresenta-se em número substancialmente menor.<br />

WATSON (apud KATO, 1986), uma pesquisadora que observa o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da linguagem escrita, ao a<strong>na</strong>lisar os padrões <strong>de</strong> arranjos sintáticos <strong>de</strong> <strong>textos</strong> escritos<br />

por <strong>escola</strong>res <strong>na</strong> mesma faixa etária, <strong>textos</strong> estes produzidos a partir <strong>de</strong> objetivos retóricos diferentes,<br />

consi<strong>de</strong>ra que, mais que a ida<strong>de</strong> e a maturida<strong>de</strong> lingüística do aluno, o que <strong>de</strong>termi<strong>na</strong> o grau <strong>de</strong><br />

complexida<strong>de</strong> sintática do texto é o tipo (gênero) em que ele se atualiza. Nesse caso, segundo a autora,<br />

não seriam tão somente a ida<strong>de</strong> do aluno e a sua maturida<strong>de</strong> lingüística que <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>riam o processo<br />

da <strong>produção</strong> do tipo <strong>de</strong> texto, mas também a própria organização estrutural (formal, conceitual,<br />

esquemática) do tipo <strong>de</strong> texto em questão.<br />

Outros pesquisadores, como SCINTO (1983), apresentam, igualmente,<br />

consi<strong>de</strong>rações sobre os diferentes <strong>de</strong>sempenhos <strong>de</strong> sujeitos <strong>na</strong> escrita <strong>de</strong> tipos <strong>textuais</strong>. Este autor,<br />

observando o <strong>de</strong>sempenho, <strong>na</strong> escrita <strong>de</strong> <strong>textos</strong> <strong>na</strong>rrativo e expositivo, <strong>de</strong> <strong>escola</strong>res (aprendizes e<br />

alunos mais experientes), constata que os aprendizes apresentam diferenças significativas <strong>na</strong> <strong>produção</strong><br />

<strong>de</strong>sses dois tipos, as quais se manifestam nos planos da coesão (microestrutual), e da coerência<br />

(macroestrutural) do texto. Segundo SCINTO, esses <strong>escola</strong>res parecem ter conhecimento sobre a<br />

<strong>produção</strong> <strong>de</strong> <strong>na</strong>rrativas maior que sobre a <strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto expositivo, apresentanto <strong>textos</strong> com uma<br />

configuração satisfatória tanto formal como conceitual. Já quanto ao tipo expositivo, embora procurem<br />

organizar os enunciados, para materializarem seus argumentos <strong>na</strong> solução <strong>de</strong> problemas propostos, os<br />

<strong>textos</strong> apresentavam-se menos coesivos, isto é, tinham uma organização textual fragilizada no que<br />

respeita tanto às relações microestruturais (lingüísticas) como as macroestruturais (relações lógicosemânticas<br />

entre as informações). Segundo o autor, os <strong>escola</strong>res com experiência maior da escrita<br />

produzem <strong>textos</strong> tanto <strong>na</strong>rrativos como expositivos com uma configuração formal e conceitual mais<br />

a<strong>de</strong>quada em relação aos outros <strong>escola</strong>res observados. A explicação apresentada pelo autor para essa<br />

diferença no <strong>de</strong>sempenho dos alunos <strong>na</strong> escrita <strong>de</strong>sses dois tipos não é diferente daquela que expressa<br />

o consenso dos pesquisadores sobre a compreensão: a familiarida<strong>de</strong>, mediada por uma aprendizagem<br />

processo <strong>de</strong> <strong>escola</strong>rização; COLLINS & MICHAELS (1991), que fazem um estudo comparativo <strong>de</strong> <strong>na</strong>rrativas<br />

(orais e escritas) para observar como <strong>escola</strong>res <strong>de</strong> raças e camadas sociais diferentes si<strong>na</strong>lizam a coesão temática<br />

nos <strong>textos</strong> produzidos; e TANNEN (1982), que investiga diferenças entre a modalida<strong>de</strong> oral e escrita, a partir <strong>de</strong><br />

<strong>na</strong>rrativa em sujeitos adultos <strong>de</strong> diferentes culturas (americanos e gregos).<br />

210


sistemática, com os diferentes tipos <strong>textuais</strong>, seja como leitor, seja como escritor, amplia a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> um <strong>de</strong>sempenho mais produtivo <strong>na</strong> escrita e compreensão dos <strong>textos</strong>.<br />

Já COOPER (1983), em “Procedures for Describing Written Texts”,<br />

apresenta um trabalho <strong>de</strong> <strong>na</strong>tureza metodológica voltado para indicar as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> análise que<br />

po<strong>de</strong>m ser feitas a partir dos vários planos micro e macroestrutural que compõem o funcio<strong>na</strong>mento dos<br />

tipos <strong>textuais</strong>. Trata-se <strong>de</strong> um estudo que, segundo o autor, permitiria apreen<strong>de</strong>r as estratégias<br />

utilizadas pelo escritor <strong>na</strong> <strong>produção</strong> do texto. A fim <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar a possilibida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um trabalho <strong>de</strong>ssa<br />

<strong>na</strong>tureza, toma como objeto <strong>de</strong> análise os tipos <strong>de</strong> texto - <strong>na</strong>rrativo, <strong>de</strong>scritivo e argumentativo -<br />

produzidos por sujeitos aprendizes e experientes <strong>na</strong> escrita. Por intermédio <strong>de</strong> um estudo comparativo<br />

da <strong>produção</strong> <strong>de</strong>sses <strong>textos</strong> feita por tais sujeitos, procura chamar a atenção para os diferentes<br />

processos <strong>de</strong> coesão, as diferentes relações <strong>de</strong> hierarquização das informações veiculadas nos <strong>textos</strong>,<br />

a estruturação temática <strong>de</strong>mandada por cada um dos tipos a<strong>na</strong>lisados e construídos pelos diferentes<br />

sujeitos. O estudo proposto por esse autor presta-se sobretudo para mostrar a viabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma das<br />

linhas <strong>de</strong> pesquisa que tem sido <strong>de</strong>senvolvida nos USA, a saber, análises que partem do produto (texto<br />

escrito) para se apreen<strong>de</strong>r o processo <strong>de</strong> <strong>produção</strong>.<br />

KRESS (1982) a<strong>na</strong>lisa, entre outros aspectos da constituição do texto, a<br />

atualização <strong>de</strong> tempos verbais em <strong>textos</strong> <strong>na</strong>rrativos, <strong>de</strong>scritivos, dissertativos, produzidos por alunos<br />

das séries iniciais do processo <strong>de</strong> <strong>escola</strong>rização, sujeitos cuja experiência <strong>escola</strong>r <strong>de</strong> <strong>produção</strong> escrita<br />

<strong>de</strong> texto, limitava-se à <strong>na</strong>rrativa tipo história, pelo fato <strong>de</strong> ser este o tipo proposto por <strong>escola</strong>s<br />

america<strong>na</strong>s no início do processo <strong>de</strong> aprendizagem <strong>de</strong> escrita. Os dados obtidos, segundo o autor,<br />

sugerem que os alunos, no que respeita ao emprego dos verbos em relação ao tipo <strong>de</strong> texto,<br />

apresentam um conhecimento lingüístico intuitivo. Nos <strong>textos</strong> a<strong>na</strong>lisados, as crianças usam com certa<br />

regularida<strong>de</strong> o pretérito perfeito e o imperfeito <strong>na</strong>s <strong>na</strong>rrativas do tipo história e o presente <strong>na</strong>s<br />

<strong>de</strong>scrições e dissertações. Essa regularida<strong>de</strong>, explica o autor, era marcada , por vezes, pela relação<br />

que a criança estabelecia com o assunto sobre o qual se propunha escrever: o presente, por exemplo,<br />

era geralmente utilizado quando o assunto abordado era mais conhecido e relacio<strong>na</strong>va-se com uma<br />

realida<strong>de</strong> objetiva; o pretérito perfeito e imperfeito eram mais empregados em histórias ficcio<strong>na</strong>is.<br />

Por fim, um outro estudo que po<strong>de</strong>ria ser mencio<strong>na</strong>do é o <strong>de</strong> REGO<br />

(1992), a qual - embora o foco <strong>de</strong> seu trabalho não seja uma investigação que se volte para a <strong>produção</strong><br />

dos tipos <strong>textuais</strong> - aponta para as condições em que o sujeito constrói um conhecimento sobre os<br />

gêneros discursivos, os tipos <strong>de</strong> discurso e a função da escrita neles atualizados.<br />

211


Essa autora, por meio <strong>de</strong> um estudo <strong>de</strong> caso, numa abordagem<br />

longitudi<strong>na</strong>l, realizado com uma criança dos 4 aos 7 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, expõe uma série <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobertas<br />

feitas pela criança sobre os gêneros discursivos e a função que a escrita <strong>de</strong>sempenha neles. Essas<br />

<strong>de</strong>scobertas <strong>de</strong>ram-se antes da entrada da criança <strong>na</strong> <strong>escola</strong>. Aos 4 anos, diante <strong>de</strong> jor<strong>na</strong>is, a meni<strong>na</strong><br />

simulava leitura <strong>de</strong> manchetes, usando uma linguagem típica <strong>de</strong>ste gênero discursivo. Aos cinco anos,<br />

mediante rabiscos, produzia poemas, histórias, cartas (para o pai ausente), que eram <strong>de</strong>pois transcritas<br />

por um adulto. A criança, <strong>na</strong> leitura <strong>de</strong> suas histórias, por exemplo, tinha uma preocupação tanto em<br />

a<strong>de</strong>quar a sua linguagem às características <strong>de</strong> texto escrito, como em construir uma <strong>na</strong>rrativa com as<br />

categorias esquemáticas fundamentais que são a complicação e a resolução. Aos 6 anos, ao ingressar<br />

<strong>na</strong> alfabetização, segundo a autora, a criança já possuía uma noção <strong>de</strong> que ler e escrever serviam a<br />

diferentes propósitos e apresentava expectativas bastante pertinentes sobre os usos e funções da<br />

escrita atualizada em alguns gêneros discursivos. Para a autora, um dos fatores que contribuíram para<br />

que a meni<strong>na</strong> usasse apropriadamente a escrita e produzisse <strong>textos</strong> acima da expectativa para um<br />

alfabetizando foram as interações verbais reais que experienciou com adultos, envolvendo uma<br />

exploração ativa da leitura e escrita, nos mais variados gêneros discursivos.<br />

3.3 - Pesquisas sobre a categorização dos tipos <strong>textuais</strong> feita por sujeitos<br />

Mais raras ainda são as pesquisas que têm como propósito investigar<br />

como os sujeitos classificam os tipos <strong>textuais</strong> existentes <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>. 56Os trabalhos sobre os tipos,<br />

nessa perspectiva, geralmente abordam um ou outro aspecto da configurção textual como fatorcontrole,<br />

para apreen<strong>de</strong>r os critérios utilizados pelos sujeitos <strong>na</strong> classificação dos <strong>textos</strong> quanto ao tipo.<br />

Outro ponto que as caracteriza também é a <strong>na</strong>tureza do corpus selecio<strong>na</strong>do. Este, <strong>de</strong> modo geral, é<br />

constituído por <strong>textos</strong> <strong>na</strong>rrativos (basicamente do tipo história), <strong>de</strong>scritivo e dissertativo ou<br />

argumentativos, não apresentando entre estes últimos uma distinção tal como aquela que este estudo<br />

consi<strong>de</strong>ra.<br />

Entre os poucos trabalhos que há, optamos por <strong>de</strong>screver o <strong>de</strong> BENOIT<br />

& FAYOL (1989)“ Le Développement <strong>de</strong> la categorisation <strong>de</strong>s types <strong>de</strong> textes”, pelo fato <strong>de</strong> os<br />

56<br />

A maior parte dos estudos publicados giram em torno do tipo <strong>na</strong>rrativo. Somente para citar, há o estudo <strong>de</strong><br />

APPLEBEE (1978) que procura observar como se dá o processo <strong>de</strong> elaboração do conceito <strong>de</strong> “ história” em<br />

crianças e adolescentes, cujas ida<strong>de</strong>s variavam entre 2 a 17anos .<br />

212


esultados obtidos pelo nosso estudo confirmarem, em gran<strong>de</strong> parte, os achados por esses autores no<br />

que se refere ao agrupamento dos tipos <strong>textuais</strong>. Quanto a outros resultados aqui obtidos e a outros<br />

aspectos relacio<strong>na</strong>dos com os objetivos específicos, com a metodologia e a <strong>na</strong>tureza do corpus, que<br />

exporemos a seguir, este trabalho difere em larga escala do trabalho <strong>de</strong> BENOIT e FAYOL. Po<strong>de</strong>ríamos<br />

dizer que a relação <strong>de</strong> vizinhança que este trabalho tem com o <strong>de</strong>senvolvido por esses dois<br />

pesquisadores configura-se no que se refere ao objetivo geral, que é a categorização dos <strong>textos</strong> em<br />

tipos feita por sujeitos, e também, como dissemos anteriormente, <strong>na</strong> confirmação <strong>de</strong> alguns resultados.<br />

Fora isto, os caminhos que tomamos para apreen<strong>de</strong>r os traços salientados pelos alunos assumem<br />

direções distintas. Passemos, então, à <strong>de</strong>scrição da pesquisa em questão.<br />

A pesquisa <strong>de</strong> BENOIT E FAYOL <strong>de</strong>senvolve-se no campo da<br />

Psicolingüística, abrangendo franceses <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>s variadas - 7, 9, 11, 13 -e adultos vestibulandos. O<br />

objetivo dos pesquisadores é verificar como tais sujeitos categorizam os <strong>textos</strong> <strong>de</strong> diferentes tipos,<br />

tomando como fator-controle os diferentes tempos verbais empregados nos <strong>textos</strong> que representam os<br />

tipos constituidores do corpus. Basicamente, o interesse da pesquisa foi testar a capacida<strong>de</strong> dos<br />

sujeitos <strong>de</strong> classificar os diferentes tipos a partir do impacto que esse conjunto <strong>de</strong> marcas <strong>de</strong> superfície<br />

(verbos) po<strong>de</strong>ria causar-lhes, levando-os, assim a uma dada categorização do tipo do texto.<br />

A hipótese que parece sustentar o trabalho é a <strong>de</strong> que, <strong>na</strong> leitura dos<br />

<strong>textos</strong>, os sujeitos ativariam o conhecimento (entre outros) dos esquemas <strong>textuais</strong> correspon<strong>de</strong>ntes aos<br />

<strong>textos</strong> a<strong>na</strong>lisados, para então dar-lhes um tratamento a<strong>de</strong>quado, quanto ao tipo e aos tempos verbais<br />

neles atualizados. Desse modo, pressupõem os autores que se po<strong>de</strong>riam especular acerca dos critérios<br />

utilizados pelos sujeitos <strong>na</strong> i<strong>de</strong>ntificação e classificação dos tipos.<br />

O corpus <strong>de</strong> <strong>textos</strong> utilizado <strong>na</strong>s testagens é constituído por pequenos<br />

<strong>textos</strong> (ape<strong>na</strong>s <strong>de</strong> um parágrafo, organizado em torno <strong>de</strong> 5 a 7 sentença ou proposições) construídos<br />

pelos próprios pesquisadores. Os tipos e o número <strong>de</strong> <strong>textos</strong> presentes no corpus são: 6 <strong>na</strong>rrativas do<br />

tipo história, contendo a complicação, seguida <strong>de</strong> resolução, cujos tempos verbais são o pretérito<br />

perfeito e o imperfeito do indicativo; 6 <strong>de</strong>scrições <strong>de</strong> ce<strong>na</strong>s do cotidiano, cujo tempo verbal é o pretérito<br />

imperfeito do indicativo; 6 argumentações, envolvendo problema <strong>de</strong> situações domésticas, seguido <strong>de</strong><br />

argumentos que expressam a solução do problema, cujo tempo verbal é o presente do indicativo; por<br />

fim, mais 6 não-<strong>textos</strong> formados por sentenças aleatórias nos três tempos verbais acima mencio<strong>na</strong>dos.<br />

Os testes <strong>de</strong> análise <strong>de</strong> <strong>textos</strong> dividiam-se em duas etapas; em cada<br />

uma <strong>de</strong>las havia 3 <strong>textos</strong> <strong>de</strong> cada um dos tipos propostos .A instrução que orientava as tarefas pedia<br />

genericamente o agrupamento <strong>de</strong> <strong>textos</strong> que se assemelhavam, sem nenhuma informação relativa aos<br />

213


tempos <strong>de</strong> verbos presentes nos <strong>textos</strong>. Os adultos submeteram-se a testagens individuais, as crianças<br />

e adolescentes a testagens coletivas.<br />

Os pesquisadores, <strong>na</strong> exposição dos resultados, não apresentam<br />

explicações ou exemplos <strong>de</strong> justificativas dadas pelos sujeitos testados, <strong>de</strong> modo que se perceba por<br />

que razões os sujeitos fizeram este ou aquele agrupamentos dos tipos, isto é, não são fornecidos<br />

esclarecimentos que indicassem os critérios utilizados pelos sujeitos <strong>na</strong> classificação dos <strong>textos</strong> em<br />

tipos. OS resultados gerais a que os autores chegaram são: a) todos os sujeitos, <strong>de</strong> modo geral,<br />

manifestam uma capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> discernir <strong>textos</strong> <strong>de</strong> não-<strong>textos</strong>; b) todos os sujeitos ten<strong>de</strong>m a agrupar<br />

<strong>textos</strong> pertencentes a um mesmo tipo. A distinção entre tipos <strong>de</strong> <strong>textos</strong> tor<strong>na</strong>-se mais evi<strong>de</strong>nte a partir<br />

das crianças dos 9 anos.<br />

Quanto aos tempos verbais, os autores afirmam que tanto as crianças<br />

como os adolescentes não consi<strong>de</strong>ram a oposição entre as formas verbais como critério <strong>de</strong><br />

diferenciação <strong>de</strong> <strong>textos</strong> para a realização dos agrupamentos; somente os adultos se mostraram<br />

sensíveis a esse dado. Estes, segundo os autores, embora o tomem como critério, não percebem a<br />

oposição dos tempos verbais e a função exercida por eles no funcio<strong>na</strong>mento do texto.<br />

Outro resultado obtido refere-se às formas <strong>de</strong> agrupamento feitas pelos<br />

sujeitos. Essas formas, conforme os pesquisadores, diferem em relação à ida<strong>de</strong>. As crianças mais<br />

novas (7 anos), em comparação com os <strong>de</strong>mais testados, apresentam um agrupamento dos tipos<br />

relativamente instável, distanciando-se, às vezes, dos previstos pelo estudo. Já as <strong>de</strong> 9 anos em diante<br />

apresentam certa segurança no agrupamento, <strong>na</strong>s duas etapas do teste.<br />

Sugerem os autores que a maior parte dos sujeitos recorre a outros<br />

fatores, como a estruturação global do texto, e a outras marcas <strong>de</strong> superfície, para realizar os<br />

agrupamentos.<br />

A conclusão apresentada é que, diante da ausência <strong>de</strong> um conhecimento<br />

sistematizado dos tipos <strong>de</strong> texto por parte dos sujeitos testados, a tarefa <strong>de</strong> classificação não é fácil,<br />

pois falta-lhes uma habilida<strong>de</strong> metalingüística que os auxiliaria a explicitarem os critérios apresentados.<br />

A oposição das formas verbais, como uma das possíveis características do funcio<strong>na</strong>mento dos tipos,<br />

não é fator que altere sua classificação, uma vez que estas, para a gran<strong>de</strong> maioria dos sujeitos, não se<br />

configuraram como uma marca lingüística que se revelasse <strong>de</strong>cisória para o reconhecimento dos tipos,<br />

com salvo exceção ape<strong>na</strong>s dos adultos, que se mostraram sensíveis a tal dado, mas sem ter uma<br />

consciência reflexiva das funcões pragmático-semânticas <strong>de</strong>ssas marcas <strong>de</strong> superfície. Consi<strong>de</strong>ram,<br />

por fim, que os agrupamentos feitos, as explicações apresentadas são dados que indicam que os<br />

214


sujeitos têm um conhecimento sobre os tipos <strong>de</strong> <strong>textos</strong>, e que, para classificá-los, apóiam-se em<br />

conhecimentos diversos, entre os quais se encontra aquele que se refere aos esquemas <strong>textuais</strong><br />

correspon<strong>de</strong>ntes aos tipos <strong>de</strong> texto, ou seja, à competência textual.<br />

