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revista Bang - Saída de Emergência

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As relações <strong>de</strong> Hitler com magias (<strong>de</strong><br />

preferência negras) e outros sortilégios<br />

tornaram-se um lugar comum sobretudo<br />

<strong>de</strong>pois da explosiva aparição do livro Le<br />

Matin <strong>de</strong>s magiciens, <strong>de</strong> Louis Pauwels e Jacques<br />

Bergier, publicado em 1960 e que<br />

marcou uma época, e no qual, entre outras<br />

misteriosida<strong>de</strong>s, se esmiuçavam as origens<br />

mágico-ocultas do nazismo [trad. port.: O<br />

Despertar dos Mágicos, ed. Bertrand]. O fascínio<br />

<strong>de</strong> Hitler pelas socieda<strong>de</strong>s secretas e<br />

ocultistas já vinha <strong>de</strong> trás, basta relembrar<br />

que por volta <strong>de</strong> 1920, no DAP (Deutsche<br />

Arbeiterpartei), Hitler se encontrou com Dietrich<br />

Eckart, um dos membros-fundadores<br />

da Socieda<strong>de</strong> Thule (Thule-Gesellschaft), um<br />

grupo ocultista <strong>de</strong> exaltação germanizante<br />

e racista que apoiou o DAP e daria origem,<br />

mais tar<strong>de</strong>, ao partido nazi organizado pelo<br />

futuro ditador. Eckart tornou-se o mentor<br />

<strong>de</strong> Hitler, imbuindo-o com as suas i<strong>de</strong>ias e<br />

apresentando-o a fi guras eminentes <strong>de</strong> Munique.<br />

Mas foi principalmente a partir da publicação<br />

da obra <strong>de</strong> Pauwels e Bergier<br />

que proliferaram <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> livros sobre<br />

o assunto. Entre os mais emblemáticos<br />

<strong>de</strong>sta colheita, e mais ou menos da mesma<br />

época e anos seguintes, contam-se Hitler et<br />

les sociétés secrètes: Enquête sur les sources occultes<br />

du nazisme (Paris, 1969), <strong>de</strong> René Alleau, e<br />

Hitler et la tradition cathare (Paris, 1971), <strong>de</strong><br />

Jean-Michel Angebert, nos quais se insistia<br />

nas socieda<strong>de</strong>s secretas envolvidas<br />

e nas negras magias associadas às antigas<br />

religiões da suástica, bem como as suas infl<br />

uências directas em Hitler e no nazismo.<br />

De realçar também a importância que<br />

tiveram, neste movimento, dois misteriosos<br />

livros do ainda mais misterioso Otto<br />

Rahn (1904-1939), medievalista alemão<br />

que acreditava que os Cátaros haviam sido<br />

os guardiães do Santo Graal e que esse<br />

prodigioso objecto recheado <strong>de</strong> sobrenaturais<br />

virtu<strong>de</strong>s continuaria escondido algures<br />

no sul <strong>de</strong> França, talvez nas abruptas<br />

montanhas on<strong>de</strong> ainda hoje se po<strong>de</strong>m ver<br />

as ruínas da fortaleza cátara <strong>de</strong> Montségur.<br />

Os dois livros a que me refi ro são Kreuzzug<br />

gegen <strong>de</strong>n Gral (1933) e Luzifers Hofgesind<br />

(1937). [4]<br />

As i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Otto Rahn excitaram a<br />

