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Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra

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Mário Soares e a Europa – pensamento e acção<br />

República”, lançado pela Resistência Republicana. Contudo, não se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> ainda a abertura <strong>de</strong><br />

Portugal à Europa, o que não é <strong>de</strong> estranhar, pois, apesar <strong>de</strong> tal i<strong>de</strong>ia já estar em amadurecimento, este<br />

documento é um manifesto conjunto, representativo <strong>de</strong> um grupo político heterogéneo.<br />

Como já se referiu, a presença da noção <strong>de</strong> Europa no discurso <strong>de</strong> Soares começa por ser mais<br />

evi<strong>de</strong>nte numa concepção essencialmente económica, nos inícios dos anos 60. Nesta época, a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

integração <strong>de</strong> Portugal na CEE é comedida, sendo <strong>de</strong>fendida com mais veemência no final da década e<br />

com particular incidência nos tempos <strong>de</strong> exílio.<br />

Os contactos que Soares e a ASP estabeleceram, a partir <strong>de</strong> 1963, com o ME e, no início da<br />

década <strong>de</strong> 70, com o MFE, proporcionaram uma i<strong>de</strong>ntificação com as posições <strong>de</strong> uma Europa unida<br />

nestas organizações. Por outro lado, a propensão histórico-filosófica <strong>de</strong> Soares levava-o a um<br />

acompanhamento e estudo acurado da actualida<strong>de</strong> internacional. Tais fontes conjugam-se na sua atitu<strong>de</strong><br />

crítica sobre o projecto <strong>de</strong> construção europeia, o que começa a ser exteriorizado ainda antes da i<strong>de</strong>ia da<br />

integração <strong>de</strong> Portugal na Europa.<br />

Nas crónicas “Fogo Solto”, escritas em 1964, para o jornal “A República”, que não chegaram a<br />

ser publicadas, reflecte acerca do projecto <strong>de</strong> construção europeia. Com a assinatura do Tratado <strong>de</strong><br />

Roma, que instituiu a CEE, relançou-se a componente económica comunitária, estabelecendo-se<br />

objectivos ambiciosos nesta matéria, dando-se assim engrenagem à dimensão política do projecto<br />

europeu. 165 Soares não só está a par da política comunitária como já dá a enten<strong>de</strong>r uma visão sobre o<br />

futuro papel internacional da Europa, ao consi<strong>de</strong>rar que a política externa europeia não po<strong>de</strong> ser levada<br />

a cabo somente pela França. “Daí <strong>de</strong>riva a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> construir, efectivamente, a Europa, sem<br />

exclusão da Inglaterra, porque só a Europa po<strong>de</strong>rá ser um factor <strong>de</strong> estabilização política essencial num<br />

mundo dividido e que os dois super gran<strong>de</strong>s cada vez menos controlam e que se revela cada vez mais<br />

sujeito a vários pólos <strong>de</strong> atracção.” 166 Descortina-se aqui a concepção <strong>de</strong> um papel mediador da Europa<br />

no mundo.<br />

Enaltecendo a Declaração <strong>de</strong> Bonn, Soares <strong>de</strong>monstra que o seu pensamento está em linha com<br />

o dos europeístas, que antevêem um papel geopolítico para a Europa, como pólo territorial <strong>de</strong><br />

estabilização política mundial, 167 o que ganha sentido perante a percepção <strong>de</strong> que “a guerra fria é cada<br />

vez mais uma recordação do passado” e <strong>de</strong> que “a cisão do mundo comunista e as divisões do bloco<br />

oci<strong>de</strong>ntal facilitam novas iniciativas diplomáticas que há poucos anos ainda pareciam impossíveis.”<br />

Tais palavras reflectem a actualização do seu pensamento, a par das concepções vanguardistas sobre o<br />

futuro da Europa, refutando “os esquemas maniqueístas da guerra fria”. 168<br />

165 Pascal Fontaine, A Construção Europeia, <strong>de</strong> 1945 aos nossos dias”, Lisboa, Gradiva, 1998, pp. 17-20.<br />

166 Mário Soares, “Fogo Solto – Direitos do Homem”, crónica para o jornal A República, 7.08.1964, Arquivo Fundação Mário<br />

Soares, pasta 02263 002, imagens 42,43. (A crónica foi cortada pela censura).<br />

167 “Opondo-se à Europa das Pátrias, cara ao presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Gaulle e ao general Franco, orientando a integração europeia muito<br />

mais no sentido da Inglaterra do que da Espanha; insistindo em que a „comunida<strong>de</strong> se <strong>de</strong>verá esten<strong>de</strong>r aos outros países<br />

<strong>de</strong>mocráticos da Europa‟ e na reunião dos alemães (e não da Alemanha!) no quadro <strong>de</strong> uma política <strong>de</strong> coexistência pacífica;<br />

propugnando uma política <strong>de</strong> relações <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> entre a Europa e a América para a <strong>de</strong>finição duma estratégia comum global<br />

– a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> Bonn da Comissão para os Estados Unidos da Europa revela uma preocupação <strong>de</strong> realismo que importa<br />

<strong>de</strong>stacar.”, Mário Soares, “Fogo Solto – Estados Unidos da Europa”, crónica para o jornal A República, <strong>de</strong> 7.08.1964, Arquivo<br />

Fundação Mário Soares, pasta 02263 003, imagem 116,117. (A crónica foi cortada pela censura).<br />

168 I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m.<br />

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