As Meninas por Lygia Fagundes Telles
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lhe ensinar que tudo que se faz antes e depois do amor deve ser<br />
harmonioso. É antiestético masturbar-se? Não propriamente antiestético<br />
mas triste. No tempo em que Lião fazia milhares de pesquisas, fez uma<br />
entre as meninas da Faculdade, quantas se masturbavam? Incrível o<br />
resultado entre as virgens. Incrível. "Estamos saindo da Idade Média —<br />
disse ela examinando a pupilada. — Heranças das nossas mães e avós,<br />
entende. Somadas nos hábitos da adolescência, dá essa <strong>por</strong>centagem<br />
alarmante. Você também se masturba?" — perguntou cravando em mim<br />
o olho negro da inquisição.<br />
Duas abelhinhas louras, dessas que só fazem mel e amor,<br />
pousaram no meu pé, primeiro uma e depois a outra. Afasto as<br />
brandamente, o gesto tem que ser brando para que não se sintam<br />
rejeitadas, viu, M.N.? Se você não me quiser, é assim que deve fazer<br />
comigo, vai, minha abelhinha, vai. Antes de voar, a maiorzinha delas<br />
esfregou as duas patinhas dianteiras, como quando se lavam as mãos e<br />
em seguida esfregou uma das patas até a extremidade do abdômen<br />
listrado de amarelo. Não deu Para ver onde exatamente a mão foi parar<br />
mas se Lião fosse pesquisar também entre as abelhas, tu quoque, bestiola?!<br />
Bestiola é inseto. E abelha? Enfim, ela perguntou e se não respondi com<br />
maior nitidez foi <strong>por</strong>que nunca podia bem alcançar aquela tarde lá atrás.<br />
Masturbação? Aquilo? Treze anos, lição de piano. O Camponês Alegre.<br />
Participei tanto da alegria que a banqueta oscilava Para a frente e para<br />
trás, o ritmo se acelerando, acelerando. A ânsia no peito, o sexo<br />
pisoteando a almofada com a mesma veemência das mãos martelando o<br />
teclado sem vacilação, sem erro. Nunca toquei tão bem como naquela<br />
tarde, o que hoje me parece complacente extraordinário. Desci da<br />
banqueta como de um cavalo. Na hora do jantar, mãezinha me beijou<br />
toda comovida: "Ouvi seu piano enquanto mexia a goiabada, você tocou<br />
divinamente." Então fiquei sorrindo para o prato: meu primeiro segredo.<br />
Rômulo atirou em mim uma bolota de miolo de pão e Remo enfiou um<br />
besouro no meu cabelo mas quando fomos para a varanda, me senti<br />
luminosa como uma estrela. E se Rômulo não viesse me assustar com um<br />
lençol, poderia ter permanecido mais de dois minutos em levitação. A<br />
segunda vez também foi na fazenda, enquanto tomava banho. Ainda <strong>por</strong><br />
acaso. Entrei na banheira vazia, deitei-me no fundo e abri a torneira. O<br />
jorro quente caiu no meu peito com tamanha violência que escorreguei e<br />
ofereci a barriga. Da barriga já pisoteada o jato passou para o ventre e