Para um pensamento do sul : diálogos com Edgar Morin - BVS-Psi
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Comecemos por problematizar a mundialização. Inicia<strong>do</strong> no fim <strong>do</strong> sé-<br />
culo xv <strong>com</strong> a conquista das Américas e a navegação ao re<strong>do</strong>r <strong>do</strong> globo,<br />
esse processo se desenvolveu na e por meio da colonização e da escravi-<br />
dão e, a partir <strong>do</strong>s anos 1990, se des<strong>do</strong>brou sob a forma da globalização.<br />
Esse processo prossegue de maneira desenfreada. A ciência, a técnica, a<br />
economia, o lucro são os motores desse dinamismo que propulsa a nave espacial<br />
Terra. Este dinamismo científico-técnico-econômico produziu novos<br />
perigos para toda a h<strong>um</strong>anidade, <strong>com</strong> a proliferação das armas nucleares,<br />
<strong>com</strong> a degradação da biosfera, <strong>com</strong> as policrises planetárias e, também,<br />
<strong>com</strong> os novos conflitos étnico-religiosos que dilaceram nosso planeta e podem<br />
provocar a utilização das armas de aniquilamento.<br />
Somos testemunhas e vítimas atuais de <strong>um</strong>a crise econômica decorrente<br />
da ausência de regulação de <strong>um</strong>a economia mundial corrompida pela<br />
especulação financeira. Essa crise se inscreve n<strong>um</strong> conjunto de crises. Crise<br />
da relação entre os seres h<strong>um</strong>anos e a natureza, <strong>com</strong>o o provam as<br />
múltiplas degradações da biosfera. Crise das sociedades tradicionais, que<br />
tendem a se desintegrar sob o dinamismo dessa mundialização, que, na<br />
verdade, é <strong>um</strong>a ocidentalização. Crise da própria modernidade, já que não<br />
só a modernidade alcançada nos países da Europa ocidental e nos Esta<strong>do</strong>s<br />
uni<strong>do</strong>s não c<strong>um</strong>priu as promessas de <strong>um</strong>a vida melhor, de <strong>um</strong>a vida<br />
emancipada, de <strong>um</strong>a vida harmoniosa, mas, ao contrário disso, criou <strong>um</strong><br />
novo mal-estar na civilização. Crise da modernidade também, no senti<strong>do</strong><br />
em que o que justificava seu devir era a ideia transformada em <strong>do</strong>gma universal<br />
no século xx de que o progresso era <strong>um</strong>a lei implacável da história<br />
h<strong>um</strong>ana. Acontece que, progressivamente, descobrimos que motores <strong>do</strong><br />
progresso eram profundamente ambivalentes, <strong>com</strong>o a ciência, a técnica,<br />
o desenvolvimento. Descobrimos também que a promessa morreu, que o<br />
futuro é incerto, que o amanhã é desconheci<strong>do</strong>. A autodestruição da ideia<br />
de progresso nos levou a <strong>um</strong>a crise <strong>do</strong> futuro. E diante da crise <strong>do</strong> futuro,<br />
da angústia <strong>do</strong> presente, o que sobra a não ser à volta às raízes, isto é, ao<br />
passa<strong>do</strong>? O filósofo tcheco Jan Patocka formulou a visão mais correta acerca<br />
desse tema: "O devir é problematiza<strong>do</strong> e ele o será para sempre". Isso<br />
quer dizer que a aventura h<strong>um</strong>ana é <strong>um</strong>a aventura desconhecida.<br />
Assim, todas essas crises desembocam na crise <strong>do</strong> desenvolvimento.<br />
é certo que o desenvolvimento trouxe bem-estar, autonomias individuais,<br />
emancipações por meio da criação de novas classes médias. Mas o desenvolvimento<br />
trouxe também a destruição das solidariedades tradicionais,<br />
novas corrupções, crescimento das desigualdades por toda parte <strong>do</strong><br />
globo, enormes misérias. Presenciamos esse conjunto de fatos na ásia, na<br />
América Latina, na áfrica, em megalópoles <strong>com</strong> imensos subúrbios ou peri-<br />
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