Antropofagia e Alteridade - CFH
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Revista Virtual de Ciências Humanas - IMPRIMATUR - Ano 1 - Dezembro de 1999 Nº. 4<br />
E em Volpi também percebemos nosso eu projetado sob a forma de um vocabulário que nos é<br />
inteligível. São bandeirinhas, janelas, portas, ... transubstanciados numa aventura cromática e de<br />
pesquisa sem fim.<br />
No entanto, será somente com Oiticica e Lygia Clark que o diálogo obra/público se instaura de<br />
maneira absoluta, onde a participação do público se torna condição necessária de realização da<br />
própria arte.<br />
A fruição em si passa a ser proposta de arte.<br />
*<br />
E é na fruição como arte que o sujeito reconstitui o processo de produção do artista, como<br />
concreção do próprio impulso interior de que a obra nasceu. O diálogo que se estabelece entre a<br />
obra e o público realiza-se no campo das vivências interiores, a obra fala à intimidade do homem<br />
e não apenas à sua exterioridade sensorial. Os trabalhos tornam-se então “receptáculos abertos a<br />
significações”.<br />
Em Oiticica o aspecto identitário brasileiro – a cor – permanece. “A compreensão da monocromia<br />
como condição moderna e eminentemente contemporânea atravessa toda a obra de Hélio<br />
Oiticica...” (Venâncio Filho, 1998, p.224). Mas agora o que se busca são novas formas de se<br />
alcançar o eu do indivíduo/espectador. A cor tem a sua função, pois a cor não se conforma a<br />
nenhum limite. E, dessa forma, Oiticica a liberta da relação figura/fundo e da pintura de cavalete,<br />
transformando-a em obra. Agora, a cor é o objeto e o objeto é a cor. A obra torna-se o corpo da<br />
cor.<br />
A cor é utilizada para se quebrar a distância que separa a obra do público. O trabalho com o<br />
branco procura reduzir o contraste, induzindo à proximidade e estimulando a introspecção. Mas a<br />
intenção de Hélio era extroverter, projetar. Daí sua proposta de uma cor energética, solar,<br />
luminosa. Em sua arte o objeto deve ser um emanador de cor.<br />
Mas mais do que a cor, a proposta de Oiticica era a de redefinir a arte como uma atividade lúdica,<br />
aberta à interferência do público e ao imprevisível. “A produção de Oiticica, a partir dos<br />
Parangolés, é nitidamente marcada pela busca para integrar a arte na experiência cotidiana. É a<br />
recusa do amedrontamento perante um mito. A proposta da ‘Antiarte’ consiste em sensibilizar o<br />
cotidiano por meio da repotencialização do ‘coeficiente’ criativo do indivíduo. O artista torna-se<br />
agora o motivador da criação, que só se realiza com a participação do ‘ator/espectador’. Ele reúne<br />
elementos e recursos diversos como cor, estrutura, música, dança, palavra e fotografia, no que<br />
define como ‘totalidade-obra’. É por meio da experiência com a cor que Oiticica rejeita a<br />
dicotomia objeto/sujeito. Funda a obra na própria relação com o sujeito que, ao realizá-la, efetiva<br />
uma operação que o leva a si mesmo, a um autoconhecimento.” (Matesco, 1998, p.386).<br />
Em Cildo Meireles, o mesmo estranhamento do olhar se dá entre o eu e o outro (a obra). Em<br />
Desvio para o vermelho, o desvio consiste em afastar-se do sentindo que pareceria mais evidente,<br />
para enveredar por sinuosidades. Saímos da identidade em direção à diferença. O que se vê é o<br />
que não se vê...<br />
*<br />
No entanto, talvez seja em Lygia Clark que possamos encontrar a máxima da fruição tida como<br />
arte. Na verdade, sua intenção era fazer da própria existência uma obra de arte. Com Lygia, o<br />
objeto artístico torna-se um quase nada, reduzido apenas ao seu essencial, “...aquilo que opera, no<br />
IMPRIMATUR - Ano 1 - Nº 4 - Página 7