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a obra científica e as bases axiomáticas da visão cósmica de pierre ...

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Hórus – Revista <strong>de</strong> Humani<strong>da</strong><strong>de</strong>s e Ciênci<strong>as</strong> Sociais Aplicad<strong>as</strong>, Ourinhos/SP, Nº 03, 2005<br />

A OBRA CIENTÍFICA E AS BASES AXIOMÁTICAS DA VISÃO<br />

CÓSMICA DE PIERRE TEILHARD DE CHARDIN<br />

Calógero Carrubba 1<br />

RESUMO: Pierre Teilhard <strong>de</strong> Chardin, famoso cientista e pensador do século XX, <strong>de</strong>u uma<br />

gran<strong>de</strong> contribuição à Geologia e Paleontologia, partindo do método <strong>da</strong> evolução. Conforme sua<br />

intuição, ca<strong>da</strong> coisa é posta no espaço, ao lado <strong>de</strong> uma outra que a prolonga e, no tempo, ao lado <strong>de</strong><br />

uma outra que a introduz. A lei evolutiva lhe permite captar a existência <strong>de</strong> uma estrutura do mundo<br />

vivente e consi<strong>de</strong>rá-lo como um todo organizado.<br />

Teilhard <strong>de</strong> Chardin, embora sendo cientista <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> valor, ultrap<strong>as</strong>sou os limites <strong>da</strong> pura<br />

análise <strong>científica</strong>, elaborando uma <strong>visão</strong> sintética do Universo, fun<strong>da</strong><strong>da</strong> na lei <strong>da</strong> evolução.<br />

Palavr<strong>as</strong>-chave:<br />

Evolução, Geologia, Paleontologia, Filosofia, Ciência, Religião.<br />

ABSTRACT. Pierre Teilhard <strong>de</strong> Chardin, a famous scientist and thinker of 20 th century,<br />

brought a great contribution to Geology and Paleontology, using the Evolution method. According to<br />

his intuition, each thing is laid in the space, besi<strong>de</strong> another thing, which makes it further and, within<br />

the time, besi<strong>de</strong> another thing which gets it into. The evolutive law allows him to c<strong>as</strong>t the existence of<br />

the structure of the living world and consi<strong>de</strong>rate it <strong>as</strong> a whole organized.<br />

Teilhard <strong>de</strong> Chardin, being a great scientist though, went beyond the limits of the neat<br />

scientific analysis, elaborating a synthetic sight of the Universe, found in the Evolution law.<br />

Keywords. Evolution, Geology, Paleontology, Philosophy, Science, Religion.<br />

Introdução 2<br />

Existem na história <strong>da</strong> cultura personali<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> relevância cuja contribuição é<br />

verificável através <strong>de</strong> uma aproximação à sua existência quotidiana, às su<strong>as</strong> relações<br />

existenciais, às su<strong>as</strong> dimensões human<strong>as</strong>, sejam el<strong>as</strong> íntim<strong>as</strong> bem como habituais: nel<strong>as</strong><br />

operou-se tal compenetração entre pensamento e ação, que é impossível compreen<strong>de</strong>r o<br />

primeiro sem in<strong>da</strong>gar sobre a segun<strong>da</strong>.<br />

Essa foi em muitos sentidos a complexa e poliédrica personali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Pierre Teilhard<br />

<strong>de</strong> Chardin, afamado cientista, pesquisador incansável, profeta e místico do nosso tempo.<br />

Pierre-Marie-Joseph Teilhard <strong>de</strong> Chardin n<strong>as</strong>ceu no c<strong>as</strong>telo <strong>de</strong> Sarcenat, na Alvérnia<br />

(França) a primeiro <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1881, quarto <strong>de</strong> uma família <strong>de</strong> onze filhos. O pai era um<br />

1 Sacerdote <strong>da</strong> Or<strong>de</strong>m dos Agostinianos Descalços, Doutor em Filosofia pela Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Palermo – Itália, e<br />

professor <strong>de</strong> Filosofia na Facul<strong>da</strong><strong>de</strong> Estácio <strong>de</strong> Sá <strong>de</strong> Ourinhos – SP. E-mail: calogerocarruba@faeso.edu.br<br />

2 É nossa a tradução d<strong>as</strong> <strong>obra</strong>s em italiano e em francês.


