Edição 55 - Revista Algomais
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Pensando<br />
bem<br />
Cidadania. O que quase<br />
não se vê por aqui<br />
Jovem reúne parentes e amigos<br />
para contar as aventuras e curiosidades<br />
vividas e vistas em passeio de<br />
turismo feito no exterior. Um quadro<br />
muito comum, principalmente<br />
envolvendo famílias de classe média,<br />
após os períodos de férias, nos<br />
quais o normalmente “marinheiro<br />
de primeira viagem” exibe slides,<br />
filmes, fotografias etc.<br />
Caso tenha ido a Amsterdam<br />
mostra, como exemplo de respeito<br />
à dignidade alheia, as vitrines<br />
de bordeis nas quais prostitutas<br />
permanecem como mercadorias<br />
e são observadas pelos prováveis<br />
“clientes”. Ou então conta sobre<br />
os mictórios ao ar livre, em praças<br />
públicas onde os passantes urinam<br />
à vista de todos, descobertos da cintura<br />
para cima, evitando que façam<br />
suas necessidades em postes, muros<br />
ou outros locais inadequados.<br />
Fala sobre o trânsito organizado,<br />
com faixas de segurança pintadas<br />
e obedecidas pelos veículos<br />
(bicicletas em maioria), nunca seguindo<br />
em sentido contrário, monitorados<br />
por guardas especializados<br />
no setor. Destaca ao mesmo tempo<br />
o respeito ao pedestre.<br />
O que foi a Londres diz-se surpreso<br />
com a reverência do povo à<br />
família real a ponto do crítico ser<br />
obrigado a subir em um banco ou<br />
caixão (o que caracteriza não estar<br />
pisando em solo inglês), além dos<br />
locais reservados para manifestações<br />
de protestos, sem passeatas<br />
pelas ruas interrompendo o trânsito.<br />
Destaca ainda o rigor das autoridades<br />
diante de qualquer desobediência.<br />
22 > > outubro 2010<br />
O mesmo rigor observado por<br />
quem fez turismo nos Estados Unidos,<br />
onde os gestores públicos ou<br />
privados advertem até mesmo os<br />
que falam alto e incomodam quem<br />
se encontra próximo, “palitam”<br />
dentes em restaurantes, jogam bolas<br />
de papel ou “tocos” de cigarros<br />
no chão. Há quem cite os sanitários<br />
limpinhos do Museu Espacial, em<br />
Washington, mesmo frequentado<br />
por milhares de pessoas.<br />
No fim da narrativa, uma frase<br />
quase centenária:<br />
- Parece que a gente está em<br />
outro mundo.<br />
Antes a locução apenas encerrava<br />
uma comparação de costumes<br />
entre continentes. Hoje, diante de<br />
um cenário de desordem em que vivemos,<br />
em várias cidades, ela é preocupante.<br />
O “outro mundo” está<br />
cada vez mais distante, na medida<br />
em que a anticidadania, prima-irmã<br />
da violência, ocupa quase todos os<br />
espaços, no lado de cá.<br />
O desrespeito aos direitos civis<br />
e sociais do cidadão predomina<br />
e atormenta desde os primeiros<br />
passos. Na saída da residência ou<br />
mesmo no seu interior, no abrir dos<br />
olhos, após um sono nem sempre<br />
reparador. A partir daí começam a<br />
prevalecer duas leis: a dos mais fortes<br />
e a dos mais espertos. Juntas ou<br />
separadas. O verbo em destaque na<br />
vida urbana é quase único: desobedecer.<br />
O trânsito é caótico, sem demarcações<br />
e com vigilância abstrata. Os<br />
congestionamentos aparecem e<br />
desaparecem sem que se saibam<br />
as causas, a exceção dos provoca-<br />
O<br />
desrespeito<br />
aos direitos<br />
civis e<br />
sociais do<br />
cidadão<br />
predomina<br />
e atormenta<br />
desde os<br />
primeiros<br />
passos<br />
Gilberto Prado*<br />
betoca1@bol.com.br<br />
dos pelos quase eternos buracos. O<br />
transporte coletivo segue o mesmo<br />
caminho, tanto nos terminais integrados<br />
quanto no interior dos veículos.<br />
Ali se colocam os deficientes<br />
que não têm lugares reservados: os<br />
deficientes cívicos.<br />
O direito de ir e vir é violentado<br />
nas calçadas malcuidadas, que não<br />
permitem uma caminhada segura.<br />
Várias ocupadas por quiosques de<br />
forma desordenada, inclusive restaurantes<br />
improvisados sob toldos,<br />
sem a mínima higiene, provocando<br />
congestionamento urbano. E tudo<br />
se torna desalentador, quando se<br />
vê que a anomalia é progressiva.<br />
Nada é feito pelos governantes<br />
na busca do resgate à cidadania.<br />
Pelo contrário, sobrepõem os<br />
acertos políticos e escalam como<br />
gestores quem não tem o menor<br />
compromisso com o bem-estar da<br />
sociedade. Não cumprem os seus<br />
papéis e, em consequência, deseducam.<br />
E isso não é de agora.<br />
Entristece ainda mais é saber<br />
que a cidadania já está a exigir um<br />
ministério específico (como o da<br />
Desburocratização, no passado) e<br />
não se vê a questão ser tratada pelos<br />
candidatos majoritários nas áreas<br />
federal e estadual.<br />
Tudo indica que vamos ler manchetes<br />
de primeira página iguais a<br />
publicada no “Jornal do Commercio”<br />
de 30 de julho (uma aula de<br />
jornalismo, diga-se de passagem),<br />
destacando como fato inusitado o<br />
que “no tal outro mundo”, o civilizado,<br />
é uma rotina:<br />
“Atropelou, matou e foi para a<br />
cadeia”.<br />
* Gilberto Prado é jornalista