Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Mário Soares e a Europa – pensamento e acção<br />
esquecerão que estão a ajudar, ao mesmo tempo, a <strong>de</strong>mocracia.” 172 Reclama para os socialistas<br />
portugueses a marca europeia e, por isso, a necessária ajuda para a integração. “Se existe um socialismo<br />
europeu e oci<strong>de</strong>ntal somos nós que o representamos em Portugal. (…) Se Portugal tiver <strong>de</strong> se tornar<br />
europeu, é necessário que a Europa nos estenda a mão, que nos aju<strong>de</strong> a sair do pântano.” 173 Estes <strong>de</strong>sejo<br />
e apelo são repetidos noutros discursos, como perante o MFE, e em vários artigos <strong>de</strong> jornais e<br />
entrevistas. E este pensamento <strong>de</strong> Soares vem colidir com a política do Estado Novo.<br />
Salazar tinha fechado as portas à Europa e às relações internacionais. A entrada cautelosa <strong>de</strong><br />
Portugal na NATO, em 1949, não significou uma abertura diplomática ao Oci<strong>de</strong>nte, justificando-se<br />
apenas pela necessida<strong>de</strong> a que levava o clima internacional do Pós Guerra. O <strong>de</strong>pauperamento<br />
económico da Europa fragilizava-a perante a eminência do po<strong>de</strong>rio soviético. De modo que, a iniciativa<br />
dos EUA, ao formar o Pacto do Atlântico, fortaleceria o oci<strong>de</strong>nte europeu e Portugal aliado estaria mais<br />
protegido contra os ímpetos comunistas do leste. Contudo, Salazar ressalva: “Seja como for, sentimo-<br />
nos obrigados pelas obrigações do Pacto e pela sua finalida<strong>de</strong> geral, não por afirmações doutrinárias<br />
ten<strong>de</strong>ntes à uniformização <strong>de</strong> regimes políticos sobre cujas virtu<strong>de</strong>s no nosso país estamos<br />
suficientemente esclarecidos.” 174 Estar no Pacto do Atlântico foi a forma <strong>de</strong> estar com o Oci<strong>de</strong>nte,<br />
apenas em termos geoestratégicos, ressalvando-se a in<strong>de</strong>pendência i<strong>de</strong>ológica e política do país. Na<br />
verda<strong>de</strong>, a concretização <strong>de</strong>ste Pacto, que se sobrepõe ao Pacto <strong>de</strong> Bruxelas - que além <strong>de</strong> preconizar<br />
um sistema <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa geoestratégica, pretendia ser uma alavanca para a unificação política europeia -<br />
acaba por convir aos princípios da política externa salazarista, cujo imperativo era manter o regime<br />
isolado e virado para África. 175 A ausência <strong>de</strong> relações diplomáticas <strong>de</strong> Portugal comprovam-no e a<br />
reacção do governo português ao esboço do projecto <strong>de</strong> unificação europeia também. Apesar <strong>de</strong> mais<br />
tardiamente o Estado Novo se sentir obrigado a uma abertura económica à Europa, nos impulsos da<br />
CEE, Salazar rejeita qualquer hipótese <strong>de</strong> colaboração, argumentando existir a incompatibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
uma vertente política portuguesa <strong>de</strong> “feição atlântica” 176 com uma perspectiva europeia do país.<br />
“Portugal está mais vocacionado para o Oceano e para o seu império Ultramarino do que para o interior<br />
do continente europeu”, justificava o Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 1953. 177 Este é o cunho<br />
da política “orgulhosamente sós”, que constitui o ponto fulcral <strong>de</strong> divergência com a concepção<br />
soarista.<br />
“O prosseguimento <strong>de</strong> uma certa política ultramarina conduziu o nosso país a dificulda<strong>de</strong>s<br />
crescentes no plano internacional e a uma situação <strong>de</strong> isolamento internacional nunca antes<br />
experimentada e que ficou expressa na frase tristemente célebre „orgulhosamente sós‟! Quem não sente<br />
172 Mário Soares, “Statement by Mr. Mário Soares”, <strong>de</strong>claração na Assembleia Consultiva do Conselho da Europa, 17.04.1970,<br />
Arquivo Fundação Mário Soares, pasta 02390 000, imagens 69-75.<br />
173 Mário Soares (na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Secretário-geral), Ramos da Costa e Tito <strong>de</strong> Morais, “Rapport Confi<strong>de</strong>ntiel”, Comité Directivo<br />
da ASP, sobre o quadro político português em 1972, 9.01.1973, Arquivo Fundação Mário Soares, pasta 00517 001, imagens 23-<br />
31.<br />
174 A. <strong>de</strong> Oliveira Salazar, “Portugal no Pacto do Atlântico”, discurso proferido na Assembleia Nacional em 25 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> 1949,<br />
citado por António Martins da Silva, Portugal e a Europa, distanciamento e reencontro, Viseu, Palimage Editores, 2005, p. 297.<br />
175 António Martins da Silva, Portugal e a Europa, distanciamento […] cit., pp. 264-304.<br />
176 Citado por I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m, p. 393.<br />
177 Citado por I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m, p. 394.<br />
42