Hórus – Revista <strong>de</strong> Humani<strong>da</strong><strong>de</strong>s e Ciênci<strong>as</strong> Sociais Aplicad<strong>as</strong>, Ourinhos/SP, Nº 03, 2005 2<br />

humanista que zelava pela própria cultura; lia muito, sobretudo livros <strong>de</strong> história; além disso<br />

escolhia com gosto <strong>as</strong> leitur<strong>as</strong> para os seus filhos e ocupava-se pessoalmente do estudo <strong>de</strong><br />

latim <strong>de</strong>les até que entr<strong>as</strong>sem no colégio. Ele influenciou a formação espiritual dos filhos,<br />

inspirando-lhes o amor pel<strong>as</strong> cois<strong>as</strong> <strong>da</strong> natureza e incentivando-os a colecionar insetos, aves,<br />

pedr<strong>as</strong>.<br />

Pierre herdou <strong>de</strong> seus pais e do meio ambiente em que vivia um caráter aristocrático,<br />

um constante equilíbrio, um profundo sentimento religioso.<br />

O jovem Pierre completou os estudos gin<strong>as</strong>iais e colegiais no colégio dos Jesuít<strong>as</strong>, dos<br />

quais, além <strong>de</strong> noções <strong>científica</strong>s e literári<strong>as</strong>, apren<strong>de</strong>u uma forte admiração pela vocação<br />

religiosa. Aos <strong>de</strong>zoito anos entrou no noviciado <strong>da</strong> Companhia <strong>de</strong> Jesus em Aix en Provence,<br />

levado pelo <strong>de</strong>sejo <strong>da</strong> perfeição cristã. De 1908 até 1912 freqüentou os estudos <strong>de</strong> teologia<br />

em H<strong>as</strong>tings, on<strong>de</strong> teve também a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> cultivar seus talentos científicos. Um<br />

professor <strong>da</strong> universi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Cambridge notou su<strong>as</strong> observações em botânica e paleobotânica<br />

e o apresentou ao mundo <strong>da</strong> cultura <strong>científica</strong> inglesa. Ele foi or<strong>de</strong>nado sacerdote a 14 <strong>de</strong><br />

agosto <strong>de</strong> 1911. Depois prosseguiu os estudos acadêmicos no Collège <strong>de</strong> France, m<strong>as</strong> teve que<br />

interrompê-los em 1914, quando estourou a Primeira Guerra Mundial. Também ele foi<br />

alistado num <strong>de</strong>stacamento <strong>da</strong> saú<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> prestou serviço por todo o tempo <strong>da</strong> guerra. A<br />

experiência militar exerceu uma consi<strong>de</strong>rável influência na maturação intelectual e espiritual<br />

<strong>de</strong> Teilhard. Na dramatici<strong>da</strong><strong>de</strong> e cruel<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> guerra ele experimentou seu amor pela vi<strong>da</strong>,<br />

pelo progresso, pela ciência e por tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> cois<strong>as</strong> bonit<strong>as</strong>.<br />

Termina<strong>da</strong> a guerra, retomou os estudos universitários, doutorando-se em ciênci<strong>as</strong><br />

naturais na Sorbonne, em 1922 e, logo em segui<strong>da</strong>, foi-lhe ofereci<strong>da</strong> a Cátedra <strong>de</strong> Mineralogia<br />

no Instituto Católico <strong>de</strong> Paris. Em 1923 foi enviado em missão <strong>científica</strong> à China, com o<br />

encargo <strong>de</strong> fazer escavações arqueológic<strong>as</strong> n<strong>as</strong> regiões centrais <strong>da</strong>quele país. Essa foi a<br />

oc<strong>as</strong>ião que ele mesmo <strong>de</strong>finiu <strong>de</strong>pois como “o acontecimento <strong>de</strong>cisivo do meu <strong>de</strong>stino” 3 . A<br />

missão teve resultados sensacionais: levou à <strong>de</strong>scoberta dos famosos restos fósseis<br />

encontrados na locali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Ciu-Ku Tien, perto <strong>de</strong> Pequim, e chamados Homo Erectus<br />

Pekinensis. Voltando à Europa em 1924 <strong>de</strong>u numeros<strong>as</strong> conferênci<strong>as</strong>, cujo tema habitual era<br />

uma nova <strong>visão</strong> <strong>cósmica</strong> b<strong>as</strong>ea<strong>da</strong> na idéia <strong>da</strong> evolução. Em 1926 <strong>as</strong> relações entre o Pe.<br />

Teilhard e seus superiores ficaram tens<strong>as</strong> por causa d<strong>as</strong> implicações teológic<strong>as</strong> <strong>da</strong> doutrina<br />

<strong>de</strong>le sobre a evolução. Por isso os superiores proibiram-no <strong>de</strong> continuar a ativi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

3 MONDIN, Battista. I grandi teologi <strong>de</strong>l secolo XX. 1º vol. Torino: Borla, 1972, p. 62.


Hórus – Revista <strong>de</strong> Humani<strong>da</strong><strong>de</strong>s e Ciênci<strong>as</strong> Sociais Aplicad<strong>as</strong>, Ourinhos/SP, Nº 03, 2005 3<br />

intelectual pública que não fosse a pura pesquisa <strong>científica</strong>. Teilhard aceitou a disposição com<br />

submissão exemplar, embora conservando a sua autonomia <strong>de</strong> pensamento.<br />

