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Antropofagia e Alteridade - CFH

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Revista Virtual de Ciências Humanas - IMPRIMATUR - Ano 1 - Dezembro de 1999 Nº. 4<br />

Caráter esse que se impregna de tal modo em nossa melhor arte que, por fim, a arte se torna<br />

irrealizável sem a própria participação do outro, espectador.<br />

Tencionamos aqui entender que aspecto é esse que confere à antropofagia tanto caráter estético<br />

como político. E se é a alteridade quem propicia tal efeito, talvez, ao fim do trabalho, já não<br />

sejamos mais nós...<br />

IMPRIMATUR - Ano 1 - Nº 4 - Página 3<br />

A <strong>Antropofagia</strong> Tupinambá<br />

Para compreendermos melhor a noção de alteridade contida na relação antropofágica canibal,<br />

nada mais esclarecedor do que uma rápida passada pelo célebre trabalho do professor Florestan<br />

Fernandes, A função social da guerra na sociedade Tupinambá.<br />

Diferentemente da visão de Chougnet (1998) que, analisando Montaigne, toma o canibalismo<br />

Tupinambá como uma relação onde a vingança pelo sangue é a razão de ser da antropofagia<br />

ritual, como se os Tupinambás fossem um povo extremamente vingativo. O trabalho de Florestan<br />

Fernandes nos permite compreender o canibalismo como uma prática de apropriação das forças<br />

do outro.<br />

Analisando-se os atos de “destruição” dos inimigos, a primeira observação de Florestan<br />

Fernandes é de que a noção de vingança Tupinambá não cabe dentro da nossa categoria de<br />

pensamento, como um efeito em resposta a uma causa. A relação entre “ofensa” e “punição” não<br />

eram, necessariamente, a causa da relação sacrificial. A necessidade de socorrer o espirito do<br />

parente morto parecia mais adequado à causa. Assim, o sacrifício humano não era causado pela<br />

ação dos inimigos (a existência de uma “ofensa” recente não era condição necessária para<br />

incursões guerreiras) mas por necessidades do “espirito” do parente morto por eles.<br />

O derramamento de sangue pela existência de uma “ofensa a ser punida” tinha, portanto, pequena<br />

importância na delimitação psicológica do conceito de vingança.<br />

O sentido subjetivo da noção de vingança, para os Tupinambá, se exprime sociologicamente na<br />

relação existente entre as ações que deveriam ser praticadas contra os inimigos e as obrigações<br />

definidas pela necessidade do sacrifício humano.<br />

Para se entender a vingança Tupinambá deve-se ter em mente que, para eles, quando um de seus<br />

integrantes caía em mãos inimigas, e era por eles devorado, os inimigos se apropriavam da<br />

“substância” do morto, adquirindo assim poder mágico sobre o povo ao qual ele pertencia.<br />

Na relação sacrificial, através do massacre ritual, o espirito vingado receberia de volta a<br />

“substância” de seu corpo que caíra anteriormente em poder dos inimigos, restituindo-se sua<br />

integridade. Assim, o massacre ritual da vítima era, a um só tempo, condição, princípio e fim da<br />

vingança. O sangue deveria ser derramado não como vingança, mas como uma necessidade<br />

mágica para se restituir a “substância” do parente morto. Diferente da idéia transmitida por<br />

Chougnet, onde, entre os Tupinambás, a “vingança pelo sangue se estabelece em toda sua<br />

grandeza sincera e bárbara” (1998, p.92).<br />

Mas e o caráter de alteridade?<br />

O canibalismo propriamente dito, ou seja, o ato de devorar a carne humana, constituía o momento<br />

subsequente ao massacre ritual. No massacre, o espirito que recebe o sacrifício infundiria no<br />

corpo da vítima qualidades precedentes de si mesma, neutralizando a nocividade do inimigo.

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