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Tradução <strong>de</strong> Ester Cortegano<br />
Título Original: Fear the Darkness<br />
1<br />
NOVA ORLEÃES, 2007<br />
Nick Gautier estava em casa.<br />
E estava lixado. Enquanto o seu táxi fazia o<br />
percurso <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o aeroporto até à sua casa na<br />
Bourbon Street, a meio da manhã, pu<strong>de</strong>ra ver<br />
as cicatrizes que ainda restavam do Furacão<br />
Katrina, e o seu sangue fervera literalmente.<br />
Como podia aquilo ter acontecido? Fechou os olhos e tentou<br />
apagar da mente as imagens das janelas entaipadas e dos sinais<br />
<strong>de</strong> trânsito <strong>de</strong>rrubados. As caravanas brancas da Agência Fe<strong>de</strong>ral<br />
<strong>de</strong> Gestão <strong>de</strong> <strong>Emergência</strong>s. Mas essas imagens eram substituídas<br />
pelas das notícias que vira, com as vítimas penduradas<br />
nos telhados, os incêndios, as turbas pelas ruas…<br />
Nick não conseguia respirar. Nova Orleães era o seu lar. A<br />
sua pedra <strong>de</strong> toque. Aquela cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ra-o à luz. Ela era o seu<br />
sangue vital. E, num piscar <strong>de</strong> olhos, fora <strong>de</strong>vastada. Mutilada.<br />
Nunca, na sua vida, vira uma coisa como aquela.<br />
Tendo crescido ali, conhecera, ao longo dos anos, numerosos<br />
furacões. Como não tinham dinheiro para evacuar durante<br />
as piores tempesta<strong>de</strong>s, ele e a mãe metiam-se no velho Yugo vermelho<br />
e iam para Hattiesburg, no Mississípi, on<strong>de</strong> acampavam<br />
no parque <strong>de</strong> estacionamento <strong>de</strong> um supermercado, a comer<br />
sanduíches <strong>de</strong> pasta <strong>de</strong> presunto com pão velho e pacotes <strong>de</strong><br />
mostarda até ser seguro regressar. A mãe sempre conseguira,<br />
<strong>de</strong> alguma forma, tornar aqueles dias divertidos, como uma<br />
aventura, mesmo quando tinham <strong>de</strong> se agachar no carro durante<br />
os avisos <strong>de</strong> tornado.<br />
Depois voltavam para casa e o que viam era parecido com<br />
o que ele vira agora, mas, em poucas semanas, tudo regressava<br />
ao normal.<br />
Agora, quase dois anos <strong>de</strong>pois do furacão, ainda havia lojas<br />
fechadas — lojas que ali estavam há anos, há séculos, em alguns<br />
casos. Havia zonas inteiras da cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> parecia que o furacão<br />
acabara <strong>de</strong> passar.<br />
Quase todos os seus amigos tinham morrido ou sido <strong>de</strong>slocados.<br />
Pessoas que conhecia há décadas.<br />
Num piscar <strong>de</strong> olhos, tudo mudara.<br />
Nick soltou uma gargalhada amarga perante este pensamento.<br />
Ele próprio mudara mais do que qualquer outra coisa. Já<br />
não era humano, e nem sequer tinha a certeza daquilo em que<br />
se tornara.<br />
A única coisa que o fazia continuar em frente era a furiosa<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se vingar daqueles que culpava pela sua catástrofe.<br />
Ergueu uma mão para coçar o pescoço, <strong>de</strong>pois<br />
estacou quando sentiu a marca da <strong>de</strong>ntada.<br />
Com uma troca <strong>de</strong> sangue, Stryker<br />
tornara Nick seu agente. Se obe<strong>de</strong>cesse ao<br />
lí<strong>de</strong>r Daemon, Stryker dar-lhe-ia meios para<br />
<strong>de</strong>struir o homem que arruinara a vida <strong>de</strong><br />
Nick… e a da sua cida<strong>de</strong>.<br />
Acheron Parthenopaus. Já tinham<br />
sido gran<strong>de</strong>s amigos. Irmãos até ao<br />
fi m. Depois Nick cometera o erro <strong>de</strong><br />
dormir com uma mulher que ele ignorava<br />
ser a fi lha <strong>de</strong> Ash. Ash voltarase<br />
contra ele por essa razão.<br />
Com isso conseguira lidar. O que os<br />
tornara inimigos fora a noite em que a<br />
mãe <strong>de</strong> Nick morrera e Ash o permitira.<br />
Ao contrário dos outros seres imortais<br />
que faziam <strong>de</strong> Nova Orleães a sua casa,<br />
Nick conhecia os segredos que Ash bem<br />