A partir <strong>de</strong> 1927, Teilhard tornou-se o representante efetivo <strong>da</strong> ciência francesa no<br />

setor do Pacífico, ficando bloqueado na China durante a Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial. E, naquele<br />

interminável isolamento, levou a termo sua <strong>obra</strong>-prima O Fenômeno Humano. Voltando à<br />

França em 1946, foi-lhe renova<strong>da</strong> a proibição <strong>de</strong> divulgar os escritos que continham su<strong>as</strong><br />

doutrin<strong>as</strong> filosófic<strong>as</strong> e teológic<strong>as</strong>. No campo científico, ao contrário, os consensos e os<br />

reconhecimentos ficavam ca<strong>da</strong> vez mais freqüentes, tanto que em 1950 a Aca<strong>de</strong>mia d<strong>as</strong><br />

Ciênci<strong>as</strong> do Instituto <strong>de</strong> França o inscreveu entre seus membros. Em 1951 transferiu-se para<br />

os Estados Unidos on<strong>de</strong> viveu os últimos anos <strong>da</strong> sua existência. Ali faleceu <strong>de</strong> repente, com a<br />

i<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> setenta e quatro anos, no dia <strong>da</strong> Ressurreição do Senhor, que ele tinha buscado e<br />

servido por to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong>.<br />

I. A OBRA CIENTÍFICA DE TEILHARD DE CHARDIN<br />

Gran<strong>de</strong>s e relevantes são os dotes científicos <strong>de</strong> Teilhard, embora ele não se tenha<br />

limitado somente à análise <strong>científica</strong>, m<strong>as</strong> quis realizar uma <strong>obra</strong> maravilhosa <strong>de</strong> síntese entre<br />

ciência, filosofia e religião.<br />

Essa síntese é o trabalho <strong>de</strong> um autor que conheceu intimamente a ciência<br />

por <strong>de</strong>ntro e não apen<strong>as</strong> por fora. É, contudo, também, a <strong>obra</strong> <strong>de</strong> um<br />

homem que era teólogo, antes, <strong>de</strong> um que tinha os dotes <strong>da</strong> <strong>visão</strong> profética<br />

e <strong>da</strong> inspiração poética. A síntese teilhardiana não é somente ciência, m<strong>as</strong><br />

inclui a ciência. Sem a ciência, ela seria apen<strong>as</strong> ‘vagos sonhos <strong>de</strong><br />

inspiração’, como foi tacha<strong>da</strong> por um dos seus acusadores. Como também<br />

sem os ‘sonhos’ per<strong>de</strong>ria o seu interesse e seria uma peça <strong>de</strong> divulgação<br />

antiqua<strong>da</strong>, no meio <strong>de</strong> tantos livros do mesmo gênero que lotam <strong>as</strong><br />

prateleir<strong>as</strong> d<strong>as</strong> livrari<strong>as</strong> <strong>científica</strong>s 4 .<br />

A sua contribuição à Geologia, à Paleontologia e à Paleo-antropologia foi notável,<br />

como foi reconhecido pelo mundo científico do seu tempo e pela Aca<strong>de</strong>mia d<strong>as</strong> Ciênci<strong>as</strong> do<br />

Instituto <strong>de</strong> França que o incluiu entre os seus Membros. A bibliografia d<strong>as</strong> su<strong>as</strong> publicações é<br />

muito gran<strong>de</strong> e soma cerca <strong>de</strong> quinhentos escritos, entre os quais lembramos alguns dos<br />

principais que contribuíram a estabelecer a sua fama <strong>de</strong> cientista: Early Man in China (1941),<br />

Chinese fossil Mammals (1942), New Ro<strong>de</strong>nts of North China (1942), Le Neolithique <strong>de</strong> la<br />

Chine (1944), Lê Féli<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Chine (1945), Lê Mustéli<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Chine (1945) 5 .<br />

4 DOBZHANSKY, Teodosius Teilhard scienziato. In TEILHARD DE CHARDIN, Pierre, Realizzare l’Uomo.<br />

Lettere inedite 1926-1952. Milano, Il Saggiatore, 1974, p. 39.<br />

5 Uma bibliografia completa d<strong>as</strong> <strong>obra</strong>s <strong>científica</strong>s <strong>de</strong> Teilhard <strong>de</strong> Chardin foi publica<strong>da</strong> por CUENOT, Clau<strong>de</strong><br />

em Bulletin <strong>de</strong> la Société Geologique <strong>de</strong> France. 6 a . série, vol VII, 1957.


