O Delfim - hora absurda IV
O Delfim - hora absurda IV
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Regedor? E para a minha hospedeira, santa madona de boquinha recatada? E para mim,<br />
que sou senhor escritor?<br />
Pergunto, e tenho a resposta comigo, num pedaço de papel que trouxe há pouco da<br />
loja do Regedor, uma licença de caça passada por ordem dos habitantes da aldeia, e não<br />
por Tomás, o Engenheiro. O tempo, o bom sentido do tempo, está nesta prova. A<br />
lagartixa sacudiu-se no seu sono de pedra.<br />
«Fomos à praça em nome de noventa e oito homens...» - foi a declaração do<br />
Regedor quando o procurei na loja, depois de ter deixado a muralha e a lagartixa. E<br />
assim dava da mesma maneira a medida do tempo. Repare-se: ele, como chefe de<br />
freguesia, há muito que era autoridade. Conservava dentro de sua casa o chapéu na<br />
cabeça, tinha o estabelecimento forrado de editais e o próprio bafo que lhe saía das<br />
roupas era o mesmo de antigamente. Mas, representando no momento actual a lagoa e<br />
os noventa e oito camponeses, estava investido de novos poderes. Por isso se mostrava<br />
tão preocupado.<br />
dias?»<br />
«Batemos a melhor oferta por três contos. Vossa Excelência vem por muitos<br />
Queria-se ao corrente de tudo, dos caçadores que tinham chegado, se traziam<br />
barcos e de que espécie, mas fazia-o com o empenho de um procurador esforçado que se<br />
encontra, do pé para a mão, com uma herança a governar.<br />
«Quem é que alguma vez sonharia poder ficar com a lagoa?», perguntava para<br />
longe, para o largo. «Verdade que não tivemos o senhor Engenheiro a fazer-nos frente,<br />
mas quem sonharia? E só para espingardas de fora já passei vinte e quatro licenças.»<br />
Em tom de vossa excelência, descreveu-me as muitas dificuldades que vencera,<br />
ele e os noventa e oito, para se reunirem em cooperativa à face da lei. Os olhos luziam-<br />
lhe por entre a complicação dos requerimentos e das despesas que gostosamente ia<br />
enumerando e, volta não volta, tomava aquele jeito de falar por cima de mim, para o<br />
largo:<br />
«Poderá o Turismo apoiar uma coisa destas? E se o fizer será necessário algum<br />
imposto especial? Que lhe parece, a Vossa Excelência?»<br />
Não descansava, punha números em cima do balcão, recibos, comunicados da<br />
Câmara e da Venatória. Por fim, a lista dos associados:<br />
«Temos um médico da Vila... Veio também o professor... Aqui mais abaixo está o<br />
padre... número vinte e um, Reverendo Benjamim Tarroso, e estes três são os guarda-<br />
rios. Se tudo for avante somos capazes de vir a fornecer caça para Lisboa.»<br />
Apertou os olhinhos:<br />
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