Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Mário Soares e a Europa – pensamento e acção<br />
O dia 17 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 1970 será mais uma afronta à “alegada” impunida<strong>de</strong> internacional do<br />
Estado Novo. Soares dirigiu o seu “Statment” 160 ao CE, começando por elogiar a objectivida<strong>de</strong> da<br />
informação prestada no relatório antes apresentado, mas advertindo para a menção às “perspectivas<br />
abertas com o governo do Senhor Caetano,” que lhe pareciam “muito optimistas,” 161 e contrariando a<br />
informação que sugeria que as eleições <strong>de</strong> 1969, em Portugal, não haviam sido falsificadas. A<br />
mensagem chave do seu discurso preten<strong>de</strong> <strong>de</strong>sconstruir a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> mudança incutida pelo Governo <strong>de</strong><br />
Caetano, <strong>de</strong>nunciando prisões arbitrárias do regime e a sua própria perseguição por causa das<br />
<strong>de</strong>clarações contra o colonialismo no Overseas Press Club.<br />
“O Senhor Caetano está a tentar melhorar as relações <strong>de</strong> Portugal com as <strong>de</strong>mocracias oci<strong>de</strong>ntais e sabe<br />
que os socialistas portugueses são os seus principais opositores. O seu objectivo, tanto nacional, como<br />
internacional, é alargar a base <strong>de</strong> suporte ao regime, que esteve em situação bastante precária na altura do<br />
ditador Salazar. Pelo seu ponto <strong>de</strong> vista, os comunistas não constituem uma ameaça séria ao Governo<br />
Português. Na verda<strong>de</strong>, representam o inverso. O senhor Caetano precisa <strong>de</strong> convencer as pessoas <strong>de</strong> que<br />
existe uma ameaça comunista em Portugal para justificar a sua própria política anti-<strong>de</strong>mocrática. Por<br />
outro lado, ele precisa também da extrema-direita, os „ultras‟, para convencer as pessoas <strong>de</strong> que não<br />
consegue fazer avanços rumo à liberalização.” 162<br />
O lí<strong>de</strong>r socialista tenta assim <strong>de</strong>smontar a mensagem política do governo português, fazendo<br />
<strong>de</strong>screr os presentes na campanha <strong>de</strong> Marcelo Caetano e tentando evitar sucessos na política <strong>de</strong> abertura<br />
que se anunciara. A continuação <strong>de</strong> uma política colonial é para Soares um exemplo da permanência da<br />
opressão às liberda<strong>de</strong>s e a prova <strong>de</strong> que algumas concessões feitas por Caetano, como o regresso do<br />
Bispo do Porto do exílio ou o fim da sua <strong>de</strong>portação em S. Tomé, não passam <strong>de</strong> encenações para<br />
convencer a opinião pública internacional. Perante a mudança <strong>de</strong> chefe <strong>de</strong> governo em Portugal e das<br />
mostras <strong>de</strong> relativa abertura do regime e da política externa, Soares precisava <strong>de</strong> contrariar qualquer<br />
ilusão <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocratização, para a sua mensagem <strong>de</strong> oposição não per<strong>de</strong>r credibilida<strong>de</strong>.<br />
Fruto <strong>de</strong> contínuos contactos que Mário Soares e Tito <strong>de</strong> Morais mantiveram com a<br />
organização, a ASP consegue um lugar <strong>de</strong> observador no Grupo Socialista da Assembleia Consultiva do<br />
CE, em 1973. A par <strong>de</strong>ssas diligências, a ASP faz também tentativas <strong>de</strong> aproximação com a<br />
Comunida<strong>de</strong> Europeia, chegando a conseguir assento como observadora nos VIII e IX Congressos do<br />
Bureau dos Partidos Socialistas da Comunida<strong>de</strong>. 163 A presença nestes organismos tem a dupla vertente<br />
<strong>de</strong>, por um lado, possibilitar à ASP a sua formação interna e preparação doutrinária sobre a CEE e, por<br />
outro, <strong>de</strong> marcar presença, credibilizando-se e <strong>de</strong>notando interesse na política comunitária.<br />
Pelo que vimos até aqui, concluímos que os contactos que Mário Soares estabelecia com os<br />
partidos social <strong>de</strong>mocratas europeus, com a IS e com as organizações ligadas ao projecto <strong>de</strong> construção<br />
numa reunião do comité, no dia 24 <strong>de</strong> Março, no qual se está a preparar um relatório sobre os direitos humanos em Portugal,<br />
Arquivo Fundação Mário Soares, pasta 02390 000, imagem 3.<br />
160 Carta do Conselho da Europa enviada a Mário Soares, a confirmar o convite do Professor Hofer, Secretário do Comité <strong>de</strong><br />
Países Não Membros ao socialista português, para discursar na Assembleia a 17 <strong>de</strong> Abril, em Estrasburgo, 14.04.1970. Nesta<br />
carta, confirma-se a presença <strong>de</strong> Soares e acertam-se os pormenores da viagem e do hotel, cujas <strong>de</strong>spesas ficaram a cargo<br />
daquela instituição, Arquivo Fundação Mário Soares, pasta 00853 002, imagens 4-6.<br />
161 Mário Soares, “Statement by Mr. Mário Soares”, <strong>de</strong>claração na Assembleia Consultiva do Conselho da Europa, 17.04.1970,<br />
Arquivo Fundação Mário Soares, pasta 02390 000, imagens 69-75.<br />
162 I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m.<br />
163 Susana Martins, cit., p. 196.<br />
38