Hórus – Revista <strong>de</strong> Humani<strong>da</strong><strong>de</strong>s e Ciênci<strong>as</strong> Sociais Aplicad<strong>as</strong>, Ourinhos/SP, Nº 03, 2005 4<br />

1 – Seu Método<br />

O método adotado em seus estudos científicos foi essencialmente o método<br />

evolucionístico, que nos permite apreen<strong>de</strong>r a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> sob o perfil <strong>da</strong> historici<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

mostrando-nos a sua evolução no tempo e no espaço. Pois, a ciência do real experimental<br />

ten<strong>de</strong> ca<strong>da</strong> vez mais a adotar em todos os seus campos, em su<strong>as</strong> pesquis<strong>as</strong> como em su<strong>as</strong><br />

construções, o método histórico, isto é, o ponto <strong>de</strong> vista <strong>da</strong> evolução. O método<br />

evolucionístico do qual Teilhard se serve em sua pesquisa nos permite compreen<strong>de</strong>r que ca<strong>da</strong><br />

coisa é necessariamente posta no espaço, ao lado <strong>de</strong> uma outra que a prolonga, e no tempo, ao<br />

lado <strong>de</strong> uma outra que a introduz. Na<strong>da</strong> tem um início absoluto, m<strong>as</strong> tem sempre um<br />

n<strong>as</strong>cimento, a partir <strong>de</strong> um ser antece<strong>de</strong>nte. Este método nos aju<strong>da</strong> a compreen<strong>de</strong>r que há<br />

regr<strong>as</strong> precis<strong>as</strong>, constantes que presi<strong>de</strong>m a complicação gradual dos organismos.<br />

No tempo, <strong>as</strong> form<strong>as</strong> se inserem um<strong>as</strong> n<strong>as</strong> outr<strong>as</strong>, como ramos através<br />

dos quais certos caracteres (estatura, complicação ou simplificação dos<br />

<strong>de</strong>ntes, modificação dos membros e <strong>da</strong> forma do crânio...) se acentuam<br />

com regulari<strong>da</strong><strong>de</strong>. Ca<strong>da</strong> um <strong>de</strong>stes ramos forma um todo que tem uma<br />

própria individuali<strong>da</strong><strong>de</strong> e um próprio <strong>de</strong>stino: n<strong>as</strong>ce, <strong>de</strong>senvolve-se,<br />

<strong>as</strong>sume uma <strong>de</strong>termina<strong>da</strong> forma física e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>saparece 6 .<br />

Graç<strong>as</strong> à noção <strong>de</strong> variação orienta<strong>da</strong>, ca<strong>da</strong> ser ficou uma espécie <strong>de</strong> poço, através do<br />

qual o nosso olhar mergulha no abismo dos tempos p<strong>as</strong>sados. O conceito <strong>de</strong> evolução<br />

significa que o real não apareceu <strong>de</strong> repente, m<strong>as</strong> se constitui gradualmente. Nós não vivemos<br />

num Cosmo perfeitamente realizado, m<strong>as</strong> estamos implicados numa cosmogênese. A lei<br />

evolutiva nos permite captar a existência <strong>de</strong> uma estrutura do mundo vivente e <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rá-lo<br />

como um todo organizado.<br />

A m<strong>as</strong>sa gigantesca forma<strong>da</strong> pela totali<strong>da</strong><strong>de</strong> dos seres viventes não forma<br />

uma <strong>as</strong>sociação c<strong>as</strong>ual ou uma justaposição aci<strong>de</strong>ntal, m<strong>as</strong> constitui um<br />

agrupamento natural, isto é, um conjunto fisicamente organizado 7 .<br />

Teilhard aplicou brilhantemente este método evolucionístico aos campos d<strong>as</strong> três disciplin<strong>as</strong><br />

<strong>científica</strong>s n<strong>as</strong> quais o seu espírito se exercitava, permitindo-lhe elaborar v<strong>as</strong>t<strong>as</strong> sínteses.<br />

Po<strong>de</strong>mos então dizer que Teilhard, embora sendo cientista <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> valor,<br />

ultrap<strong>as</strong>sou os limites <strong>da</strong> pura análise <strong>científica</strong>, elaborando uma <strong>visão</strong> sintética do Universo,<br />

fun<strong>da</strong><strong>da</strong> na lei <strong>da</strong> evolução.<br />

Uma bibliografia parcial <strong>de</strong> seus escritos científicos po<strong>de</strong>-se encontrar no livro <strong>de</strong> BARION, Louis – LEROY,<br />

Pierre, La carrière scientifique <strong>de</strong> Pierre Teilhard <strong>de</strong> Chardin. Mônaco, Ed. du Rocher, 1964.<br />

6 Citado por PIVETEAU, Jean, Le père Teilhard <strong>de</strong> Chardin savant. Paris, Fayard, 1964; trad. it. Il Padre<br />

Teilhard <strong>de</strong> Chardin scienziato. Mo<strong>de</strong>na, Paoline, 1967, p. 12.<br />

7 Citado ibi<strong>de</strong>m, pp. 13-14.


Hórus – Revista <strong>de</strong> Humani<strong>da</strong><strong>de</strong>s e Ciênci<strong>as</strong> Sociais Aplicad<strong>as</strong>, Ourinhos/SP, Nº 03, 2005 5<br />