Nessa mesma linha, um outro trabalho interessante é “Le <strong>de</strong> tri <strong>de</strong> textes:<br />

mo<strong>de</strong>s d’emploi” <strong>de</strong> CLAUDINE GARCIA-DEBANC(1989). Trata-se <strong>de</strong> uma proposta didáticopedagógica<br />

para as práticas <strong>de</strong> leitura e <strong>produção</strong> (dos tipos) <strong>de</strong> texto em algumas modalida<strong>de</strong>s do<br />

ensino francês. Segundo a autora, essa proposta repousa sobre o pressuposto <strong>de</strong> que ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

classificação <strong>de</strong> <strong>textos</strong> em tipos (Le <strong>de</strong> tri <strong>de</strong> textes) favoreceria ao aluno ampliar o seu conhecimento<br />

textual <strong>na</strong> <strong>produção</strong> e recepção <strong>de</strong> <strong>textos</strong>, e permitiria, igualmente, <strong>de</strong>senvolver a sua capacida<strong>de</strong><br />

metatextual, isto é, a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apreen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> modo reflexivo os fatores que envolvem o<br />

funcio<strong>na</strong>mento do texto.<br />

Com o objetivo <strong>de</strong> mostrar a importância e viabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa proposta<br />

pedagógica, a autora apresenta experiências <strong>de</strong>senvolvidas com alunos. Essas experiências, cujos<br />

resultados são confirmados por nosso estudo, tiveram como propósito apreen<strong>de</strong>r como os alunos<br />

categorizam os <strong>textos</strong>, que aspectos são <strong>de</strong>stacados por eles para reconhecer e classificar os <strong>textos</strong><br />

quanto ao seu tipo. Em linhas gerais, tal como apresenta a autora, os alunos, justificando os<br />

agrupamentos feitos, indicam os aspectos dos <strong>textos</strong> em que se apoiavam para i<strong>de</strong>ntificar os tipos e<br />

classificar os <strong>textos</strong>. Nestes aspectos é que se po<strong>de</strong>m encontrar critérios <strong>de</strong> tipificação dos <strong>textos</strong>. De<br />

modo geral, a autora <strong>de</strong>staca que os alunos se mostram , embora em graus diferenciados, conforme o<br />

nível <strong>de</strong> <strong>escola</strong>rização, sensíveis a características que diferenciam os tipos. Percebem, por exemplo, <strong>de</strong><br />

modo intuitivo, alguns subtipos da <strong>na</strong>rrativa, fábulas, lendas, notícias, e outras <strong>na</strong>rrativas do tipo<br />

histórias, apresentam suas características <strong>de</strong> estrutura global e esquemática; percebem também as<br />

funções discursivas do texto, como convencer, divertir, advertir, etc. (Resultados também obtido neste<br />

estudo, como será exposto mais adiante).<br />

Apoiando-se nos dados das experiências realizadas é que a autora<br />

sugere procedimentos pedagógicos, cuja direção metodológica parte dos critérios construídos<br />

espontaneamente pelos alunos, isto é, intuitivamente, e segue uma construção indutiva: dos critérios<br />

espontâneos aos critérios propostos por uma dada tipologia <strong>de</strong> texto selecio<strong>na</strong>da pelo professor,<br />

chegando-se <strong>de</strong>ssa forma a construção <strong>de</strong> um conhecimento sistemático sobre os tipos <strong>de</strong> texto e seu<br />

funcio<strong>na</strong>mento. Nessa perspectiva, como apontamos no Capítulo 3, a tipologia adotada exerceria o<br />

papel <strong>de</strong> princípio organizador para pensar a sistematicida<strong>de</strong> das proprieda<strong>de</strong>s do tipo textual.<br />

215


Po<strong>de</strong>ríamos dizer que as pesquisas <strong>de</strong>senvolvidas nessas perspectivas,<br />

<strong>de</strong> modo geral, fundamentam-se <strong>na</strong> convicção <strong>de</strong> que a explicitação das regras que subjazem ao<br />

funcio<strong>na</strong>mento do texto, seja <strong>na</strong> sua <strong>produção</strong>, seja <strong>na</strong> sua recepção, seja, enfim <strong>na</strong> sua e<br />

categorização, po<strong>de</strong>rá fornecer importantes contribuições tanto para elucidar como essas regras agem<br />

e interagem <strong>na</strong> dimensão do processo <strong>de</strong> <strong>produção</strong> e recepção, como também para abrir possibilida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> um ensino <strong>de</strong> texto mais efetivo.<br />

Passemos, agora, à metodologia <strong>de</strong> trabalho que este estudo adotou<br />

para apreen<strong>de</strong>r os traços salientados pelos alunos <strong>na</strong> classificação dos <strong>textos</strong> em tipos.<br />

4 - Metodologia<br />

4.1 - Seleção dos alunos<br />

Tendo em vista a época em que se realizou a segunda etapa da<br />

pesquisa, primeiro semestre letivo <strong>de</strong> 1994, uma nova situação se impôs: a gran<strong>de</strong> maioria dos alunos<br />

observados, <strong>na</strong> etapa anterior, estavam cursando uma nova série <strong>escola</strong>r e, conseqüentemente, as<br />

condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> escrita po<strong>de</strong>riam ser outras, isto é, diferentes daquelas instauradas <strong>na</strong>s<br />

turmas/séries em que se realizara o trabalho <strong>de</strong> coleta dos <strong>textos</strong>. Em face <strong>de</strong>ssa nova realida<strong>de</strong>, o<br />

procedimento que tomamos para a seleção dos alunos que participariam do teste foi o <strong>de</strong>,<br />

primeiramente, <strong>de</strong>tectar as turmas/séries em que se encontrava o maior número <strong>de</strong> alunos oriundos das<br />

séries anteriormente observadas.<br />

Feito isso, foi solicitado ao professor <strong>de</strong> Redação cada uma <strong>de</strong>las que<br />

fizesse ele mesmo a seleção dos alunos. Para tanto, passamos aos professores um conjunto <strong>de</strong> nomes<br />

<strong>de</strong> alunos seguido do número <strong>de</strong> redações que haviam sido produzidas por eles <strong>na</strong> série anterior. A<br />

quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>textos</strong> <strong>escola</strong>res por série variava <strong>de</strong> 2 a 8. O critério que propusemos foi o <strong>de</strong> que<br />

somente 6 alunos <strong>de</strong>veriam ser selecio<strong>na</strong>dos por série, visto que não era pretensão <strong>de</strong>ste estudo<br />

construir uma amostra representativa da população estudantil daquelas séries, mas ape<strong>na</strong>s i<strong>de</strong>ntificar,<br />

através do trabalho com um grupo <strong>de</strong> alunos, os critérios tipológicos que estes ten<strong>de</strong>m a utilizar <strong>na</strong><br />

classificação <strong>de</strong> <strong>textos</strong>.<br />

Já o critério adotado <strong>na</strong> pré-seleção dos alunos, e expresso <strong>na</strong> lista <strong>de</strong><br />

nomes apresentados aos professores, pautou-se pela relação <strong>de</strong> proximida<strong>de</strong> construída por<br />

216


pesquisadora e alunos ao longo do trabalho da observação feito anteriormente em suas classes.<br />

Consi<strong>de</strong>ramos que esse fator, <strong>de</strong> certa forma, po<strong>de</strong>ria contribuir para minimizar uma relação <strong>de</strong><br />

constrangimento ou inibição por parte dos alunos, uma vez que a situação <strong>de</strong> testes individuais não é<br />

uma experiência rotineira <strong>na</strong> <strong>escola</strong>. Assim, <strong>na</strong> tentativa <strong>de</strong> reduzir a artificialida<strong>de</strong> da situação,<br />

buscamos selecio<strong>na</strong>r previamente aqueles alunos que se tinham mostrado interessados em conhecer o<br />

andamento da pesquisa, sempre tinham <strong>de</strong>sejado saber o que seria feito com os seus <strong>textos</strong>, sempre<br />

tinham estabelecido uma relação interlocutiva mais intensa, mais próxima com a pesquisadora.<br />

A ida<strong>de</strong> dos alunos selecio<strong>na</strong>dos variava entre 9 e 17 anos. A ida<strong>de</strong> dos<br />

alunos da terceira série era <strong>de</strong> 9 ou 10; os da quinta série estavam entre 12 e 14 anos; os da sétima<br />

série, entre 14 e 16, e os do primeiro ano do 2º Grau, entre 15 e 17 anos. Doravante, esses alunos<br />

serão mencio<strong>na</strong>dos como alunos do grupo A, B, C e D, respectivamente.<br />

Feita a seleção, outro procedimento tomado foi o <strong>de</strong> observar, ainda que<br />

<strong>de</strong> forma breve, as aulas <strong>de</strong> redação <strong>na</strong>s turmas/séries em que se encontravam os alunos dos grupos<br />

A, B, C e D, como também entrevistar <strong>de</strong> maneira informal os professores que lecio<strong>na</strong>vam Redação<br />

<strong>na</strong>quelas turmas. Julgamos necessário usar esse recurso, pois todo o trabalho <strong>de</strong>sta segunda etapa foi<br />

<strong>de</strong>lineado sob a perspectiva das condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> escrita i<strong>de</strong>ntificadas <strong>na</strong>s práticas <strong>de</strong> redação<br />

observadas no semestre anterior. Como os alunos se encontravam em uma nova série <strong>escola</strong>r,<br />

po<strong>de</strong>riam estar envolvidos em experiências diferentes com a escrita <strong>na</strong>s aulas <strong>de</strong> redação, as quais, <strong>de</strong><br />

uma maneira ou <strong>de</strong> outra, po<strong>de</strong>riam afetar o quadro <strong>de</strong> hipóteses que instigaram a realização <strong>de</strong>sta<br />

etapa do estudo.<br />

Com essa observação (4 aulas em cada turma) procurávamos precisar<br />

as condições que cercavam a <strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto escrito pelos alunos selecio<strong>na</strong>dos, a fim <strong>de</strong> verificar se<br />

havia, por parte dos professores, alguma si<strong>na</strong>lização relativa aos tipos <strong>textuais</strong>, às suas características,<br />

proprieda<strong>de</strong>s e funções enunciativas específicas. Dos quatro professores entrevistados, três já eram<br />

conhecidos. A professora I. continuava atuando <strong>na</strong>s série do 2º Grau; o professor D. passara a dar<br />

aulas também para as sétimas séries; a professora K. continuava trabalhando com redação <strong>na</strong>s 3ª e 4ª<br />

séries; somente a professora da 5ª série era nova nesse grupo <strong>de</strong> professores. Em linhas gerais, po<strong>de</strong>se<br />

dizer que o que constatamos, nessas novas observações, foi uma realida<strong>de</strong> <strong>escola</strong>r semelhante<br />

àquela já conhecida: o tema continuava sendo o ponto <strong>de</strong> partida para a escrita <strong>de</strong> <strong>textos</strong>; os tipos<br />

<strong>textuais</strong>, enquanto objeto <strong>de</strong> ensino e aprendizagem, permaneciam ausentes da aulas <strong>de</strong> redação.<br />

217


4.2 - Corpus utilizado <strong>na</strong>s testagens <strong>de</strong> tipificação dos <strong>textos</strong><br />

O corpus utilizado nesta fase do estudo é constituído tanto pelos <strong>textos</strong><br />

produzidos pelos alunos <strong>na</strong>s séries <strong>escola</strong>res anteriores como por 40 <strong>textos</strong> não-<strong>escola</strong>res,<br />

representativos da prática <strong>de</strong> escrita corrente <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>. Estes encontram-se no Anexo 1.<br />

Contamos, assim, com um corpus <strong>de</strong> <strong>textos</strong> que recobrem os vários tipos: <strong>na</strong>rrativo, <strong>de</strong>scritivo,<br />

dissertativo, argumentativo e injuntivo, atualizados em diferentes registros, suportes <strong>textuais</strong> e gêneros<br />

discursivos.<br />

Na escolha dos <strong>textos</strong> não-<strong>escola</strong>res, procuraram-se aqueles que se<br />

<strong>de</strong>finissem, quanto ao tipo, pela relação <strong>de</strong> dominância sobre os <strong>de</strong>mais tipos presentes no texto; que<br />

não fossem muito extensos, para não acarretar prejuízos <strong>na</strong> execução das tarefas, pois, nestas, os<br />

alunos teriam que lidar com uma quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>textos</strong> relativamente gran<strong>de</strong>, e, por fim, que fossem<br />

legíveis, isto é, que estivessem no nível <strong>de</strong> compreensão dos alunos.<br />

Embora buscássemos selecio<strong>na</strong>r <strong>textos</strong> que preenchessem esses<br />

requisitos, consi<strong>de</strong>ramos que dois po<strong>de</strong>m-se apresentar como mais complexos (os <strong>textos</strong> 30 e 37, v.<br />

anexo 1) para os alunos, sobretudo para os alunos do grupo A. O texto nº 30, por exemplo, po<strong>de</strong><br />

configurar-se como complexo no que tange à estruturação das orações (relação sintática complexa) e<br />

estruturação temática (relação hierárquica das informações veiculadas no texto); o 37 po<strong>de</strong> apresentar<br />

dificulda<strong>de</strong>s relativas ao léxico (<strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vocabulário técnico).Mesmo cientes <strong>de</strong> que tal questão<br />

po<strong>de</strong>ria repercutir <strong>na</strong> legibilida<strong>de</strong> (nível <strong>de</strong> compreensão) <strong>de</strong>sses <strong>textos</strong>, por parte dos alunos, insistimos<br />

em mantê-los no corpus, <strong>na</strong> tentativa <strong>de</strong> observar se esses aspectos, tal como são atualizados nesses<br />

<strong>textos</strong>, constituiriam um fator que inibiria ou impediria o reconhecimento do tipo pelos alunos .<br />

É sabido que, para a legibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um texto, vários aspectos são<br />

relevantes. Em linhas gerais, estes inci<strong>de</strong>m tanto no plano gráfico (caracteres tipográficos - tamanho e<br />

tipo <strong>de</strong> letra, o uso <strong>de</strong> negrito, itálico, e ilustrações, etc.), como no plano da configuração formal (as<br />

relações intra-sentenciais, morfossintáticas, lexicais, semânticas) e no conceitual (relações intersentenciais<br />

ou proposicio<strong>na</strong>is) e, ainda, no plano do suporte textual (lugar on<strong>de</strong> o texto é veiculado). 57<br />

57<br />

Além <strong>de</strong>sses aspectos aqui apontados, há outros que asseguram a legibilida<strong>de</strong> do texto, os quais se voltam<br />

para as condições do processamento e compreensão textual . MARCUSCHI (1988) indica sete condições em que<br />

operam os processos <strong>de</strong> compreensão nos diversos tipos <strong>de</strong> texto, tanto <strong>na</strong> modalida<strong>de</strong> escrita como <strong>na</strong> oral.<br />

218


Por fim, procuramos também selecio<strong>na</strong>r <strong>textos</strong> que tratassem <strong>de</strong><br />

assuntos que não se distanciassem dos supostos universos do conhecimento <strong>de</strong> mundo e enciclopédico<br />

dos alunos. Para tanto, buscaram-se assuntos relativamente conhecidos, cuja abordagem propiciasse,<br />

entre aluno e autor(es), uma relação <strong>de</strong> interlocução, <strong>na</strong> qual o conhecimento dos interlocutores<br />

pu<strong>de</strong>sse ser partilhado.<br />

4.3 - As tarefas e as etapas <strong>de</strong> testagem<br />

A fim <strong>de</strong> verificar os critérios tipológicos adotados pelos alunos no<br />

reconhecimento e classificação do <strong>textos</strong> quanto ao tipo, foram <strong>de</strong>senvolvidas com cada um <strong>de</strong>les, em<br />

dias distintos, duas etapas <strong>de</strong> testagem, estas perfazendo um total aproximadamente <strong>de</strong> cinco<br />

horas/testes, com a gravação integral das interações pesquisadora-aluno. Tal procedimento se impôs -<br />

sessões individuais em dias diferentes - primeiramente porque buscávamos precisar a singularida<strong>de</strong><br />

das respostas dos alunos; segundo <strong>de</strong>vido ao número <strong>de</strong> texto proposto em cada uma das etapas, 20 a<br />

25 <strong>textos</strong> aproximadamente. A nossa intenção, ao propor essa quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>textos</strong> <strong>de</strong> tipos diferentes,<br />

assuntos variados, suportes <strong>textuais</strong> e gêneros discursivos também diversificados, em cada uma das<br />

etapas, era possibilitar que o aluno tivesse acesso a uma diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>textos</strong> e que as suas análises<br />

não se limitassem a uma mera etiquetagem dos mesmos. Isto é, acreditávamos que a própria<br />

multiplicida<strong>de</strong> e complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong> discursos materializados nos tipos <strong>textuais</strong> abririam possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

uma análise que provocasse a atualização dos vários (supostos) conhecimentos prévios que o aluno<br />

possuiria sobre o texto escrito, sobre o assunto nele abordado, etc.<br />

Devido ao número <strong>de</strong> <strong>textos</strong> envolvidos em cada etapa, estes foram<br />

entregues aos alunos antecipadamente, <strong>de</strong> modo que eles pu<strong>de</strong>ssem levá-los para casa. A única<br />

orientação era que eles <strong>de</strong>veriam lê-los, para que pu<strong>de</strong>ssem ter <strong>de</strong>les uma maior compreensão e, caso<br />

não enten<strong>de</strong>ssem algum <strong>de</strong>les, não havia a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> solicitar <strong>de</strong> um adulto a ajuda para fazê-lo.<br />

Ambas as etapas <strong>de</strong> testagem se <strong>de</strong>ram <strong>na</strong> biblioteca da <strong>escola</strong> e tinham<br />

como tarefas a leitura dos <strong>textos</strong>, a comparação entre eles, o seu agrupamento por uma relação <strong>de</strong><br />

semelhança, e a apresentação <strong>de</strong> justificativas que explicitassem as razões que tinham levado a tal<br />

agrupamento e não a outro, ou seja, justficativas que apontassem em que os <strong>textos</strong> se assemelhavam<br />

e em que se diferenciavam. Na primeira etapa, somente os <strong>textos</strong> não-<strong>escola</strong>res foram objeto <strong>de</strong><br />

análise, <strong>na</strong> segunda, foram incluídos tanto os não-<strong>escola</strong>res como os produzidos pelo próprio aluno.<br />

219


Tais tarefas pressupõem categorizar, discernir, confrontar, precisar<br />

proprieda<strong>de</strong>s e marcas <strong>textuais</strong> para reconhecer os traços que os tor<strong>na</strong>m semelhantes ou diferentes. A<br />

orientação básica dada aos alunos para realizar essas tarefas foi a <strong>de</strong> que <strong>de</strong>veriam agrupar os <strong>textos</strong> a<br />

partir do modo como os <strong>textos</strong> dizem as coisas, a partir do seu funcio<strong>na</strong>mento textual e discursivo.<br />

Acreditávamos que, sob essa perspectiva (textual-discursiva), possibilida<strong>de</strong>s se abririam para<br />

inventariar as diversas soluções (critérios) adotadas pelos alunos para reunir os <strong>textos</strong> e,<br />

conseqüentemente, tipificá-los.<br />

Em vista dos traços salientados (critérios) por eles, como apontaremos a<br />

seguir, po<strong>de</strong>mos dizer que esse procedimento se mostrou relativamente eficaz, como ponto <strong>de</strong> partida<br />

para a análise dos <strong>textos</strong>, pelo fato <strong>de</strong> haver precisado um objetivo para as tarefas <strong>de</strong> leitura,<br />

comparação e agrupamento. Isto é, o estabelecimento <strong>de</strong> um objetivo contribuiu, <strong>de</strong> certa forma, para<br />

que os alunos construíssem um significado para a sua leitura, uma referência para as suas possíveis<br />

entradas no texto.<br />

Por um lado, buscávamos, com esse procedimento, criar condições para<br />

que os alunos produzissem uma leitura, com a noção <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>veriam chegar e como se po<strong>de</strong>riam<br />

chegar ao alvo pretendido que era agrupar <strong>textos</strong> a partir <strong>de</strong> pontos que os aproximassem do modo<br />

como enunciavam as coisas - as informações neles veiculadas.<br />

Por outro lado, ao adotar essa direção, buscávamos, igualmente, uma<br />

abordagem do texto, por parte dos alunos, mais abrangente, ou seja, que o texto fosse tomado como<br />

um todo, não se limitando a leitura a um só aspecto, enquanto fator-controle, para a classificação do<br />

texto. Consi<strong>de</strong>ramos que, ao abordar um texto a partir do modo como diz as coisas, po<strong>de</strong>riam emergir<br />

várias dimensões (planos) textual (micro e macroestrutural, esquemático), discursivo, constitutivos do<br />

funcio<strong>na</strong>mento do texto, dimensões essas que <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>riam os tipos.<br />

