Sumário - Indice - Câmara Municipal de Oeiras
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Um oceano <strong>de</strong> memórias<br />
alvez o interesse pela arte tenha tido origem no facto <strong>de</strong> tanto o seu pai<br />
como outros familiares gostarem <strong>de</strong> pintar. Ou talvez ele tenha surgido na<br />
infância distante, passada na sua terra natal, Bolama, e na memória que<br />
guarda dos corpos ululantes à beira-mar, sob o calor e a humida<strong>de</strong><br />
intensos característicos da Guiné; ou, ainda, na sua sensibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvida pela<br />
proximida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um mar mágico e trágico, belo e implacável, que um dia lhe roubou a<br />
mãe sem jamais a <strong>de</strong>volver. Impossível saber. Provavelmente foi tudo isto e algo mais,<br />
e provavelmente também essa averiguação não é essencial. Importante mesmo para<br />
esta afro-europeia <strong>de</strong> 53 anos, que aos 8 abandonou a Guiné sem nunca mais lá<br />
voltar, é o sangue que lhe corre nas veias, as memórias que não quer per<strong>de</strong>r e regista<br />
obsessiva e metodicamente, recorrendo a técnicas adoptadas com critério e apuro, o<br />
entendimento que ganha <strong>de</strong> si mesma, como uma psicoterapia indispensável,<br />
<strong>de</strong>stinada a apaziguar a perturbadora invasão onírica do passado. Autora <strong>de</strong> um selo e<br />
<strong>de</strong> um bloco filatélico comemorativo da visita do papa à Guiné, conta no seu<br />
curriculum inúmeras exposições colectivas, em Portugal e no estrangeiro, e doze<br />
individuais, além <strong>de</strong> ter obtido várias menções honrosas e prémios que distinguiram<br />
cartazes <strong>de</strong> divulgação cultural e pinturas da sua autoria.<br />
Tempo <strong>de</strong> escutar o mar<br />
Vivi na Guiné, em Bolama - on<strong>de</strong> nasci - até mais ou menos aos 8 anos. O meu pai era<br />
militar e fazia comissões: era normal. Quando a comissão terminou, viemos para cá e<br />
nunca mais voltei à Guiné, porque não se proporcionou, mas mantenho contacto com<br />
as pessoas da embaixada e convido-as sempre para as minhas exposições, apesar <strong>de</strong><br />
ter nacionalida<strong>de</strong> portuguesa. Suponho que tenho memórias muito mais positivas do<br />
que as pessoas que lá estiveram durante a guerra. Tenho a imagem que têm todas as<br />
crianças que são felizes. Tinha espaço e tinha amigos. Lembro-me da minha casa, que<br />
era perto da praia e aon<strong>de</strong> ia todos os dias. Tinha imensos animais, entre os quais<br />
pavões. Lembro-me dos dias <strong>de</strong> tempesta<strong>de</strong> em que os pássaros caíam dos ninhos e<br />
<strong>de</strong> os apanhar para não morrerem. A Guiné não é árida, tem muita vegetação e muito<br />
<strong>de</strong>nsa, havendo um contacto muito forte com a natureza. Lembro-me do som do mar...<br />
naquela altura tinha tempo para o ouvir... O meu pai é ma<strong>de</strong>irense e casou na Guiné<br />
com a minha mãe, que era <strong>de</strong> lá. Ela faleceu talvez um ano antes <strong>de</strong> nos virmos<br />
embora e já não veio connosco. Os meus avós viviam nos Bijagós, numa ilha em frente<br />
da nossa, e a minha mãe costumava ir passar os fins-<strong>de</strong>-semana com eles. Num dia,<br />
no regresso, houve uma tempesta<strong>de</strong>, e o corpo nunca foi encontrado. Percebo bem o<br />
drama das pessoas <strong>de</strong> Entre-os-Rios... Guardo a lembrança <strong>de</strong> uma boa relação com<br />
ela, <strong>de</strong> brincarmos muito, <strong>de</strong> ser muito bom...<br />
Professora <strong>de</strong> Educação<br />
Visual na Escola EB2,3<br />
Gonçalves Zarco, Manuela<br />
Jardim transporta consigo as<br />
imagens difusas <strong>de</strong> uma<br />
infância africana. Filha <strong>de</strong><br />
ilhéus e também ela nascida<br />
numa ilha, a sua pintura é<br />
como um espelho <strong>de</strong> água<br />
on<strong>de</strong> as lembranças <strong>de</strong> uma<br />
infância vivida em África se<br />
reflectem diluídas, num misto<br />
<strong>de</strong> sauda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> reflexão<br />
interior. Um regresso<br />
permanente a si, sem fuga<br />
nem vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> partida.