Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
<strong>AERO</strong>ESPAÇO<br />
16<br />
UM POUSO DIFERENTE<br />
Paullo ESTEVES – Cel Av R1.<br />
Assessor de Comunicação Social do<br />
<strong>DECEA</strong> – Piloto Inspetor nº 23<br />
Cheguei no Grupo Especial de<br />
Inspeção de Vôo (GEIV) em abril<br />
de 1975, capitão, cheirando à tinta,<br />
vindo da Academia da Força Aérea<br />
(AFA), onde permanecera cinco<br />
anos como instrutor.<br />
Apresentei-me de 5ºA e, com<br />
as alterações debaixo do braço,<br />
resoluto e altamente enquadrado.<br />
Naquela época, o GEIV consistia<br />
basicamente em uma só sala, por<br />
sobre a Sala de Tráfego do Santos-<br />
Dumont, onde se alinhavam cinco<br />
mesas: a do Comandante, a do Operações, a do Material, a do<br />
Pessoal e uma mesa de reuniões.<br />
Chegando da Academia, onde havia espaço de sobra, estranhei<br />
muito aquele “arranjo” e, antes de adjetivá-lo de promíscuo, preferi<br />
alcunhá-lo de ecumênico. Na verdade, se perdíamos em espaço<br />
e privacidade, ganhávamos em interação e camaradagem. Todos<br />
partilhavam de tudo.<br />
Pois bem: mais ou menos familiarizados com a atividade de<br />
inspeção em vôo, restava-me, agora no início, tornar-me operacional<br />
nas aeronaves-laboratório que o Grupo dispunha – duas EC-47<br />
(Douglas) e duas EU-8 (Queen-Air), já que os HS–125 eram voados<br />
apenas pelos Pilotos-Inspetores - as “cobras criadas”<br />
O auxiliar do Operações perguntou:<br />
- Você lê bem inglês?<br />
- Não, bem, não – respondi.<br />
- Então toma esta apostila do “Queen-Air” em português, mas vou<br />
te avisando, a tradução é incompleta e você só vai tirar seis. Ok?.<br />
- E com seis eu passo?, perguntei.<br />
- É... com seis está bom.<br />
Assim foi. Estudei a apostila, fiz a prova e tirei a nota máxima: seis.<br />
Dois dias depois, fui ter a minha primeira missão de instrução com<br />
o então Capitão Chaves (o Marron) que aliás era o responsável por<br />
eu estar no GEIV ( foi ele quem me convidou). Decolamos do Rio<br />
de Janeiro, fizemos cinco toques e arremetidas em Jacarepaguá,<br />
executei um procedimento ILS no Galeão, arremeti no ar, engrenei<br />
um procedimento NDB em Quebec (hoje ILA) e pousei final no<br />
Santos-Dumont.<br />
“É isso aí, garoto! Você já é 1P (1º piloto)”. Simples assim.<br />
Restava, agora, encarar o lendário C-47. Estudei a apostila, fiz<br />
a prova, passei e saí para a instrução. Decolei do Santos-Dumont<br />
ziguezagueando pela pista e fomos para São Pedro da Aldeia. Fiz<br />
uns dez toques e arremetidas e pousamos para reabastecimento.<br />
Na volta, fiz um procedimento em ILA e pousei no final do Santos-<br />
Dumont.<br />
O instrutor, o inesquecível Leite (Tide, para os íntimos) me deu<br />
mais um tapinha nas costas e disse: “Você está pronto, Estevinho!<br />
Já é 1P de C-47!”.<br />
Dias depois sairia em minha primeira missão de C-47 laboratório<br />
para executar o “Circuito Nordeste”, começando por inspecionar o<br />
VOR de Caravelas. O Piloto-Inspetor era o então Major Hegedus,<br />
macaco velho na atividade e no avião. Fiquei tranqüilo. Fomos nos<br />
conhecer naquela tarde, debaixo da asa do avião. Jamais o tinha<br />
visto na vida, nem ele a mim. Partimos. Saí pilotando.<br />
No meio do caminho, caiu a noite e começou a chover. Chegamos<br />
