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As Meninas por Lygia Fagundes Telles

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dinheiro contando o dinheiro que nunca dava pra nada. "Não dá" — ela<br />

dizia. Nunca dava <strong>por</strong>que era uma tonta que não cobrava de ninguém.<br />

Não dá não dá ela repetia mostrando o dinheirinho que não dava<br />

embolado na mão. Mas dar mesmo até que ela deu bastante. Pra meu<br />

gosto até que ela deu demais. Uma corja de piolhentos pedindo e ela<br />

dando. O mais im<strong>por</strong>tante foi o Doutor Algodãozinho.<br />

— Max, você está aí? Sabe como se chamava meu dentista? Doutor<br />

Algodãozinho.<br />

Max despejou uísque no copo. Sacudiu-o e o depósito de poeira<br />

esbranquiçada ameaçou subir.<br />

Algodãozinho? Doutor Algodãozinho?<br />

Aperta o copo na mão. Quando Lorena sacode a bola de vidro a<br />

neve sobe tão leve. Rodopia flutuante e depois vem caindo no telhado na<br />

cerca e na menininha de capuz vermelho. Então ela sacode de novo.<br />

"<strong>As</strong>sim tenho neve o ano inteiro." Mas <strong>por</strong> que neve o ano inteiro? Onde<br />

é que tem neve aqui? Acha lindo neve. Uma enjoada. Trinco a pedra de<br />

gelo nos dentes.<br />

— Às vezes dorme com o Pato Donald. Fica apertando a barriga<br />

dele, coem, coem. Enjoada.<br />

Com a ponta da língua empurro o pedaço de gelo até o céu da<br />

boca. Na realidade o céu é lá em cima sem nenhuma dor. O inferno<br />

começa em seguida com as raízes. Tanta raiz se entrelaçando umas nas<br />

outras. Solidárias.<br />

— Ele vivia trocando o algodão dos buracos dos dentes, passava<br />

semana, mês, ano e ele vinha com aquele algodãozinho na pinça, ficou<br />

sendo o Doutor Algodãozinho.<br />

— Mas você tem bons dentes, ahn? Não tem, Coelha? Meu lindo.<br />

Meu inocente amor.<br />

— Tenho.<br />

— Então o Doutor Algodãozinho era bom.<br />

Era. Era ótimo. Mudava o algodãozinho enquanto o buraco ia<br />

aumentando. Aumentando. Cresci naquela cadeira com os dentes<br />

apodrecendo e ele esperando apodrecer bastante e eu crescer mais pra<br />

então fazer a ponte. Uma ponte pra mãe e outra pra filha. Bastardo.<br />

Sacana. <strong>As</strong> duas pontes caindo na ordem de entrada em cena. Primeiro<br />

da mãe que se deitou com ele em primeiro lugar e depois. Fui passando<br />

pela ponte a ponte estremeceu água tem veneno maninha quem bebeu morreu.

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