2 – Sua contribuição à Geologia<br />

Seu trabalho geológico recobriu um terreno muito v<strong>as</strong>to e seus estudos sobre a<br />

geologia <strong>da</strong> China representaram uma contribuição fun<strong>da</strong>mental para a compreensão <strong>da</strong><br />

história geológica do Coração <strong>da</strong> Ásia. De fato, ele <strong>de</strong>dicou longos anos ao estudo do<br />

problema posto pela presença do granito no velho C<strong>as</strong>co Chinês, na busca <strong>de</strong> uma solução<br />

que, finalmente, conseguiu encontrar.<br />

Teilhard, antes <strong>de</strong> tudo, precisou o conceito <strong>de</strong> granitização, enten<strong>de</strong>ndo esta como<br />

“transformação <strong>de</strong> roch<strong>as</strong> preexistentes em granitos, através do fenômeno do metamorfismo,<br />

sob o jogo combinado <strong>de</strong> dois fatores: o calor e a pressão, como também a intrusão <strong>de</strong><br />

m<strong>as</strong>s<strong>as</strong> granític<strong>as</strong> n<strong>as</strong> m<strong>as</strong>s<strong>as</strong> rochos<strong>as</strong>” 7 .<br />

Consi<strong>de</strong>rado por esta perspectiva, o continente aumentaria gradualmente sua m<strong>as</strong>sa<br />

pelo acréscimo contínuo ou esporádico <strong>de</strong> matéri<strong>as</strong> granític<strong>as</strong> nov<strong>as</strong>. Assim a China não seria<br />

constituí<strong>da</strong> <strong>de</strong> roch<strong>as</strong> granític<strong>as</strong> preexistentes, m<strong>as</strong> foi a granitização a construir<br />

progressivamente a China. Teilhard <strong>de</strong>u a explicação <strong>de</strong>ste fenômeno dizendo que do Norte<br />

ao Sul <strong>da</strong> China aparecem distintamente três áre<strong>as</strong> <strong>de</strong> neogranitização caracterizad<strong>as</strong> pelo<br />

metamorfismo mais ou menos acentuado <strong>de</strong> sedimentos continentais. Este fato leva à<br />

conclusão comunica<strong>da</strong> por ele à Socie<strong>da</strong><strong>de</strong> Geológica <strong>de</strong> França:<br />

Tudo se apresenta como se, a partir do Devoniano, uma espécie <strong>de</strong><br />

flessurização e <strong>de</strong> granitização tenha-se preparado do Centro à periferia<br />

do planalto <strong>as</strong>iático: on<strong>da</strong> bem distinta até o Neocene e, provavelmente,<br />

ain<strong>da</strong> em curso <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento ao redor <strong>da</strong> plataforma continental,<br />

sob <strong>as</strong> águ<strong>as</strong> do oceano... Contrariamente a quanto pensava Wegener, a<br />

Ásia não se af<strong>as</strong>taria <strong>da</strong> América. Ela não está à <strong>de</strong>riva ou em retração,<br />

m<strong>as</strong> em expansão 8 .<br />

Teilhard conseguiu resolver também os problem<strong>as</strong> postos pelo Manto Chinês,<br />

contribuindo a <strong>da</strong>tar <strong>de</strong> modo satisfatório os estratos mais recentes e mais difíceis <strong>de</strong> colocar<br />

cronologicamente. Este Manto é a colcha <strong>de</strong> Loess que se formou através <strong>da</strong> tempesta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

poeira, os famosos ventos amarelos <strong>da</strong> China. Entre <strong>as</strong> Terr<strong>as</strong> Vermelh<strong>as</strong> e <strong>as</strong> Terr<strong>as</strong><br />

Amarel<strong>as</strong>, ele chegou a estabelecer uma série <strong>de</strong> termos estratigráficos novos, com seu<br />

<strong>as</strong>pecto lacustre e seus fósseis característicos. B<strong>as</strong>eando-se nos resultados adquiridos na<br />

gran<strong>de</strong> planície do Norte, tentou com sucesso fixar um sincronismo d<strong>as</strong> formações do fim do<br />

Terciário e do início do Quaternário <strong>da</strong> China setentrional com <strong>as</strong> <strong>da</strong> China central e<br />

meridional.<br />

7 Ibi<strong>de</strong>m, p. 47.<br />

8 TEILHARD DE CHARDIN, P. Remarques sur lês flexures continentales <strong>de</strong> Chine. In Bulletin <strong>de</strong> la Société<br />

Geologique <strong>de</strong> France. 5 a . série, t. XVI, 1946. Cit. Por BARION, L.- LEROY, P. o. c. pp. 49-50.


