RESENHA DE “O BAILE DO JUDEU” 1 (Inglês de Sousa) Raphael ...
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“amor ao dinheiro” (IBID., p. 105), praticando, aos olhos do narrador, uma gran<strong>de</strong><br />
heresia.<br />
Percebe-se que o narrador reprova a atitu<strong>de</strong> hipócrita do povo, não só por ter<br />
aceitado o convite do Ju<strong>de</strong>u, mas também pela gulodice <strong>de</strong>smedida, pela ostentação e<br />
por buscar o prazer gratuito, em <strong>de</strong>trimento das próprias convicções religiosas. Do<br />
ponto <strong>de</strong> vista do narrador, a figura do Ju<strong>de</strong>u é agourenta e medonha, ligada ao mal<br />
absoluto, porque sua etnia foi responsável pela perversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> crucificar Jesus. Essa<br />
crença, aliás, é recorrente ao longo da história oci<strong>de</strong>ntal, e sobrevive, em certas<br />
regiões, até hoje. Todos aqueles que acabam por compactuar com ele seriam<br />
con<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes em relação a esse ato diabólico, <strong>de</strong>vendo, portanto, ser advertidos –<br />
ou punidos.<br />
Essa reprovação do narrador, em relação às atitu<strong>de</strong>s dos convidados, prenuncia<br />
que algo sinistro irá ocorrer. E ele revela, <strong>de</strong> imediato, o severo castigo recebido por<br />
dois músicos, um ano após a festivida<strong>de</strong>: um morreu afogado e outro foi preso por<br />
quatro meses. E é enfático ao citar o <strong>de</strong>stino do terceiro músico: “o Penaforte que se<br />
acautele!” (IBID., p. 105). O anúncio das punições acaba por criar expectativa no leitor,<br />
instigando-o a avançar em sua leitura para <strong>de</strong>scobrir quais teriam sido as outras<br />
consequências nefastas do baile.<br />
Entre os convidados, <strong>de</strong>staca-se D. Mariquinhas, a “rainha do baile” (IBID., p.<br />
106): mulher alta, gorda e encantadora, rosada como uma portuguesa, possuidora <strong>de</strong><br />
olhos pretos e <strong>de</strong> um sorriso faceiro, que instigava e seduzia todos os presentes; fora<br />
ao baile adornada por todo tipo <strong>de</strong> jóias e usando um vestido digno da nobreza. Ela<br />
tinha pouco tempo <strong>de</strong> casada com o coronel Bento <strong>de</strong> Arruda, homem rico, viúvo e<br />
sem filhos – casamento que havia <strong>de</strong>ixado furioso Lulu Valente, rapaz um tanto<br />
brincalhão, que sempre cobiçara D. Mariquinhas. Ao que parece, o jovem preten<strong>de</strong>nte<br />
não fora correspondido porque era pobre, filho <strong>de</strong> uma simples professora.<br />
A construção narrativa do espaço físico é também digna <strong>de</strong> nota. Como nos<br />
<strong>de</strong>mais contos do livro, a natureza amazônica cria uma atmosfera insólita e a<strong>de</strong>quada<br />
para a irrupção do mal, pois era um ano <strong>de</strong> cheias, e as águas do rio haviam engolido a<br />
praia e subiam a ribanceira, inundando a rua e ameaçando “com um abismo <strong>de</strong> vinte<br />
pés <strong>de</strong> profundida<strong>de</strong> os incautos transeuntes que se aproximavam do barranco” (IBID.<br />
p. 104), próximo à casa do Ju<strong>de</strong>u.