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Naturalismo e naturalização em filosofia da ciência

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CADERNOS UFS FILOSOFIA – Ano 7, Fasc. XIII, Vol. 9, Jan-Julho/ 2011 – ISSN Impresso: 1807-3972/ ISSN on-line: 2176-5987<br />

<strong>Naturalismo</strong> e <strong>naturalização</strong> <strong>em</strong> <strong>filosofia</strong> <strong>da</strong> <strong>ciência</strong><br />

José Carlos Pinto de Oliveira 1<br />

Resumo: É um lugar-comum na <strong>filosofia</strong> cont<strong>em</strong>porânea <strong>da</strong> <strong>ciência</strong> dizer-se que há perspectivas<br />

metodológicas normativas e descritivas (como a teoria de Popper, de um lado, e a de Kuhn, de<br />

outro). Para o „último‟ H<strong>em</strong>pel, no entanto, a diferença entre os dois tipos é apenas de grau. No<br />

presente trabalho, critico essa idéia de um ponto de vista histórico e a tomo como um ponto de<br />

parti<strong>da</strong> para compreender o papel <strong>da</strong> história <strong>da</strong> <strong>filosofia</strong> na <strong>filosofia</strong> <strong>da</strong> <strong>ciência</strong>.<br />

Palavras-chaves: Normativi<strong>da</strong>de, Descritivi<strong>da</strong>de, <strong>Naturalismo</strong>, Kuhn, H<strong>em</strong>pel, Popper, Historia<br />

<strong>da</strong> <strong>filosofia</strong>, Filosofia <strong>da</strong> <strong>ciência</strong>.<br />

1. Introdução<br />

O presente artigo é um esboço de resposta a uma questão que me foi coloca<strong>da</strong> sobre o<br />

que haveria de novo acerca do naturalismo. Devo declarar, logo de saí<strong>da</strong>, que trabalho<br />

<strong>em</strong> história <strong>da</strong> <strong>filosofia</strong> (<strong>da</strong> <strong>ciência</strong>). Assim, o que se pode esperar, de minha parte, a<br />

respeito de novi<strong>da</strong>de, ain<strong>da</strong> que do sítio <strong>da</strong> história <strong>da</strong> <strong>filosofia</strong> cont<strong>em</strong>porânea <strong>da</strong><br />

<strong>ciência</strong>, é alguma „antigui<strong>da</strong>de‟ recém-desenterra<strong>da</strong> ou recém-restaura<strong>da</strong>.<br />

É um lugar-comum na história <strong>da</strong> <strong>filosofia</strong> cont<strong>em</strong>porânea <strong>da</strong> <strong>ciência</strong> dizer-se que há<br />

perspectivas metodológicas normativas e perspectivas metodológicas descritivas. Essa<br />

ideia ganhou força com o surgimento <strong>da</strong>s chama<strong>da</strong>s <strong>filosofia</strong>s pós-positivistas <strong>da</strong><br />

<strong>ciência</strong>, desde o início dos anos 50, como base distintiva entre elas e as <strong>filosofia</strong>s do<br />

positivismo lógico e de Popper.<br />

Para o H<strong>em</strong>pel dos anos 80, no entanto, n<strong>em</strong> as versões “pragmatistas” n<strong>em</strong> as<br />

“analítico-<strong>em</strong>piristas”, como diz, são puramente descritivas ou puramente normativas e<br />

a diferença entre os dois tipos é apenas de grau. No presente trabalho, critico essa idéia<br />

de um ponto de vista histórico e a tomo como um ponto de parti<strong>da</strong> para compreender o<br />

papel <strong>da</strong> história <strong>da</strong> <strong>filosofia</strong> na <strong>filosofia</strong> <strong>da</strong> <strong>ciência</strong>.<br />

E anuncio desde já meus limites e limitações. Em primeiro lugar, <strong>em</strong>bora H<strong>em</strong>pel<br />

procure destacar tanto os aspectos descritivos ou naturalistas de Carnap e Popper, como<br />

os aspectos normativos de Kuhn 2 , aqui concentrarei a atenção, naturalmente, nos traços<br />

naturalistas e, por uma questão prática, apenas no trabalho de Popper (deixando a<br />

1 Departamento de Filosofia – IFCH, Unicamp.<br />

2 As situações não são simétricas, já que Kuhn admite expressamente aspectos normativos <strong>em</strong><br />

sua teoria. Ver, a propósito, Kuhn 1975, pp. 254-255.<br />

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questão sobre Carnap para um contexto mais específico). 3 E, por julgar suficiente para<br />

meus propósitos, restrinjo-me aqui ao último e mais amplo artigo publicado por H<strong>em</strong>pel<br />

sobre o assunto: “On the cognitive status and the rationale of scientific methodology”<br />

(1988), incluído <strong>em</strong> H<strong>em</strong>pel 2000.<br />

2. H<strong>em</strong>pel e o Popper naturalista<br />

Começo por perguntar, com H<strong>em</strong>pel, qual é o estatuto cognitivo dos princípios<br />

metodológicos segundo Popper e os <strong>em</strong>piristas lógicos e <strong>em</strong> que base se apoiaram.<br />

H<strong>em</strong>pel responde dizendo que<br />

“Karl Popper recusa o que chama de a visão “naturalista” – isto é, a concepção <strong>da</strong><br />

metodologia como uma abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> <strong>em</strong>pírica do comportamento real dos cientistas<br />

na investigação. Popper observa que este enfoque exigiria uma especificação<br />

prévia de qu<strong>em</strong> deve contar como cientista e argumenta que “o que deve ser<br />

chamado „<strong>ciência</strong>‟ deve permanecer s<strong>em</strong>pre uma questão de convenção ou de<br />

decisão”. Quanto à sua própria metodologia, que caracteriza as hipóteses como<br />

propriamente científicas na medi<strong>da</strong> de sua falsificabili<strong>da</strong>de e vê progresso<br />

científico na transição a teorias ca<strong>da</strong> vez mais corrobora<strong>da</strong>s e mais b<strong>em</strong> testa<strong>da</strong>s,<br />

Popper sustenta que seus princípios são convenções que “pod<strong>em</strong> ser descritas como<br />

as regras do jogo <strong>da</strong> <strong>ciência</strong> <strong>em</strong>pírica”” (H<strong>em</strong>pel 2000, p. 203. Ele r<strong>em</strong>ete a Popper<br />