Assim, sob esse enfoque, pressupúnhamos que os alunos, para<br />

compreen<strong>de</strong>r os <strong>textos</strong>, agrupá-los sob uma mesma perspectiva (tipo), justificar os agrupamentos,<br />

recorreriam a vários conhecimentos como o lingüístico, o textual, o pragmático, o conhecimento <strong>de</strong><br />

mundo, ou enciclopédico, construídos ao longo das suas interações verbais. Esses conhecimentos<br />

seriam a base sobre a qual se apoiariam as justificativas apresentadas, que, por sua vez, permitiriam<br />

manifestarem-se os critérios tipológicos que orientariam a tipificação dos tipos <strong>textuais</strong>.<br />

A fim <strong>de</strong> fornecer uma visão mais completa do número <strong>de</strong> <strong>textos</strong> e dos<br />

tipos trabalhados em cada uma das etapas do teste, segue-se o Quadro 1.<br />

220


221


QUADRO 1<br />

1ª ETAPA 2 ª ETAPA<br />

Narrativo<br />

1 -Vitória-Régia 7 - História triste <strong>de</strong> Tuim<br />

2 - Meu segredo 9 - Tietê, um plano para salvar o Rio dos Ban<strong>de</strong>irantes.<br />

3 - EUA <strong>de</strong>claram guerra a pipocas nos cinemas 10 - Via crucis do rio Paraopeba<br />

8 - Sabin, gênio e benfeitor da humanida<strong>de</strong> 23 - A história das histórias <strong>de</strong> “ As Mil e uma noites”<br />

11 - O cão e o lobo 25 - O incrível enigma do galinheiro<br />

22 - De como a televisão ameaça a vida dos circos<br />

Descritivo<br />

5 - Tetéia e outros bichos 6 - O bosque perdido<br />

19 - D. Maria da Glória 17 - Penedo, Mauá. E todo o ver<strong>de</strong> do gran<strong>de</strong> Parque <strong>de</strong><br />

Itatiaia<br />

26 - Olinda é um gran<strong>de</strong> festival <strong>de</strong> cores 18 - A <strong>escola</strong> <strong>de</strong> comércio<br />

27 - Meus colegas 21 - Momento <strong>na</strong> <strong>de</strong>legacia<br />

28 - Aspectos gerais ( Belo Horizonte) 28-Aspectos gerais (Belo Horizonte)<br />

Argumentativo<br />

4 - Imprecheq, a verda<strong>de</strong>ira impressora <strong>de</strong> cheques 16 - De um lado, o Brasil. Do outro, os brasileiros<br />

15 - Pintado não é capotado 30 - De crise em crise<br />

34 - As ferramentas do sonho<br />

222


Dissertativo<br />

14 - A igreja e o ensino 29 - Cultivo dá pouco trabalho<br />

32 - Saiba o que são fósseis 37 - Manter respiração é vital<br />

33 - Zebras têm listras para confundir seus inimigos 38 - O adolescente <strong>na</strong> <strong>escola</strong><br />

39 - A seca<br />

Injuntivo<br />

13 - Doze dicas para evitar aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> trânsito 12 - Primeiro dia <strong>de</strong> trabalho<br />

20 - Bacalhau à moda<br />

31 - Recomendações gerais (Gradiente) 13 - Doze dicas para evitar aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> trânsito<br />

36 - Instrução <strong>de</strong> instalação (Fogão Brastemp) 24 - Horóscopo<br />

40 - Como estudar em casa . 35 - Receita <strong>de</strong> rocambole<br />

223


5 - Apresentação dos resultados<br />

5.1 - Do agrupamento<br />

Num primeiro momento da análise dos dados, a fim <strong>de</strong> avaliar o<br />

agrupamento dos <strong>textos</strong> por tipo feito pelos alunos, tendo como critério o agrupamento esperado por<br />

este estudo, tal como o apresentamos no Quadro 1, adotamos três níveis <strong>de</strong> padrões <strong>de</strong> agrupamento:<br />

A) Padrão Ótimo: (PO) se o agrupamento coincidisse com os tipos constituintes da tipologia adotada<br />

como critério <strong>de</strong> avaliação - <strong>na</strong>rrativo, <strong>de</strong>scritivo, argumentativo, dissertativo e injuntivo (PO1); ou se,<br />

<strong>de</strong>ntro dos tipos esperados, fossem i<strong>de</strong>ntificados outros, formando subgrupos pertinentes ao tipo, por<br />

exemplo, no caso da <strong>na</strong>rrativa, subtipos como fábulas, contos, fragmentos <strong>de</strong> romances, notícias, etc.;<br />

ou subtipos relativos aos gêneros discursivos, como literário (<strong>na</strong>rrativas tipo história); ou jor<strong>na</strong>lístico<br />

(notícias) (PO2).<br />

B) Padrão Bom (PB) se o agrupamento se aproximasse do esperados, figurando, <strong>na</strong> formação dos<br />

grupos <strong>de</strong> <strong>textos</strong>, pelo menos 3 <strong>de</strong> um mesmo tipo; estabelecemos este número <strong>de</strong> <strong>textos</strong> como média<br />

i<strong>de</strong>al, pelo fato <strong>de</strong> que, para cada tipo <strong>de</strong> texto em cada etapa do teste, havia no máximo 6 e no mínimo<br />

2 <strong>textos</strong> do mesmo tipo.<br />

C) Padrão Fraco (PF) se o agrupamento se distanciasse do esperado por este estudo.<br />

Os resultados obtidos mostraram que, <strong>de</strong> modo geral, os alunos tendiam<br />

a agrupar os <strong>textos</strong> pertencentes a um mesmo tipo. Os padrões que os caracterizam são PO e PB ,<br />

como indica o Quadro 2 a seguir. Dos agrupamentos, muitas vezes <strong>de</strong>corriam outros, formando<br />

subgrupos. Esse procedimento foi comum entre todos os alunos. Os tipos <strong>textuais</strong> mais utilizados <strong>na</strong><br />

criação <strong>de</strong> subgrupos foram o <strong>na</strong>rrativo e o injuntivo. Tais tipos pareciam ser, por parte dos alunos,<br />

i<strong>de</strong>ntificados e explicados com relativa facilida<strong>de</strong>. Percebemos que, <strong>na</strong> segunda etapa do teste, quando<br />

da introdução dos <strong>textos</strong> produzidos pelos próprios alunos, houve uma peque<strong>na</strong> diferença entre os<br />

padrões <strong>de</strong> agrupamento, <strong>de</strong>crescendo <strong>de</strong> PO1 para PO2 e PB nos alunos do grupo D, e <strong>de</strong> PO2 para<br />

PB nos alunos dos grupos A, B e C.<br />

Os critérios adotados para a formação dos agrupamentos foram <strong>de</strong><br />

<strong>na</strong>tureza diversificada, iando <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as características exter<strong>na</strong>s ao texto (suporte textual, função<br />

224


pragmática) às inter<strong>na</strong>s (estrutura global, as relações microestruturais), cuja i<strong>de</strong>ntificação se <strong>de</strong>u <strong>de</strong><br />

maneira diferenciada entre os grupos <strong>de</strong> alunos, uns mais sensíveis, outros menos, a tais<br />

características, como mostraremos adiante.<br />

A fim <strong>de</strong> propiciar uma visualização (em termos percentuais) dos padrões<br />

<strong>de</strong> agrupamento produzidos pelos alunos <strong>na</strong>s duas etapas, segue-se o Quadro 2.<br />

225


Grupos<br />

<strong>de</strong><br />

Aluno<br />

Etapas<br />

QUADRO 2<br />

Distribuição dos agrupamentos segundo os padrões<br />

estabelecidos<br />

P O % P B % P F %<br />

PO1 PO2<br />

A 1ª 33 50 16<br />

2ª 16 33 16<br />

B 1ª 33 66<br />

2ª 33 50 16<br />

C 1ª 50 50<br />

2ª 33 33 16<br />

D 1ª 50 50<br />

2ª 16 33 33<br />

Como adiantamos anteriormente, nota-se que, entre as duas etapas do<br />

teste, há uma diferença nos padrões <strong>de</strong> agrupamento: PO passando para PB . Um fator que talvez<br />

po<strong>de</strong>ria explicar essa alteração no <strong>de</strong>sempenho dos alunos seria o tratamento dado por eles aos <strong>textos</strong>.<br />

Nos agrupamentos que envolveram somente os <strong>textos</strong> não-<strong>escola</strong>res (1ª etapa) observamos, que os<br />

alunos pareciam abordá-los <strong>de</strong> modo mais tranqüilo, mais à vonta<strong>de</strong>. Recorriam a várias pistas do texto,<br />

tanto às exter<strong>na</strong>s como às inter<strong>na</strong>s, para reuni-los: suporte textual, disposição do texto <strong>na</strong> pági<strong>na</strong>,<br />

construção do título (aspecto retórico), tema (conteúdo referencial), <strong>na</strong>tureza do texto (factual/ficcio<strong>na</strong>l),<br />

gênero discursivo, função discursiva, categorias esquemáticas, etc. Ao que tudo indicava, os alunos<br />

pareciam garimpar pistas diversas, para reconstruir o caminho feito pelo(s) autor(es), para então incluir<br />

o texto em um dado agrupamento <strong>de</strong> tipo textual. Já o tratamento dispensado aos seus próprios <strong>textos</strong><br />

(incluídos, 2ª etapa), <strong>de</strong> modo geral, parecia dar-se menos à vonta<strong>de</strong>. Muitos consi<strong>de</strong>ravam os próprios<br />

<strong>textos</strong> como não-texto ou como objeto que não se prestava a uma análise. Apesar <strong>de</strong>sse<br />

constrangimento, por parte dos alunos, as análises que faziam dos seus <strong>textos</strong>, para classificá-los e<br />

reuni-los aos outros não-<strong>escola</strong>res, consi<strong>de</strong>ravam a relação <strong>de</strong> oposição entre a <strong>na</strong>tureza do texto -<br />

226


factual/ficcio<strong>na</strong>l, a função discursiva, a atitu<strong>de</strong> do autor, ou seja, a própria atitu<strong>de</strong> em relação ao<br />

interlocutor, etc.<br />

Por fim, outro aspecto observado no agrupamento dos <strong>textos</strong> que é<br />

interessante ressaltar é a própria complexida<strong>de</strong> da tarefa e das ações envolvidas <strong>na</strong> formação <strong>de</strong><br />

conjuntos <strong>de</strong> <strong>textos</strong> sob um mesmo tipo. A execução das tarefas mostrou-se bastante complexa, por um<br />

lado, porque os alunos tinham que (re)ler os <strong>textos</strong>, compará-los, agrupá-los e apresentar justificativas<br />

que explicitassem as razões que os tinham levado a fazer este ou aquele agrupamento; por outro lado,<br />

a ausência <strong>de</strong> conhecimento <strong>de</strong> uma terminologia específica <strong>de</strong>sig<strong>na</strong>tiva dos traços salientados por<br />

eles, <strong>de</strong> certa forma, resultava em explicações redundantes e/ou ambíguas. Some-se a isso a<br />

complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alguns <strong>textos</strong>, como mencio<strong>na</strong>mos anteriormente.<br />

Vejamos, então, os criérios tipológicos adotados pelos alunos para<br />

agrupar os <strong>textos</strong> e classificá-los quanto ao tipo. Vale lembrar que por critérios estamos consi<strong>de</strong>rando<br />

os traços salientados pelos alunos no reconhecimento do tipo <strong>de</strong> texto.<br />

5.2 - Dos critérios<br />

Como os critérios adotados pelos alunos recobriam planos variados do<br />

funcio<strong>na</strong>mento do texto, faremos a sua exposição, dividindo-os em quatro instâncias, a saber:<br />

A) <strong>na</strong> primeira, buscaremos mostrar os critérios mais emergentes <strong>na</strong> tipificação dos <strong>textos</strong>, isto é, os<br />

traços salientados, com certa facilida<strong>de</strong>, pela gran<strong>de</strong> maioria dos alunos;<br />

B) <strong>na</strong> segunda, apresentaremos os critérios que se voltam para os aspectos macroestruturais do texto,<br />

relacio<strong>na</strong>dos com as suas categorias esquemáticas;<br />

C) <strong>na</strong> terceira, evi<strong>de</strong>nciaremos os critérios que tendiam para a caracterização discursiva do texto: a<br />

intenção comunicativa do autor em relação ao objeto do dizer (ao tema abordado) e em relação ao<br />

interlocutor;<br />

D) <strong>na</strong> quarta e última, apresentaremos duas espécies distintas <strong>de</strong> critérios, uma que inci<strong>de</strong> no plano<br />

microestrutural do texto, outra que inci<strong>de</strong> sobre as funções da linguagem <strong>de</strong>sempenhadas no processo<br />

interlocutivo estabelecido pelo/no texto; estes foram utilizados exclusivamente pelos alunos do grupo D,<br />

isto é, pelos alunos no nível mais avançado <strong>de</strong> <strong>escola</strong>rização.<br />

227


5.2.1 - Primeira instância: o cruzamento <strong>de</strong> critérios<br />

De modo geral, a primeira estratégia utilizada pelos alunos para apontar<br />

as proprieda<strong>de</strong>s do texto era resumi-lo ou recontá-lo. Os alunos dos grupos A e B parafraseavam-no, já<br />

os dos grupos C e D tendiam a resumi-lo. A partir daí, procuravam explicitar as características <strong>de</strong> cada<br />

texto. A característica salientada <strong>de</strong> imediato era a que se referia à <strong>na</strong>tureza do texto : factual ou<br />

ficcio<strong>na</strong>l. Para essa distinção, tomavam o modo como a realida<strong>de</strong> era nele abordada. Se o assunto ali<br />

tratado se referisse a uma realida<strong>de</strong> imaginária, os alunos, <strong>de</strong> modo geral, classificavam o texto como<br />

história inventada ou <strong>de</strong> fantasia. As justificativas dadas giravam em torno da impossibilida<strong>de</strong> da<br />

existência, no mundo real, das situações, das coisas, dos fatos, dos participantes ali enfocados.<br />

Segundo os alunos, as coisas ditas no texto eram fruto da imagi<strong>na</strong>ção do autor, só existiam no mundo<br />

das histórias, da fantasia. Essas justificativas serviam tanto para os seus <strong>textos</strong> como para os não<strong>escola</strong>res.<br />

Quando os <strong>textos</strong> apresentavam um assunto relacio<strong>na</strong>do com uma realida<strong>de</strong> efetivamente<br />

existente, objetiva, eram classificados como a história real, verda<strong>de</strong>ira. As justificativas eram<br />

construídas conforme o conteúdo referencial do texto. Se se tratasse <strong>de</strong> fatos acontecidos, estes<br />

conseqüentemente po<strong>de</strong>riam ser comprovados e verificados, se eram assuntos científicos, históricos,<br />

estes eram consi<strong>de</strong>rados como verda<strong>de</strong>s inquestionáveis. O critério estabelecido relacio<strong>na</strong>va-se com a<br />

verossimilhança: se as informações veiculadas no texto relacio<strong>na</strong>vam-se ou não com o mundo real ou<br />

ficcio<strong>na</strong>l.<br />

A esse critério, seguiam-se outros, o gênero discursivo e o suporte<br />

textual, estes muitas vezes utilizados para reforçar a classificação feita do texto, quanto à sua <strong>na</strong>tureza.<br />

Se eram as histórias <strong>de</strong> fantasia, por exemplo, consi<strong>de</strong>ravam-<strong>na</strong>s como contos <strong>de</strong> fadas, literatura<br />

infantil, veiculadas em livros <strong>de</strong> historinhas infantis, <strong>de</strong> literatura.<br />

O Quadro 3, a seguir, representa alguns exemplos <strong>de</strong> agrupamentos<br />

acompanhados por justificativas feitas por alunos dos quatro grupos. Convém esclarecer que, para a<br />

distinção entre os <strong>textos</strong> do corpus, adotamos o critério <strong>de</strong> numeração: para os <strong>textos</strong> não-<strong>escola</strong>res,<br />

utilizamos os algarismos arabicos, e para os <strong>textos</strong> dos alunos, os algarismos romanos (v.Anexos 1 e<br />

2).<br />

228


Q<br />

U<br />

A<br />

D<br />

R<br />

O<br />

3<br />

Etapas<br />

1ª<br />

2ª<br />

Grupos<br />

A<br />

B<br />

Agrupamento<br />

1, 2, 11, 22<br />

8, 3<br />

7, 23, 25<br />

I, II<br />

9, 10<br />

Natureza do Texto<br />

São historinhas infantis, inventadas.<br />

Pura fantasia<br />

Histórias verda<strong>de</strong>iras<br />

3 é um acontecimento que está<br />

acontecendo nos USA.<br />

8 é uma história da vida <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong><br />

médico<br />

7, 23, 25 São histórias inventadas pelo<br />

autor e I, II eu imaginei uma história e<br />

escrevi.<br />

Todas as histórias saíram da<br />

imagi<strong>na</strong>ção, 2 e 7 tem algumas coisas<br />

verda<strong>de</strong>iras, mas é uma história <strong>de</strong><br />

imagi<strong>na</strong>ção.<br />

Fatos reais, são <strong>textos</strong> verda<strong>de</strong>iros.<br />

Isto tudo está acontecendo com os<br />

Justificativa<br />

Suporte textual<br />

Livros <strong>de</strong> história<br />

infantis<br />

1 - Livro <strong>de</strong> português<br />

3 - Jor<strong>na</strong>l<br />

8 - Revista “Veja”, mas<br />

po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong> livro <strong>de</strong><br />

pesquisa, enciclopédia.<br />

7, 23, 25 Livro <strong>de</strong><br />

literatura infantil.<br />

I, II po<strong>de</strong>m também ficar<br />

nesses livros, mas eu<br />

não sou escritora.<br />

Gênero discursivo<br />

Contos <strong>de</strong> fadas, histórias <strong>de</strong> fantasia<br />

Notícias<br />

Contos <strong>de</strong> fadas <strong>de</strong> literatura infantil<br />

Reportagens<br />

229


2ª<br />

2ª<br />

C<br />

D<br />

7, 23, 25<br />

I, II<br />

9, 10<br />

16, 30<br />

I, II, III, IV, V<br />

rios, eles estão muito poluídos.<br />

São <strong>textos</strong> que contam uma história.<br />

São histórias inventadas, imagi<strong>na</strong>das.<br />

II - É uma história inventada, mas tem<br />

um pouco <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>. Ouro Preto<br />

existe, os muses, as igrejas. Agora, o<br />

menino, o Carlos, eu inventei. É um<br />

perso<strong>na</strong>gem da história.<br />

São histórias reais. O rio Tietê existe,<br />

ele está muito sujo. O rio Paraopeba<br />

também existe, basta ir lá para ver.<br />

Estes <strong>textos</strong> contam um fato real.<br />

16, 30 São <strong>textos</strong> que falam sobres<br />

fatos reais, <strong>de</strong> problemas que estão<br />

acontecendo no Brasil. Todos que eu<br />

juntei são <strong>textos</strong> <strong>de</strong> assuntos reais,<br />

<strong>na</strong>da que foi inventado como em<br />

histórias <strong>de</strong> ficção.<br />

Livro <strong>de</strong> Literatura Literatura mais infantil. Romances<br />

para crianças.<br />

9 - Revista<br />

10 - Jor<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Mi<strong>na</strong>s,<br />

saiu dia 15 <strong>de</strong>sse mês.<br />

16, 30 São <strong>de</strong> jor<strong>na</strong>l,<br />

mas po<strong>de</strong>m ser<br />

encontrados também<br />

em revistas<br />

informativas.<br />

Notícias<br />

Textos jor<strong>na</strong>lísticos<br />

16, 30 São reportagens <strong>de</strong> crítica. Os<br />

meus <strong>textos</strong> não são reportagens, mas<br />

têm um jeito parecido, porque eu<br />

estou fazendo também uma crítica.<br />

230


Nota-se que não há diferença entre os critérios adotados pelos alunos<br />

dos quatro grupos para a classificação quanto à <strong>na</strong>tureza do texto, suporte textual e gênero discursivo.<br />

No agrupamento, essa tría<strong>de</strong> <strong>de</strong> critérios constituía a base conceitual dos princípios tipológicos<br />

adotados, <strong>de</strong> modo geral, pelos alunos. Era o ponto <strong>de</strong> partida para a análise <strong>de</strong> qualquer texto quanto<br />

ao tipo. Os alunos tomavam essas características mais amplas para então traçarem as mais<br />

específicas. Essa estratégia <strong>de</strong> tipificação do mais geral para o particular <strong>de</strong>crescia do grupo A ao D. Os<br />

mais sensíveis às especificida<strong>de</strong>s do texto eram os alunos D; o reconhecimento dos traços acima<br />

apontados e as suas respectivas justificativas eram explicitadas por esses alunos sem gran<strong>de</strong><br />

dificulda<strong>de</strong>. Po<strong>de</strong>mos concluir que, apesar <strong>de</strong>, <strong>na</strong>s aulas <strong>de</strong> Português, não estar presente uma<br />

tipologia <strong>de</strong> texto ou <strong>de</strong> discurso e, portanto, não receberem os alunos orientações sobre diferentes<br />

tipos, a convivência com <strong>textos</strong> lidos ou produzidos, vai construindo um conhecimento intuitivo <strong>de</strong> uma<br />

tipologia.<br />

Tomemos, agora, como exemplo, uma análise feita por uma alu<strong>na</strong> do<br />

grupo B dos <strong>textos</strong> do tipo injuntivo. Nas justificativas apresentadas para caracterizar esse tipo <strong>de</strong> texto,<br />

po<strong>de</strong>mos perceber a formação <strong>de</strong> uma base tipológica constituída por aqueles critérios e outros <strong>de</strong><br />

