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ão faria sentido terminar este artigo<br />
sem falar da outra face da moeda,<br />
ou seja, da apropriação da linguagem<br />
do fi lme <strong>de</strong> terror por esse intérprete<br />
visual da indústria musical, o vi<strong>de</strong>oclip. A lista,<br />
neste caso, é extensíssima e daria muitos<br />
outros artigos, por esse motivo, proponho<br />
fazer cinco sugestões para que o leitor<br />
possa aprofundar a sua pesquisa. Quando<br />
se fala <strong>de</strong> vi<strong>de</strong>oclips <strong>de</strong> terror é impossível<br />
evitar que surja imediatamente nas nossas<br />
mentes a imagem <strong>de</strong> zombies a dançarem<br />
ao som <strong>de</strong> Michael Jackson. “Thriller” foi<br />
provavelmente o primeiro fi lme <strong>de</strong> terror<br />
que a minha geração assistiu no <strong>de</strong>albar da<br />
década <strong>de</strong> 80. Depois <strong>de</strong> ter visto a sequência<br />
antológica <strong>de</strong> metamorfose homem/<br />
lobo que Rick Baker criou para “An American<br />
Werewolf in London”, Jackson pediu<br />
ao realizador John Landis que lhe fi zesse o<br />
mesmo. Neste ví<strong>de</strong>o estão presentes duas<br />
gerações <strong>de</strong> terror: a primeira representada<br />
pela inconfundível voz <strong>de</strong> Vincent Price e<br />
a segunda pela mestria técnica <strong>de</strong>senvolvida<br />
pelos criadores <strong>de</strong> efeitos especiais que<br />
dominariam os fi lmes <strong>de</strong> terror dos anos<br />
80. Jackson, num momento curioso visto<br />
à distância, i<strong>de</strong>ntifi ca-se tanto com estas<br />
personagens monstruosas e amaldiçoadas<br />
que confessa à namorada: “I’m not like other<br />
guys. I’m different.” Ainda nesta década dois<br />
telediscos <strong>de</strong> duas bandas que competiam<br />
em pólos opostos: “Wild Boys” dos Duran<br />
Duran e “Lullaby” dos The Cure. O<br />
primeiro realizado pelo australiano Russel<br />
Mulcahy recupera muito do melhor cinema<br />
<strong>de</strong> género feito na ilha continente no<br />
fi nal da década anterior, principalmente os<br />
cenários pós-apocalípticos da série “Mad<br />
Max” on<strong>de</strong> Simon LeBon & companhia<br />
se per<strong>de</strong>m; o segundo realizado por Tim<br />
Pope é muito mais evocativo da mística<br />
natural da banda <strong>de</strong> Robert Smith, ou seja,<br />
enquanto o ví<strong>de</strong>o dos<br />
Duran Duran é atípico<br />
na sua carreira, já “Lullaby”<br />
é 100% Cure. Nele<br />
assistimos ao cantor<br />
ser <strong>de</strong>vorado pela boca<br />
<strong>de</strong> uma aranha gigante<br />
numa estética que traz<br />
à memória os melhores<br />
fi lmes <strong>de</strong> Terry Gilliam. Ainda no universo<br />
da pop comercial <strong>de</strong>staco o vi<strong>de</strong>oclip<br />
“Rock DJ” <strong>de</strong> Robbie Williams. Situado<br />
num cenário futurista <strong>de</strong> um ringue <strong>de</strong> patinagem<br />
só ocupado por top mo<strong>de</strong>ls, Williams<br />
surge no centro num altar ascen<strong>de</strong>nte<br />
on<strong>de</strong> vai tentar nos momentos que se seguem<br />
chamar a atenção da DJ através <strong>de</strong><br />
um strip-tease. Falhando completamente os<br />
seus propósitos resolve passar a outro nível<br />
<strong>de</strong> exposição, começa por retirar a pele,<br />
fi cando em carne viva e, gradualmente,<br />
arranca os seus músculos e tendões (lançados<br />
sobre patinadoras em êxtase) até restar<br />
apenas um esqueleto dançarino que conquista<br />
fi nalmente a atenção da DJ. Esta sequência<br />
fi nal foi censurada pelos principais<br />
canais <strong>de</strong> música, sendo inclusivamente<br />
acusado <strong>de</strong> satanismo na República Dominicana,<br />
passando sem este fi nal - o que torna<br />
o ví<strong>de</strong>o num objecto visual banal. And<br />
last but not least, talvez o melhor trabalho<br />
<strong>de</strong>ntre os referidos, a obra-prima “Come<br />
to Daddy” realizado pelo vi<strong>de</strong>asta Chris<br />
Cunningham para os Aphex Twin. Cunningham,<br />
que trabalhou nos efeitos especiais<br />
da saga “Alien” e <strong>de</strong> “I.A. Inteligência<br />
Artifi cial”, é um dos gran<strong>de</strong>s realizadores<br />
<strong>de</strong> vi<strong>de</strong>oclips da actualida<strong>de</strong> e colabora<br />
habitualmente com Björk e é o principal<br />
responsável pela forte componente estética<br />
ligada ao projecto <strong>de</strong> Richard D. James,<br />
Aphex Twin. “Come to Daddy” é uma<br />
experiência totalmente arrepiante e bizarra<br />
mesmo no pequeno ecrã. A sua acção <strong>de</strong>corre<br />
num subúrbio <strong>de</strong>gradado on<strong>de</strong> uma<br />
idosa passeia o cão, que <strong>de</strong> repente é ro<strong>de</strong>ada por um grupo<br />
<strong>de</strong> crianças, todas com a grotesca máscara da face <strong>de</strong> Richard<br />
D. James, que a impelem para junto <strong>de</strong> um televisor partido.<br />
Do seu interior emerge um <strong>de</strong>mónio branco que acolhe todas<br />
as crianças <strong>de</strong>baixo dos seus braços. A linguagem visual é<br />
tão forte e ao mesmo tempo fresca, que é difícil esquecer este<br />
ví<strong>de</strong>o <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> o ter visto, principalmente por ter surgido na<br />
década menos memorável para o género cinematográfi co em<br />
termos qualitativos, década que viu nascer por exemplo a febre<br />
dos remakes. Arriscaria mesmo consi<strong>de</strong>rar este trabalho <strong>de</strong><br />
Cunningham como uma das imagens icónicas do bom terror<br />
do fi nal do fi nal do séc.XX. BANG!<br />
16. Imagem do vi<strong>de</strong>oclip “Thriller” <strong>de</strong> Michael Jackson<br />
17. Imagem do vi<strong>de</strong>oclip “Rock DJ” <strong>de</strong> Robbie Williams<br />
18. Imagens do vi<strong>de</strong>oclip “Come to Daddy” <strong>de</strong> Aphex Twin<br />
João Monteiro nascido a 17/05/1977.<br />
Licenciado em História da Arte. Sócio-fundador<br />
do Cineclube <strong>de</strong> Terror <strong>de</strong> Lisboa (CTLX) e<br />
produtor/programador do MOTELx.<br />
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