O QUINZE Rachel de Queiroz Edição integral ... - OpenDrive
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E, além, uma família <strong>de</strong> Cariri velava um <strong>de</strong>funto, duro e seco, apenas<br />
recoberto por farrapos <strong>de</strong> cor<br />
in<strong>de</strong>cisa. Conceição sabia quem ele era. Tinha morrido ao meio-dia,<br />
e a sua gente teimava em não o misturar com os outros mortos.<br />
O bon<strong>de</strong> chegou.<br />
Ainda sob a impressão da conversa com a Chiquinha Boa a moça pensava em<br />
Vicente. E<br />
novamente sofreu o sentimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>silusão e <strong>de</strong>speito que a magoara<br />
quando a mulher falava.<br />
”Sim, senhor! Vivia <strong>de</strong> prosear com as caboclas e até falavam muito <strong>de</strong>le<br />
com a Zefa do Zé<br />
Bernardo!”<br />
E ela, que o supunha indiferente e distante, e imaginava que, aos olhos<br />
<strong>de</strong>le, todo o resto das<br />
mulheres <strong>de</strong>ste mundo se esbatía numa massa confusa e in<strong>de</strong>sejada...<br />
Que julgara ter sido ela quem lhe acordara o interesse arisco e<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong>nhoso do coração!...<br />
”Uma cabra, uma cunhã à-toa, <strong>de</strong> cabelo pixaim e <strong>de</strong>nte podre!...”<br />
Na casinha amarela <strong>de</strong> três portas, na Rua <strong>de</strong> São Bernardo, bem perto da<br />
igreja, Dona Inácia, do<br />
postigo, já a esperava.<br />
Conceição entrou, beijou a velha.<br />
- Sabe, Mãe Nácia, quem eu vi hoje no Campo? A Chiquinha Boa, moradora<br />
<strong>de</strong> tia Idalina. Deu<br />
notícias <strong>de</strong> todos. Estão no Quixadá, mas sem o Vicente.<br />
A avó espantou-se:<br />
- E ele? Terá embarcado? Sem ninguém saber? Conceição<br />
sorriu-se:<br />
- Não, senhora! Ficou na fazenda por causa do gado... Dona Inácia fê-la<br />
esgotar todos os<br />
pormenores:<br />
- E a Chiquinha? Vicente não dava serviço a todos os moradores? Por que<br />
ela veio?<br />
- Sei lá! Diz que só ouvia falar no que o governo dava... Veio com os<br />
filhos.<br />
- E a Idalina está-se dando bem no Quixadá?<br />
- Parece que está...<br />
A avó ficou pensando um instante. Depois suspirou:<br />
- Eu também podia ter ficado no Quixadá... junto com meus conhecidos,<br />
meus parentes...<br />
Conceição queixou-se, amuada:<br />
- Não diga isso, Mãe Nácia! Então você preferia ter ficado perto<br />
daquelas velhas, suas primas, lá no<br />
calcanhardo-judas, do que junto <strong>de</strong> sua filha? Sim, senhora! Isso é que<br />
é bem-querer!<br />
A velha teve um riso amargo; ergueu-se da ca<strong>de</strong>ira e atravessou<br />
nervosamente a salinha:<br />
- Quero tanto bem a você, que vim, mesmo sem gostar daqui... Mas é que<br />
no Quixadá eu estava<br />
mais perto do meu canto, <strong>de</strong> minha igreja...<br />
- Por igreja, não, que aqui tem uma bem pertinho... É verda<strong>de</strong> que os<br />
santos não eram seus<br />
conhecidos...<br />
Dona Inácia novamente se sentou, novamente suspirou e pegou no croché.<br />
Conceição foi mudar <strong>de</strong><br />
roupa.<br />
Mas voltou, sacudindo os cabelos soltos, com os grampos na mão.