1959, pp. 52 e 53).<br />

No entanto, destaca H<strong>em</strong>pel,<br />

“Popper não apresenta essas regras convencionais como simplesmente arbitrárias:<br />

ele oferece argumentos <strong>em</strong> seu apoio. Particularmente, sustenta que sua<br />

metodologia “é fecun<strong>da</strong>: que muitos aspectos pod<strong>em</strong> ser esclarecidos e explicados<br />

com sua aju<strong>da</strong>” e que “o cientista poderá ver até onde ela se conforma com a idéia<br />

intuitiva que t<strong>em</strong> do objetivo de suas ativi<strong>da</strong>des”. “É através deste método, se é que<br />

existe método para isso”, diz Popper, “que as convenções metodológicas pod<strong>em</strong> ser<br />

justifica<strong>da</strong>s”” (H<strong>em</strong>pel 2000, pp. 203-204. Ele r<strong>em</strong>ete aqui a Popper 1959, p. 55).<br />

Para H<strong>em</strong>pel, portanto, Popper não considera suas convenções metodológicas como<br />

puramente arbitrárias, mas as concebe com o propósito de resolver certos “requisitos<br />

justificativos”. Esses requisitos têm uma relação com a forma como os cientistas<br />

buscam seus objetivos e pod<strong>em</strong> ser oferecidos <strong>em</strong> apoio de uma metodologia ampla, que<br />

inclua, por ex<strong>em</strong>plo, a aplicação à mat<strong>em</strong>ática. No entanto, para sua metodologia <strong>da</strong><br />

3 Tenho escrito sobre as relações teóricas e históricas entre Carnap e Kuhn <strong>em</strong> outros lugares e a<br />

questão aqui considera<strong>da</strong> poderá eventualmente justificar um novo artigo sobre o assunto. Ver,<br />

por ex<strong>em</strong>plo, Pinto de Oliveira 2007.<br />

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<strong>ciência</strong> <strong>em</strong>pírica, diz H<strong>em</strong>pel, Popper acrescenta também considerações mais<br />

específicas. Como b<strong>em</strong> resume H<strong>em</strong>pel, o interesse de Popper pela metodologia<br />

“foi estimulado pela idéia que doutrinas como a astrologia, a teoria marxista <strong>da</strong><br />

história e as versões <strong>da</strong> psicanálise de Freud e de Adler eram tentativas<br />

insatisfatórias de teorizar: elas eram protegi<strong>da</strong>s contra qualquer refutação <strong>em</strong>pírica<br />

possível pela imprecisão de sua formulação, por estratag<strong>em</strong>as conventionalistas ou<br />

por ser<strong>em</strong> formula<strong>da</strong>s como totalmente não testáveis. Ao contrário, a teoria geral<br />

<strong>da</strong> relativi<strong>da</strong>de havia feito predições de grande alcance, precisas e específicas, e<br />

assim se tinha exposto a testes severos e a uma possível falsificação” (H<strong>em</strong>pel,<br />

2000, p. 204. Ele r<strong>em</strong>ete a Popper 1962, pp. 33-34).<br />

Segundo H<strong>em</strong>pel, Popper buscou então uma metodologia que elaborasse<br />

sist<strong>em</strong>aticamente os aspectos mais positivos como típicos de teorias genuinamente<br />

científicas. De fato, frisa ele, Popper comenta que se estipulamos, de acordo com sua<br />

metodologia, que a <strong>ciência</strong> deve “ter como objetivo teorias ca<strong>da</strong> vez mais testáveis,<br />

então chegamos a um princípio metodológico…. cuja adoção [inconsciente] no passado<br />

explicaria racionalmente um grande número de eventos na história <strong>da</strong> <strong>ciência</strong>”. “Ao<br />

mesmo t<strong>em</strong>po,” comenta H<strong>em</strong>pel, Popper agrega que o princípio “nos enuncia a tarefa<br />

<strong>da</strong> <strong>ciência</strong>, dizendo-nos o que deve <strong>em</strong> <strong>ciência</strong> ser olhado como progresso” (H<strong>em</strong>pel<br />

2000, pp. 204-205. Ele r<strong>em</strong>ete aqui a Popper 1979, p. 356).<br />

Assim, de acordo com H<strong>em</strong>pel, Popper atribui a seus princípios metodológicos um<br />

caráter normativo e também “um papel <strong>em</strong>pírico-explicativo”. Esse papel aparece nas<br />

justificativas apresenta<strong>da</strong>s para essas normas, como as alegações <strong>em</strong>píricas de que<br />

teorias vistas como científicas (como a de Einstein) são qualifica<strong>da</strong>s como tais pelos<br />

critérios popperianos. E esses mesmos critérios permit<strong>em</strong> também eliminar teorias<br />

considera<strong>da</strong>s não cientificas (como a astrologia). Além disso, muitos episódios <strong>da</strong><br />

história <strong>da</strong> <strong>ciência</strong> poderiam ser explicados admitindo-se que os cientistas <strong>em</strong> sua<br />

investigação teriam seguido esses mesmos critérios (Cf. H<strong>em</strong>pel 2000, p. 205). 4<br />

Desse modo, sublinha H<strong>em</strong>pel, “apesar do antinaturalismo professado por Popper”,<br />

“suas regras metodológicas têm uma faceta descritiva ou naturalística no sentido de<br />

que as justificativas ofereci<strong>da</strong>s para elas inclu<strong>em</strong> aspectos <strong>em</strong>píricos. De fato, a<br />

metodologia de Popper e outras similares foram desafia<strong>da</strong>s <strong>em</strong> várias ocasiões por<br />

4 Kuhn parece concor<strong>da</strong>r com H<strong>em</strong>pel sobre Popper quando diz que Popper, diferent<strong>em</strong>ente dos<br />

positivistas lógicos, dá valor à história <strong>da</strong> <strong>ciência</strong> (Cf. Lakatos & Musgrave 1970, p. 1.<br />

Reproduzido <strong>em</strong> Kuhn 2011, p. 284). Mas a observação me parece maliciosa, pois Kuhn<br />

discor<strong>da</strong> <strong>da</strong> forma como Popper vê a história e do papel que atribui a ela. Basta dizer que para<br />

