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Para um pensamento do sul : diálogos com Edgar Morin - BVS-Psi

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Cronometrada e hiperespecializada, a lógica da eficácia, da previsibili-<br />

dade, da "calculabilidade" cronometrada e hiperespecializada se espalhou<br />

em inúmeros setores de nossa vida. A <strong>com</strong>eçar pelas administrações públicas,<br />

nas quais a burocracia gangrena a atividade gestionária. Ela ass<strong>um</strong>e<br />

os <strong>com</strong>an<strong>do</strong>s <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> urbano e até mesmo <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> rural, <strong>com</strong> a industrialização<br />

da agricultura e da criação de ga<strong>do</strong>. Invade também a educação,<br />

para voltá-la à formação de profissionais eficientes e rentáveis. Invade<br />

a vida cotidiana. Invade o cons<strong>um</strong>o, as regras, os lazeres, os serviços. há o<br />

que Ritzler chama de "a mac<strong>do</strong>naldização da sociedade". Em outras palavras,<br />

<strong>um</strong>a forma fechada de racionalização está se espalhan<strong>do</strong> por to<strong>do</strong> o<br />

planeta e essa racionalização produz <strong>um</strong>a irracionalidade total.<br />

Fala-se <strong>do</strong> <strong>pensamento</strong> único na política. Mas o <strong>pensamento</strong> único na<br />

política não é senão <strong>um</strong> <strong>do</strong>s ramos de <strong>um</strong> <strong>pensamento</strong>, ao mesmo tempo<br />

redutor e disjuntivo, que reina em todas as áreas e <strong>com</strong>anda, igualmente,<br />

os opositores <strong>do</strong> <strong>pensamento</strong> único, que fazem denúncias justas, mas são<br />

incapazes de traçar qualquer arg<strong>um</strong>ento que possa nos conduzir a <strong>um</strong><br />

caminho novo.<br />

A lógica <strong>do</strong> Norte, enfim, é cega às realidades <strong>do</strong> Sul, consideradas por<br />

ela <strong>com</strong>o atraso, arcaísmo, preguiça. O <strong>pensamento</strong> <strong>do</strong> Norte é feito para<br />

tratar os problemas de organização técnicos, práticos e quantificáveis, ou<br />

seja, a prosa da vida. Acontece que a vida h<strong>um</strong>ana não <strong>com</strong>porta apenas<br />

a prosa. A prosa é o que fazemos por obrigação, por imposição, para<br />

ganhar nossa vida. E ganhamos nossa vida, muitas vezes perden<strong>do</strong>-a. A<br />

prosa nos faz sobreviver. viver significa, entretanto, viver poeticamente,<br />

isto é, no amor, na <strong>com</strong>unhão, na realização de si, na alegria e, no limite,<br />

no êxtase. Retomo aqui a expressão de hölderlin: "Poeticamente o homem<br />

habita a Terra". Na realidade, habitamos a Terra prosaica e poeticamente.<br />

A prosa tende, porém, a invadir nossa vida. Será que o <strong>pensamento</strong> <strong>do</strong> Sul<br />

teria <strong>com</strong>o missão relembrar unicamente o caráter essencial da poesia <strong>do</strong><br />

viver? Ainda mais pelo fato de que no Sul existem as artes de viver, arte de<br />

viver em praça pública, arte de viver de maneira extrovertida, arte de viver<br />

na <strong>com</strong>unicação, arte de viver que <strong>com</strong>porta a hospitalidade, arte de viver<br />

que preserva as qualidades poéticas da vida.<br />

Não digo isso para rejeitar em bloco a lógica <strong>do</strong> Norte. Penso que precisamos<br />

aclimatar o que vem <strong>do</strong> Norte. é necessário que nos beneficiemos<br />

das contribuições <strong>do</strong> Norte. é preciso fazer isso principalmente no que concerne<br />

aos direitos da mulher, frequentemente muito subestima<strong>do</strong>s no Sul,<br />

à emancipação <strong>do</strong>s a<strong>do</strong>lescentes e da juventude, que é <strong>um</strong>a contribuição<br />

positiva às ideias de autonomia individual, desde que <strong>com</strong>binadas ao sentimento<br />

das solidariedades que frequentemente existe no Sul. Creio que é<br />

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