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O QUINZE Rachel de Queiroz Edição integral ... - OpenDrive

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- Morre, doutor?<br />

- Não sei... Esses meninos da seca são tão milagrosos que às vezes<br />

escapam...<br />

E apalpando os bracinhos ressequidos como asas <strong>de</strong>penadas, as pobres<br />

perninhas atrofiadas:<br />

- Mas também que esqueleto a senhora foi arranjar! Há retirantes que<br />

têm crianças mais sadias...<br />

A moça explicou:<br />

- Este não escolhi, doutor. É porque é meu afilhado...<br />

- Então é como um <strong>de</strong>funtinho que minha mulher recebeu, também porque<br />

era afilhado. Tinha<br />

vindo a pé <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o Icó! Mas morreu...<br />

E ao se afastar, acrescentou:<br />

- No entanto, tenha esperança... Po<strong>de</strong> ser... Há tanto milagre no mundo!<br />

Quinze dias compridos e angustiados Duquinha levou para uma melhora<br />

sensível.<br />

Enfim já se sentava na re<strong>de</strong> e pegava com as mãos incertas a tigela <strong>de</strong><br />

leite ou <strong>de</strong> caldo.<br />

E já não olhava a madrinha com a primitiva expressão assustada. Tinha<br />

para ela olhares agra<strong>de</strong>cidos<br />

e meigos, que a acompanhavam a circular no quarto, e <strong>de</strong>moravam<br />

longamente, com uma fixi<strong>de</strong>z<br />

brilhante, nas pregas do seu vestido branco, nos laços <strong>de</strong> suas tranças.<br />

Conceição toda se <strong>de</strong>svelava em exageros <strong>de</strong> maternida<strong>de</strong>. E a avó, vendo<br />

o cuidado <strong>de</strong>la, e o<br />

carinho com que cercava a criança, dizia às vezes:<br />

- Ali, menina! quando acaba, você diz que não é boa para casar!...<br />

Uma tar<strong>de</strong>, no Campo, Chico Bento chamou Conceição à parte, com ares<br />

preocupados:<br />

- Comadre, se a senhora me <strong>de</strong>sse uma palavrinha... Ela se aproximou,<br />

sentou-se:<br />

- o que é, compadre?<br />

O vaqueiro pigarreou, cuspiu para o lado, procurou a frase inicial:<br />

- Minha comadre, quando eu saí do meu canto era <strong>de</strong>terminado a me<br />

embarcar para o Norte. Com a<br />

morte do Josias e a fugída do outro, a mulher <strong>de</strong>sanimou e pegou numa<br />

chora<strong>de</strong>ira todo dia, com<br />

medo <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r o resto... Eu queria primeiro que a senhora <strong>de</strong>sse uns<br />

conselhos a ela; e ao <strong>de</strong>pois<br />

que me arranjasse umas passagenzinhas pro vapor. Esse negócio <strong>de</strong> morrer<br />

menino é besteira...<br />

Morre quando chega o dia, ou quando Deus Nosso Senhor é servido <strong>de</strong><br />

tirar...<br />

Conceição mor<strong>de</strong>u o lábio, pensativa:<br />

- Isso não, compadre! Eu acho que a comadre tem uma certa razão...<br />

Estas crianças não suportam<br />

uma viagem numa gaiola, <strong>de</strong> Amazonas acima... E mesmo que agüentem o<br />

navio, o que é que<br />

fazem com as doenças?<br />

Chico Bento lembrou:<br />

- Também pensei no Maranhão... Cordulina volveu, assombrada:<br />

- Que Maranhão, Chico, Deus me livre! Tu não tens visto dizer que morre<br />

lá família inteirinha <strong>de</strong><br />

sezão, que nem se fosse <strong>de</strong> peste?...<br />

Conceição assentiu, riscando pensativamente com a unha as pregas da<br />

saia:<br />

- E... eu tenho ouvido dizer que há muita febre no Maranhão ... Também

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