O QUINZE Rachel de Queiroz Edição integral ... - OpenDrive
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- Entre, compadre! Essa é a comadre- A<strong>de</strong>us, comadre, entre também! Cadê<br />
meu afilhado? Será esse que fugiu? Cordulina entrava, Puxando por um<br />
dos meninos, e respon<strong>de</strong>u:<br />
- Inhor não... seu afilhado era o Josias, morreu na viagem...<br />
O homem chamou a mulher:<br />
- Entre, Doninha! Venha falar com uns conhecidos! Entre, comadre, ela<br />
está na cozinha. Vá<br />
entrando!<br />
Depois, ficando só com Chico Bento, atentou na miséria<br />
esquelética e esfarrapada do retirante:<br />
- Então, compadre, que foi isso? A velha largou você?<br />
- Ela não quis tratar do gado mo<strong>de</strong> a seca, e mandou abrir as<br />
porteiras... E eu fIquei sem ter o que<br />
fazer. A morrer <strong>de</strong> fome lá, antes andando...<br />
O <strong>de</strong>legado quase <strong>de</strong>ixou cair o cachimbo, num assombro:<br />
- Não diga isso, compadre, não é possível! Deixar morrer aquele gadão<br />
todinho, sem mais pra quê!<br />
- Pois mandou soltar no dia <strong>de</strong> São José! Eu ainda esperei obra duma<br />
semana...<br />
O <strong>de</strong>legado se exaltou, gesticulando o cachimbo:<br />
- Aquela velha é uma <strong>de</strong>sgraça! Tenho fé em Deus que o dinheiro que ela<br />
poupa ainda há <strong>de</strong> lhe<br />
servir pra comer em cima duma cama... Você não se lembra por que foi<br />
que eu saí das Aroeiras,<br />
compadre? Me convidou para abrir uma bo<strong>de</strong>ga, que me dava mundos e<br />
fundos, garantia <strong>de</strong> um<br />
tudo. Gastei o que tinha e o que não tinha em mercadoria, e o resultado<br />
foi aquele... Era obrigado a<br />
fornecer a ela pelo custo, tinha <strong>de</strong> fazer isso, fazer aquilo, e ela não<br />
me dava interesse <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong><br />
nenhuma. Um dia man<strong>de</strong>i tudo pro diabo, liqui<strong>de</strong>i como pu<strong>de</strong> o que<br />
possuía, e me larguei pra cá.<br />
Inda hoje não me arrependi... Mas você ficou, foi-se fiar nesse negócio<br />
<strong>de</strong> madrinha Maroca, teve o<br />
pago...<br />
Chico Bento baixou a cabeça, concordando; olhou em redor, a casa<br />
caiada, a mesa envernizada,<br />
uma arca <strong>de</strong> couro, um relógio <strong>de</strong> pare<strong>de</strong>:<br />
- É, compadre, você está bem...<br />
Lá <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro a voz <strong>de</strong> Doninha chamou o marido:<br />
- Luís, traz o compadre aqui, pra botar qualquer coisa no estômago!<br />
Quando viu Chico Bento abancado, comendo, o <strong>de</strong>legado saiu da sala:<br />
- Vou mandar dois cabras atrás <strong>de</strong> seu menino. Não mando praça, porque<br />
só tem lá na Re<strong>de</strong>nção.<br />
Aqui no Acarape, só requisitando.<br />
Do alpendre, mandou um moleque com um recado, e os dois cabras chegaram:<br />
- Vocês vão ver se encontram um menino, filho <strong>de</strong> retirante, que aten<strong>de</strong><br />
por Pedro. Sumiu-se esta<br />
noite. Vejam lá se dão um jeito <strong>de</strong> achar. o pai anda em tempo <strong>de</strong> correr<br />
doido e é meu compadre!<br />
Depois foi à cozinha, consolou Cordulina:<br />
- Sossegue, comadre, já man<strong>de</strong>i caçar seu filho. Se estiver por cima do<br />
chão, se acha...<br />
Mas os cabras voltaram ao meio-dia sem o menino. Um <strong>de</strong>les não<br />
conseguira apurar nada. o outro<br />
contou<br />
que o menino tinha sido visto na véspera <strong>de</strong> noite, num rancho <strong>de</strong>