entusiástica a<strong>de</strong>são <strong>de</strong> Heinrich Himmler,<br />

um dos mais altos dignitários do nazismo<br />

e senhor absoluto da temível SS<br />

(Schutzstaffel). Em 1937, Himmler ofereceu<br />

a Hitler, como prenda <strong>de</strong> aniversário,<br />

os livros <strong>de</strong> Otto Rahn, que foi integrado<br />

na SS como investigador. As convicções<br />

<strong>de</strong>fendiddas por Rahn são exploradas<br />

com a espectaculosida<strong>de</strong> que todos conhecemos<br />

em pelo menos dois fi lmes do<br />

arqueólogo-aventureiro Indiana Jones,<br />

personagem criada por Steven Spielberg<br />

e George Lucas: Rai<strong>de</strong>rs of the Lost Ark<br />

(1982) e Indiana Jones and the Last Crusa<strong>de</strong><br />

(1989), ambos realizados por Steven<br />

Spielberg [5], on<strong>de</strong> se exploram dois dos<br />

gran<strong>de</strong>s mitos cristãos, a Arca da Aliança<br />

(judaico-cristão) e o Santo Graal (célti-<br />

co-cristão), e as cúpidas apetências dos<br />

nazis para se apo<strong>de</strong>rarem <strong>de</strong>sses fabulosos<br />

objectos propiciadores <strong>de</strong> um po<strong>de</strong>r<br />

ilimitado.<br />

Saltemos porém da fi cção para a sombria<br />

e palpável realida<strong>de</strong>: na biblioteca privada<br />

<strong>de</strong> Hitler encontrou-se, entre muitas<br />

outras curiosida<strong>de</strong>s, um tremendo livro <strong>de</strong><br />

magia que não é fi ctício — este é mesmo<br />

real! —, intitulado Magie: Geschichte, Theorie,<br />

Praxis [Magia: História, Teoria, Prática], da<br />

autoria <strong>de</strong> um tal doutor Ernst Schertel,<br />

publicado no município <strong>de</strong> Prien (Baviera)<br />

em 1923. Esse exemplar tem o aliciante <strong>de</strong><br />

se encontrar anotado pelo próprio punho<br />

<strong>de</strong> Hitler, com marcas verticais suas, a lápis<br />

grosso, nas margens das páginas, referenciando<br />

as passagens mais satanicamente<br />

revelatórias dos maléfi cos intuitos que já<br />

fervilhavam pelo hitlerístico cérebro. Tratase<br />

<strong>de</strong> um precioso exemplar, sem dúvida,<br />

que se conserva na John Hay Library, da<br />

Brown University, em Provi<strong>de</strong>nce, Rho<strong>de</strong><br />

Island (EUA). [6]<br />

Do seu autor, Ernst Schertel (1884-<br />

1958), sabe-se apenas que escreveu romances<br />

e peças <strong>de</strong> teatro versando ocultismo,<br />

e ensaios na mesma linha, e pertenceu<br />

ao movimento do revivalismo mágico<br />

e ocultista germânico dos primeiros<br />

anos do século xx. É um autor menor em<br />

cuja obra e activida<strong>de</strong>s se incluem sadomasoquismo,<br />

danças extáticas, nudismo<br />

e vislumbres <strong>de</strong> magia sexual, provavelmente<br />

inspirado pelas obras mágicas e<br />

ritualísticas <strong>de</strong> Paschal Beverly Randolph<br />

(1825-1875). Houve um comentador que<br />

consi<strong>de</strong>rou Ernst Schertel como a versão<br />

germânica <strong>de</strong> Aleister Crowley, mas<br />

tal não passa, evi<strong>de</strong>ntemente, <strong>de</strong> excesso<br />

<strong>de</strong> entusiasmo por parte do comentador<br />

alemão — Schertel nunca teve nem um<br />

centésimo da visibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Crowley, apesar<br />

