Testamento e inventário do preto forro vitoriano Ramos - Nucleo de ...
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O <strong>Testamento</strong> e o Inventário post mortem <strong>do</strong> <strong>forro</strong> Vitoriano <strong>Ramos</strong> da<br />
Silva estão guarda<strong>do</strong>s no Arquivo Histórico <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>do</strong> Maranhão.<br />
Este acervo possui mais <strong>de</strong> cinqüenta Inventários pertencentes a mora<strong>do</strong>res da<br />
Capitania <strong>do</strong> Maranhão, no perío<strong>do</strong> colonial. Entre estes <strong>do</strong>cumentos, encontramos<br />
uns cinco que têm como titulares alforria<strong>do</strong>s. Eles chamam a atenção <strong>de</strong><br />
qualquer pesquisa<strong>do</strong>r por sua preciosida<strong>de</strong> histórica; afinal, estas pessoas foram<br />
escravas, viviam em condições as mais adversas e conseguiram <strong>de</strong>ixar registros<br />
escritos para a posterida<strong>de</strong>.<br />
To<strong>do</strong> o seu conteú<strong>do</strong> nos fala sobre a complexida<strong>de</strong> <strong>do</strong> sistema escravista<br />
e sobre a inserção <strong>do</strong> alforria<strong>do</strong> no mesmo. Nos faz refletir acerca da visão<br />
simplista existente sobre esta forma <strong>de</strong> exploração <strong>do</strong> trabalho humano; visão<br />
que cristaliza a imagem a-histórica <strong>do</strong> senhor malva<strong>do</strong> e <strong>do</strong> escravo submisso, e<br />
que coloca os poucos indivíduos que se rebelaram aquilomba<strong>do</strong>s nas matas,<br />
segrega<strong>do</strong>s socialmente. As coisas não foram tão simples assim; tanto que nos<br />
chegaram inúmeros <strong>do</strong>cumentos ten<strong>do</strong> como titulares alforria<strong>do</strong>s, e são recorrentes<br />
nos testamentos e <strong>inventário</strong>s <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> as referências a alforrias. Embora<br />
estes sejam registros raros em meio a um imenso silêncio, que nos fala<br />
sobre os milhares <strong>de</strong> escravos que existiram. Mas, se estes <strong>do</strong>cumentos chegaram<br />
até nós, é porque existiam “brechas”, possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sobrevivência e até<br />
ascensão social <strong>de</strong> alguns escravos, como veremos a seguir.<br />
Vitoriano <strong>Ramos</strong> era natural da Bahia, batiza<strong>do</strong> na “freguesia <strong>de</strong> Nossa<br />
Senhora da Conceição da Praia”, e <strong>de</strong>ve ter migra<strong>do</strong> para a Capitania <strong>do</strong><br />
Maranhão nas décadas finais <strong>do</strong> século XVIII, com certeza atraí<strong>do</strong> pelo “boom”<br />
agroexporta<strong>do</strong>r <strong>do</strong> algodão e <strong>do</strong> arroz. Segun<strong>do</strong> ele mesmo conta, vivia há muitos<br />
anos em São Luís, na companhia <strong>de</strong> Maria <strong>do</strong>s Santos das Neves, também<br />
preta forra. Moravam num “quarto <strong>de</strong> casa”, na Rua <strong>de</strong> Santa Rita, “por <strong>de</strong>trás<br />
da Igreja <strong>de</strong> Nossa Senhora da Conceição”. Além <strong>de</strong>ste imóvel, Vitoriano da<br />
Silva possuía ainda um terreno, na Rua Direita <strong>do</strong> Açougue, “compra<strong>do</strong> a Luiza<br />
Bernarda”. Contu<strong>do</strong>, estes não eram os bens <strong>de</strong> maior valor <strong>do</strong> baiano, ele possuía<br />
quatro escravos, <strong>do</strong>is africanos e <strong>do</strong>is crioulos, que totalizaram a quantia <strong>de</strong><br />
quatrocentos e oitenta mil réis. Alforria<strong>do</strong> proprietário <strong>de</strong> escravos não era um<br />
fenômeno social incomum naquela organização social. Quase to<strong>do</strong>s os mora<strong>do</strong>res<br />
proprietários possuíam escravos, mesmo os pobres.<br />
O arquivo <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> Justiça guarda o <strong>inventário</strong> <strong>de</strong> outra família <strong>de</strong><br />
libertos, a <strong>de</strong> José Lopes Fernan<strong>de</strong>s e Izi<strong>do</strong>ra Rosa <strong>de</strong> Jesus, que viviam em São<br />
Luís, mas eram proprietários rurais. O casal <strong>de</strong> <strong>forro</strong>s possuía <strong>do</strong>ze escravos<br />
africanos que trabalhavam na lavoura <strong>de</strong> algodão. Totaliza<strong>do</strong>s os bens <strong>de</strong>ste<br />
casal, chegou-se à quantia <strong>de</strong> três contos, seiscentos e oitenta réis, uma fortuna<br />
mediana naquela conjuntura 1 . Estes são os alforria<strong>do</strong>s em melhor condição econômica<br />
que localizamos, pois a maioria <strong>do</strong>s ex-escravos estava entre aqueles <strong>de</strong><br />
reduzidas posses.<br />
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<strong>Testamento</strong> e <strong>inventário</strong>