Hórus – Revista <strong>de</strong> Humani<strong>da</strong><strong>de</strong>s e Ciênci<strong>as</strong> Sociais Aplicad<strong>as</strong>, Ourinhos/SP, Nº 03, 2005 6<br />

A contribuição mais preciosa que ele <strong>de</strong>u à Geologia foi a sua nova concepção sobre a<br />

origem dos continentes. Pois, sob a c<strong>as</strong>ca aparentemente imóvel <strong>da</strong> terra, ele conseguiu<br />

<strong>de</strong>scobrir o frêmito e a ar<strong>de</strong>nte <strong>as</strong>censão <strong>da</strong> linfa vital. Por fora, ele penetrou no interior,<br />

percebendo a baixa pulsação <strong>de</strong> um v<strong>as</strong>to organismo que nunca cessou <strong>de</strong> existir e que<br />

continua ain<strong>da</strong> agora a formar-se. Este é parecido a um corpo gigantesco que, através <strong>da</strong><br />

mu<strong>da</strong>nça, <strong>da</strong> reprodução, do crescimento, <strong>da</strong> renovação <strong>de</strong> su<strong>as</strong> célul<strong>as</strong> e <strong>de</strong> su<strong>as</strong> form<strong>as</strong>,<br />

manifesta a sua vitali<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

3 – Sua contribuição à Paleontologia<br />

Através d<strong>as</strong> su<strong>as</strong> <strong>obra</strong>s <strong>de</strong> Paleontologia dos Vertebrados, Teilhard procurou<br />

evi<strong>de</strong>nciar o movimento <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Pois, propriamente os Vertebrados se apresentam, <strong>de</strong> alguma<br />

maneira, como uma <strong>de</strong>fesa e uma ilustração <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> evolução. Por este motivo ele<br />

escolheu como único material <strong>de</strong> estudo os Mamíferos, e <strong>de</strong>stes estudou com particular<br />

atenção, sobretudo, <strong>as</strong> modificações <strong>da</strong> <strong>de</strong>ntadura. A f<strong>as</strong>e mais importante <strong>da</strong> sua pesquisa<br />

paleontológica é sem dúvi<strong>da</strong> a européia, que termina em 1923. Nesta f<strong>as</strong>e, ele estudou com<br />

particular <strong>de</strong>dicação os Carnívoros d<strong>as</strong> Fosforit<strong>as</strong> <strong>de</strong> Quercy, conseguindo encontrar o fio <strong>da</strong><br />

mea<strong>da</strong> <strong>de</strong>st<strong>as</strong> form<strong>as</strong> só com a interpretação do segundo molar inferior. Atualmente quando se<br />

quer estu<strong>da</strong>r a primeira f<strong>as</strong>e <strong>da</strong> história dos Carnívoros Fissípedos os estudiosos se referem à<br />

sua pesquisa e tentam aplicar os princípios postos por ele.<br />

Um outro resultado particularmente importante alcançado por Teilhard foi a<br />

reconstrução dos Cinodontos que parecem anunciar, pela morfologia <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>ntadura – pré-<br />

molares sutis e molares bem <strong>de</strong>senvolvidos – os Ursos mo<strong>de</strong>rnos.<br />

4 - Sua contribuição à Geobiologia<br />

O amor pela vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> terra impulsionou Teilhard a fun<strong>da</strong>r com a colaboração <strong>de</strong> Pe.<br />

Leroy a revista Geobiologie na qual procurou sintetizar su<strong>as</strong> reflexões sobre <strong>as</strong> relações <strong>da</strong><br />

vi<strong>da</strong> com a terra. Po<strong>de</strong>-se dizer que o vivente não é um intruso no nosso planeta. Se ele existe<br />

é porque a matéria, no seu evolver-se, po<strong>de</strong> gerá-lo. Se então, aos diversos níveis<br />

estratigráficos se observam faun<strong>as</strong> diferentes, <strong>de</strong>vem-se encontrar <strong>as</strong> condições <strong>de</strong> espaço e <strong>de</strong><br />

tempo que possam prestar conta <strong>de</strong>st<strong>as</strong> modificações. Por esse motivo, este novo ramo <strong>da</strong><br />

ciência propõe-se dois objetivos fun<strong>da</strong>mentais:<br />

1) Estu<strong>da</strong>r <strong>as</strong> conexões orgânic<strong>as</strong> <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> or<strong>de</strong>m, reconhecíveis entre os seres<br />

viventes, consi<strong>de</strong>rados na sua totali<strong>da</strong><strong>de</strong>, como único sistema fechado em si<br />

mesmo.