<strong>de</strong> Hitler o ter seguido como «mestre<br />

mágico».<br />

O exemplar a que me refi ro tem uma<br />

<strong>de</strong>dicatória ao führer escrita pelo próprio<br />

punho <strong>de</strong> Schertel, cuja tradução reza<br />

mais ou menos o seguinte: «A Adolf Hitler<br />

- com veneradora <strong>de</strong>dicação, do Autor».<br />

Para não abusar da paciência e da<br />

boa vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> quem se vai penosamente<br />

extenuando por estas linhas, apenas cito<br />

quatro das passagens realçadas por Hitler,<br />

para amostra:<br />

«Todo e qualquer universo mágico<strong>de</strong>mónico<br />

está centrado nos gran<strong>de</strong>s indivíduos,<br />

dos quais brotam as principais<br />

concepções criativas. O mago está ro<strong>de</strong>ado<br />

por um campo-<strong>de</strong>-força <strong>de</strong> energias<br />

paracósmicas, e tal como já o dissemos, ele<br />

actua, no mais alto grau ectrópico, sobre a<br />

dinâmica cósmica» (pág. 78).<br />

«Satã é o princípio criativo, que estabelece<br />

e incrementa os valores, e <strong>de</strong> início<br />

aparece-nos como o mal; em contrapartida,<br />

Seraph é o pólo que efectiva os valores<br />

da permanência e da preservação, e ao qual<br />

chamamos o bem. Satã é o guerreiro fertilizador,<br />

que tanto <strong>de</strong>strói como constrói, ao<br />

passo que Seraph constitui a posse e a paz.<br />

Portanto, Satã e Seraph não são adversos,<br />

mas sim polarida<strong>de</strong>s contrapostas, como as<br />

duas faces da mesma moeda» (pág. 80).<br />

«O egoísmo po<strong>de</strong> ser bom, e o altruís-<br />

[1] Refi ro-me, claro, aos famosos «les hommes<br />

en noir» que o anatematizado Jacques Bergier<br />

popularizou em 1971 na sua obra Les livres<br />

maudits, que na época incan<strong>de</strong>sceu muitas imaginações,<br />

e mesmo <strong>de</strong>pois.<br />

[2] Se acham que exagero, façam o obséquio<br />

<strong>de</strong> ler o implacável livro Impostures intellectuelles,<br />

dos professores universitários <strong>de</strong> Física Alan<br />

Sokal e Jean Bricmont (Paris: Éditions Odile<br />

Jacob, 1997), que sendo embora <strong>de</strong> 1997 continua<br />

infelizmente actualizado, e <strong>de</strong>veria ser<br />

<strong>de</strong> leitura obrigatória para quem não queira<br />

<strong>de</strong>ixar-se enganar por todas as intelectualices<br />

que nos são impingidas como dogmas… No<br />

mesmo sentido vai um livro mais recente do<br />

prof. Jorge Buescu, doutorado em Matemática<br />

pela Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Warwick, O Mistério do<br />

Bilhete <strong>de</strong> I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e Outras Histórias (Lisboa:<br />