Popper a história <strong>da</strong> <strong>ciência</strong> é metodologicamente dependente <strong>da</strong> <strong>filosofia</strong> <strong>da</strong> <strong>ciência</strong> (Cf. Pinto<br />

de Oliveira 2002).<br />

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constatações <strong>em</strong>píricas de que, <strong>em</strong> contextos importantes, os cientistas não se<br />

comportaram de acordo com os cânones de Popper. (...) No entanto, essa<br />

metodologia t<strong>em</strong> também uma faceta normativa ou avaliativa. A escolha de Popper<br />

de ex<strong>em</strong>plos do teorizar científico é incita<strong>da</strong> por sua opinião de que as teorias<br />

propriamente científicas dev<strong>em</strong> ser marca<strong>da</strong>s por rigorosa testabili<strong>da</strong>de, amplo<br />

conteúdo e características s<strong>em</strong>elhantes. As normas invoca<strong>da</strong>s aqui não são as<br />

morais, éticas, ou prudenciais; elas pod<strong>em</strong> antes ser chama<strong>da</strong>s de normas ou<br />

valores epist<strong>em</strong>ológicos, que, na busca de um conhecimento aprimorado, atribu<strong>em</strong><br />

alta importância à suscetibili<strong>da</strong>de a provas severas e à possível falsificação. Tanto a<br />

informação <strong>em</strong>pírica como a avaliação epist<strong>em</strong>ológica são então requeri<strong>da</strong>s para<br />

avaliar criticamente ou apoiar uma metodologia do tipo <strong>da</strong> pretendi<strong>da</strong> por Popper”<br />

(H<strong>em</strong>pel 2000, p. 205).<br />

Como frisa H<strong>em</strong>pel, se os princípios de Popper foss<strong>em</strong> apresentados como convenções<br />

arbitrárias, como as regras de um jogo (o “jogo <strong>da</strong> <strong>ciência</strong>”) criado por ele, não teriam<br />

nenhum interesse epist<strong>em</strong>ológico. O que lhes confere tal interesse é exatamente o fato<br />

de que as regras estão defini<strong>da</strong>s “como uma caracterização parcial e certamente<br />

idealiza<strong>da</strong> de uma classe peculiar e altamente importante de ativi<strong>da</strong>de humana –a saber,<br />

a investigação científica” (Cf. H<strong>em</strong>pel 2000, pp. 205-206).<br />

3. Kuhn, H<strong>em</strong>pel e o alinhamento de teorias<br />

O que chama a atenção hoje para a figura de H<strong>em</strong>pel como filósofo <strong>da</strong> <strong>ciência</strong>, ou a<br />

minha <strong>em</strong> particular, é o fato de ele ter habitado consecutivamente duas regiões polares<br />

do espectro filosófico. Em diferentes épocas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, foi colega e amigo de Carnap,<br />

colega e amigo de Kuhn, e trabalhou especialmente motivado, a ca<strong>da</strong> época, pela obra<br />

de um desses autores.<br />

Com respeito ao texto aqui analisado, chama a atenção de imediato na abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> de<br />

H<strong>em</strong>pel sobre Popper –que escreve já persuadido pelo “pragmatic <strong>em</strong>piricism” de Kuhn<br />

e Neurath (Cf. Wolters 2003, p. 118 e H<strong>em</strong>pel 2000, p. 194)– é sua preocupação <strong>em</strong><br />

destacar a continui<strong>da</strong>de no processo de desenvolvimento <strong>da</strong> <strong>filosofia</strong> <strong>da</strong> <strong>ciência</strong>. Isso<br />

nos permite formular a seguinte questão como a hipótese de trabalho que orientará aqui<br />

a investigação: H<strong>em</strong>pel é kuhniano ao admitir el<strong>em</strong>entos fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong> teoria de<br />

Kuhn e ain<strong>da</strong> não-kuhniano ao projetar esses el<strong>em</strong>entos sobre os positivistas lógicos e<br />

Popper, ou praticar uma historiografia recusa<strong>da</strong> por Kuhn?<br />

De modo esqu<strong>em</strong>ático, recorro aqui a duas passagens de Kuhn bastante conheci<strong>da</strong>s,<br />

como referência para analisar a leitura proposta por H<strong>em</strong>pel. Kuhn não é específico<br />

sobre o trabalho historiográfico dos manuais (não chega a citar um manual), mas refere-<br />

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se de modo genérico à “fonte autoritária” de que provém basicamente a imag<strong>em</strong> que se<br />

tinha (e <strong>em</strong> boa parte ain<strong>da</strong> se t<strong>em</strong>) <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de científica. Escreve ele:<br />

“Quando falo de fonte de autori<strong>da</strong>de, penso sobretudo nos principais manuais<br />

científicos, juntamente com os textos de divulgação e obras filosóficas mol<strong>da</strong><strong>da</strong>s<br />

naqueles. Essas três categorias –até recent<strong>em</strong>ente não dispúnhamos de outras<br />

fontes importantes de informação sobre a <strong>ciência</strong>, além <strong>da</strong> prática <strong>da</strong> pesquisa–<br />

possu<strong>em</strong> uma coisa <strong>em</strong> comum. Refer<strong>em</strong>-se a um corpo já articulado de probl<strong>em</strong>as,<br />

<strong>da</strong>dos e teorias e muito freqüent<strong>em</strong>ente ao conjunto particular de paradigmas aceitos<br />

pela comuni<strong>da</strong>de científica na época <strong>em</strong> que esses textos foram escritos. Os<br />

próprios manuais pretend<strong>em</strong> comunicar o vocabulário e a sintaxe de uma<br />

linguag<strong>em</strong> científica cont<strong>em</strong>porânea. As obras de divulgação tentam descrever<br />

essas mesmas aplicações numa linguag<strong>em</strong> mais próxima <strong>da</strong> utiliza<strong>da</strong> na vi<strong>da</strong><br />

cotidiana. E a Filosofia <strong>da</strong> Ciência, sobretudo aquela do mundo de língua inglesa,<br />

analisa a estrutura lógica desse corpo completo de conhecimentos científicos.<br />

Embora um tratamento mais completo devesse necessariamente li<strong>da</strong>r com as distinções<br />

muito reais entre esses três gêneros, suas s<strong>em</strong>elhanças são o que mais nos<br />

interessam aqui. To<strong>da</strong>s elas registram o resultado estável <strong>da</strong>s revoluções passa<strong>da</strong>s e<br />

desse modo põ<strong>em</strong> <strong>em</strong> evidência as bases <strong>da</strong> tradição corrente <strong>da</strong> <strong>ciência</strong> normal.<br />