Hórus – Revista <strong>de</strong> Humani<strong>da</strong><strong>de</strong>s e Ciênci<strong>as</strong> Sociais Aplicad<strong>as</strong>, Ourinhos/SP, Nº 03, 2005 7<br />

2) Estu<strong>da</strong>r <strong>as</strong> ligações físico-químic<strong>as</strong> que coligam o n<strong>as</strong>cimento e o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>sta ‘toalha vivente fecha<strong>da</strong> em si mesma’ com a história<br />

planetária.<br />

A respeito d<strong>as</strong> relações entre a Vi<strong>da</strong> e o ambiente, Teilhard repara que a concordância<br />

entre o ambiente geológico e a evolução <strong>da</strong> Vi<strong>da</strong> nem sempre se revela muito estreita. Pois,<br />

uma vez lança<strong>da</strong>, a vi<strong>da</strong> continua a <strong>de</strong>senvolver-se, a<strong>da</strong>ptando-se às condições ambientais em<br />

que se encontra, sempre que o ambiente exerça uma ação organo-plástica rigorosamente<br />

<strong>de</strong>fini<strong>da</strong>. M<strong>as</strong> ele reconhece também que, através <strong>de</strong> seus avanços às apalpa<strong>de</strong>l<strong>as</strong>, a Vi<strong>da</strong><br />

segue cert<strong>as</strong> direções privilegiad<strong>as</strong>, conforme uma precisa lei – a <strong>de</strong> complexi<strong>da</strong><strong>de</strong>-<br />

consciência – que vai levá-la à sua forma mais alta, o pensamento.<br />

5 – Sua contribuição à Paleoantropologia<br />

Enquanto paleoantropólogo, Teilhard encontrou-se estritamente <strong>as</strong>sociado às pesquis<strong>as</strong><br />

<strong>de</strong> campo e aos estudos <strong>de</strong> laboratório que contribuíram para a <strong>de</strong>scoberta e a interpretação<br />

dos fósseis humanos.<br />

Teilhard contribuiu <strong>de</strong> modo <strong>de</strong>cisivo para resolver o problema se se precisava ou não<br />

consi<strong>de</strong>rar o Sinântropo um ser pensante. De fato, junto com o amigo Pei, paleontólogo<br />

chines, visitando a jazi<strong>da</strong> <strong>de</strong> Ciu-ku-tien, recolheu no campo fragmentos <strong>de</strong> pedr<strong>as</strong> l<strong>as</strong>cad<strong>as</strong> e<br />

ossos queimados, sinal <strong>da</strong> presença <strong>de</strong> seres pensantes. Ele intuiu que o Sinântropo <strong>de</strong>via ser<br />

o autor <strong>da</strong>queles utensílios, e que, portanto, <strong>de</strong>via ser cl<strong>as</strong>sificado entre os homens<br />

ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iros.<br />

As escavações seguintes realizad<strong>as</strong> na China, como também a recente <strong>de</strong>scoberta<br />

realiza<strong>da</strong> no Norte <strong>da</strong> África, confirmaram a vali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> intuição teilhardiana. Portanto, hoje<br />

ninguém mais duvi<strong>da</strong> que o Sinântropo “Já Homo Faber, fosse também certamente – ao<br />

menos por aquilo que diz respeito à sua capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> mental – Homo Sapiens” 15 .<br />

Nos últimos anos <strong>de</strong> sua vi<strong>da</strong>, e precisamente em 1950, Teilhard foi chamado na<br />

África austral, para resolver alguns problem<strong>as</strong> que diziam respeito aos Australopitecos. Ele,<br />

refletindo sobre o significado <strong>da</strong>queles fósseis, concluiu que eles não se po<strong>de</strong>m colocar na<br />

<strong>as</strong>cendência humana direta, porque, além <strong>de</strong> seus caracteres arcaicos e humanói<strong>de</strong>s,<br />

apresentam alguns caracteres para-humanos, como a complicação e o <strong>de</strong>senvolvimento dos<br />

molares e pré-molares, junto com uma forte redução dos incisivos. Eles, enfim, mostram uma<br />

acentua<strong>da</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong> filética, pela qual constituem um ramo evolutivo autônomo, começando<br />

com form<strong>as</strong> relativamente pequen<strong>as</strong>, para concluir-se com form<strong>as</strong> pachyostosad<strong>as</strong> –<br />

Parântropo – e até form<strong>as</strong> humanói<strong>de</strong>s – Telântropo.<br />

15 Citado por PIVETEAU, J. o. c. p.62.


Hórus – Revista <strong>de</strong> Humani<strong>da</strong><strong>de</strong>s e Ciênci<strong>as</strong> Sociais Aplicad<strong>as</strong>, Ourinhos/SP, Nº 03, 2005 8<br />

Teilhard encontrou uma analogia entre os Australopitecos e o grupo dos Pitecantropos.<br />

De fato, também estes últimos terminam em form<strong>as</strong> pachyostosad<strong>as</strong> – Megântropo. M<strong>as</strong> entre<br />

