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Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra

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Mário Soares e a Europa – pensamento e acção<br />

Só na década <strong>de</strong> 60 se começa a registar a frequência <strong>de</strong>stas críticas nos seus discursos, o que<br />

coinci<strong>de</strong> com a sua trajectória política, que até finais <strong>de</strong> 50 estava ainda com um pé no PCP. É com a<br />

<strong>de</strong>svinculação total da doutrina comunista, a <strong>de</strong>scoberta da social-<strong>de</strong>mocracia, o conhecimento da<br />

Europa e o contacto com as suas <strong>de</strong>mocracias, que adopta o padrão europeu como referência para<br />

Portugal, <strong>de</strong>ixando antever uma certa crença no Mercado Comum e no mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento que<br />

a CEE traçava.<br />

“A expansão económica da Europa Oci<strong>de</strong>ntal (que tem aproveitado até países como a Jugoslávia ou a<br />

Grécia) toca-nos por uma forma ínfima. E todo o nosso sistema económico-político é repulsivo das<br />

concepções dominantes na Europa Oci<strong>de</strong>ntal. Não só a falta <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>s públicas tornam o ar do nosso<br />

pobre País verda<strong>de</strong>iramente irrespirável. O próprio sistema corporativo, que em boa parte é responsável<br />

pela anquilose da economia portuguesa, é completamente inaceitável pela Europa do Mercado Comum.” 80<br />

Na implícita simpatia pelo paradigma económico europeu, subenten<strong>de</strong>-se a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

mudança <strong>de</strong> regime, por razões económicas, enquadrando-se a ausência <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia como causa do<br />

sub<strong>de</strong>senvolvimento português. Soares sabe que as questões concretas do quotidiano tocam mais à<br />

população do que a veiculação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ologias. Por isso, agarra-se ao argumento económico, numa<br />

primeira fase, <strong>de</strong>ixando subjacente a carência <strong>de</strong> um sistema político <strong>de</strong>mocrático, mas advertindo que<br />

não o preten<strong>de</strong> sobrevalorizar, perante necessida<strong>de</strong>s básicas. “(…) Não quero com isto dizer que o<br />

problema da liberda<strong>de</strong> seja mais importante – na hierarquia <strong>de</strong> valores e das necessida<strong>de</strong>s sociais – do<br />

que as exigências do pão, para todos, e a reivindicação <strong>de</strong> padrões <strong>de</strong> vida dignos e europeus nos<br />

domínios fundamentais da educação, da assistência, da previdência e seguros sociais, do trabalho, da<br />

repartição <strong>de</strong> rendimento e da organização da proprieda<strong>de</strong>.” 81 Salvaguardando a permanência dos<br />

valores socialistas, procurando conquistar terreno aos comunistas, Soares logo constrói a relação <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>pendência do i<strong>de</strong>al com o concreto, da <strong>de</strong>mocracia com a economia: “Pretendo tão só, significar que<br />

a liberda<strong>de</strong> se me afigura como prioritária, ou melhor dito, como um instrumento necessário, embora<br />

não suficiente, para a realização <strong>de</strong> uma política seriamente concebida <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento económico<br />

acelerado.” 82<br />

A previsível entrada da Inglaterra para a CEE passa a ser um coadjuvante nestas alegações. Sendo<br />

o país britânico membro da EFTA e parceiro privilegiado do comércio português, também integrante da<br />

organização, Soares vê na entrada da Inglaterra para a CEE o agravar da situação económica<br />

portuguesa. 83 E é nesta argumentação que levanta o véu da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> integração europeia, pois<br />

“Portugal precisa, para sobreviver, do auxílio económico e político da Europa. 58% do comércio<br />

externo metropolitano é feito com a Europa Oci<strong>de</strong>ntal (25% com o mercado comum e 23% com a<br />

80 “Nos 40 Anos do Estado Novo – Um Projecto”, abaixo-assinado, dirigido ao Presi<strong>de</strong>nte da República, em 1966, redigido por<br />

Mário Soares, Arquivo Fundação Mário Soares, pasta 00002 00, imagens 71-97.<br />

81 Mário Soares, “Qual é hoje o Principal Problema da Socieda<strong>de</strong> Portuguesa?”, resposta ao inquérito do Diário <strong>de</strong> Lisboa,<br />

15.08.1969, Arquivo Fundação Mário Soares, pasta 00006 001, imagens 86,87.<br />

82 I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m.<br />

83 “Nesse sentido, a eventual a<strong>de</strong>são da Inglaterra ao Mercado Comum po<strong>de</strong> criar ao País problemas complicadíssimos”, Mário<br />

Soares, “Quarenta Anos <strong>de</strong> Estado Novo”, 1966, Arquivo Fundação Mário Soares, pasta 000034 001, imagens 115-123.<br />

Desconhece-se <strong>de</strong>stino do discurso ou artigo.<br />

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