Para preencher sua função não é necessário que proporcion<strong>em</strong> informações<br />

autênticas a respeito do modo pelo qual essas bases foram inicialmente<br />

reconheci<strong>da</strong>s e posteriormente adota<strong>da</strong>s pela profissão. Pelo menos no caso dos<br />

manuais, exist<strong>em</strong> até mesmo boas razões para que sejam sist<strong>em</strong>aticamente<br />

enganadores nesses assuntos” (Kuhn 1975, p. 174. Ver também Kuhn 2011, p. 38)<br />

Kuhn comenta que poderia ser muito sumário <strong>em</strong> relação a essa questão se foss<strong>em</strong><br />

outras as circunstâncias históricas, no contexto <strong>da</strong> <strong>filosofia</strong> <strong>da</strong> <strong>ciência</strong>, à época <strong>da</strong><br />

publicação <strong>da</strong> Estrutura. Refere-se a uma concepção “associa<strong>da</strong> ao positivismo lógico”<br />

e escreve que “o argumento mais sólido e mais conhecido <strong>em</strong> favor dessa concepção<br />

restrita de teoria científica <strong>em</strong>erge <strong>em</strong> discussões sobre a relação entre a dinâmica<br />

einsteiniana atual e as equações dinâmicas mais antigas que derivam dos Principia de<br />

Newton”, estas últimas entendi<strong>da</strong>s como um caso especial <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> relativi<strong>da</strong>de, e <strong>da</strong><br />

qual, portanto, poderiam ser deriva<strong>da</strong>s (Kuhn 1975, p. 132).<br />

Segundo Kuhn, entretanto, “tal derivação é espúria” (Kuhn 1975, p. 136). Isso fica<br />

muito claro na seguinte passag<strong>em</strong> de Bernstein, que inclui uma citação <strong>da</strong> própria<br />

Estrutura:<br />

“Não dev<strong>em</strong>os interpretar mal a alegação de Kuhn. Ele está plenamente consciente<br />

de que é possível reconstruir ou transformar "as leis de Newton" de modo que<br />

possamos obter uma aproximação dessas leis <strong>em</strong> relação à mecânica einsteiniana.<br />

Mas essa é precisamente a questão: é apenas uma aproximação que é deriva<strong>da</strong>, uma<br />

aproximação que não é, estritamente falando, idêntica às leis de Newton. É só<br />

porque pod<strong>em</strong>os oferecer uma tradução e uma transformação <strong>da</strong> teoria newtoniana<br />

a partir <strong>da</strong> perspectiva de Einstein que nos tornamos capazes de falar <strong>da</strong> teoria<br />

newtoniana como um caso especial <strong>da</strong> teoria de Einstein. “Embora uma teoria<br />

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obsoleta s<strong>em</strong>pre possa ser vista como um caso especial de sua sucessora mais<br />

atualiza<strong>da</strong>, deve ser transforma<strong>da</strong> para que isso possa ocorrer. Essa transformação<br />

só pode ser <strong>em</strong>preendi<strong>da</strong> dispondo-se <strong>da</strong>s vantagens <strong>da</strong> visão retrospectiva, sob a<br />

direção explícita <strong>da</strong> teoria mais recente”. Do ponto de vista de Kuhn, a maneira<br />

precisa de colocar a questão positivista sobre a derivabili<strong>da</strong>de é que uma poderosa<br />

razão para se aceitar uma teoria (ou paradigma) <strong>em</strong> vez de sua rival é que ela pode<br />

explicar o que é „ver<strong>da</strong>deiro‟ e „falso‟ na teoria substituí<strong>da</strong>. Ela t<strong>em</strong> um conteúdo<br />

mais rico e ao mesmo t<strong>em</strong>po pode <strong>da</strong>r conta do que ain<strong>da</strong> é considerado válido na<br />

teoria anterior, uma transformação que só se torna possível por causa <strong>da</strong> nova<br />

teoria” (Bernstein 1983, pp. 83-84. A passag<strong>em</strong> que cita está <strong>em</strong> Kuhn 1975, p.<br />

137).<br />

Hoyningen-Huene, comentando sobre a imag<strong>em</strong> equivoca<strong>da</strong> de <strong>ciência</strong> que é, segundo<br />

Kuhn, produzi<strong>da</strong> pela historiografia tradicional <strong>da</strong> <strong>ciência</strong>, descreve brev<strong>em</strong>ente o<br />

processo:<br />

“Em resumo, essa imag<strong>em</strong> enganosa t<strong>em</strong> orig<strong>em</strong> numa assimilação <strong>da</strong> <strong>ciência</strong><br />

passa<strong>da</strong> à <strong>ciência</strong> cont<strong>em</strong>porânea pela tradição historiográfica mais antiga, e isso<br />

acontece principalmente de duas formas. Em primeiro lugar, a seleção do que fará<br />

parte <strong>da</strong> narrativa histórica é dirigi<strong>da</strong> pelo conteúdo <strong>da</strong> <strong>ciência</strong> atual: apenas os<br />

el<strong>em</strong>entos <strong>da</strong> <strong>ciência</strong> passa<strong>da</strong> que estão presentes na <strong>ciência</strong> atual são vistos como<br />

tendo valor histórico. Em segundo lugar, o que t<strong>em</strong> valor histórico (pelo dito<br />

critério) é representado por meio dos conceitos <strong>da</strong> <strong>ciência</strong> atual, o que pode levar a<br />

graves distorções do conhecimento mais antigo. Em suma: a historiografia <strong>da</strong><br />

<strong>ciência</strong> mais antiga não dá espaço a uma possível estranheza e singulari<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

<strong>ciência</strong> mais antiga, não permite que ela seja substancialmente diferente <strong>da</strong> <strong>ciência</strong><br />

de hoje” (Hoyningen-Huene, 1992, p. 489. Ver também Kuhn 1975, pp 175-176).<br />

Ora, <strong>em</strong> sua leitura sobre o naturalismo de Popper, H<strong>em</strong>pel parece passar por cima do<br />

fato de que Popper e os popperianos receberam mal a Kuhn (Cf. Lakatos 1970) e ele<br />

próprio relutou muito <strong>em</strong> aceitar o ponto de vista de Kuhn como relevante. 5 H<strong>em</strong>pel fala<br />