<strong>na</strong>tureza discursiva. Nota-se que, para a construção dos critérios, as explicações dadas vão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as<br />

proprieda<strong>de</strong>s exter<strong>na</strong>s ao texto às inter<strong>na</strong>s. Essa análise se <strong>de</strong>u <strong>na</strong> primeira etapa do teste, envolvendo<br />

os <strong>textos</strong> nº 13, “ Doze dicas para evitar aci<strong>de</strong>ntes da trânsito”; nº 20, “Bacalhau à moda”; nº 31,<br />

“Recomendações gerais” (Gradiente); nº 36, “Instrução <strong>de</strong> instalação” (fogão Brastemp) e nº 40, “Como<br />

estudar em casa”. As abreviaturas C. e P. referem-se a .Cecília, alu<strong>na</strong>, e P. pesquisadora.<br />

P. Por que esses quatro <strong>textos</strong>, o 40, 36, 13 e o 31, foram<br />

agrupados num mesmo conjunto e o 20 formou um subconjunto?<br />

C. Porque os quatro são mais parecidos, eles têm um jeito muito<br />

parecido, não no assunto, porque cada tem um assunto<br />

diferente, cada um fala <strong>de</strong> coisas diferentes. O 20 é um outro<br />

conjunto, um subconjunto, porque é um texto bem diferente.<br />

Esses quatro são <strong>textos</strong> mais para ajudar a gente, o 20 não é<br />

assim, ele é mais <strong>de</strong> ensi<strong>na</strong>r a gente a cozinhar.<br />

P. C., daria para você me explicar melhor essa diferença que existe<br />

entre o 20 e esses outros <strong>textos</strong> aqui (40, 13, 31, 36)?<br />

231


C. O 20 é uma receita <strong>de</strong> cozinha, fala como faz um bacalhau que<br />

está <strong>na</strong> moda, sei lá, à moda. Essas receitas que saem no jor<strong>na</strong>l,<br />

em livro <strong>de</strong> receita <strong>de</strong> culinária e, também, tem ca<strong>de</strong>rno <strong>de</strong><br />

receita que a gente po<strong>de</strong> fazer. Vai pegando receitas para fazer<br />

bolo, doce, empadão. Essas coisas <strong>de</strong> fazer pratos <strong>de</strong> comida<br />

gostosa<br />

Esses aqui (indica o conjunto dos 4 <strong>textos</strong>) são <strong>textos</strong> para<br />

ajudar as pessoas. O 40 fala <strong>de</strong> um tipo <strong>de</strong> ajuda para a gente<br />

estudar direitinho em casa. É a primeira vez que eu vejo isso<br />

assim escrito num livro. Os professores só falam, mas <strong>de</strong>sse<br />

jeito parece que é bem melhor porque não dá para esquecer<br />

essas dicas.<br />

O 13 também são dicas, fala <strong>de</strong> dicas do trânsito para esses<br />

motoristas que dirigem com irresponsabilida<strong>de</strong>. Essas dicas dão<br />

<strong>na</strong> televisão, no rádio e nos livros <strong>de</strong> postos <strong>de</strong> gasoli<strong>na</strong>.<br />

O 31 e 36 falam <strong>de</strong> aparelhos <strong>de</strong> som e <strong>de</strong> fogão. É um folheto<br />

que fala como montar certo o som e o fogão, quando a gente<br />

compra esses coisas <strong>na</strong> loja. Esses folhetos vêm <strong>de</strong>ntro da caixa<br />

para usar <strong>na</strong> hora que for montar, porque eles são novinhos e<br />

vem tudo <strong>de</strong>smontado.<br />

p. Os assuntos são diferentes, como você me disse. Você me disse<br />

também que o 40, 13, 36 e 31 são bem mais parecidos, por isso,<br />

você formou um só conjunto com eles. Eles são parecidos em<br />

quê? Daria para você me mostrar o que eles têm <strong>de</strong><br />

semelhante?<br />

C. Eles têm um jeito parecido <strong>de</strong> falar, quer dizer, o que eles estão<br />

querendo falar. Eles falam <strong>de</strong> um jeito que é para a gente fazer<br />

as coisas certas, <strong>de</strong> direito, para não errar, para não sair mal<br />

feito. É assim um tipo <strong>de</strong> uma lista, não <strong>de</strong> fazer compras, uma<br />

lista <strong>de</strong> coisas para ajudar a gente. Assim, faça isso, não faça<br />

aquilo, não faça isso, não faça aquilo.<br />

232


O 40 e 13 dão orientação. Um é para o estudo, esse aqui (13) é<br />

para o trânsito. O 40 é assim: não telefone <strong>na</strong> hora do estudo;<br />

preste atenção no que está fazendo; arrume um tempinho para<br />

estudar. O 13 faz do mesmo jeito, só que o assunto é não <strong>de</strong><br />

estudo, é <strong>de</strong> dirigir. Ele dá muitas dicas: use cinto <strong>de</strong> segurança,<br />

use capacete, quando for moto; não beba; não brigue no trânsito;<br />

respeite o si<strong>na</strong>l.<br />

E o jeito <strong>de</strong> falar do 31 e 36 é quase do mesmo jeito, porque é <strong>de</strong><br />

montar o aparelho <strong>de</strong> som e <strong>de</strong> fogão <strong>de</strong> cozinha. Vai ensi<strong>na</strong>ndo<br />

como montar certo o som e o fogão. Como limpar, o cuidado que<br />

a gente tem que ter para colocar o disco. No texto do fogão fala<br />

que é fácil montar o fogão, que tem que ter cuidado com a<br />

tomada para não queimar.<br />

P. E o 20, qual é o jeito <strong>de</strong>le falar as coisas? Dá para explicar esse<br />

jeito?<br />

C. O 20 , eu disse que é uma receita <strong>de</strong> cozinha. Ele ensi<strong>na</strong> a fazer<br />

uma comida com bacalhau, fala o que a gente gasta para fazer,<br />

o que a gente tem que comprar para fazer, ensi<strong>na</strong> tudo bem<br />

direitinho o jeito da gente fazer.<br />

P. Esses <strong>textos</strong>, aqui, 1, 2, 11, 22 você classificou como <strong>textos</strong><br />

infantis que contam uma história inventada. Como você<br />

classificaria estes (40, 13, 31, 36 e o 20)? Tem um jeito para<br />

isso? Tem um nome para eles também?<br />

C. Os outros são histórias porque eles contam uma historinha, mas<br />

esses aqui eu não sei, não. Não é uma história, não tem assim<br />

coisa <strong>de</strong> história, também não é uma notícia, não é? Não sei. É<br />

texto <strong>de</strong> dicas, <strong>de</strong> orientação, dá assim um conselho para gente,<br />

para motorista, ensi<strong>na</strong> a cozinhar, não sei.<br />

Po<strong>de</strong>ríamos dizer que o que C. não sabe ainda é que os <strong>textos</strong><br />

a<strong>na</strong>lisados por ela, <strong>na</strong>s <strong>tipologias</strong> <strong>textuais</strong> elaboradas no domínio teórico, recebem o nome <strong>de</strong><br />

233


injuntivos. Afora isso, C., recorrendo aos diversos conhecimentos como o textual, o lingüístico, o<br />

discursivo (pragmático), o conhecimento <strong>de</strong> mundo e o enciclopédico, para a<strong>na</strong>lisar <strong>textos</strong> <strong>de</strong>sse tipo,<br />

aponta intuitivamente algumas <strong>de</strong> suas proprieda<strong>de</strong>s específicas, por exemplo, a função discursiva -<br />

ensi<strong>na</strong>r, orientar, aconselhar, fazer agir. Para tanto, enumera as ações propostas para serem realizadas<br />

e que explicitam a intenção comunicativa do autor: arrume um tempinho para estudar; use cinto <strong>de</strong><br />

segurança; o cuidado que a gente tem que ter para colocar o disco. Essas ações (informações)<br />

correspon<strong>de</strong>m, <strong>na</strong> estrutura do texto, à categoria esquemática relativa ao incitamento ou <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ção<br />

da realização das ações, conforme apontamos no Capítulo 6. A alu<strong>na</strong> sugere também os possíveis<br />

suportes <strong>textuais</strong> em que a receita, por exemplo, po<strong>de</strong> ser veiculada: jor<strong>na</strong>l, livro <strong>de</strong> culinária e em<br />

ca<strong>de</strong>rno que a gente po<strong>de</strong> fazer.<br />

Percebe-se que C., em cada explicação, <strong>de</strong>ixa entrever o seu<br />

conhecimento tipológico, uma competência metatextual (um conhecimento do funcio<strong>na</strong>mento do texto e<br />

a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> explicitar esse funcio<strong>na</strong>mento). O conflito surge quando é solicitada a dar um nome<br />

aos tipos dos <strong>textos</strong> que reuniu sob um mesmo conjunto. Um conflito que se caracterizaria por uma<br />

questão mais <strong>de</strong> terminologia do que conceitual.<br />

5.2.2 - Segunda instância : critérios internos ao texto - organização macroestrutural e<br />

superestrutura<br />

Na sua estruturação do texto, entrecruzam-se vários planos, tais como o<br />

discursivo o microestrutural, o macroestrutural e o esquemático. Estes, em sua mútua relação, são<br />

responsáveis pela organização semântica(tema) e pela configuração esquemática do texto. Na<br />

experiência do teste, estes dois últimos fatores constitutivos do funcio<strong>na</strong>mento do texto foram<br />

salientados pelos alunos dos quatro grupos como critério para a tipificação das <strong>na</strong>rrativas. Os <strong>textos</strong> em<br />

que esses aspectos foram reconhecidos são as <strong>na</strong>rrativas do tipo história 1, 23, 25. As partes<br />

evi<strong>de</strong>nciadas referem-se ao cenário, à orientação; ao clímax e à resolução no texto 1; ao cenário e à<br />

orientação no texto 23, e ao cenário, à orientação, à complicação seguida <strong>de</strong> clímax no texto 25. O<br />

reconhecimento <strong>de</strong>ssas partes da estrutura da <strong>na</strong>rrativa, pelos alunos, apresentou-se como critério <strong>de</strong><br />

forma variada em relação aos <strong>textos</strong> e aos grupos <strong>de</strong> alunos. Esse resultado será caracterizado, em<br />

valores percentuais, no Quadro 4, que se segue.<br />

234


Grupos<br />

Parte do texto<br />

Cenário e orientação<br />

%<br />

QUADRO 4<br />

TEXTO 1. A Vitória-Régia<br />

Complicação: Clímax<br />

%<br />

Resolução<br />

%<br />

A 66 33<br />

B 83 50<br />

C 83 83 66<br />

D 100 100 83<br />

TEXTO 23. A história das histórias <strong>de</strong> “As mil e uma noites”<br />

A 66<br />

B 66<br />

C 100<br />

D 100<br />

TEXTO 25. O incrível enigma do galinheiro<br />

A 66<br />

B 66 33<br />

C 83 66<br />

D 100 83<br />

Vemos que cenário e orientação são um dos traços salientados como<br />

critério tipológico <strong>de</strong> texto <strong>na</strong>rrativo tipo história por um número maior <strong>de</strong> alunos em relação às outras<br />

partes, também apontadas, complicação e resolução. Ao que parece, conforme a organização<br />

semântica do texto ou a forma como o conteúdo semântico é veiculado <strong>na</strong>s partes do texto (categorias<br />

esquemáticas), os alunos eram mais ou menos sensíveis ao seu reconhecimento. Se essas partes se<br />

atualizavam <strong>de</strong> modo relativamente mais complexo, com maior número <strong>de</strong> ações ou episódios, como no<br />

texto 23, isso parecia ser um fator que contribuía para o não reconhecimento <strong>de</strong> complicação e<br />

resolução, como critério tipológico. Por extensão, essa consi<strong>de</strong>ração tor<strong>na</strong>r-se-ia pertinente para o texto<br />

25 em relação aos alunos do grupo A. Já <strong>na</strong> análise do texto 1, nota-se que o clímax é incluído por<br />

todos os grupos como critério para a classificação do texto. Talvez, tal procedimento se explicaria por<br />

essa categoria esquemática e, conseqüentemente, o seu respectivo conteúdo informacio<strong>na</strong>l se<br />

atualizarem nesse texto <strong>de</strong> forma menos complexa, ou seja, por ele apresentar <strong>de</strong> forma mais clara o<br />

episódio que expressa o estado <strong>de</strong> <strong>de</strong>sequilíbrio das ações, no percurso <strong>na</strong>rrativo, ou o auge da<br />

235


concretização da ação praticada pela perso<strong>na</strong>gem (o suposto encontro da índia com a lua e a sua<br />

morte). Aqui, <strong>de</strong> novo se po<strong>de</strong> verificar que o conhecimento tipológico cresce ao longo da <strong>escola</strong>rização.<br />

Ao que tudo indica, apesar da ausência <strong>de</strong> uma aprendizagem sistemática <strong>na</strong> <strong>escola</strong> dos tipos <strong>textuais</strong>,<br />

a convivência do aluno com <strong>textos</strong>, seja como leitor, seja como escritor, <strong>na</strong>s suas interações verbais<br />

(<strong>de</strong>ntro e fora da <strong>escola</strong>), possibilita a ampliação do seu conhecimento sobre o funcio<strong>na</strong>mento textual<br />

dos tipos. E isso sugere que tal ampliação ocorre <strong>na</strong> medida que cresce o nível <strong>escola</strong>rização e o grau<br />

<strong>de</strong> familiarida<strong>de</strong> com o tipo <strong>de</strong> texto. .<br />

A estrutura esquemática dos outros tipos argumentativo, dissertativo,<br />

<strong>de</strong>scritivo não foi consi<strong>de</strong>rada pelos alunos como característica que permitisse a distinção entre os<br />

<strong>textos</strong> tal como aconteceu com as <strong>na</strong>rrativas. Entretanto, quanto à estrutura global (tema), gran<strong>de</strong> parte<br />

dos alunos mostrou-se capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>r o tema, inferir a intenção e atitu<strong>de</strong> do autor em relação ao<br />

que estava sendo enunciado e em relação ao interlocutor, como mostraremos <strong>na</strong> instância 3.<br />

Nos exemplos a seguir, indicaremos as justificativas apresentadas por<br />

alunos no reconhecimento das partes da <strong>na</strong>rrativa, assim como a relação <strong>de</strong> comparação <strong>de</strong> seus<br />

próprios <strong>textos</strong> com os <strong>textos</strong> não-<strong>escola</strong>res, no que tange ao reconhecimento do cenário.<br />

Aluno do grupo A.Texto 1<br />

(Kênia) O texto 1 é uma história inventada, não existem essas coisas, porque<br />

gente mesmo não vira estrela. Isso é uma coisa <strong>de</strong> história para<br />

divertir.(...). Toda história começa contando assim: Era uma noite linda<br />

<strong>de</strong> luar; Era uma vez..., nesse texto começa <strong>de</strong>sse jeito: Era uma noite<br />

<strong>de</strong> luar e aí as estrelas brilhavam no céu como diamantes.(...) Começa<br />

assim para ficar parecendo que é uma história <strong>de</strong> contos <strong>de</strong> fada,<br />

fantasia.<br />

Aluno do grupo B.Texto 1<br />

(Suza<strong>na</strong>) Esse texto da Vitória-Régia é uma história <strong>de</strong> uma índia. É uma lenda<br />

<strong>de</strong> uma índia que virou uma planta que vive <strong>na</strong> água.(...)Tudo aqui é <strong>de</strong><br />

história. O jeito <strong>de</strong> escrever é <strong>de</strong> história. A gente vai lendo e fica<br />

sabendo que é uma história porque o começo é igual <strong>de</strong> história. Desse<br />

jeito aqui (aponta e lê as primeiras quatro linhas do texto 1). Aí a gente<br />

sabe que é uma história. A gente vai lendo para ver o que vai acontecer<br />

com a índia. Só que ela não virou estrela.(...)Ela numa noite <strong>de</strong> luar<br />

236


chegou <strong>na</strong> beirada do lado e viu a lua brilhando no lago ficou radiante<br />

porque achou que era a lua, aí pulou <strong>na</strong>s águas do lago e morreu. Esse<br />

pedaço é que a gente fica sabendo o que aconteceu com a índia.<br />

Aluno do grupo C.Texto 25<br />

(Rosângela) Eu acho que esse texto é uma história inventada, mas isso po<strong>de</strong><br />

acontecer <strong>na</strong> vida real. Eu já ouvi muitas pessoas falando que já<br />

roubaram galinha <strong>na</strong> casa <strong>de</strong>las.(...) Está em livros <strong>de</strong> histórias infantis,<br />

<strong>de</strong> literatura. Livros que você encontra aqui <strong>na</strong> biblioteca. É uma<br />

história mais para crianças, porque é muito infantil, mas é uma história<br />

bem interessante porque tem que <strong>de</strong>scobrir um mistério, o ladrão das<br />

galinhas.(...) O começo é <strong>de</strong> história inventada, começa com isso:<br />

aconteceu numa época em que um gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>tetive estava aposentado.<br />

As historias <strong>de</strong> fantasia, as história <strong>de</strong> ficção têm esses começos para<br />

falar que isso aconteceu há muito tempo, numa época bem passada,<br />

quer dizer, que isso já aconteceu no passado, há muito tempo.(...) É<br />

uma história <strong>de</strong> mistério, assim, <strong>de</strong> suspense igual as <strong>de</strong> filme policial.<br />

O suspense é quando sobrou só uma galinha no galinheiro e o <strong>de</strong>tetive<br />

tinha que <strong>de</strong>scobrir quem roubou, porque senão ele ia ficar mal, isso dá<br />

um suspense <strong>na</strong> gente. É a parte mais importante, porque você<br />

<strong>de</strong>scobre o criminoso, o ladrão.<br />

Os exemplos que se seguem mostram a comparação dos cenários dos<br />

<strong>textos</strong> não-<strong>escola</strong>res e dos próprios <strong>textos</strong> estabelecida pelos alunos do grupo A e B.<br />

Aluno do grupo A.<br />

Agrupamento:7, 23, 25, I, II<br />

(Sérgio) Eu juntei os meus <strong>textos</strong> com os <strong>textos</strong> 7, 23 e 25 porque são histórias.<br />

As histórias 23 e 25 têm um começo <strong>de</strong> começar história do mesmo<br />

jeito que eu comecei as histórias que eu fiz quando eu estava <strong>na</strong><br />

2ªsérie. No texto 25, do galinheiro que tinha um ladrão, começa que<br />

isso aconteceu numa época bem distante e tinha um <strong>de</strong>tetive velho. O<br />

237


23 é uma história que aconteceu há muitos e muitos séculos atrás, <strong>na</strong><br />

época <strong>de</strong> rei e rainha. O texto que eu escrevi do peixe inteligente, eu<br />

escrevi: era uma vez um peixe chamado Jericó. É, em história, que a<br />

gente faz assim: era uma vez. No texto da Mamãe pássaro, eu escrevo<br />

<strong>de</strong>sse mesmo jeito: era uma vez... Por isso eu juntei porque é parecido,<br />

porque é história.<br />

Aluno do grupo B<br />

Agrupamento:7, 23, 25 e I<br />

(Vanusa) O único texto meu que <strong>de</strong>u para agrupar com os 7, 23, 25 foi a<br />

Bombaboa, porque é uma história inventada. Todos são histórias<br />

inventadas. Isso não aconteceu <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>, foi inventado para as<br />

histórias. Deu para agrupar porque eles têm um jeito quase igual <strong>de</strong><br />

contar as histórias.(...) No meu texto da Bombaboa eu começo falando<br />

que há muito tempo atrás existia uma bombaboa, o 23 tem um início<br />

assim, que um sultão, há muito séculos atrás, mandava num reino; no<br />

25 é quase a mesma coisa <strong>de</strong> falar que isso aconteceu numa época<br />

muito antiga.<br />

5.2.3 - Terceira instância: critérios relacio<strong>na</strong>dos com a caracterização discursiva do texto<br />

