Guardados da Memória - Academia Brasileira de Letras
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Naturalismo russo – Dostoievski<br />
Seus mestres, em literatura, foram Pushkin, Balzac, E. Sue, G. Sand e sobretudo<br />
Gogol. Com todos eles se assemelha, mas <strong>de</strong> todos eles se <strong>de</strong>staca, por<br />
uma certa nota original que faz a sua superiori<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />
A cenogênese mental que fez <strong>de</strong>le um gran<strong>de</strong> mestre produziu-se muito<br />
cedo<br />
Em Pushkin, e mais ain<strong>da</strong> em Gogol, já que todos os romancistas russos<br />
germinaram <strong>de</strong>ssa admirável e fecun<strong>da</strong> criação <strong>de</strong> Gogol – o triste Akaky Akakievich,<br />
em Pushkin e Gogol, dizia eu, hauriu Dostoievski a doce melancolia e<br />
a naturali<strong>da</strong><strong>de</strong> que espargem tamanho encanto em suas obras. Com Sue e G.<br />
Sand apren<strong>de</strong>u a discutir, em seus romances, as questões mais momentosas do<br />
socialismo e <strong>da</strong> psicologia. Balzac <strong>de</strong>u-lhe a tonali<strong>da</strong><strong>de</strong> naturalista no entrecho<br />
e no estilo.<br />
Mas, apesar <strong>de</strong> tudo, que diferença entre a escola russa e o genuíno realismo<br />
ou naturalismo francês!<br />
Deixemos os mais, Gogol, Turgueniev, Tolstoi, e falemos somente <strong>de</strong> Fiodor<br />
Dostoievski.<br />
E, para caracterizar melhor quanto ele se afasta dos mol<strong>de</strong>s franceses<br />
contemporâneos, abram os seus livros dolorosos, construídos com uma argamassa<br />
<strong>de</strong> revolta e dor resigna<strong>da</strong>, <strong>de</strong> luz e sangue, <strong>de</strong> sarcasmo e afeto, <strong>de</strong><br />
on<strong>de</strong> se evolam, em tênues espirais, uma doce emoção comunicativa que<br />
nos envolve, nos constringe, e um puro i<strong>de</strong>alismo que nos força a erguer os<br />
olhos <strong>da</strong>s tristezas duríssimas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> real, para fixá-los no horizonte azulado<br />
on<strong>de</strong> a esperança <strong>de</strong>bucha os contornos in<strong>de</strong>cisos <strong>de</strong> uma sorte melhor,<br />
neste mesmo orbe telúrico que nos quer afogar num fluxo montante<br />
<strong>de</strong> melancolia e <strong>de</strong>scrença.<br />
Seu primeiro romance, escrito aos 23 anos, foi uma revelação assombrosa.<br />
Bielinski, o célebre crítico, ao concluir sua leitura, não pô<strong>de</strong> conter a emoção<br />
que o sufocava e exclamou, apostrofando o jovem estreante:<br />
– Compreen<strong>de</strong>is bem to<strong>da</strong> a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> do que escrevestes? Não; com os vossos<br />
vinte anos não po<strong>de</strong>is ter essa compreensão. É a arte que se revela em vós, é<br />
um dom celeste esse que possuís: respeitai esse dom; sereis um gran<strong>de</strong> escritor!<br />
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