Linguagem e sentido na Educação Infantil: uma ... - TV Brasil
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tempo e pelo uso, admirava sua letra re-<br />
donda e grande, com caneta de molhar,<br />
sem ainda desconfiar das palavras. Eu<br />
sabia do todo, sem suspeitar das partes.<br />
Durante muitas tardes, com o pensa-<br />
mento enfastiado de passado, ela passa-<br />
va as pági<strong>na</strong>s lentamente (...) (Queirós,<br />
2012, p.17).<br />
A curiosidade frente à escrita era saciada<br />
pelo pai que, mesmo em silêncio, dialogava<br />
<strong>na</strong> ação de repetir a escrita dos nomes solici-<br />
tados. O menino curioso dobrava a atenção<br />
para aprender:<br />
Ele [o pai] tinha alguns livros velhos, que<br />
relia sempre. Eram histórias de grandes<br />
homens. Outras vezes, usando da pe<strong>na</strong><br />
e do tinteiro, escrevia com letra bonita<br />
o nome dele, dos filhos, da mulher. An-<br />
tônio, sem saber ler, ficava curioso para<br />
saber onde estava o seu nome. Se perto<br />
ou longe do nome do pai. Sem arriscar a<br />
perguntar muito, pedia ao pai que escre-<br />
vesse de novo. Ele cumpria a curiosidade<br />
do menino, caprichando ainda mais a le-<br />
tra. Antônio dobrava a atenção (Queirós,<br />
2004, p. 39).<br />
A leitura e a escrita – embora esparsas – ti-<br />
nham um lugar <strong>na</strong> família e <strong>na</strong> vida do me-<br />
nino. Mas é <strong>na</strong> relação entre o neto e o avô<br />
que o autor nos presenteia com <strong>uma</strong> inte-<br />
ressante passagem: o avô, que escrevia <strong>na</strong>s<br />
paredes da casa todos os acontecimentos da<br />
cidade, foi também quem teve a sensibilida-<br />
de de ensi<strong>na</strong>r o neto a ler brincando. O me-<br />
nino desejava ler os textos das paredes e o<br />
avô lia para ele. Mais <strong>uma</strong> vez se apresenta<br />
o respeito do adulto à curiosidade infantil.<br />
O ensino partia da pergunta de quem queria<br />
aprender:<br />
Meu avô, arrastando solidão, escrevia<br />
<strong>na</strong>s paredes da casa. As palavras abran-<br />
davam sua tristeza, organizam sua<br />
curiosidade silenciosamente (...). A cida-<br />
de era seu assunto: amores desfeitos, ma-<br />
drugadas e fugas, casamentos e traições,<br />
velórios e heranças (...). Eu, devagarinho,<br />
fui decifrando sua letra, amarrando as<br />
palavras e amando seus significados (...).<br />
Eu restava horas sem fim, de coração<br />
aflito, seduzido pelas histórias de amor,<br />
de desafeto, de ingratidão, de mentiras<br />
do meu primeiro livro – as paredes da<br />
casa de meu avô. Assim percebi o serviço<br />
das palavras – faca de dois gumes. Meu<br />
avô desdizia verdades eter<strong>na</strong>s com as<br />
mesmas palavras com que escreveram a<br />
Bíblia Sagrada. (...). Meu avô escancara-<br />
va o mundo com letra bonita e me dei-<br />
xava livre para desvendar sua escritura.<br />
(...) Eu decorava tudo e repetia timida-<br />
mente. Eram tranquilas suas aulas, e o<br />
maior encanto estava em meu avô culti-<br />
var dúvidas. Se ele escrevia “o mundo é<br />
<strong>uma</strong> bola besta sem eira nem beira”, eu<br />
desconfiava se estava dizendo ser a Ter-<br />
ra redonda ou se a Terra era <strong>uma</strong> piada<br />
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