Como dissemos em passagens anteriores, a instrução básica dada aos<br />

alunos para o trabalho <strong>de</strong> agrupamento <strong>de</strong> <strong>textos</strong> focalizava o modo como as coisas são ditas no texto,<br />

ou seja, o modo como o autor (e aqui incluindo o aluno, como autor <strong>de</strong> seus próprios <strong>textos</strong>) orienta-se<br />

para dizer o que tem a dizer ao seu interlocutor, que estratégias discursivas escolhe para produzir o<br />

efeito <strong>de</strong> sentido <strong>de</strong>sejado: alertar, persuadir convencer, etc. Consi<strong>de</strong>rando abrangência <strong>de</strong>ssa<br />

instrução, julgávamos que, como apontamos, po<strong>de</strong>riam surgir várias análises do texto, para classificá-lo<br />

quanto ao tipo. E uma <strong>de</strong>ssas análises po<strong>de</strong>ria ser aquela que inci<strong>de</strong> sobre o seu plano pragmático, ou<br />

seja, aquele que se relacio<strong>na</strong> com as condições discursivas do texto: a intenção comunicativa do autor<br />

em relação ao seu objeto <strong>de</strong> dizer e ao seu interlocutor.<br />

238


A análise dos <strong>textos</strong>, nessa perspectiva, evi<strong>de</strong>nciou-se quando os alunos<br />

apresentaram argumentos que explicitavam nuances <strong>de</strong> um veio tipológico apoiado em aspectos que se<br />

referem à caracterização discursiva do texto.<br />

Detectando que esses aspectos, embora apontados em grau bem menor<br />

que aqueles incluídos <strong>na</strong>s instâncias 1 e 2, <strong>de</strong> certa forma compunham o campo <strong>de</strong> critérios elaborados<br />

intuitivamente pelos alunos, passamos a fazer-lhes perguntas ou a solicitar-lhes esclarecimentos sobre<br />

esses aspectos. Assim, conforme o tom que eles davam às suas justificativas, evi<strong>de</strong>nciando a sua<br />

análises do texto, propunhamos-lhes questões para que pudéssemos apreen<strong>de</strong>r os traços salientados<br />

que se configuravam como critérios.<br />

A manifestação, por parte dos alunos, <strong>de</strong>ssa capacida<strong>de</strong><br />

discursiva58 (competência <strong>de</strong> interpretar a intenção comunicativa do autor, apreen<strong>de</strong>r a sua atitu<strong>de</strong> em<br />

relação ao seu interlocutor) variava entre os grupos <strong>de</strong> alunos e em relação aos <strong>textos</strong>. Percebemos<br />

que os alunos do grupo D eram mais sensíveis a esse tipo <strong>de</strong> dado, sensibilida<strong>de</strong> que <strong>de</strong>crescia<br />

segundo o nível <strong>de</strong> <strong>escola</strong>rização. Essas características discursivas eram consi<strong>de</strong>radas pelos alunos <strong>de</strong><br />

forma isolada, texto por texto. Poucos alunos, um maior número do grupo D, ensaiavam estabelecer<br />

uma relação <strong>de</strong> comparação, no que se refere a essas características discursivas entre os <strong>textos</strong> não<strong>escola</strong>res<br />

e os produzidos por eles próprios.<br />

Outro fator observado é que nenhum aluno manifestou-se sensível aos<br />

marcadores e/ou modalizadores que <strong>de</strong>ixavam refletir a posição do autor em relação ao que era<br />

enunciado. Os alunos <strong>de</strong>preendiam a atitu<strong>de</strong> do autor mais com base no texto, visto como um macro<br />

ato <strong>de</strong> fala (Cf. VAN DIJK, 1992:94). Os alunos viam o autor do texto como um agente que informa,<br />

comunica, avisa, alerta ou orienta. Ou seja, <strong>na</strong> análise do texto, no que se refere à sua função<br />

enunciativa, os alunos tomavam o texto como um todo.<br />

O Quadro 5 a seguir mostra, em termos percentuais, a percentagem <strong>de</strong><br />

alunos em cada grupo que consi<strong>de</strong>raram as características discursivas como critério tipológico.<br />

QUADRO 5<br />

58<br />

Essa noção remete à empregada por KLEIMAN (1989) em “Leitura: ensino e pesquisa”. A autora propõe<br />

uma distinção entre competência textual e competência discursiva. Esta,embora esteja incluída <strong>na</strong>quela, apresenta<br />

uma certa especificida<strong>de</strong>, ao relacio<strong>na</strong>r-se com as condições <strong>de</strong> recepção <strong>de</strong> <strong>textos</strong>.<br />

239


GRUPOS<br />

Caracterização discursiva do texto<br />

Intenção comuni Atitu<strong>de</strong> do autor em Atitu<strong>de</strong> do autor em<br />

cativa do autor relação ao discurso relação ao interlocutor<br />

% % %<br />

A 33 33<br />

B 33 16 33<br />

C 66 33 66<br />

D 83 66 83<br />

Os dados acima, mais uma vez, sugerem que a <strong>escola</strong>rização po<strong>de</strong> ser<br />

um fator que influencia no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um conhecimento tipológico intuitivo, construído pelo<br />

aluno, apesar <strong>de</strong> uma tipologia não ser usada nem ensi<strong>na</strong>da pela <strong>escola</strong> como proposta para apontar,<br />

entre outros, os aspectos pragmáticos atualizados no texto, as condições discursivas, as quais<br />

contribuem para que um dado texto seja <strong>de</strong> tal tipo e não <strong>de</strong> outro.<br />

Para ilustrar o Quadro 5, seguem-se justificativas <strong>de</strong> alunos que ten<strong>de</strong>m<br />

a revelar esse veio tipológico em suas análises e buscam estabelecer entre os <strong>textos</strong> uma relação <strong>de</strong><br />

comparação. Nessas justificativas, é possível perceber que os alunos conhece intuitivamente o<br />

funcio<strong>na</strong>mento discursivo do texto, o que lhes falta é uma aprendizagem sistemática que lhes possibilite<br />

uma organização, explicitação e <strong>de</strong>nomi<strong>na</strong>ção<br />

Aluno do grupo A<br />

Agrupamento: <strong>textos</strong> 9 e 10<br />

(Denise) São notícias <strong>de</strong> jor<strong>na</strong>l e <strong>de</strong> revista. Falam do mesmo assunto, falam<br />

sobre poluição dos rios.(...) Os dois foram escritos para as pessoas<br />

ficarem sabendo que muita gente está poluindo os rios. São <strong>textos</strong> que<br />

parecem um aviso, um alerta para não sujarem os rios com lixo, porque<br />

senão os peixes po<strong>de</strong>m morrer envene<strong>na</strong>dos <strong>de</strong> tanta poluição.<br />

Agrupamento: Textos 16 e 30<br />

240


(Aline) Esses dois <strong>textos</strong> têm assuntos diferentes, O 16 parece com uma<br />

notícia que está xingando os jogadores e o Parreira. O 30 está falando<br />

que os doentes não têm hospitais porque os médicos estão <strong>de</strong><br />

greve.(...) O 16 foi escrito para as pessoas que lerem ficarem<br />

informados que os jogadores do Brasil não estão jogando muito bem,<br />

que o Parreira é um técnico que não é bom. O 30 está avisando para a<br />

gente que os médicos estão <strong>de</strong> greve e quem for nos hospitais e estiver<br />

doente po<strong>de</strong> até morrer por que não tem ninguém para olhar os<br />

doentes.<br />

Aluno do grupo B<br />

Agrupamento: Textos 8 e 19<br />

(Meirielen) Eu agrupei esse dois <strong>textos</strong> porque eles se parecem no jeito que eles<br />

falam as coisas. Os dois falam como é a vida <strong>de</strong>ssas duas pessoas.<br />

Cada um fala <strong>de</strong> uma pessoa bem diferente. Os dois falam bem<br />

explicadinho como é a vida do médico que <strong>de</strong>scobriu muitos remédios<br />

para curar as doenças, a vida <strong>de</strong>ssa D.Glória. Eles dão assim <strong>de</strong>talhes<br />

<strong>de</strong>ssas duas pessoas.(...) Parece que eles foram escritos para a gente<br />

ficar conhecendo a vida <strong>de</strong>ssas pessoas importantes. A gente fica<br />

sabendo como essas duas pessoas são, a ida<strong>de</strong>, o que elas fazem,<br />

assim quase tudo.<br />

Aluno do grupo C<br />

Agrupamento: <strong>textos</strong> 37 e 38<br />

(Suely) Todos os dois <strong>textos</strong> são notícias <strong>de</strong> jor<strong>na</strong>l bem informativas. Eles nos<br />

ensi<strong>na</strong>m, nos dão informações boas sobre esses assuntos <strong>de</strong> ciências.<br />

Eles aumentam o nosso conhecimento. São <strong>textos</strong> <strong>de</strong> assuntos<br />

verídicos. Os jor<strong>na</strong>listas que escreveram esses <strong>textos</strong> estão dando uma<br />

informação para nós ficarmos informadas sobre esses assuntos, esses<br />

conhecimentos.<br />

Agrupamentos: <strong>textos</strong> 16,30 e I<br />

241


(Luciomar) São <strong>textos</strong> que se parecem porque estão colocando uma opinião, uma<br />

<strong>de</strong>claração do que eles acham. Eu escrevi aqui (indica o texto I) o que<br />

eu acho da redação. Escrevi o que eu entendo <strong>de</strong> redação, como ela é<br />

importante em tudo <strong>na</strong> nossa vida, para arrumar um bom emprego. Se<br />

não souber fazer uma redação fica muito mais difícil arrumar um bom<br />

emprego. Esta é minha opinião. No 16, eu acho que a autora está<br />

querendo criticar o futebol brasileiro, quer dizer, ela está mesmo é<br />

mostrando a irresponsabilida<strong>de</strong> dos jogadores, que só pensam em<br />

dinheiro. E vôlei é um time <strong>de</strong> garra, tem mais responsabilida<strong>de</strong>. A<br />

autora está dando uma opinião sobre esses dois esportes do Brasil.<br />

Ela torce mais para o vôlei do que para futebol. O 30 também faz uma<br />

crítica. Está criticando os médicos que estão em greve, os hospitais<br />

que não têm condições <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r os doentes, os aposentados. É uma<br />

notícia que está falando uma verda<strong>de</strong>. Não dá mais para ficar doente<br />

nesse país.<br />

Alunos do grupo D<br />

Agrupamento: Textos 6, 17 , 28 e III<br />

(Deise) Os <strong>textos</strong> 6, 17 e o 28 contam como são esses lugares. Só o 6 que é<br />

uma história inventada, uma criação do autor, mas os outros são <strong>textos</strong><br />

que o assunto é sobre coisas reais. No texto que eu fiz eu falo da<br />

minha rua, falo como ela é, como são os meus vizinhos, vou<br />

<strong>de</strong>screvendo a minha rua do jeito que ela é. O 17 e 28 falam como são<br />

esses lugares <strong>de</strong> turismo. Eles visam o turismo <strong>de</strong>sses lugares bonitos,<br />

o objetivo é só o turismo para que as pessoas visitem para conhecer,<br />

para lazer.<br />

242


5.2.4 - Quarta instância: critérios microestruturais e funcio<strong>na</strong>is<br />

O reconhecimento <strong>de</strong> traços que caracterizam o texto em dimensões<br />

microestruturais e pelas funções da linguagem ocorreu exclusivamente no grupo D.<strong>de</strong> alunos.<br />

Entre os seis alunos que compunham o grupo D, quatro se mostraram<br />

sensíveis a aspectos relativos ao processo da adjetivação <strong>de</strong> alguns <strong>textos</strong> do tipo <strong>de</strong>scritivo, 5, 6, 19,<br />

27, e ao verbo no modo imperativo dos <strong>textos</strong> injuntivos, 12 e 13. Vale ressaltar que dois <strong>de</strong>sses alunos,<br />

além <strong>de</strong> indicarem tais aspectos, buscaram explicitar as suas funções discursivas.<br />

Seguem-se abaixo duas justificativas que representam cada caso<br />

anteriormente indicado.<br />

Verbos no modo imperativo no tipo injuntivo:<br />

(Advânia) Os <strong>textos</strong> 12 e 13 são escritos com o mesmo tipo <strong>de</strong> verbo, os dois só<br />

têm verbo no imperativo, parecem que estão dando uma or<strong>de</strong>m para as<br />

pessoas agirem <strong>de</strong> modo correto no primeiro dia do trabalho e no<br />

trânsito. São or<strong>de</strong>ns que dizem as coisas para as pessoas cumprirem,<br />

são or<strong>de</strong>ns boas: fale menos e ouça mais; não seja bajulador. Outro<br />

também é cheio <strong>de</strong> or<strong>de</strong>ns: use cinto <strong>de</strong> segurança; não troque fitas;<br />

não beba antes <strong>de</strong> dirigir.<br />

Adjetivos no tipo <strong>de</strong>scritivo:<br />

(Fer<strong>na</strong>nda) O número 5, 19, 27 dizem como as pessoas são e a hipopótama. O 5<br />

não é uma pessoa é um animal do zoológico, mas parece com gente<br />

porque o jeito que o texto fala dá para pensar que é gente, mas é um<br />

animal. Eu agrupei esses três <strong>textos</strong> por isso, eles são bem parecidos.<br />

Os três dão muitas qualida<strong>de</strong>s, muitas características das pessoas e do<br />

animal. São vários adjetivos para cada pessoa, para a hipopótama.<br />

Fala que a Tetéia é atraente, viúva, teve oito filhos, tem uns trinta anos,<br />

mora num lugar com pisci<strong>na</strong>. O 27 também dá todas as característcas<br />

dos alunos, dá <strong>de</strong>talhes das roupas que eles usam, da perso<strong>na</strong>lida<strong>de</strong><br />

243


<strong>de</strong>les. O 19 é a mesma coisa, fala como é D.Maria da Glória, como ela<br />

se veste, fala que ela escon<strong>de</strong> a ida<strong>de</strong>, tem os cabelos com o penteado<br />

<strong>de</strong> coque. Essas qualida<strong>de</strong>s são importantes para você ficar<br />

conhecendo com <strong>de</strong>talhes como essas pessoas são.<br />

Aliada aos outros critérios, a função da linguagem no texto também foi<br />

consi<strong>de</strong>rada como um fator para classificar os <strong>textos</strong>. Entre as mais sugeridas pelos alunos estão a<br />

função referencial e a co<strong>na</strong>tiva (<strong>na</strong> classificação <strong>de</strong> JAKOBSON). Os tipos a que foram atribuídas essas<br />

funções foram o dissertativo,o argumentativo e o injuntivo. Os <strong>textos</strong> 29, 32, 33, 37, 38 caracterizavamse<br />

por uma linguagem objetiva, informativa (função referencial), os <strong>textos</strong> 12 13, 4, 15 se <strong>de</strong>finiam por<br />

uma linguagem com a qual o autor preten<strong>de</strong> influenciar o interlocutor <strong>de</strong> modo que este aja <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>da maneira. Nos exemplos que se seguem, po<strong>de</strong>-se notar como as justificativas ten<strong>de</strong>m a<br />

critérios que <strong>de</strong>finem essas duas funções da linguagem em termos do uso que o autor faz <strong>de</strong>las.<br />

(Elicéia) Os três <strong>textos</strong> (29, 37, 38) são muito informativos, são bem objetivos.<br />

Os assuntos são mais sérios, mais científicos. Os assuntos são bem<br />

claros, explicados. É texto científico, <strong>de</strong> assunto <strong>de</strong> ciências.<br />

(Madale<strong>na</strong>) São dois <strong>textos</strong> (12 e 13) muito parecidos no modo como eles falam as<br />

coisas, porque eles são <strong>textos</strong> <strong>de</strong> dicas <strong>de</strong> como as pessoas <strong>de</strong>vem se<br />

comportar no trânsito, no trabalho. Eles têm uma linguagem resumida,<br />

objetiva, sem ro<strong>de</strong>ios, vão direto no assunto. Explicam ponto por ponto<br />

como as pessoas <strong>de</strong>vem agir nesses dois lugares. Eles querem<br />

orientar as pessoas, dar informações sobre como evitar transtornos <strong>na</strong><br />

vida das pessoas. São dicas mais para as pessoas se darem bem<br />

nesses dois lugares.<br />

6 - Relação entre os princípios tipológicos adotados pelos alunos e os construídos pelas<br />

<strong>tipologias</strong> existentes<br />

244


Diante das justificativas apresentadas pelos alunos no agrupamento dos<br />

<strong>textos</strong>, foi-nos possível observar que eles, intuitivamente, reconhecem proprieda<strong>de</strong>s específicas do<br />

funcio<strong>na</strong>mento dos tipos <strong>textuais</strong>, as quais se manifestam mediante traços por eles salientados. E,<br />

como dissemos, esses traços estão sendo aqui consi<strong>de</strong>rados como critérios que se prestam à<br />

classificação dos <strong>textos</strong> quanto ao tipo. Tais traços refletem as várias análises que o aluno faz do texto,<br />

estas incidindo sobre os diferentes planos que constituem o seu funcio<strong>na</strong>mento.<br />

Como buscamos apontar, <strong>na</strong>s análises dos <strong>textos</strong> para a sua tipificação,<br />

os alunos <strong>de</strong>ixavam emergir um campo <strong>de</strong> critérios <strong>de</strong> <strong>na</strong>tureza diversificada, que recobriam tanto as<br />

características exter<strong>na</strong>s ao texto como as inter<strong>na</strong>s, procurando muitas vezes relacioná-las. Na análise<br />

<strong>de</strong>sses critérios, construídos intuitivamente pelos alunos, foi-nos possível, também, perceber que eles<br />

ten<strong>de</strong>m, <strong>de</strong> certa forma, a se aproximar dos princípios tipológicos elaborados nos domínios teóricos das<br />

<strong>tipologias</strong> <strong>de</strong> texto e <strong>de</strong> discurso existentes. Po<strong>de</strong>ríamos dizer que essa proximida<strong>de</strong> se expressa pela<br />

<strong>na</strong>tureza dos critérios, discursiva, textual (macroestrutura relacio<strong>na</strong>da com a superestrutura), formal<br />

(microestrutural), etc., adotados por esses dois domínios diferentes: um, sustentado por um<br />

conhecimento sistematizado e pela construção <strong>de</strong> conceitos teóricos (construtos abstratos); outro,<br />

sustentado por um conhecimento assistemático, construído <strong>na</strong>s interações verbais, cujas<br />

generalizações são basicamente espontâneas, intuitivas. São dois domínios que diferem no que tange,<br />

por exemplo, às condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong> da própria análise impostas aos <strong>textos</strong>, à constituição e<br />

<strong>na</strong>tureza dos corpus, aos propósitos e à <strong>na</strong>tureza das ativida<strong>de</strong>s. Guardadas as <strong>de</strong>vidas diferenças<br />

entre esses dois domínios, po<strong>de</strong>-se dizer que tanto um como outro propõem unida<strong>de</strong>s tipológicas para<br />

pensar o texto.<br />

Na tentativa <strong>de</strong> evi<strong>de</strong>nciar essa possível relação <strong>de</strong> proximida<strong>de</strong>,<br />

retomaremos os critérios adotados pelos alunos <strong>na</strong> tipificação dos <strong>textos</strong>, bem como alguns daqueles<br />

príncípios tipológicos propostos pelas <strong>tipologias</strong> existentes, apontados no Capítulo 3.<br />

Comecemos, então, pela base tipológica construída pelos alunos, cuja<br />

sustentação se dá pelo cruzamento <strong>de</strong> três critérios: gênero do discurso, suporte textual e a <strong>na</strong>tureza do<br />

texto (oposição entre factual e ficcio<strong>na</strong>l). Conforme apontamos, este era o princípio organizador para os<br />

alunos a<strong>na</strong>lisarem qualquer dos <strong>textos</strong> do corpus, isto é, era a partir <strong>de</strong>ssa base conceitual que<br />

buscavam salientar as proprieda<strong>de</strong>s do texto, para agrupá-lo sob uma mesma categoria tipológica (tipo).<br />

Sob essa base conceitual, po<strong>de</strong>ríamos dizer que se encontram critérios<br />

que provêm <strong>de</strong> <strong>tipologias</strong> distintas, ou vertentes teóricas diferentes.<br />

245


O gênero discursivo, por exemplo, tal como é apontado pelos alunos,<br />

relacio<strong>na</strong>-se não só com os gêneros discursivos produzidos numa dada socieda<strong>de</strong> pelos vários<br />

segmentos sociais e instituições que a compõem, conforme propõem BAKHTIN (1992)e<br />

BRONCKART(1985), como também com os tipos <strong>de</strong> discurso que neles se atualizam, como indica<br />