<strong>em</strong> uma entrevista dos anos 80 (mesmo período do artigo que aqui estamos<br />

considerando) de sua resistência inicial às ideias de Kuhn:<br />

“Eu encontrei Thomas Kuhn pela primeira vez no Centro [Centro de Estudos<br />

Avançados <strong>em</strong> Ciências Comportamentais, <strong>em</strong> Stanford]. Ele não era um<br />

pesquisador do Centro nesse ano, mas era professor <strong>em</strong> Berkeley. Reunimo-nos<br />

várias vezes para discussões e fiquei muito impressionado com suas idéias. No<br />

começo, achei essas idéias estranhas e tive uma resistência muito grande <strong>em</strong><br />

relação a elas, à sua abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> historicista, pragmatista dos probl<strong>em</strong>as <strong>da</strong><br />

metodologia <strong>da</strong> <strong>ciência</strong>. Mas tenho mu<strong>da</strong>do consideravelmente minha opinião<br />

sobre este assunto desde então. De fato, uma boa parte do que pensei e escrevi<br />

posteriormente foi de uma forma ou de outra influenciado pelos probl<strong>em</strong>as e<br />

questões que foram levantados pelos trabalhos de Kuhn” (Fetzer 2000, pp 23-24).<br />

5 A propósito disso, <strong>em</strong>bora se refira à <strong>ciência</strong> e não à <strong>filosofia</strong> <strong>da</strong> <strong>ciência</strong>, Kuhn diz na<br />

Estrutura que uma tendência desse tipo “chega a afetar mesmo os cientistas que<br />

examinam retrospectivamente suas próprias pesquisas” (Kuhn 1975, pp. 176-177).<br />

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Talvez o ponto essencial do continuismo defendido por H<strong>em</strong>pel, ou do que poderíamos<br />

chamar de um processo de alinhamento de teorias, seja a vocação do cientista e do<br />

filósofo (<strong>da</strong> <strong>ciência</strong>) para o universal e a-histórico, preocupados que estão <strong>em</strong> comparar<br />

as diferentes teorias e proceder a uma seleção, como ver<strong>em</strong>os adiante. Assim, para<br />

H<strong>em</strong>pel, o fato de que inicialmente sentiu, como disse, uma aversão à teoria de Kuhn e<br />

depois passou a admiti-la como relevante não é uma questão interessante, assim como a<br />

recepção negativa de Popper e outros (Cf. Kuhn 1977, pp. 30 ss.).<br />

Recordo aqui a frase irônica de Schopenhauer, que costumo usar com frequência<br />

desde que a li, cita<strong>da</strong> s<strong>em</strong> maiores referências por Reichenbach: a ver<strong>da</strong>de de uma teoria<br />

é apenas o breve intervalo vitorioso entre dois longos períodos <strong>em</strong> que é condena<strong>da</strong><br />

como paradoxal ou deprecia<strong>da</strong> como trivial. Schopenhauer a escreveu no Mundo como<br />

vontade e representação, talvez <strong>em</strong> um contexto específico, mas creio que se preste<br />

muito b<strong>em</strong> a descrever <strong>em</strong> suas três fases a recepção de uma teoria como a de Kuhn. No<br />

primeiro momento, é entendi<strong>da</strong> nos termos <strong>da</strong>s teorias do positivismo lógico e Popper,<br />

vigentes na tradição <strong>da</strong> <strong>filosofia</strong> <strong>da</strong> <strong>ciência</strong>. É então paradoxal porque, por ex<strong>em</strong>plo, não<br />

respeita os limites <strong>da</strong> distinção gênese-justificação, a idéia tradicional de racionali<strong>da</strong>de e<br />

de progresso científico. No segundo momento, ao final de um processo mais ou menos<br />

longo, seria entendi<strong>da</strong> <strong>em</strong> seus próprios termos e admiti<strong>da</strong> como algo pertinente ou ao<br />

menos não paradoxal. Por fim, tendo sido entendi<strong>da</strong> e admiti<strong>da</strong>, torna-se trivial ao ser<br />

projeta<strong>da</strong> sobre o passado e lá „descoberta‟ (ain<strong>da</strong> que <strong>em</strong> uma versão parcial ou mais<br />

intuitiva).<br />

Acredito que o trabalho de H<strong>em</strong>pel sobre o caráter a um t<strong>em</strong>po descritivo e<br />

normativo de teorias como as de Carnap, Popper e Kuhn, se inscreve bastante b<strong>em</strong> nessa<br />

terceira fase, pelo menos no que concerne ao pretenso naturalismo dos dois primeiros.<br />

Pode-se supor, de acordo com nossa hipótese de trabalho aqui, que, ao mesmo t<strong>em</strong>po<br />

<strong>em</strong> que admite a pertinência <strong>da</strong> <strong>filosofia</strong> <strong>da</strong> <strong>ciência</strong> de Kuhn (Friedman fala <strong>em</strong> uma<br />

conversão), H<strong>em</strong>pel não assimilou (por uma resistência mais fun<strong>da</strong>, que ain<strong>da</strong> se<br />

observa, de ex-positivista lógico) a proposta historiográfica de Kuhn.<br />

Pode-se dizer que H<strong>em</strong>pel pratica uma „velha historiografia‟ <strong>da</strong> <strong>filosofia</strong> <strong>da</strong> <strong>ciência</strong>,<br />

no mesmo sentido de uma „velha historiografia‟ <strong>da</strong> <strong>ciência</strong> tal como critica<strong>da</strong> por Kuhn<br />

na Estrutura. Os traços naturalistas de Popper são identificados por H<strong>em</strong>pel <strong>em</strong> obras<br />

posteriores à Lógica (Popper 1962 e 1979). Muito tipicamente, poderiam valer como<br />

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bons argumentos a favor <strong>da</strong> <strong>filosofia</strong> <strong>da</strong> <strong>ciência</strong> de Kuhn, mas não como boa<br />

historiografia no sentido de Kuhn. São bons argumentos a favor <strong>da</strong> teoria de Kuhn<br />

porque obviamente identificam já traços kuhnianos nas teorias concorrentes de Popper e<br />

do positivismo. E não é uma boa historiografia, tal como a entende Kuhn, porque,<br />

digamos, é kuhniana d<strong>em</strong>ais: traços kuhnianos pouco nítidos <strong>em</strong> Popper e no<br />

positivismo lógico (como, afinal, o naturalismo) são considerados mais relevantes e<br />

enfatizados, enquanto traços menos kuhnianos, como a distinção gênese-justificação e a<br />

noção lógica de racionali<strong>da</strong>de na <strong>ciência</strong>, são escamoteados ou negligenciados.<br />