guardava. Ele não era apenas o lí<strong>de</strong>r dos Predadores da Noite,<br />
um guerreiro imortal que servia a <strong>de</strong>usa Artemisa e protegia<br />
a humanida<strong>de</strong> dos Daemones vampíricos que comiam as suas<br />
almas.<br />
Ash era um <strong>de</strong>us. Tinha o po<strong>de</strong>r para fazer tudo o que quisesse.<br />
Podia ter salvado a mãe <strong>de</strong> Nick ou, pelo menos, tê-la <strong>de</strong>volvido<br />
à vida, da mesma maneira como salvara Kyrian Hunter<br />
e a mulher, Amanda. Mas Ash não fi zera nada disso. Virara as<br />
costas a Nick e <strong>de</strong>ixara Cherise Gautier morta.<br />
E também não protegera a cida<strong>de</strong> da tempesta<strong>de</strong>. Até à noite<br />
em que Nick dormira com Simi, Ash amara aquela cida<strong>de</strong> mais<br />
do que qualquer outra coisa. Nunca teria permitido que Nova<br />
Orleães sofresse assim.<br />
Mas isso fora antes <strong>de</strong> se tornarem inimigos. Agora Ash<br />
odiava-o tanto que lhe tirara tudo.<br />
Tudo.<br />
— Bonita casa.<br />
A voz do taxista interrompeu os pensamentos <strong>de</strong> Nick.<br />
Olhou a mansão da Bourbon Street que era o seu lar <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />
começara a trabalhara para Kyrian.<br />
— Sim — disse ele, em surdina. — Pois é.<br />
Ou, pelo menos, fora, quando ele a partilhara com a sua mãe.<br />
Nick saiu e pagou ao taxista, <strong>de</strong>pois retirou a mala do assento.<br />
Fechando a porta com força, olhou para a casa e apertou a maçaneta<br />
com tanta força que os seus <strong>de</strong>dos doeram em protesto.<br />
Comprara aquela casa como presente <strong>de</strong> aniversário para a<br />
mãe, quando tinha vinte anos. Ainda a conseguia ouvir soltar<br />
gritinhos <strong>de</strong> alegria quando ele lhe entregara a chave. Ainda a<br />
conseguia ver parada na sua frente, a olhá-lo, incrédula.<br />
— Parabéns, mamã.<br />
— Oh, Nick, o que foi que fi zeste? Não mataste pr’aí ninguém,<br />
pois não?<br />
A pergunta <strong>de</strong>la consternara-o.<br />
— Mãe!<br />
Ainda assim, ela mostrara-se implacável, enquanto fi xava no fi lho os<br />
seus olhos azuis e punha as mãos na cintura.<br />
— E também não andas a passar droga, pois não? Olha que se andas,<br />
meu menino, eu amo-te muito, mas <strong>de</strong>ixo-te negro <strong>de</strong> pancada.<br />
Ele troçara dos seus avisos.<br />
— Mãe, tu conheces-me. Eu nunca faria nada que te <strong>de</strong>ixasse<br />
envergonhada na frente dos teus amigos da igreja.<br />
— Então com’é que arranjaste este dinheiro todo? Como conseguiste<br />
comprar uma casa tão chique com a tua ida<strong>de</strong>? Ainda és um bebé, e eu não<br />
tenho dinheiro para pagar dois tijolos <strong>de</strong>sta casa.<br />
— Já te disse, sou assistente <strong>de</strong> um corretor do Gar<strong>de</strong>n District.<br />
Ele pôs a casa no meu nome mas, tecnicamente, continua a ser <strong>de</strong>le.<br />
Estou só a alugá-la. — Fora uma mentira parcial. Parte do seu papel<br />
como escu<strong>de</strong>iro <strong>de</strong> Kyrian, nos tempos em que Kyrian era<br />
um Predador da Noite implicava que todas as proprieda<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong>le estivessem no seu nome… pelo menos no<br />
papel. Aquela casa, porém, era mesmo <strong>de</strong> Nick. O<br />
seu salário ter-lhe-ia permitido facilmente comprar<br />
três casas como aquela, mas a mãe nunca teria<br />
acreditado que ele pu<strong>de</strong>sse ganhar tanto dinheiro<br />
sem infringir a lei.<br />
— Corretor, hmmm. Isso a mim pareceme<br />
um <strong>de</strong>sses eufemismos para um trafi cante<br />
<strong>de</strong> droga.<br />
— Oh, mãe, anda lá <strong>de</strong>ntro ver a biblioteca.<br />
Já trouxe para cá a tua poltrona, para<br />
po<strong>de</strong>res ler aqueles romances que tanto adoras.<br />
— Querido, tu estragas-me com mimos.<br />
Sabes que não preciso <strong>de</strong> uma coisa<br />
tão gran<strong>de</strong> e tão chique.<br />
Sim, mas, quando era miúdo, ouvira-a chorar<br />
muitas vezes a altas horas da noite por não po<strong>de</strong>r<br />
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