em Caravelas debaixo de um temporal. Noite preta, relâmpagos<br />
e o “pau” comendo. Bloqueei o VOR e iniciei o procedimento.<br />
Sem conhecer bem a máquina e sem reflexos de como o avião<br />
se comportaria, engrossei no procedimento, aplicando o “efeito<br />
tosqueira” na pilotagem. Atingindo condições visuais, no ponto<br />
crítico, tive que aceitar as sugestões do Major quanto ao uso dos<br />
flaps e acabei pousando na pista encharcada.<br />
Naquela noite, ambos já deitados, Hegesus, naturalmente<br />
passando o videoteipe do dia, relembrou a chegada em Caravelas e,<br />
por desencargo de consciência, perguntou:<br />
- Esteves, quantas horas de C-47 você tem?<br />
Somei mentalmente o número de horas e respondi:<br />
- Mais ou menos umas cinco horas.<br />
- O quê? Você está brincando! Só isso?<br />
- É, considerando o tempo de vôo até aqui, é mais ou<br />
menos por aí.<br />
• Logo vi - respondeu. Você precisa tomar instrução – e muita!<br />
Concordei: - Eu também acho.<br />
Assim foi. A partir daí, ele passou a me dar instrução enquanto<br />
fazíamos as inspeções em Caravelas, Ilhéus e Salvador. Vôo<br />
monomotor, pouso com vento cruzado etc...<br />
No dia 13 de setembro de 1975, exatamente às 8h da manhã,<br />
decolamos de Salvador para completar a inspeção do VOR,<br />
interrompida no dia anterior. Era um sábado e o dia estava lindo<br />
– céu claro e sol de fora. Por volta das 11h30, faltavam duas radiais<br />
de aerovia para voar. A que chamávamos de “tubarão feliz”, que<br />
adentrava 40 milhas mar a dentro e uma outra que vinha de Ilhéus<br />
pela aerovia G-1.<br />
No bloqueio, o Major me<br />
perguntou:<br />
- Esteves, qual das duas<br />
você quer fazer primeiro?<br />
- A “tubarão feliz”, chefe -<br />
respondi por pura intuição.<br />
- Tá bom, então<br />
vamos lá.<br />
Fomos a 40 milhas,<br />
mandamos trocar o monitor<br />
e voltamos até o bloqueio<br />
do VOR – a “tubarão feliz”<br />
estava feita. Saí, então, no<br />
eixo da G-1 no rumo de<br />
Ilhéus, fazendo a última<br />
radial de aerovia. Nas<br />
40 milhas anotamos os<br />
sinais, revertemos a curva<br />
e estávamos voltando,<br />
quando - pela 30ª milha,<br />
o motor direito tossiu.<br />
Imediatamente mandei a<br />
mão na booster (bomba<br />
de reforço), ligando-a.<br />
O motor deu uma melhorada, tossiu de novo e apagou. Tocou o<br />
horror.<br />
Treinado, compensei a máquina, enquanto o Major tentava fazer<br />
o motor pegar novamente. Inútil. Ficamos voando monomotor e<br />
perdendo altura – quando o motor apagou, estávamos a 1500 pés<br />
de altura – uma brabeza. Viemos, então, nos “arrastando”. Ao nosso<br />
lado estava a Ilha de Itaparica e, à nossa frente, a Baía de Todos os<br />
Santos. A sensação de desconforto era grande e, então, propus:<br />
• Major, vamos trocar de cadeira?<br />
Diante da minha condição de “aluno”, ele concordou<br />
imediatamente:<br />
• Boa idéia! Passa pra cá.<br />
Trocamos de cadeira e assumi as comunicações. Chamei a Torre<br />
de Salvador, reportei a emergência e perguntei se em Itaparica havia<br />
pista de pouso, ao que Salvador respondeu:<br />
- FAB 2065, negativo. O campo de pouso mais próximo é o do<br />
Aeroclube, no litoral.<br />
Quando olhei para o litoral, parecia que este se encontrava na<br />
África – “longe pra burro”.<br />
Foi aí que aconteceu o pior: o motor esquerdo tossiu também.