Assim, uma diferença substancial é transforma<strong>da</strong> <strong>em</strong> uma diferença de grau. Mesmo<br />

que para isso algumas qualificações fun<strong>da</strong>mentais tenham que ser feitas. Como a de não<br />

levar <strong>em</strong> conta o fato de que, se foss<strong>em</strong> naturalistas, Popper e os positivistas lógicos<br />

praticamente não teriam motivo racional para uma resistência a Kuhn. 6 Se fosse mera<br />

questão de diferença de grau, por que Popper e H<strong>em</strong>pel não teriam aceito de imediato a<br />

proposta mais elabora<strong>da</strong> de Kuhn para os el<strong>em</strong>entos descritivos de suas próprias teorias?<br />

Eles poderiam aceitar muito b<strong>em</strong> a maior elaboração por parte de Kuhn de seus<br />

rudimentos naturalistas não fosse o fato „imperdoável‟ de Kuhn pretender que teriam<br />

algum significado também no contexto <strong>da</strong> justificação. Além, naturalmente, de outras<br />

significativas diferenças <strong>da</strong> teoria de Kuhn <strong>em</strong> relação à de Popper, holisticamente<br />

considera<strong>da</strong>s.<br />

Tomando-se como ilustração a conheci<strong>da</strong> figura de Gestalt do pato-coelho, pode-se<br />

ver que à boca do coelho não corresponde „na<strong>da</strong>‟ ou na<strong>da</strong> significativo na imag<strong>em</strong> do<br />

pato. 7 É apenas uma mancha ou uma marca na cabeça do pato. A marca não é necessária<br />

para a imag<strong>em</strong> do pato, mas é para caracterizar (persuasivamente) a imag<strong>em</strong> do coelho,<br />

ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que não atrapalha a identificação <strong>da</strong> imag<strong>em</strong> do pato. De qualquer<br />

modo, ela só aparece no pato <strong>em</strong> função do coelho. A mu<strong>da</strong>nça é entre um „pato com<br />

uma marca na cabeça‟ e um „coelho‟. Como um pato com uma marca na cabeça<br />

continua sendo um pato, continuamos a falar <strong>em</strong> pato e coelho. Mas o acidente, o caso<br />

6 Vários autores, que chamo de revisionistas, acreditam <strong>em</strong> uma recepção positiva de Kuhn por<br />

parte de Carnap. Não discordo deles, uma vez que a própria Estrutura, como destacam, foi<br />

publica<strong>da</strong> na Enciclopédia positivista, co-edita<strong>da</strong> por Carnap. Mas penso que Carnap a tomou<br />

como uma obra de história <strong>da</strong> <strong>ciência</strong> e não de <strong>filosofia</strong> <strong>da</strong> <strong>ciência</strong>, no contexto de uma níti<strong>da</strong><br />

distinção descoberta-justificação (Cf. Pinto de Oliveira 2007). Para uma discussão, ver Uebel<br />

2011.<br />

7 Em Arte e Ilusão, Gombrich, de passag<strong>em</strong>, também atenta para esse aspecto. Ver Gombrich<br />

1986, p. 4.<br />

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particular parece importante. É só l<strong>em</strong>brar que se a figura de Gestalt fosse descrita como<br />

a possibili<strong>da</strong>de de ver alternativamente um pato s<strong>em</strong> marca na cabeça e um coelho s<strong>em</strong><br />

boca, alguém já poderia perguntar se um coelho s<strong>em</strong> boca é um coelho (ou<br />

simplesmente não ver o coelho). O que parece significativo é que a figura de Gestalt não<br />

é construí<strong>da</strong> inocent<strong>em</strong>ente, mas, no caso pato-coelho, o pato é construído <strong>em</strong> função do<br />

coelho. Por conta disso, pode-se perguntar se a marca na cabeça do pato não passa a ser<br />

necessária, quando antes não era, porque é necessária a boca do coelho...<br />

Simetricamente, na construção de H<strong>em</strong>pel o privilégio é <strong>da</strong>do a Kuhn. Em função <strong>da</strong><br />

importância do aspecto naturalista <strong>em</strong> Kuhn, el<strong>em</strong>entos naturalistas são encontrados <strong>em</strong><br />

Popper (e Carnap). Talvez até existiss<strong>em</strong> antes, mas eram irrelevantes (como a marca do<br />

pato). Com a perspectiva alinha<strong>da</strong> e ajusta<strong>da</strong> a Kuhn, eles se tornam relevantes, ain<strong>da</strong><br />

que apenas esboçados ou intuitivos. Na ver<strong>da</strong>de, o que há nessa tentativa de<br />

aproximação e convergência entre as duas perspectivas é a falsificação (“por seleção e<br />

distorção”, cf. Kuhn 1975, p. 176) de um dos el<strong>em</strong>entos <strong>da</strong> comparação. Seu aspecto<br />

mais nítido pode ser observado quando H<strong>em</strong>pel escreve a propósito de Popper que “suas<br />

regras metodológicas têm uma faceta descritiva ou naturalística no sentido de que as<br />

justificativas ofereci<strong>da</strong>s para elas inclu<strong>em</strong> aspectos <strong>em</strong>píricos” (H<strong>em</strong>pel 2000, p. 205).<br />

Para Popper, os aspectos <strong>em</strong>píricos parec<strong>em</strong> fazer parte do contexto <strong>da</strong> descoberta de<br />

sua teoria, por ele claramente distinguido <strong>da</strong> justificação. Assim, ele pode recusar a<br />

teoria de Kuhn, porque, entre outras razões, ela se apresenta confundindo, ou com a<br />

pretensão de confundir, os contextos <strong>da</strong> gênese e <strong>da</strong> justificação. De qualquer modo,<br />

