Última página As árvores do Espinheiro Quando nasci, meus pais moravam na Rua Ricardo Salazar, no Prado. Mas logo quando eu tinha três anos eles se mudaram para a casa do meu avô na Av. João de Barros 1647, Espinheiro, já perto da Encruzilhada, onde vivi mais de 20 anos. Assim, embora sendo “natural” do Prado, sempre me considerei, desde que me entendo de gente, espinheirense de carteirinha. Estudei (no Instituto Recife e no Colégio Regina Coeli), voltei a morar depois de adulto e, hoje, trabalho no bairro (a TGI fica na Rua Barão de Itamaracá, no coração do Espinheiro). Desde criancinha, uma coisa sempre me chamou muita atenção por lá: as árvores, os famosos oitizeiros. Grandes e frondosos, formavam, nos tempos áureos, imensos túneis verdes fornecendo sombra farta para quem morava e transitava no bairro. Os únicos “inconvenientes” eram/são os oitis que, na época da safra (início de cada ano), forram romanticamente de dourado as ruas, calçadas e jardins das residências, edifícios e endereços comerciais. Os famosos frutos já inspiraram, inclusive, um bloco carnavalesco chamado “Bloco do Oiti” cujo hino tem como refrão: “Oiti pra lá, hei! Oiti pra cá, hei! É tanto oiti que não dá nem pra contar...”. A favor dos oitis, posso dizer que, a despeito de sempre ter andado mui- 82 > > outubro 2010 to a pé pelas ruas do bairro, nunca levei nenhum deles na cabeça (nem em nenhuma outra parte do corpo). É verdade que caem, às vezes, nos carros, mas o prejuízo é mínimo face ao enorme ganho ambiental que as árvores proporcionam. Pois bem, esse valioso patrimônio paisagístico do Espinheiro (e de parte das Graças e da Boa Vista), um ativo ambiental inestimável do próprio Recife, vem sendo, nos últimos tempos, paulatina e aceleradamente dilapidado pela ação predatória privada e a conivência pública na extirpação pura e simples de árvores. Experimente o leitor observar, andando pelo Espinheiro, Graças e Boa Vista, os intervalos entre as árvores nas calçadas e perceberá, nitidamente, os “vazios” que foram abertos com as derrubadas criminosas. A alegação mais frequente para a insanidade é que árvore estaria “velha, prestes a cair”. Todavia, tenho fortes razões para suspeitar que o inconfessável motivo é mais prosaico: na verdade, a árvore estaria obstruindo alguma nova entrada de estacionamento... Já presenciei diversas vezes o espetáculo ritual de derrubada oficial de um “velho” oitizeiro: uma parafernália em que diversas máquinas e especialistas da prefeitura ou contratados por ela interrompem o trânsito e atuam operosa e rapidamente até que a finada árvore esteja esquartejada e Francisco Cunha franciscocunha@revistaalgomais.com.br e twitter.com/cunha_francisco triturada em cima dos caminhões e reste apenas, além de algumas folhas verdes pela rua, o buraco na calçada onde ela existia minutos atrás. Buraco que, diga-se de passagem, será celeremente fechado pelo sujeito oculto interessado na derrubada. Paradoxalmente, é muito mais fácil extirpar um oitizeiro enorme do que plantar um novo, por menor que seja. Eu mesmo solicitei que a secretária da TGI telefonasse diariamente durante meses para os órgãos competentes da municipalidade na tentativa de replantar uma árvore derrubada do modo descrito, na frente da TGI, sem absolutamente nenhum sucesso. Resultado: eu mesmo comprei a muda numa sementeira da prefeitura e mandei replantar. Diante da omissão pública já fiz isso quase uma dezena de vezes e os oitizeiros replantados vão, por sinal, muito bem, obrigado. É inacreditável que numa época onde o meio ambiente e o clima são os temas onipresentes da preocupação dos governos, das empresas e da mídia, uma solução ambiental implantada há quase um século seja transformada em problema urbano novo. Vamos colocar a mão na consciência (pública e privada) e não só reverter a tendência de erradicação como ir além e estabelecer uma política ativa de replantio de árvores. Não vejo nenhuma impossibilidade nisso. É só (?) querer.
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