ADAM (1987). Tomando o texto, como produto da <strong>produção</strong> simbólica <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong>, os alunos<br />

procuram explicitar os tipos discursos que nele se materializam e o gênero: gênero do discurso<br />

jor<strong>na</strong>lístico - o texto 3 é uma notícia, uma reportagem; do discurso publicitário - o texto 4 é uma<br />

propaganda, um anúncio; do discurso literário - o texto 25 é uma história <strong>de</strong> contos <strong>de</strong> fadas, é uma<br />

literatura infantil, romance infantil; do discurso científico - os <strong>textos</strong> 29, 37 e 38 são <strong>textos</strong> científicos, o<br />

assunto é <strong>de</strong> ciências. Esse critério encontra-se no quadro teórico das <strong>tipologias</strong> situacio<strong>na</strong>is, as quais<br />

se fundam <strong>na</strong> classificação dos gêneros discursivos construídos social, histórica e culturalmente pelos<br />

diferentes segmentos da socieda<strong>de</strong>.<br />

Já outro critério salientado - a oposição entre factual e ficcio<strong>na</strong>l -<br />

aproxima-se daquele estabelecido pelos estudos <strong>de</strong>senvolvidos nos domínios da Teoria da Literatura. A<br />

distinção proposta nesse campo científico ten<strong>de</strong> a <strong>de</strong>finir uma tipologia <strong>de</strong> texto literário e não-literário.<br />

Ao literário, é conferido o estatuto <strong>de</strong> ficcio<strong>na</strong>l, por uma série <strong>de</strong> critérios, entre os quais se <strong>de</strong>stacam o<br />

<strong>de</strong> verossimilhança, o do trabalho e do uso da linguagem, o da beleza e prazer estético proporcio<strong>na</strong>do<br />

pelo texto. Os não-literários assumem um caráter factual, entre outras razões, por não se prestarem a<br />

uma função estética, mas à função utilitária. 59 A tipificação feita pelos alunos quanto à <strong>na</strong>tureza do texto<br />

- factual versus ficcio<strong>na</strong>l, assume valores relativamente semelhantes aos propostos por esse campo<br />

teórico, no que respeita ao critério da verossimilhança. Como mostramos, os alunos tomam como<br />

referência o modo como a realida<strong>de</strong> objetiva é abordada pelo assunto (conteúdo referencial) veiculado<br />

no texto. Se é um assunto apresentado <strong>na</strong> perspectiva da realida<strong>de</strong> efetivamente existente, mundo real,<br />

tem-se uma história real, verda<strong>de</strong>ira. Se o autor do texto interpreta aspectos da realida<strong>de</strong> objetiva,<br />

criando, assim, uma realida<strong>de</strong> imaginária, tem-se, conseqüentemente, uma história inventada, <strong>de</strong><br />

fantasia, fruto da imagi<strong>na</strong>ção do autor.<br />

O suporte textual é um terceiro critério, igualmente, utilizado pelos alunos<br />

em sua análise dos <strong>textos</strong>, para agrupá-los e distinguir os tipos. Esse critério, ao que parece, funda-se<br />

em uma tipologia <strong>de</strong> suporte textual elaborada pelos próprios alunos, cuja construção se dá mediante o<br />

conhecimento <strong>de</strong> mundo, o conhecimento das práticas <strong>de</strong> escrita sociais <strong>de</strong>senvolvidas <strong>na</strong> nossa<br />

59 Cf.WALTY (1992) e PLATÃO e FIORIN (1990) entre outros.<br />

246


socieda<strong>de</strong>, veiculadas nos mais variados suportes <strong>textuais</strong> (jor<strong>na</strong>is, revistas, livros, folhetos, periódicos,<br />

documentos, cartazes, outdoors, etc.). A listagem <strong>de</strong>sses suportes apresentada por eles assemelha-se,<br />

em gran<strong>de</strong> medida, àquela proposta pelos estudos da Teoria da Comunicação, que, entre outras<br />

questões, indicam não só uma relação dos suportes <strong>textuais</strong> produzidos numa dada cultura como<br />

sugerem a diferença entre estes e outros meios <strong>de</strong> comunicação. Por fim, vale ressaltar que, conforme<br />

o texto a<strong>na</strong>lisado, os alunos apontavam outros suportes a<strong>de</strong>quados para a sua veiculação. Por<br />

exemplo, nos <strong>textos</strong> 32 e 33, cujo discurso é científico e cujo suporte textual é o jor<strong>na</strong>l, gran<strong>de</strong> parte dos<br />

alunos, sugeria a posssibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> esses <strong>textos</strong> se encontrarem em livros <strong>de</strong> ciências, enciclopédias,<br />

revistas especializadas, como a “Conhecer”, etc.<br />

Esses três critérios básicos, articulados, constituíam a base conceitual e<br />

direcio<strong>na</strong>vam toda a análise <strong>de</strong> caracterização dos tipos <strong>de</strong> texto feita pelos alunos. Outros critérios <strong>de</strong><br />

<strong>na</strong>tureza diferente foram também utilizados: são os critérios referentes aos aspectos da estrutura dos<br />

texto - a organização do conteúdo semântico (tema) e a sua atualização <strong>na</strong>s categorias esquemáticas<br />

correspon<strong>de</strong>ntes. O reconhecimento das categorias esquemáticas da <strong>na</strong>rrativa do tipo história - o<br />

cenário, orientação, complicação seguida <strong>de</strong> clímax e resolução - nos <strong>textos</strong> 1, 23, 25, por exemplo, se<br />

pensado à luz <strong>de</strong> estudos como o <strong>de</strong> VAN DIJK (1983), ADAM (1985) e LABOV (1967), 60que apresentam os mo<strong>de</strong>los esquemáticos (superestrutura), especificando as suas categorias (partes) e<br />

relacio<strong>na</strong>ndo-as com a <strong>na</strong>tureza e função do conteúdo informacio<strong>na</strong>l (unida<strong>de</strong> temática) nelas<br />

materializado, reflete o grau <strong>de</strong> pertinência e a<strong>de</strong>quação dos traços salientados pelos alunos, como<br />

ponto distintivo para estabelecer a comparação/diferenciação dos tipos. Além disso, esses critérios<br />

<strong>de</strong>ixam entrever os vários tipos <strong>de</strong> conhecimento a que os alunos recorrem para o seu estabelecimento,<br />

<strong>de</strong>stacando-se o textual e o tipológico.<br />

Já o procedimento dos alunos <strong>de</strong> buscar evi<strong>de</strong>nciar as características<br />

discursivas dos tipos <strong>textuais</strong> aproxima-se dos critérios propostos pelas <strong>tipologias</strong> enunciativas. Estas<br />

trazem, em seus quadros teóricos, critérios tais como: a intenção comunicativa do autor, os modos<br />

enunciativos produzidos conforme <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>das condições/ situações discursivas, o papel e o lugar dos<br />

interlocutores no processo <strong>de</strong> enunciação. Entre as <strong>tipologias</strong> que seria interessante tomar como<br />

60<br />

Convém esclarecer que esses autores não propõem um estudo tipológico dos <strong>textos</strong>, mas, sim, os mo<strong>de</strong>los<br />

esquemáticos que correspon<strong>de</strong>m aos tipos existentes <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>. No Anexo 3, apresentamos alguns mo<strong>de</strong>los<br />

<strong>de</strong> superestrutura propostos por esses autores.<br />

247


parâmetro para pensar os critérios <strong>de</strong>ssa <strong>na</strong>tureza apontados pelos alunos, po<strong>de</strong>ria estar a adotada por<br />

este estudo.<br />

Como procuramos <strong>de</strong>screver no Capítulo 3, tal tipologia apresenta<br />

distinções para a caracterização discursiva dos tipos <strong>textuais</strong>, no que respeita à atitu<strong>de</strong> do autor em<br />

relação ao seu objeto <strong>de</strong> dizer e em relação ao interlocutor. Convém mencioná-las, aqui,<br />

resumidamente, para que possamos, a seguir, apontar sua proximida<strong>de</strong> com as distinções evi<strong>de</strong>nciadas<br />

pelos alunos. Tais distinções figuram da seguinte forma: 61<br />

1) Na perspectiva espaço-temporal, o autor, conforme o modo enunciativo, assume em relação ao seu<br />

próprio objeto do dizer (assunto, tema) as seguintes posturas - <strong>na</strong> <strong>de</strong>scrição, ele põe-se <strong>na</strong> perspectiva<br />

do espaço em seu conhecer; <strong>na</strong> <strong>na</strong>rração, põe-se <strong>na</strong> perspectiva do tempo; <strong>na</strong> dissertação, <strong>na</strong> do<br />

conhecer, abstraindo-se do tempo e do espaço; <strong>na</strong> injunção, <strong>na</strong> perspectiva do fazer, posterior ao<br />

tempo da enunciação62 .<br />

2)Para cada um <strong>de</strong>sses modos enunciativos, o autor estabelece uma intenção comunicativa, refletindose,<br />

assim, a sua atitu<strong>de</strong> em relação ao seu objeto <strong>de</strong> dizer - <strong>na</strong> <strong>de</strong>scrição, o que se quer é dizer como é<br />

a coisa <strong>de</strong>scrita; <strong>na</strong> <strong>na</strong>rração, o que se quer é contar, dizer os fatos; <strong>na</strong> dissertação, busca-se o refletir,<br />

o explicar, o conceituar; <strong>na</strong> injunção, incita-se à realização das ações.<br />

3)Diante <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>sses modos enunciativos, o interlocutor, no processo <strong>de</strong> interação, assume uma<br />

dada posição - <strong>na</strong> <strong>de</strong>scrição, o interlocutor assume o papel <strong>de</strong> voyeur do espetáculo, da coisa <strong>de</strong>scrita;<br />

<strong>na</strong> <strong>na</strong>rração, o <strong>de</strong> espectador não participante do que está sendo contado; <strong>na</strong> dissertação, o <strong>de</strong> um ser<br />

que pensa, reflexivo; <strong>na</strong> injunção, o <strong>de</strong> um virtual executor das ações que estão sendo propostas. Já<br />

quanto ao modo enunciativo argumentativo, o autor tem como intenção comunicativa, esta manifestada<br />

explicitamente, a <strong>de</strong> influenciar, persuadir, convencer, fazer crer o seu interlocutor. Procura conquistar a<br />

a<strong>de</strong>são do seu interlocutor.<br />

Na caracterização discursiva dos tipos <strong>textuais</strong> feita pelos alunos, este<br />

critério tipológico manifesta-se <strong>de</strong> modo bem semelhante ao <strong>de</strong>scrito anteriormente. Para precisar essa<br />

proximida<strong>de</strong>, citamos algumas das justificativas <strong>de</strong> alunos como exemplo:<br />

61<br />

Esta distinção é feita por TRAVAGLIA ( 1992) em “Um estudo textual-discursivo do verbo no Português do<br />

Brasil ”.<br />

62<br />

V. nota 25, em que se apresentam as dimensões <strong>de</strong> temporalida<strong>de</strong> relacio<strong>na</strong>das com o processo <strong>de</strong> enunciação.<br />

248


Aluno do grupo B<br />

Textos do tipo <strong>de</strong>scritivo (19 e 18)<br />

Atitu<strong>de</strong> do autor em relação<br />

ao seu objeto <strong>de</strong> dizer, ao<br />

seu objetivo enunciativo:<br />

Aluno do grupo B<br />

Textos do tipo dissertativo (14, 32 e 33).<br />

Atitu<strong>de</strong> do autor em relação<br />

ao interlocutor:<br />

Aluno do grupo C<br />

Texto do tipo argumentativo, 16<br />

Atitu<strong>de</strong> do autor em<br />

relação ao interlocutor:<br />

Aluno do grupo D<br />

Textos do tipo injuntivo (12 e 13).<br />

A intenção do autor em<br />

relação ao seu objeto do dizer<br />

e em relação ao interlocutor:<br />

Os dois (<strong>textos</strong>) falam como é a vida <strong>de</strong>ssas duas pessoas. Eles<br />

(<strong>textos</strong>) dão <strong>de</strong>talhes <strong>de</strong>ssas duas pessoas. Parece que foram escritos<br />

para a gente ficar conhecendo a vida <strong>de</strong>ssas duas pessoas<br />

importantes. A gente fica sabendo como essas duas pessoas são, a<br />

ida<strong>de</strong>, o que elas fazem, assim quase tudo.<br />

Eles foram escritos para ficarmos informados, ficarmos conhecendo<br />

bem esses assuntos <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong> História e do mundo animal.<br />

O 16 eu acho que a autora está querendo criticar o futebol brasileiro, quer<br />

dizer, ela está mesmo é querendo mostrar a irresponsabilida<strong>de</strong> dos<br />

jogadores que só pensam em dinheiro e que o vôlei é um time <strong>de</strong><br />

garra,mais profissio<strong>na</strong>l,<strong>de</strong> reponsablida<strong>de</strong><br />

Explicam ponto por ponto como as pessoas <strong>de</strong>vem agir nesses dois<br />

lugares. Eles (os autores) têm o objetivo <strong>de</strong> orientar, dar<br />

informações sobre como evitar transtornos <strong>na</strong> vida da pessoas. Eles<br />

ensi<strong>na</strong>m como as pessoas <strong>de</strong>vem agir no dia-a-dia no trânsito e no<br />

trabalho.<br />

249


Passemos, agora, aos critérios que privilegiam os aspectos<br />

microestruturais e as funções da linguagem. Estes, como foi apontado, manifestaram-se, como traço<br />

distintivo para caracterização dos <strong>textos</strong>, quase exclusivamente <strong>na</strong>s análises dos alunos do grupo D. A<br />

utilização <strong>de</strong>sses aspectos para pensar o texto revela, mais uma vez, que o campo <strong>de</strong> critérios<br />

adotados pelos alunos testados se constitui por um cruzamento <strong>de</strong> princípios tipológicos <strong>de</strong> <strong>na</strong>tureza<br />

bem diversificada. Tais princípios, se comparados com os das <strong>tipologias</strong> existentes, <strong>de</strong>rivam <strong>de</strong><br />

vertentes tipológicas distintas.<br />

Por exemplo, a utilização, pelos alunos, <strong>de</strong> marcas lingüísticas <strong>de</strong><br />

superfície (a presença <strong>de</strong> imperativo em alguns dos <strong>textos</strong> do tipo injuntivo - <strong>textos</strong> 12 e 13; a<br />

adjetivação em alguns <strong>textos</strong> do tipo <strong>de</strong>scritivo - <strong>textos</strong> 5, 19, 27), para diferenciação dos <strong>textos</strong>,<br />

aproxima-se dos procedimentos usados por <strong>tipologias</strong> que tomam os aspectos microestruturais como<br />

ponto <strong>de</strong> referência para reconstituir o modo <strong>de</strong> enunciação no processo interlocutivo ou os tipos <strong>de</strong><br />

atitu<strong>de</strong> comunicativa do autor (locutor).<br />

Entre as <strong>tipologias</strong> que tomam tal fator como critério para tipificação dos<br />

<strong>textos</strong> (discursos), encontra-se a <strong>de</strong> BENVENISTE(1991). Esse autor, como assi<strong>na</strong>lamos no Capítulo 3,<br />

a partir dos tempos verbais, dêiticos temporais e espaciais, pronomes do sistema lingüístico francês,<br />

propõe uma distinção nos planos enunciativos do processo <strong>de</strong> interlocução: discurso - marcada pela<br />

subjetivida<strong>de</strong> do locutor, e a <strong>na</strong>rrativa histórica - marcado pela ausência da subjetivida<strong>de</strong>. Seguindo<br />

essa mesma esteira, tem-se a proposta tipológica <strong>de</strong> H.WEINRICH (1968,1973). Esse autor, como<br />

também foi indicado <strong>na</strong> Capítulo 3, tomando como referência a atualização dos tempos verbais no<br />

francês em discursos produzidos em várias situações <strong>de</strong> comunicação, estabelece uma distinção entre<br />

dois tipos <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong> que os interlocutores (locutor e interlocutor) po<strong>de</strong>m assumir em relação ao que está<br />

sendo enunciado. Esta distinção configura-se como mundo <strong>na</strong>rrado (relato) e mundo comentado (ou<br />

comentário). É em relação à atualização dos tempos verbais empregados no discurso que o locutor<br />

apresenta o mundo, isto é, o conteúdo objetivo <strong>de</strong> que se fala, e o alocutário o toma como mundo<br />

<strong>na</strong>rrado, ou mundo comentado.<br />

Essas <strong>tipologias</strong>, como as <strong>de</strong>screvemos anteriormente, por trazerem em<br />

seus quadros teóricos critérios que se voltam para o processo <strong>de</strong> enunciação - os modos enunciativos<br />

nele produzidos, a atitu<strong>de</strong> dos interlocutores nele assumidas - agrupam-se como <strong>tipologias</strong><br />

enunciativas.<br />

250


Já o critério que se relacio<strong>na</strong> com as funções que a linguagem<br />

<strong>de</strong>sempenha no processo <strong>de</strong> enunciação ou comunicativo aproxima-se das <strong>tipologias</strong> que se agrupam<br />

como <strong>tipologias</strong> funcio<strong>na</strong>is ou comunicacio<strong>na</strong>is.<br />

Conforme exemplificamos, <strong>na</strong> quarta instância, os alunos, <strong>na</strong> tipificação<br />

<strong>de</strong> alguns <strong>textos</strong>, por exemplo, o 29, o 37, o 38 (tipo dissertativo), atribuíam à linguagem neles<br />

atualizada (em seu efetivo funcio<strong>na</strong>mento) a função <strong>de</strong> informativa, explicativa, objetiva e clara por se<br />

tratar <strong>de</strong> discurso científico; em outros <strong>textos</strong> como o 12 e o 13, os alunos consi<strong>de</strong>ravam que o uso da<br />

linguagem voltava-se para influenciar, convencer, ensi<strong>na</strong>r, instruir, orientar o interlocutor a agir <strong>de</strong> uma<br />

dada forma.<br />

Entre os estudos tipológicos que propõem critérios <strong>de</strong>ssa <strong>na</strong>tureza,<br />

encontram-se os <strong>de</strong> JAKOBSON(1960) e VANOYE (1979). Como salientamos, JAKOBSON estabelece<br />

seis tipos <strong>de</strong> funções da linguagem, conforme o uso que o locutor faz <strong>de</strong>la no processo comunicativo.<br />

Entre elas estão aquelas indicadas pelos alunos, a saber, a referencial (informativa, <strong>de</strong>notativa) e a<br />

co<strong>na</strong>tiva (o locutor procura influenciar o interlocutor). Já VANOYE, tomando como referência as funções<br />

da linguagem apontadas por JAKOBSON, como vimos anteriormente, propõe uma tipologia <strong>de</strong><br />

mensagens escritas. Os tipos <strong>de</strong> mensagem escrita, são classificados por esse autor, conforme a<br />

função da linguagem representada <strong>na</strong> mensagem, isto é, caracterizam-nos <strong>de</strong> acordo com a fi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong><br />

da mensagem. Entre os seis tipos <strong>de</strong> mensagens escritas apresentados por VANOYE encontram-se os<br />

tipos <strong>de</strong> mensagem puramente referencial e co<strong>na</strong>tiva, estas, como dissemos há pouco, apontadas pelos<br />

alunos <strong>na</strong> tipificação dos <strong>textos</strong>. Na proposta <strong>de</strong>sse autor, a mensagem referencial tem como função a<br />

<strong>de</strong> informar o leitor. Nesse tipo <strong>de</strong> mensagem, as informações veiculadas apresentam-se <strong>de</strong> forma<br />

objetiva. Ou seja, os <strong>textos</strong> escritos em que ela se atualiza têm como propósito o <strong>de</strong> levar ao<br />

conhecimento do leitor informações puras, sem juízos ou comentários que expressem subjetivida<strong>de</strong>. Já<br />

a mensagem cuja função da linguagem domi<strong>na</strong>nte é a co<strong>na</strong>tiva caracteriza-se por aquela que procura,<br />

<strong>de</strong> uma maneira ou <strong>de</strong> outra, envolver o leitor. O teor <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> mensagem reflete os propósitos do<br />

locutor em relação ao seu interlocutor (leitor) que são o <strong>de</strong> persuadir, instruir, or<strong>de</strong><strong>na</strong>r, orientar, regular,<br />

etc.<br />

Para encerrar esta análise comparativa dos príncípios tipológicos<br />

adotados nestes dois domínios distintos - <strong>de</strong> um lado, os traços salientados pelos alunos intuitivamente<br />

para tipificar os tipos <strong>de</strong> texto; <strong>de</strong> outro, os critérios teóricos das <strong>tipologias</strong> existentes - retomaremos, em<br />

linhas gerais, algumas consi<strong>de</strong>rações tecidas por KOCH & FÁVERO(1987) sobre uma proposta <strong>de</strong><br />

251


critérios para o estabelecimento <strong>de</strong> tipologia textual. A nossa intenção é antes buscar precisar a<br />

a<strong>de</strong>quação <strong>de</strong> critérios tipológicos adotados pelos alunos intuitivamente.<br />