H<strong>em</strong>pel prefere negligenciar as claras declarações de Popper a favor <strong>da</strong>s distinções<br />

gênese-justificação e normativi<strong>da</strong>de-descritivi<strong>da</strong>de, a recusa radical do naturalismo 8 , as<br />

críticas contundentes à ideia de <strong>ciência</strong> normal e incomensurabili<strong>da</strong>de etc., para ficar<br />

com um Popper naturalista. Mesmo um raquítico Popper naturalista, <strong>em</strong> detrimento do<br />

robusto Popper não naturalista.<br />

8 Em uma passag<strong>em</strong> <strong>da</strong> Lógica, para contestar o argumento <strong>da</strong> universali<strong>da</strong>de a favor do<br />

princípio de indução, Popper admite que “a totali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>ciência</strong> poderia estar erra<strong>da</strong>” (Popper<br />

1959, p.29).<br />

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4. Conclusão<br />

Assim, como procuramos mostrar, H<strong>em</strong>pel procede a um alinhamento <strong>da</strong>s teorias de<br />

Popper e do positivismo lógico à teoria de Kuhn, no que diz respeito ao caráter<br />

naturalista ou descritivo. Esse procedimento, que pode ser descrito como um trabalho<br />

historiográfico inadequado, do ponto de vista <strong>da</strong> historiografia de Kuhn, como <strong>em</strong> nossa<br />

hipótese de trabalho, talvez seja mais b<strong>em</strong> compreendido se pensado também como<br />

parte do trabalho do filósofo <strong>da</strong> <strong>ciência</strong> que, como o cientista <strong>em</strong> relação às teorias<br />

científicas, está fun<strong>da</strong>mentalmente interessado <strong>em</strong> comparar, criticar e selecionar teorias<br />

<strong>da</strong> <strong>filosofia</strong> <strong>da</strong> <strong>ciência</strong>. 9<br />

Como escreve Kuhn, quando compara o comportamento dos historiadores com o dos<br />

filósofos e cientistas, observados nas aulas de cursos que ministrou:<br />

“Os filósofos e os cientistas estão muito mais próximos uns dos outros porque<br />

todos eles se preocupam com o que está correto e o que não está –não com o que<br />

aconteceu– e, portanto, tend<strong>em</strong>, ao olhar um texto, a simplesmente selecionar o<br />

ver<strong>da</strong>deiro e o falso com base <strong>em</strong> um ponto de vista moderno, com base no que já<br />

sab<strong>em</strong>” (Kuhn 2006, p. 378. Ver também Kuhn 2011, pp. 30-31).<br />

E novamente quando ele se refere a Sarton, <strong>em</strong> uma observação <strong>em</strong> que se poderia<br />

incluir também os filósofos ao lado dos cientistas:<br />

“Eu poderia ter aprendido de Sarton um monte de <strong>da</strong>dos, mas não teria aprendido<br />

nenhuma <strong>da</strong>s coisas que queria explorar. (...) Havia várias outras pessoas que<br />

ensinavam isso <strong>em</strong> algum dos departamentos de <strong>ciência</strong>s. Mas o que ensinavam,<br />

com freqüência, não era exatamente história –pelo menos, <strong>em</strong> meus termos, não<br />

exatamente história; era história de manuais. Já disse outras vezes que alguns dos<br />

maiores probl<strong>em</strong>as que tenho tido <strong>em</strong> minha carreira provêm de cientistas que<br />

pensam estar interessados <strong>em</strong> história” (Kuhn 2006, p. 341).<br />

Assim, H<strong>em</strong>pel, <strong>em</strong> sua leitura do dualismo normativi<strong>da</strong>de-descritivi<strong>da</strong>de <strong>em</strong> <strong>filosofia</strong><br />

<strong>da</strong> <strong>ciência</strong> (de algum modo histórica ou com implicações históricas), ilustra muito b<strong>em</strong> a<br />

diferença entre a história do filósofo e a do historiador. Ele reproduz o processo que<br />

chamei de alinhamento, observado na história <strong>da</strong> <strong>ciência</strong> e descrito por Kuhn por<br />

referência aos manuais científicos, às obras de divulgação e à <strong>filosofia</strong> <strong>da</strong> <strong>ciência</strong>,<br />

digamos, „historicamente desorienta<strong>da</strong>‟.<br />

9 Kuhn distingue e separa a história <strong>da</strong> <strong>ciência</strong> e a <strong>filosofia</strong> <strong>da</strong> <strong>ciência</strong>, que, segundo ele, têm<br />

objetivos diferentes (Cf. Kuhn 2011, pp. 28 ss.). Para uma perspectiva histórica ou de<br />

historiador sobre as teorias de Popper e Kuhn, ver, por ex<strong>em</strong>plo, Kuhn 2011, pp. 285 ss.<br />

Também Bloor 2009, pp. 90-104, <strong>em</strong>bora ele pareça, pontualmente (como à p. 98), mais<br />

próximo de H<strong>em</strong>pel.<br />

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Como esclarece Bernard Cohen,<br />

“Evident<strong>em</strong>ente, s<strong>em</strong>pre que um filósofo <strong>da</strong> <strong>ciência</strong> usa um ex<strong>em</strong>plo específico,<br />

ain<strong>da</strong> que extraído <strong>da</strong> <strong>ciência</strong> cont<strong>em</strong>porânea ou quase cont<strong>em</strong>porânea, ele está<br />

entrando no domínio <strong>da</strong> história. O estudo, mesmo de um simples evento histórico,<br />

está sujeito a todos os riscos de qualquer afirmação <strong>da</strong> história e não difere quanto<br />

a isso do amplo tratamento de todo um episódio <strong>da</strong> história <strong>da</strong> <strong>ciência</strong>. Do mesmo<br />

modo, as referências dos filósofos <strong>da</strong> <strong>ciência</strong> não estão imunes à crítica histórica<br />

simplesmente porque eles estão preocupados com algo mais restrito do que uma<br />

extensiva consideração do assunto” (Cohen 1974?, 310-311).<br />

A questão essencial é que os cientistas dev<strong>em</strong> escolher entre teorias científicas e os<br />

filósofos entre teorias filosóficas, <strong>em</strong>itir juízos de valor como uma parte própria de sua<br />

ativi<strong>da</strong>de, enquanto os historiadores não têm, n<strong>em</strong> dev<strong>em</strong> ter, como historiadores, uma<br />

atitude desse tipo. E a escolha, <strong>da</strong> parte dos cientistas e dos filósofos, deve ser<br />

