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Guardados da Memória - Academia Brasileira de Letras

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Clóvis Beviláqua<br />

pressão angustiosa <strong>da</strong> reclusão e, não raro, a fraqueza perversa que, tantas vezes,<br />

é o característico <strong>da</strong> justiça humana.<br />

É a história tristíssima que alguns anos <strong>de</strong> prisão na Sibéria lhe ensinaram a<br />

escrever com aquela emoção profun<strong>da</strong> dos que sofreram ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iramente.<br />

Por sugestão <strong>de</strong> Bielinski, tinha o futuro autor <strong>de</strong> Kroctkaia entrado para a associação<br />

do socialista Petrachevski. Suas façanhas nesse núcleo <strong>de</strong> conspiradores parece<br />

que não passaram <strong>de</strong> uma assidui<strong>da</strong><strong>de</strong>, aliás duvidosa, às reuniões do conciliábulo.<br />

Não obstante a justiça inquisitorial do imperador Nicolau achava nesse<br />

fato matéria bastante para enviá-lo à prisão sob a ameaça <strong>da</strong> pena <strong>de</strong> morte.<br />

Essa ameaça esteve a menos <strong>de</strong> uma linha <strong>da</strong> terrível reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Efetivamente já<br />

lhe tinham caído n’alma, como golpes <strong>de</strong> punhal, as cru<strong>de</strong>líssimas palavras <strong>da</strong><br />

sentença que os havia con<strong>de</strong>nado a serem fuzilados, já os três primeiros do<br />

grupo infeliz se achavam ata<strong>da</strong>s ao poste do suplício, já os sol<strong>da</strong>dos haviam<br />

carregado as armas e levavam-nas ao rosto, quando, <strong>de</strong> improviso, foi suspensa<br />

a or<strong>de</strong>m do fuzilamento. O Imperador havia comutado a pena <strong>de</strong> morte em<br />

quatro anos <strong>de</strong> trabalhos forçados num presídio <strong>da</strong> Sibéria.<br />

Aí, a vi<strong>da</strong> horrorosa do enclausuramento, em companhia dos celerados mais<br />

abjetos, sem ar, sem luz, sem um livro para ler a não ser a Bíblia, Dostoievski<br />

esteve por longos dias, entre a morte e a loucura, nesse in<strong>de</strong>scritível estado <strong>de</strong><br />

espírito <strong>da</strong> vertigem moral, do vazio d’alma, que ele <strong>de</strong>screve freqüentemente<br />

em seus romances e que lhe criou os horrores místicos <strong>de</strong> que ele nos fala nos Humilhados<br />

e Ofendidos. Ao sair <strong>da</strong> prisão, e ain<strong>da</strong> sob a impressão <strong>de</strong>sses dias negregados,<br />

escreveu as Recor<strong>da</strong>ções <strong>da</strong> Casa dos Mortos.<br />

São narrativas diversas, sem vínculo <strong>de</strong> continui<strong>da</strong><strong>de</strong>, em que se pintam,<br />

com as cores mais fortes, uma varie<strong>da</strong><strong>de</strong> infinita <strong>de</strong> caracteres agitando-se em<br />

um meio <strong>de</strong>primente e tenebroso, mas todos apresentando uma feição comum,<br />

que é um orgasmo prepon<strong>de</strong>rante e contagioso, – o sofrimento, – mas o sofrimento<br />

bebido a longos haustos, numa espécie <strong>de</strong> volúpia do martírio. É essa,<br />

aliás, uma <strong>da</strong>s notas prediletas em to<strong>da</strong>s as suas obras.<br />

Na sinistra galeria dos exilados do país longínquo, segundo o eufemismo oficial<br />

<strong>de</strong>signa as <strong>de</strong>soladoras paragens <strong>da</strong> Sibéria, na sinistra galeria dos forçados, en-<br />

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