Essas autoras, consi<strong>de</strong>rando que o estabelecimento <strong>de</strong> critérios<br />

a<strong>de</strong>quados <strong>de</strong>ve ser o primeiro passo para solucio<strong>na</strong>r a questão da tiplogia, propõem três dimensões<br />

inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e básicas para a comparação/diferenciação <strong>de</strong> <strong>textos</strong>:(p.5)<br />

A) a dimensão pragmática, que se relacio<strong>na</strong> com os macroatos <strong>de</strong> fala e com os diversos modos <strong>de</strong><br />

atualização em situação comunicativa;<br />

B) a dimensão esquemática global, que diz respeito aos mo<strong>de</strong>los cognitivos ou esquemas <strong>textuais</strong><br />

culturalmente adquiridos;<br />

C) a dimensão lingüística <strong>de</strong> superfície, que se relacio<strong>na</strong> com as marcas (sintático/semânticas)<br />

materializadas no texto que facilitam ao alocutário a compreensão e, a partir <strong>de</strong>las, a construção <strong>de</strong><br />

hipóteses sobre o tipo <strong>de</strong> texto.<br />

As autoras consi<strong>de</strong>ram que, para proce<strong>de</strong>r ao exame dos tipos <strong>textuais</strong>,<br />

um dos caminhos mais eficazes seria esse que se faz sob o enfoque <strong>de</strong>ssas dimensões, as quais<br />

recobrem os planos do funcio<strong>na</strong>mento do texto.<br />

Se pensarmos os traços salientados pelos alunos à luz das dimensões<br />

propostas por KOCH e FÁVERO, po<strong>de</strong>mos afirmar que os alunos, <strong>na</strong> caracterização discursiva dos<br />

tipos <strong>de</strong> <strong>textos</strong> (dimensão pragmática), no reconhecimento das categorias esquemáticas do tipo <strong>de</strong><br />

texto (dimensão esquemática global), <strong>na</strong> i<strong>de</strong>ntificação das marcas lingüísticas <strong>de</strong> superfície (dimensão<br />

lingüística <strong>de</strong> superfície), revelam a construção <strong>de</strong> critérios relativamente pertinentes à elaboração <strong>de</strong><br />

uma tipologia textual-discursiva. Revelam, conseqüentemente, um conhecimento intuitivo sobre as<br />

dimensões (discursivas, <strong>textuais</strong>, formais)que po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>radas para a tipificação <strong>de</strong> <strong>textos</strong>. E,<br />

por fim, po<strong>de</strong>ríamos mesmo afirmar que o que permite aos alunos estabelecer esses critérios<br />

tipológicos são os vários conhecimentos que <strong>de</strong>têm - o lingüístico, o textual, o discursivo, o <strong>de</strong> mundo, o<br />

enciclopédico, e, aqui, po<strong>de</strong>mos já incluir outro, o tipológico, conhecimentos construídos ao longo das<br />

suas interações verbais sociais, seja como falantes/escritores, seja como ouvintes/leitores.<br />

Concluindo, os exemplos aqui arrolados parecem-nos suficientes para<br />

evi<strong>de</strong>nciar que os alunos testados, com base em seu conhecimento prévio, mostraram-se capazes <strong>de</strong><br />

reconhecer, quanto ao tipo textual, os seus próprios <strong>textos</strong> escritos, bem como outros, não-<strong>escola</strong>res,<br />

representativos das práticas mais comuns <strong>de</strong> escrita <strong>de</strong>senvolvidas em nossa socieda<strong>de</strong>.<br />

252


Conforme os resultados obtidos, acreditamos que os alunos, no exercício<br />

<strong>de</strong> reconhecer e agrupar <strong>textos</strong> <strong>de</strong> diferentes tipos - <strong>na</strong>rrativo, <strong>de</strong>scritivo, injuntivo, dissertativo,<br />

argumentativo - revelaram uma consciência tipológica intuitiva que lhes possibilita perceber as<br />

particularida<strong>de</strong>s que fazem que um texto seja <strong>de</strong> um tipo e não <strong>de</strong> outro.<br />

Tanto os alunos do grupo A como dos os grupos B, C e D mostraram-se<br />

capazes <strong>de</strong> agrupar <strong>textos</strong> que pertencem a um mesmo tipo. Alguns se manifestaram mais sensíveis a<br />

algumas proprieda<strong>de</strong>s específicas do tipo, outros menos, mas po<strong>de</strong>ríamos dizer que, no geral, todos<br />

<strong>de</strong>têm um conhecimento que lhes permite lidar, reconhecer, classificar os <strong>textos</strong> sob uma perspectiva<br />

tipológica.<br />

Como apontamos, ao longo <strong>de</strong>ssa exposição, os traços salientados por<br />

alunos incidiram sobre vários planos do funcio<strong>na</strong>mento do texto, indo das características exter<strong>na</strong>s ao<br />

texto às inter<strong>na</strong>s. Diante <strong>de</strong>sse procedimento, po<strong>de</strong>ríamos supor que os alunos, intuitivamente, <strong>de</strong>finiam<br />

uma direção metodológica, sustentada por uma concepção pragmática, que se traduziria da seguinte<br />

forma: todo texto ou tipo <strong>de</strong> texto <strong>de</strong>ve ser a<strong>na</strong>lisado não ape<strong>na</strong>s no contexto <strong>de</strong> um ato concreto <strong>de</strong><br />

fala (situação discursiva imediata), mas também no contexto <strong>de</strong> uma classificação <strong>na</strong> esfera social da<br />

ação huma<strong>na</strong>, <strong>na</strong> qual o ato concreto <strong>de</strong> fala (o discurso materializado no texto) se <strong>de</strong>senvolve e se<br />

efetua. O que nos leva a formular essas suposição são as próprias justificativas com que os alunos<br />

explicavam os traços salientados, as quais <strong>de</strong>ixavam perceber os vários níveis <strong>de</strong> análise utilizados<br />

para classificar os <strong>textos</strong>. Essas justificativas revelaram também a competência textual dos alunos<br />

(capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resumir, parafrasear, reconhecer características dos <strong>textos</strong>); a competência discursiva<br />

(capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tentar resgatar a intenção comunicativa do autor); competência lingüística (capacida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> reconhecer as palavras, os segmentos maiores, as suas funções semânticas, discursivas no texto); o<br />

conhecimento <strong>de</strong> mundo, enciclopédico (capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interagir com os assuntos tratados nos <strong>textos</strong>)<br />

e, por fim, o conhecimento tipológico (capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> discernir, classificar, agrupar o texto num conjunto<br />

<strong>de</strong> um mesmo tipo, a partir do seu funcio<strong>na</strong>mento textual, discursivo).<br />

Os alunos manifestavam dificulda<strong>de</strong> ape<strong>na</strong>s quando buscavam atribuir<br />

uma <strong>de</strong>nomi<strong>na</strong>ção ao conjunto <strong>de</strong> <strong>textos</strong> agrupados segundo certos traços. Contudo, ensaiavam<br />

generalizações, que se apóiavam em um campo <strong>de</strong> critérios <strong>de</strong> <strong>na</strong>tureza diversificada, cuja atualização<br />

variava em relação ao texto e seu tipo.<br />

Por fim, <strong>de</strong>tectamos também que, <strong>na</strong> constituicão <strong>de</strong>sse campo <strong>de</strong><br />

critérios, havia um cruzamento <strong>de</strong> princípios tipológicos que tendiam a se aproximar daqueles que<br />

253


orientam as <strong>tipologias</strong> <strong>de</strong> texto e discurso existentes, mostrando-se, assim, relativamente a<strong>de</strong>quados a<br />

uma análise que se volte para a tipificação <strong>de</strong> texto.<br />

Assim, em vista do resultados obtidos e aqui expostos, acreditamos que<br />

a nossa hipótese foi confirmada: os alunos produzem <strong>textos</strong> <strong>de</strong> diferentes tipos e reconhecem os <strong>textos</strong><br />

com base em seu conhecimento prévio, construído ao longo das suas interações verbais, seja como<br />

falantes/escritores, seja como ouvintes/leitores. Ainda, pois, que a <strong>escola</strong> não trabalhe explicitamente<br />

com <strong>tipologias</strong> <strong>de</strong> texto ou <strong>de</strong> discurso, nem as utilize sistematicamente, como ocorria com os sujeitos<br />

<strong>de</strong>sta pesquisa, a vivência e a convivência dos alunos com situações discursivas, em situações<br />

<strong>escola</strong>res e não-<strong>escola</strong>res, <strong>de</strong>senvolvem neles um conhecimento, embora intuitivo, <strong>de</strong> que <strong>textos</strong> se<br />

diferenciam por certos traços, e po<strong>de</strong>m ser agrupados por tipos.<br />

254


CAPÍTULO 8<br />

Conclusão<br />

A pesquisa relatada constituiu-se <strong>de</strong> duas etapas sucessivas. A primeira<br />

etapa visou <strong>de</strong>screver e a<strong>na</strong>lisar o conjunto <strong>de</strong> condições que cercavam a <strong>produção</strong> dos tipos <strong>de</strong> texto<br />

escritos ao longo das séries <strong>escola</strong>res (2ª, 4ª, 6ª e 8ª) do ensino <strong>de</strong> 1º Grau, <strong>de</strong> uma <strong>escola</strong> púplica,<br />

bem como apontar os tipos <strong>de</strong> texto produzidos pelos alunos sob as condições dadas pela <strong>escola</strong>. A<br />

segunda etapa, <strong>de</strong>corrente dos estudos empreendidos <strong>na</strong> primeira, visou <strong>de</strong>screver e a<strong>na</strong>lisar os traços<br />

(critérios) salientados pelos alunos para reconhecer os seus próprios <strong>textos</strong> escritos e outros que<br />

circulam <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>, quanto ao tipo textual.<br />

Na primeira etapa do trabalho <strong>de</strong> pesquisa, verificamos que a <strong>escola</strong><br />

<strong>de</strong>ixava fora das práticas <strong>de</strong> redação, como objeto <strong>de</strong> ensino-aprendizagem sistemático, a<br />

multiplicida<strong>de</strong> e complexida<strong>de</strong> dos usos e funções que os diferentes tipos <strong>de</strong> texto - <strong>na</strong>rrativo, <strong>de</strong>scritivo,<br />

dissertativo, injuntivo e argumentativo - <strong>de</strong>sempenham nos mais variados gêneros discursivos<br />

produzidos <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>. Ao que parecia, a <strong>escola</strong> ignorava ou não reconhecia que tais tipos são as<br />

formas <strong>de</strong> interação básicas <strong>de</strong> que os sujeitos se utilizam para dizer o que têm a dizer ao seu<br />

interlocutor, seja <strong>na</strong>s interações face a face, seja <strong>na</strong>s interações que se dão à distância, no caso do uso<br />

da escrita. Enfim, a <strong>escola</strong> parecia não consi<strong>de</strong>rar que estas são as formas em que os nossos discursos<br />

se materializam.<br />

De modo geral, o trabalho <strong>escola</strong>r <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto centrava-se no<br />

tema, fator que <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>va a prática <strong>de</strong> escrita <strong>na</strong>s aulas <strong>de</strong> redação. Nessa perspectiva, os outros<br />

fatores também constitutivos do processo <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto - o para quê, o para quem - assumiam<br />

funções e usos pragmáticos puramente <strong>escola</strong>res, isto é, só tinham sentido no jogo das relações<br />

interativas estabelecidas no contexto <strong>escola</strong>r. Já o como escrever - as estratégias discursivas utilizadas<br />

para se dizer o que se tem a dizer ao outro - limitava-se àquelas estratégias que inci<strong>de</strong>m sobre o plano<br />

microestrutural do texto (morfossintático, ortográfico, pontuação, etc.) ou às amplas orientações que<br />

tendiam ao plano estrutural do texto, no caso da 2ª série.<br />

Ao que parecia, diante das condições <strong>escola</strong>res, escrever <strong>na</strong> <strong>escola</strong> e<br />

para a <strong>escola</strong> era quase uma espécie <strong>de</strong> milagre do espírito ou uma ativida<strong>de</strong> mágica, cujo êxito é<br />

atribuído ao dom, como pon<strong>de</strong>ra VIGNER (1988:124.). Em momento algum a escrita foi tomada como<br />

255


um objeto que requer uma aprendizagem sistemática, em momento algum discutiu-se que existem<br />

modos e formas diferentes <strong>de</strong> escrever em função dos própositos da escrita. De modo geral, a escrita<br />

era vista como um objeto em si, sem nenhum valor comunicativo, interacio<strong>na</strong>l, <strong>na</strong> medida em que<br />

assumia valores <strong>de</strong> um objeto <strong>de</strong> preparação e trei<strong>na</strong>mento para as próprias necessida<strong>de</strong>s <strong>escola</strong>res.<br />

Assim, <strong>na</strong>quela dinâmica <strong>escola</strong>r, dadas as condições <strong>de</strong> escrita,<br />

verificamos que, por parte da <strong>escola</strong>, não havia uma si<strong>na</strong>lização, <strong>na</strong>s aulas <strong>de</strong> redação, que se referisse<br />

aos tipos <strong>textuais</strong>, aos gêneros discursivos existentes <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>, às características, proprieda<strong>de</strong>s e<br />

funções específicas que fazem com que um dado texto seja <strong>de</strong> tal tipo e não <strong>de</strong> outro. Em suma,<br />

<strong>na</strong>quela dinâmica <strong>escola</strong>r, o que se evi<strong>de</strong>nciou foi a ausência <strong>de</strong> uma prática <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> redação que<br />

se pu<strong>de</strong>sse constituir como ativida<strong>de</strong> que possibilitasse ao aluno uma aprendizagem sistemática do<br />

funcio<strong>na</strong>mento textual <strong>de</strong>mandado pelos diferentes modos enunciativos (tipos <strong>de</strong> texto) existentes <strong>na</strong><br />

socieda<strong>de</strong>.<br />

Se, por um lado, constatamos, nesta pesquisa, que a <strong>escola</strong> <strong>de</strong>ixava à<br />

margem do processo <strong>de</strong> escrita os tipos <strong>textuais</strong>, não os reconhecendo ou ignorando-os como formas<br />

<strong>de</strong> interação básicas <strong>de</strong> materialização dos discursos; por outro, verificamos, com ajuda da análise dos<br />

<strong>textos</strong> <strong>escola</strong>res, que os alunos, para atualizar o seu discurso, <strong>na</strong> modalida<strong>de</strong> escrita, faziam-no por<br />

meio dos diferentes modos enunciativos: <strong>na</strong>rrativo, <strong>de</strong>scritivo, dissertativo, injuntivo, argumentativo,<br />

como <strong>de</strong>monstramos no Capítulo 6.<br />

O que verificamos foi que as <strong>de</strong>cisões tomadas pelos alunos <strong>na</strong><br />

<strong>produção</strong> <strong>de</strong> seus <strong>textos</strong>, no que respeita ao como se diz algo por escrito, isto é, ao modo enunciativo<br />

mais a<strong>de</strong>quado ao tipo <strong>de</strong> interação que pretendiam estabelecer com seu interlocutor (virtual ou<br />

<strong>escola</strong>r), acabavam por transcen<strong>de</strong>r aquelas orientações propostas pela <strong>escola</strong>. Na <strong>produção</strong> <strong>de</strong> seus<br />

<strong>textos</strong>, os alunos buscavam dar-lhes uma configuração textual relativamente condizente com aquelas<br />

que expressam as formas básicas <strong>de</strong> interação produzidas <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>. Com isto não estamos<br />

querendo dizer que há formas puras e congeladas, <strong>na</strong> modalida<strong>de</strong> escrita, prontas para encaixar ou<br />

moldar o que se tenha a dizer, nem tampouco que existe, a priori, uma correlação direta entre o que se<br />

tenha a dizer e uma dada configuração textual própria para se atualizar o discurso. Pelo contrário, o que<br />

preten<strong>de</strong>mos dizer com isto é que os alunos, <strong>na</strong> atualização <strong>de</strong> seus discursos, recorriam às formas <strong>de</strong><br />

interação básicas, conhecidas e construídas por eles <strong>na</strong>s suas interações verbais sociais. Como<br />

sujeitos envolvidos num mundo <strong>de</strong> linguagem verbal, os alunos dispõem <strong>de</strong> modos enunciativos (tipos<br />

<strong>textuais</strong>) construídos no processo interlocutivo da cultura em que se encontram inseridos. Ou seja, os<br />

alunos recorriam aos tipos <strong>textuais</strong> que conheciam intuitivamente e utilizados habitualmente em suas<br />

256


elações interativas (formais ou informais), <strong>de</strong> acordo com as suas necessida<strong>de</strong>s comunicativas -<br />

intenções, objetivos enunciativos - para estabelecer o tipo <strong>de</strong> interação <strong>de</strong>sejada com o outro. Com isso<br />

estamos querendo dizer que o procedimento dos alunos, do ponto <strong>de</strong> vista do uso da escrita dos tipos,<br />

confirnou que os tipos <strong>textuais</strong> não são formas <strong>de</strong> interação individuais criadas conforme a intenção do<br />

sujeito, mas formas interacio<strong>na</strong>is, modos enunciativos, que refletem práticas discursivas construídas<br />

social, histórica e culturalmente por sujeitos numa dada cultura. Em síntese, os tipos <strong>textuais</strong> são<br />

produto <strong>de</strong> um trabalho discursivo, lingüístico, construído por sujeitos para estabelecer as relações <strong>de</strong><br />

interlocução <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong> em que se encontram inseridos.<br />

Assim, diante <strong>de</strong>ssas constatações - <strong>de</strong> um lado, a ausência <strong>de</strong> uma<br />

proposta pedagógica fundada nos pressupostos <strong>de</strong> qualquer tipologia <strong>de</strong> texto e/ou <strong>de</strong> discurso,<br />

atuando como condição para o ensino sistemático <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> <strong>textos</strong>, <strong>de</strong> outro, a presença dos<br />

diferentes tipos <strong>de</strong> <strong>textos</strong> <strong>na</strong> escrita produzida pelos alunos no interior das práticas <strong>escola</strong>res - parecenos<br />

razoável supor que os alunos produzem os tipos <strong>de</strong> <strong>textos</strong> intuitivamente, recorrendo a um<br />

conhecimento prévio construído <strong>na</strong>s suas interações verbais.<br />

Em vista disto, uma questão relativa a esse conhecimento dos alunos<br />

sobre o funcio<strong>na</strong>mento dos tipos <strong>textuais</strong> se impôs: se, ao longo das nossas observações <strong>de</strong> sala <strong>de</strong><br />

aula, em momento algum foi esclarecida a forma como se produzem os tipos <strong>textuais</strong>, <strong>na</strong> modalida<strong>de</strong><br />

escrita, que características e proprieda<strong>de</strong>s po<strong>de</strong>riam ser atualizadas <strong>na</strong> constituição <strong>de</strong> um dado tipo <strong>de</strong><br />

texto, como é que os alunos reconheceriam os seus próprios <strong>textos</strong> e outros não-<strong>escola</strong>res, quanto ao<br />

tipo textual? Esta foi a questão que nos incitou a buscar a compreensão sobre como os alunos<br />

tipificariam <strong>textos</strong>. Assim, o objetivo que orientou a segunda etapa do trabalho <strong>de</strong> coleta dos dados foi o<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>tectar os traços salientados pelos alunos no reconhecimento dos tipos <strong>textuais</strong>.<br />

Conforme os resultados obtidos, <strong>de</strong>scritos e a<strong>na</strong>lisados no Capítulo 7,<br />

po<strong>de</strong>mos dizer que a hipótese <strong>de</strong> que os alunos, para reconhecer os tipos <strong>textuais</strong>, recorreriam ao seu<br />

conhecimento prévio foi confirmada. De modo geral, todos os alunos testados mostraram-se capazes<br />

<strong>de</strong> reconhecer e agrupar <strong>textos</strong> pertencentes a um mesmo tipo; alguns mais sensíveis às proprieda<strong>de</strong>s<br />

específicas do texto, outros menos; todos, porém, manifestaram conhecer <strong>de</strong> alguma forma o<br />

funcio<strong>na</strong>mento dos tipos <strong>textuais</strong>. A dificulda<strong>de</strong> apresentada por eles era a <strong>de</strong> atribuir um nome ou uma<br />

categoria aos traços salientados. I<strong>de</strong>ntificavam os aspectos que julgavam ser características distintivas<br />

dos tipos, ensaiavam algumas generalizações, mas o que lhes faltava era uma habilida<strong>de</strong><br />

metalingüística que lhes permitisse fazer uma análise envolvendo conceitos ou categorias específicas<br />

(teóricas) correspon<strong>de</strong>ntes aos traços salientados. Os traços salientados refletiam as abordagens feitas<br />

257


por eles ao texto, abordagens que se davam em vários planos, ou revelavam as dimensões<br />