justifica<strong>da</strong> racionalmente. Isso r<strong>em</strong>ete aos recursos <strong>da</strong> lógica, à comparação lógica, à<br />

busca de denominadores comuns para comparar de modo considerado pertinente teorias<br />

científicas ou filosóficas entre si. E isso de modo a que, <strong>em</strong> princípio, as escolhas<br />

possam se impor logicamente ou <strong>da</strong>r a menor marg<strong>em</strong> possível a deliberações menos<br />

objetivas. É o que entendi que se poderia chamar de alinhamento de teorias, um<br />

procedimento de que se val<strong>em</strong> os cientistas e os filósofos para justificar logicamente<br />

uma escolha <strong>em</strong> uma situação <strong>em</strong> que não se aplicam canonicamente e de imediato os<br />

instrumentos lógicos. 10<br />

Já os historiadores –ou, <strong>em</strong> particular, os praticantes <strong>da</strong> nova historiografia <strong>da</strong> <strong>ciência</strong><br />

de que fala Kuhn– “<strong>em</strong> vez de procurar as contribuições permanentes de uma teoria<br />

mais antiga para a <strong>ciência</strong> atual” uma forma de alinhamento entre teorias “procuram<br />

apresentar a integri<strong>da</strong>de <strong>da</strong>quela teoria, a partir de sua própria época” (Kuhn 1975, p.<br />

22). E o mesmo faz<strong>em</strong>, segundo Kuhn, os historiadores <strong>da</strong> <strong>filosofia</strong>, cuja atitude<br />

influenciou o próprio desenvolvimento <strong>da</strong> história <strong>da</strong> <strong>ciência</strong> (Cf. Kuhn 2011, pp. 35 e<br />

130).<br />

Assim, a <strong>filosofia</strong> <strong>da</strong> <strong>ciência</strong> de Kuhn (via história <strong>da</strong> <strong>ciência</strong>) identifica e valoriza as<br />

especifici<strong>da</strong>des <strong>da</strong>s teorias e chama a atenção para uma peculiar situação de escolha<br />

entre teorias no interior <strong>da</strong> <strong>ciência</strong>. Se a situação de escolha não é entre uma teoria<br />

científica ampla e uma teoria de mesmo teor mais restrita, entre uma teoria mais<br />

próxima e uma teoria mais afasta<strong>da</strong> <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de acerca de um objeto, então estariam <strong>em</strong><br />

10 Ver Pérez-Ransanz 1999, pp. 139-140.<br />

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jogo, na ver<strong>da</strong>de, formas alternativas de se conceber um objeto e se fazer <strong>ciência</strong>, como<br />

diferentes estilos científicos. 11 Mas como justificar então uma escolha?<br />

Suponho que a resposta ou a prática (historiográfica) tradicional do filósofo, como do<br />

cientista, r<strong>em</strong>eta justamente para o alinhamento de teorias. O filósofo e o cientista<br />

procuram construir pontes sobre as rupturas e especifici<strong>da</strong>des aponta<strong>da</strong>s pelo<br />

historiador. Poder-se-ia então dizer que aquilo que o historiador faz, o filósofo (ou o<br />

cientista) desfaz ou tende a desfazer. A sugestão <strong>em</strong>buti<strong>da</strong> na teoria de Kuhn alerta para<br />

o fato de que, quando há ruptura entre as teorias, não há escolha s<strong>em</strong> valores<br />

previamente estabelecidos e subjetivi<strong>da</strong>de. Mas na<strong>da</strong> que vá muito além de se<br />

determinar a que valores se atribui mais valor (Cf. “Objetivi<strong>da</strong>de, juízo de valor e<br />

escolha de teoria” <strong>em</strong> Kuhn 2011, pp. 339 ss.). A resistência ficaria por conta de um<br />

ideal de objetivi<strong>da</strong>de muito pouco objetivo, que insiste <strong>em</strong> por de um lado (privilegiado)<br />

a <strong>ciência</strong> e, de outro, as d<strong>em</strong>ais disciplinas. 12<br />

Para concluir: Desse modo, <strong>da</strong>qui deste meu pequeno sítio arqueológico, só posso<br />

responder à questão de que partimos dizendo que não há nenhuma „nova antigui<strong>da</strong>de‟<br />

no naturalismo ou não há novos m<strong>em</strong>bros honorários na confraria naturalista. Penso que<br />

H<strong>em</strong>pel não promove de fato a <strong>naturalização</strong>, a inclusão naturalista que pretendia, de<br />

Popper e os positivistas, recorrendo a um efeito retroativo.<br />

E acredito que o historiador tenha s<strong>em</strong>pre um pé atrás <strong>em</strong> relação a essas inclusões<br />

retroativas, fora de prazo, e através de procurador filosófico ou científico. Neste caso<br />

particular, talvez porque o historiador desconfie que Popper e os positivistas (com a<br />

notória exceção de Neurath) ficariam no mínimo muito desconfortáveis envergando o<br />

uniforme naturalista, fashion, certamente, mas de segun<strong>da</strong> mão e um ou dois números<br />

menor...<br />

11 Ver Pinto de Oliveira 2008, onde procuro introduzir os conceitos kuhnianos de paradigma e<br />

incomensurabili<strong>da</strong>de de modo mais intuitivo, no interior <strong>da</strong> história <strong>da</strong> arte, referindo-me a eles<br />

como estilo e comparação entre estilos.<br />

12 Ideal de objetivi<strong>da</strong>de, de racionali<strong>da</strong>de, de progresso, de certeza, ou qualquer outro valor que<br />

se considere intrínseco à <strong>ciência</strong> e que a distinguiria niti<strong>da</strong>mente <strong>da</strong>s outras disciplinas. Ver<br />

Marcos 2010, pp. 29 ss.<br />

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Abstract: It is a commonplace in the history of cont<strong>em</strong>porary philosophy of science to say that there are<br />

normative and descriptive methodological perspectives (such as Popper‟s theory, on the one hand, and<br />

Kuhn‟s, on the other). For the later H<strong>em</strong>pel, however, the difference between the two types is of degree,<br />

rather than kind. In this paper, I criticize this idea from a historical point of view, and take it as a starting<br />

point for understanding the role of the history of philosophy in the philosophy of science.<br />

Key Words: Naturalism, Kuhn, H<strong>em</strong>pel, Popper, History of philosophy, Philosophy of science.<br />

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