Gradiva, 11.ª edição 2007), sobretudo as pp.<br />

159 a 199.<br />

[3] Para quem queira fi car <strong>de</strong>vidamente elucidado<br />

das misteriosas razões estatísticas da estupi-<br />

mo po<strong>de</strong> ser mau. Ser prestável torna-nos<br />

gran<strong>de</strong>s, mas ser dominador torna-nos<br />

maiores» (pág. 81).<br />

«Quem não transporta em si a semente<br />

<strong>de</strong>mónica, nunca dará nascimento a um<br />

novo mundo» (p. 92).<br />

Se Hitler <strong>de</strong>scodifi cou ou não o que isto<br />

realmente queria dizer, ou se apenas interpretou<br />

estas e outras nebulosida<strong>de</strong>s consoante<br />

o que os seus incan<strong>de</strong>scidos vapores<br />

cerebrais lhe quiseram fazer crer, <strong>de</strong>ixo à<br />

consi<strong>de</strong>ração e ao arbítrio do arguto leitor,<br />

certamente mais arguto do que eu, que<br />

apenas me limito a avaliar pelos catastrófi<br />

cos resultados da II Guerra Mundial. [7]<br />

BANG!<br />

<strong>de</strong>z humana, recomenda-se a leitura do divertido<br />

e esclarecedor livro <strong>de</strong> Carlo M. Cipolla,<br />

Allegro Ma Non Troppo (Oeiras: Celta Editora,<br />

1993), sobretudo o capítulo «As leis fundamentais<br />

da estupi<strong>de</strong>z humana», pp. 45 a 81.<br />

[4] Ambos estão traduzidos em português,<br />

numa tradução aliás bastante boa e cuidada:<br />

Cruzada Contra o Graal (Editora Hugin, 2000),<br />

e A Corte <strong>de</strong> Lúcifer (Editora Hugin, 2002). —<br />

Infelizmente a Editora Hugin faliu em 2005 e<br />

hoje são rarida<strong>de</strong>s que somente se encontram<br />

(quando encontram…) em alfarrabistas. No<br />

entanto, para quem queira dar-se ao trabalho <strong>de</strong><br />

se <strong>de</strong>slocar à Biblioteca Nacional, em Lisboa,<br />

ambos os livros estão disponíveis para leitura<br />

com as seguintes cotas, respectivamente: L.<br />

66910-V. e R. 22088-V.<br />

[5] Em Portugal, esses fi lmes foram estreados<br />

com os títulos: Os Salteadores da Arca Perdida e<br />

Indiana Jones e a Gran<strong>de</strong> Cruzada.<br />

[6] Existe tradução em inglês, integral, com as<br />

passagens que Hitler marcou impressas em<br />

Uma página do livro<br />

Magie: Geschichte, Theorie,<br />

Praxis, anotado, na<br />

margem, por Adolf<br />

Hitler<br />

António <strong>de</strong> Macedo, escritor, cineasta e prof. universitário,<br />

nasceu em Lisboa em 1931.<br />

Inclui na sua extensa fi lmografi a <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> documentários,<br />

programas televisivos e fi lmes <strong>de</strong> intervenção,<br />

bem como onze longas-metragens <strong>de</strong> fi cção.<br />

Paralelamente, especializou-se na investigação e<br />

estudo das religiões comparadas, <strong>de</strong> esoterologia,<br />

<strong>de</strong> história da fi losofi a e da estética audio-visual,<br />

e das formas literárias e fílmicas <strong>de</strong> «speculative<br />

fi ction», temas que tem abordado em inúmeros<br />

colóquios e conferências, e em diversas publicações.<br />

Foi homenageado pelo 30.º Festival Internacional <strong>de</strong><br />

Cinema da Figueira da Foz, em Setembro <strong>de</strong> 2001,<br />

pela relevância da sua carreira e pelo contributo<br />

prestado à cultura cinematográfi ca portuguesa.<br />

bold: Dr. Ernst Schertel, Magic: History, Theory,<br />

Practice. Annotated by Adolf Hitler. Trad. ing. por<br />

Cotum Research Staff. Introd. J. H. Kelley. Ed.<br />

Cotum, 2009. — Apesar <strong>de</strong> ser uma tradução<br />

num inglês um bocado macarrónico, consegue<br />

mesmo assim dar uma i<strong>de</strong>ia aceitável do texto<br />

original e do conteúdo e intenções das referidas<br />

passagens.<br />

[7] Sabe-se que durante a II Guerra Mundial<br />

os serviços secretos britânicos contrataram o<br />

astrólogo suíço Louis <strong>de</strong> Wohl (1903-1961)<br />

para tentar antecipar as jogadas bélicas <strong>de</strong><br />

Hitler. Aparentemente os ingleses não acreditavam<br />

em predições astrológicas, mas sabiam<br />

que Hitler sim, acreditava, e tinha astrólogos ao<br />

seu serviço para lhe indicarem as confi gurações<br />

astrais mais propícias para os seus ataques. Ora,<br />

se os ingleses também as conhecessem, podiam<br />

precaver-se calculando on<strong>de</strong> e quando o ditador<br />

nazi faria as suas investidas… E ainda há<br />

quem diga que a magia e afi ns não têm utilida<strong>de</strong><br />

nenhuma (!)<br />

16 /// BANG! BANG! /// 17

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