(pragmáticas, <strong>textuais</strong>, semânticas, lingüísticas) que compõem o funcio<strong>na</strong>mento do texto. Essas<br />

abordagens ao texto sugerem que os alunos possuem uma competência textual, lingüística, discursiva,<br />

um conhecimento <strong>de</strong> mundo, enciclopédico, tipológico e, também, uma competência metatextual<br />

(provavelmente em <strong>de</strong>senvolvimento). Esta última refere-se à habilida<strong>de</strong> que os alunos manifestaram <strong>de</strong><br />

lidar com os <strong>textos</strong>, como objeto <strong>de</strong> análise, uma habilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apreen<strong>de</strong>r os planos que constituem o<br />

funcio<strong>na</strong>mento do texto.<br />

Constatamos não só o uso <strong>de</strong> critérios <strong>de</strong> <strong>na</strong>tureza diversificada para<br />

a<strong>na</strong>lisar e agrupar os <strong>textos</strong>, mas constatamos também que tais critérios tendiam a se aproximar dos<br />

princípios tipológicos adotados pelas <strong>tipologias</strong> <strong>de</strong> texto e <strong>de</strong> discurso existentes. Essa relação <strong>de</strong><br />

proximida<strong>de</strong> revela, por parte dos alunos, uma a<strong>de</strong>quação dos critérios por eles utilizados,<br />

intuitivamente, no trabalho <strong>de</strong> tipificação dos <strong>textos</strong>, bem como um conhecimento sobre o<br />

funcio<strong>na</strong>mento dos tipos <strong>textuais</strong>.<br />

Os resultados aqui obtidos confirmam achados <strong>de</strong> estudos anteriores<br />

referentes à capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> os sujeitos <strong>de</strong> diferentes ida<strong>de</strong>s categorizar <strong>textos</strong> <strong>de</strong> diferentes tipos, ou<br />

seja, os tipos existentes <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>.<br />

Por fim, os resultados obtidos nos levam a crer que os sujeitos, para<br />

reconhecerem, agruparem, a<strong>na</strong>lisarem os <strong>textos</strong> quanto ao tipo, lançam mão <strong>de</strong> um conhecimento<br />

tipológico ou uma consciência tipológica que lhes permite i<strong>de</strong>ntificar diferentes tipos <strong>textuais</strong> atualizados<br />

em diferentes registros, suportes <strong>textuais</strong> e gêneros discursivos produzidos <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>. Um<br />

conhecimento que, aliado aos outros já mencio<strong>na</strong>dos, possibilita aos alunos compreen<strong>de</strong>r o<br />

funcio<strong>na</strong>mento dos diferentes tipos <strong>textuais</strong> e, também, acaba certamente por contribuir para o<br />

aperfeiçoamento <strong>de</strong> sua <strong>produção</strong> escrita.<br />

Assim, esses resultados sugerem que o trabalho com os tipos <strong>de</strong> <strong>textos</strong><br />

<strong>na</strong> <strong>escola</strong>, como <strong>produção</strong> escrita, se pensado à luz do conhecimento assistemático que os alunos<br />

trazem para ela sobre o funcio<strong>na</strong>mento discursivo, textual, lingüístico, conceitual dos diferentes tipos <strong>de</strong><br />

texto; se pensado à luz do princípio <strong>de</strong> que os tipos <strong>textuais</strong> são formas básicas <strong>de</strong> interação que<br />

usamos para atualizar os nossos discursos; se pensado à luz da multiplicida<strong>de</strong> e complexida<strong>de</strong> dos<br />

gêneros discursivos em que os tipos <strong>textuais</strong> se materializam lingüisticamente, os quais representam as<br />

ativida<strong>de</strong>s discursivas reais e concretas que os sujeitos praticam no universo social em que estão<br />

inseridos; se pensado à luz <strong>de</strong> uma proposta <strong>de</strong> tipologia <strong>de</strong> texto e/ou <strong>de</strong> discurso como condição para<br />

a análise e <strong>produção</strong> dos tipos <strong>textuais</strong> existentes <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>, seria, conseqüentemente, nessa<br />

258


perspectiva, o <strong>de</strong> criar condições <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> os alunos se inteirarem, enquanto leitores e<br />

escritores, da <strong>produção</strong> escrita existente <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>, o <strong>de</strong> proporcio<strong>na</strong>r-lhes uma compreensão crítica<br />

da própria socieda<strong>de</strong> letrada que a produz e nela se inscreve, e o <strong>de</strong>, mediante um conhecimento<br />

sistemático da modalida<strong>de</strong> escrita, apropriarem-se dos diferentes tipos <strong>textuais</strong> que refletem as práticas<br />

discursivas básicas construídas social, histórica e culturalmente <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong> em que se encontram<br />

inseridos. Provavelmente, assim, aqueles que somente fazem a transposição <strong>de</strong> mapas <strong>de</strong> escrita já<br />

prontos, (pouco texto e muita escrita) po<strong>de</strong>riam passar a explorar o mundo dos discursos escritos, a<br />

compreendê-lo, a <strong>de</strong>senhá-lo, a estabelecer outros mapas que representam a <strong>produção</strong> simbólica <strong>de</strong><br />

nossa socieda<strong>de</strong> letrada.<br />

259


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267


SUMÁRIO<br />

PARTE I AS CONDIÇÕES DE EMERGÊNCIA DO OBJETO DE ESTUDO E OS FUNDAMENTOS<br />

CAPÍTULO 1<br />

AS CONDIÇÕES DE EMERGÊNCIA DO OBJETO DE ESTUDO<br />

1 - Introdução.........................................................................................................................................8<br />

2 - Uma tipologia textual <strong>escola</strong>r ..........................................................................................................10<br />

3 - O objeto <strong>de</strong> estudo..........................................................................................................................26<br />

CAPÍTULO 2<br />

O QUADRO TEÓRICO DO ESTUDO: TEXTO E DISCURSO<br />

1 - Introdução.......................................................................................................................................29<br />

2 - Lingüística Textual : da frase ao texto ...........................................................................................32<br />

3 - Teoria do Discurso : a linguagem, ativida<strong>de</strong> constitutiva ................................................................33<br />

CAPÍTULO 3<br />

TIPOLOGIA DO TEXTO E DO DISCURSO<br />

1.- Introdução.......................................................................................................................................36<br />

2 - Sobre tipo e tipologia ......................................................................................................................36<br />

2.1 - Tipo .......................................................................................................................................37<br />

2.2 - Tipologia................................................................................................................................40<br />

3 - Tipologia do texto e do discurso .....................................................................................................45<br />

3.1 - Tipologia adotada..................................................................................................................45<br />

3.1.1 - Descrição, <strong>na</strong>rração, injunção e dissertação ..............................................................47<br />

3.1.2 - O tipo argumentativo “stricto sensu”...........................................................................52<br />

3.2 - Outras propostas tipológicas.................................................................................................55<br />

268


3.2.1 - Tipologias enunciativas ..............................................................................................57<br />

3.2.2 - Tipologias comunicacio<strong>na</strong>is ou funcio<strong>na</strong>is.................................................................62<br />

3.2.3 - Tipologias situacio<strong>na</strong>is................................................................................................72<br />

4. Conclusão ........................................................................................................................................75<br />

PARTE II - A PESQUISA<br />

CAPÍTULO 4<br />

A PESQUISA: CONFIGURAÇÃO GERAL............................................................................................................78<br />

CAPÍTULO 5<br />

OBJETIVOS, DIRETRIZES METODOLÓGICAS E CARACTERIZAÇÃO DO CAMPO DE PESQUISA..................................84<br />

1 - Objetivos do estudo ........................................................................................................................84<br />

2 - Diretrizes metodológicas.................................................................................................................86<br />

2.1 - Procedimentos metodológicos ..............................................................................................87<br />

3.- Caracterização do campo <strong>de</strong> pesquisa..........................................................................................89<br />

4 - Seleção e caracterização das turmas .............................................................................................90<br />

5 - Caracterização dos professores .....................................................................................................93<br />

5.1 - Professora da 204.................................................................................................................93<br />

5.2 - Professora da 401.................................................................................................................95<br />

5.3 - Professor da 606...................................................................................................................96<br />

5.4 - Professora da 801.................................................................................................................97<br />

Capítulo 6<br />

AS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DOS TIPOS DE TEXTO NA ESCOLA...................................................................101<br />

1 - Introdução.....................................................................................................................................101<br />

2 - A interlocução <strong>na</strong> sala <strong>de</strong> aula .....................................................................................................103<br />

2.1 - Abertura das aulas <strong>de</strong> redação ...........................................................................................105<br />

2.2 - Motivação e orientação do trabalho <strong>de</strong> escrita <strong>de</strong> texto ......................................................107<br />

269


2.3 - Tema <strong>de</strong> redação: diretriz do trabalho <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto <strong>na</strong> <strong>escola</strong>..............................118<br />

2.4 - Condições discursivas <strong>escola</strong>res ........................................................................................140<br />

3 - Caracterização dos tipos <strong>textuais</strong> produzidos <strong>na</strong> <strong>escola</strong>...............................................................155<br />

3.1. - Visão panorâmica dos tipos <strong>textuais</strong> produzidos <strong>na</strong> <strong>escola</strong> ...............................................162<br />

3.2. Critérios adotados para caracterização dos tipos <strong>textuais</strong>...................................................165<br />

3.3 - Tipos <strong>textuais</strong> <strong>na</strong> <strong>produção</strong> dos alunos ...............................................................................166<br />

4 .Conclusão ......................................................................................................................................203<br />

CAPÍTULO 7 PRINCÍPIOS TIPOLÓGICOS ADOTADOS PELOS ALUNOS<br />

1 - Introdução.....................................................................................................................................205<br />

2 - Hipótese básica do estudo e objetivos..........................................................................................206<br />

3 - Alguns estudos sobre tipos <strong>textuais</strong>..............................................................................................207<br />

3 1 - Pesquisas sobre a compreensão dos tipos <strong>textuais</strong>...........................................................207<br />

3. 2 - Pesquisas sobre <strong>produção</strong> dos tipos <strong>textuais</strong> ....................................................................209<br />

3.3 - Pesquisas sobre a categorização dos tipos <strong>textuais</strong> feita por sujeitos ................................212<br />

4 - Metodologia ..................................................................................................................................216<br />

4.1 - Seleção dos alunos .............................................................................................................216<br />

4.2 - Corpus utilizado <strong>na</strong>s testagens <strong>de</strong> tipificação dos <strong>textos</strong> ....................................................218<br />

4.3 - As tarefas e as etapas <strong>de</strong> testagem....................................................................................219<br />

5 - Apresentação dos resultados........................................................................................................224<br />

5.1 - Do agrupamento..................................................................................................................224<br />

5.2 - Dos critérios ........................................................................................................................227<br />

5.2.1 - Primeira instância: o cruzamento <strong>de</strong> critérios ..........................................................228<br />

5.2.3 - Terceira instância: critérios relacio<strong>na</strong>dos com a caracterização discursiva do texto 238<br />

5.2.4 - Quarta instância: critérios microestruturais e funcio<strong>na</strong>is...........................................243<br />

6 - Relação entre os princípios tipológicos adotados pelos alunos e os construídos pelas <strong>tipologias</strong><br />

existentes...........................................................................................................................................244<br />

CAPÍTULO 8<br />

CONCLUSÃO ........................................................................................................................................31<br />

270


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................................................369<br />

ANEXOS (Volume anexo)......................................................................................................................<br />

271


272


273


274


RESUMO<br />

Com o objetivo <strong>de</strong> verificar o papel <strong>de</strong> uma tipologia textual<br />

<strong>na</strong>s ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto, no ensino <strong>de</strong> Português, no 1º Grau - a distribuição e<br />

hierarquização <strong>de</strong> tipos <strong>de</strong> texto ou discurso, os critérios <strong>de</strong>finidores da tipologia <strong>escola</strong>r, as estratégias<br />

didáticas para possibilitar a apropriação, pelos alunos, <strong>de</strong> diferentes tipos <strong>de</strong> texto e discurso -<br />

<strong>de</strong>senvolveu-se uma investigação constituída <strong>de</strong> duas etapas. A primeira etapa visou i<strong>de</strong>ntificar as<br />

condições <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> <strong>textos</strong> por aluno da 2ª, 4ª , 6ª e 8ª séries do 1º Grau <strong>de</strong> uma <strong>escola</strong> pública,<br />

e a<strong>na</strong>lisar, do ponto <strong>de</strong> vista tipológico, os <strong>textos</strong> produzidos pelos alunos nessas condições. A segunda<br />

etapa visou <strong>de</strong>screver e a<strong>na</strong>lisar os princípios tipológicos utilizados pelos alunos para classificar, quanto<br />

ao tipo, os seus próprios <strong>textos</strong> e <strong>textos</strong> representativos da prática corrente <strong>de</strong> escrita <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>. Na<br />

primeira etapa, utilizaram-se, como procedimentos, observação <strong>de</strong> aulas <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong> texto,<br />

entrevistas com professores e análise dos <strong>textos</strong> produzidos pelos alunos; <strong>na</strong> segunda etapa, foram<br />

realizados sessões <strong>de</strong> testes individuais com seis alunos <strong>de</strong> cada uma das turmas objeto <strong>de</strong> estudo <strong>na</strong><br />

primeira etapa, num total <strong>de</strong> 24 alunos. Os resultados da primeira etapa evi<strong>de</strong>nciaramm que, apesar <strong>de</strong><br />

a <strong>escola</strong> <strong>de</strong>ixar fora das aulas <strong>de</strong> redação a multiplicida<strong>de</strong> dos usos que os diferentes tipos <strong>de</strong> <strong>textos</strong><br />

<strong>de</strong>smpenham nos variados gêneros discursivos, não propiciando uma aprendizagem sistemática <strong>de</strong>sses<br />

tipos e gêneros, os alunos, para realizar as propostas <strong>de</strong> redação que lhes eram feitas, materializavam<br />

os seus discursos por meio das formas básicas <strong>de</strong> interação produzidas <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>, o que levou à<br />

inferência <strong>de</strong> que recorriam a um conhecimento construído assistematicamente sobre o funcio<strong>na</strong>mento<br />

dos tipos <strong>textuais</strong> . Os resultados <strong>de</strong> segunda etapa evi<strong>de</strong>nciaram que, <strong>na</strong> tipificação <strong>de</strong> <strong>textos</strong>, os<br />

alunos utllizavam princípios tipológicos <strong>de</strong> <strong>na</strong>tureza diversificada, recobrindo tanto as características<br />

exter<strong>na</strong>s ao texto como as inter<strong>na</strong>s. Em síntese, os resultados das duas etapas sugeram que os alunos<br />

produzem <strong>textos</strong> <strong>de</strong> diferentes tipos e reconhecem diferentes tipos <strong>de</strong> <strong>textos</strong> com base em um<br />

conhecimento prévio construído assistematicamente ao longo <strong>de</strong> suas interações verbais, seja como<br />

falantes/escritores, seja como ouvintes/leitores.<br />

275


RÉSUMÉ<br />

Avec e ‘ objectif <strong>de</strong> vérifier le rôle d’une typologie textuelle dans les<br />

activités <strong>de</strong> production <strong>de</strong> texte, dans l’enseignement du Portugais dans le 1(er) dégré - la distribuition et<br />

l’ hiérarchisation <strong>de</strong>s types <strong>de</strong> texte ou <strong>de</strong> discours, les critères qui définissent la typologie scolaire, les<br />

stratégies didactiques pour possiliter l’appropriation, par les élèves, <strong>de</strong>s différents types <strong>de</strong> texte et <strong>de</strong><br />

discours - il a été développée une investigation en duex étapes. Le but <strong>de</strong> la première étape a été<br />

l’i<strong>de</strong>ntification <strong>de</strong>s conditions <strong>de</strong> production <strong>de</strong> texte par élève <strong>de</strong>s 2 , 4 , 6 et 8 années par élève du<br />

1(er) dégré d’une école publique et d’ anlyser, d’un point <strong>de</strong> vue typologique, les textes produits par<br />

élèves dans ces conditions. Le but <strong>de</strong> la <strong>de</strong>uxième étape a été la <strong>de</strong>scription et l’a<strong>na</strong>lyse <strong>de</strong>s principes<br />

typologiques utilisés par les élèves pour classifier, par types, leurs propres textes et les textes<br />

représentatifs <strong>de</strong> la pratique courante <strong>de</strong> l’écriture dans la société. Dans la première étape ont éte<br />

utilisés comme procédés, l’observation da classes <strong>de</strong> production <strong>de</strong> texte, <strong>de</strong>s interviews avec les<br />

professeurs et l’a<strong>na</strong>lyse <strong>de</strong>s textes produits par les éleves. Dans la <strong>de</strong>uxième étape ont été réalisées<br />

<strong>de</strong>s sessions <strong>de</strong> textes individuels avec <strong>de</strong>s groupes <strong>de</strong> six élèves <strong>de</strong> chaque classe qui était objet<br />

d’étu<strong>de</strong> dans la première étape, avec un total <strong>de</strong> 24 élèves. Les résultats <strong>de</strong> la première étape ont mis<br />

en évi<strong>de</strong>nce que, malgré le fait <strong>de</strong> l’école laisser en <strong>de</strong>hors <strong>de</strong>s classes <strong>de</strong> rédaction la multiplicité<br />

d’usages que les différents types <strong>de</strong> texte ont dans les divers genres <strong>de</strong> discours, sans propicier un<br />

apprentissage systématique <strong>de</strong> ces types et genres, les élèves, pour réaliser les propositions <strong>de</strong><br />

rédaction faites, ont matérialisé leurs discours à travers les formes <strong>de</strong> base d’interaction produites dans<br />

la societé, ce qui nous a fait inférer qu’ils utilisaient une con<strong>na</strong>issance préalable <strong>de</strong> façon intuitive sur le<br />

fonctionnement <strong>de</strong>s types textuels. Les résultats <strong>de</strong> la <strong>de</strong>uxième étape ont mis en evi<strong>de</strong>nce que, dans la<br />

typologie <strong>de</strong>s textes, les élèves ont utilisé les principes typologiques <strong>de</strong> <strong>na</strong>ture diversifiée, qui recouvrait<br />

non seulement les caractéristiques externes au texte mais aussi les internes. Em résumé, les resultats<br />

en <strong>de</strong>ux étape suggèrent que les élèves produisent <strong>de</strong>s textes <strong>de</strong> différents types et sont capables <strong>de</strong><br />

recon<strong>na</strong>ître les différents types <strong>de</strong> texte, basés sur une con<strong>na</strong>issance préalable <strong>de</strong> façon intuitive tout au<br />

long <strong>de</strong> leurs interactions verbales, soit en tant que parleurs/ecrivains, soit en tant qu’auditeurs/lecteurs.<br />

276


Agra<strong>de</strong>cimento Especial<br />

à Magda, que, ao longo das precisas e inteligentes orientações , dizia-me:<br />

“(...) procure amar todas as perguntas como quartos<br />

fechados ou livros escritos num idioma muito<br />

estrangeiro. Não busque por enquanto respostas que<br />

não lhe po<strong>de</strong>m ser dadas, porque não as po<strong>de</strong>ria<br />

viver. Pois trata-se precisamente <strong>de</strong> viver tudo. Viva<br />

por enquanto as perguntas. Talvez <strong>de</strong>pois, aos<br />

poucos, sem que o perceba, num dia longínguo,<br />

consiga viver a resposta”. Rainer Maria Rilke, Cartas<br />

a um Jovem Poeta<br />

277


ealização <strong>de</strong>ste trabalho:<br />

Agra<strong>de</strong>cimentos<br />

Agra<strong>de</strong>ço a todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a<br />

a Antônio, meu marido, pela paciência e pela presença marcante em todos os momentos;<br />

a minha mãe e irmãos que souberam conviver temporariamente com a minha ausência;<br />

a Sérgio e à Ni<strong>na</strong> que participaram do cotidiano <strong>de</strong> todo o processo <strong>de</strong> construção <strong>de</strong>ste trabalho;<br />

à Kátia , à Ceres e a todos os colegas do Mestrado pelo incentivo constante;<br />

aos professores do Mestrado em Educação da FAE/UFMG pela enriquecedora socialização <strong>de</strong><br />

conhecimentos;<br />

à Rojane, amiga, pela disponibilida<strong>de</strong> e atenção carinhosa;<br />

ao CEALE - Centro <strong>de</strong>Alfabetização, Leitura e Escrita - pela infra- estrutura oferecida;<br />

à Maril<strong>de</strong>s pelos comentários valiosos;<br />

à Alaí<strong>de</strong> pela revisão criteriosa <strong>de</strong>ste texto;<br />

à Jaine e à Laura, amigas e interlocutoras, pelo estímulo e confiança;<br />

à <strong>escola</strong> pela acolhida e pelo apoio <strong>na</strong> realização da coleta dos dados;<br />

aos alunos que se submeteram aos testes.<br />

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