<strong>as</strong> du<strong>as</strong> linhagens ficam, contudo, <strong>as</strong> diferenç<strong>as</strong> essenciais: Os Australopitecos, um pouco<br />

mais antigos, não são ain<strong>da</strong> homens; enquanto os Pitecantropos, um pouco mais recentes,<br />

provavelmente já são perfeitamente humanizados.<br />

II. AS BASES AXIOMÁTICAS DA VISÃO CÓSMICA DE CHARDIN<br />

1 - O conceito <strong>de</strong> evolução<br />

A evolução para Teilhard não é uma hipótese, m<strong>as</strong> uma ver<strong>da</strong><strong>de</strong> certa e um fato<br />

incontestável. Por isso, ele critica aqueles que ain<strong>da</strong> têm uma <strong>visão</strong> estática do universo, para<br />

os quais a evolução representa apen<strong>as</strong> uma velha hipótese <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong>rwiniana. De fato até o<br />

século XVIII. os intelectuais<br />

compraziam-se em dissertar sobre a estrutura dos mundos para verificar<br />

com espanto que os nossos avoengos, naqueles tempos, tinham a<br />

impressão <strong>de</strong> encontrar-se perfeitamente à vonta<strong>de</strong> num espaço cúbico,<br />

no qual os <strong>as</strong>tros giravam em círculo ao redor <strong>da</strong> terra, há menos <strong>de</strong> seis<br />

milênios 8 .<br />

Agora a evolução é vista como a maior <strong>de</strong>scoberta do século p<strong>as</strong>sado e <strong>de</strong> todos os<br />

tempos, enquanto ela nos coloca em condições <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r a história p<strong>as</strong>sa<strong>da</strong>, presente e<br />

futura. A lei <strong>da</strong> evolução engloba, <strong>de</strong> fato, tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> ciênci<strong>as</strong> e é uma condição geral para<br />

explicar corretamente a reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, que é essencialmente móvel. Assim ele se expressa:<br />

Ain<strong>da</strong> hoje, para muita gente, a Evolução, é apen<strong>as</strong> o Transformismo; e o<br />

próprio Transformismo não p<strong>as</strong>sa <strong>de</strong> uma velha hipótese <strong>da</strong>rwiniana, tão<br />

local e caduca como a concepção laplaciana do sistema solar ou a <strong>de</strong>riva<br />

wegeneriana dos continentes. - Cegos, na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, esses que não vêem a<br />

amplitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> um movimento cujo orbe, ultrap<strong>as</strong>sando infinitamente <strong>as</strong><br />

Ciênci<strong>as</strong> naturais, alcançou e invadiu sucessivamente a Química, a Física,<br />

a Sociologia, e até <strong>as</strong> Matemátic<strong>as</strong> e a História d<strong>as</strong> Religiões. Um após<br />

outro, todos os domínios do conhecimento humano se põem em marcha,<br />

arr<strong>as</strong>tados em conjunto pela mesma corrente <strong>de</strong> fundo, para o estudo <strong>de</strong><br />

qualquer <strong>de</strong>senvolvimento. A Evolução, apen<strong>as</strong> uma teoria, um sistema,<br />

uma hipótese?... Na<strong>da</strong> disso, m<strong>as</strong>, muito mais do que isso, uma condição<br />

geral à qual <strong>de</strong>vem obe<strong>de</strong>cer e satisfazer doravante, para serem<br />

concebíveis e ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ir<strong>as</strong>, tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> teori<strong>as</strong>, tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> hipóteses, todos os<br />

sistem<strong>as</strong>. Uma luz que ilumina todos os fatos, uma curvatura que todos os<br />

traços <strong>de</strong>vem acompanhar, eis o que é a Evolução 9 .<br />

8 TEILHARD DE CHARDIN, Pierre. O Fenômeno Humano. Porto: Tavares Martins, 1970, p. 231.<br />

9 I<strong>de</strong>m, Ibi<strong>de</strong>m, p. 234-235.


Hórus – Revista <strong>de</strong> Humani<strong>da</strong><strong>de</strong>s e Ciênci<strong>as</strong> Sociais Aplicad<strong>as</strong>, Ourinhos/SP, Nº 03, 2005 9<br />

A evolução é o princípio <strong>de</strong> reviravolta <strong>da</strong> imagem do mundo, através do qual o<br />

homem p<strong>as</strong>sa <strong>de</strong> uma concepção estática para uma <strong>visão</strong> dinâmica <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. De fato, até<br />

um século e meio atrás o homem consi<strong>de</strong>rava como um <strong>da</strong>do estável e imutável a gran<strong>de</strong><br />

estrutura do cosmo, enquanto agora, com o auxílio <strong>da</strong> ciência, não se po<strong>de</strong> mais conceber um<br />

só fato fora do conteúdo evolutivo. Teilhard está convencido <strong>de</strong> que<br />

está a operar-se em nossos espíritos, há um século e meio para cá o mais<br />

prodigioso acontecimento talvez jamais registrado pela História <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />

p<strong>as</strong>so <strong>da</strong> Reflexão: o acesso, para sempre, <strong>da</strong> Consciência a um quadro <strong>de</strong><br />

nov<strong>as</strong> dimensões; e, conseqüentemente, o n<strong>as</strong>cimento <strong>de</strong> um Universo<br />

inteiramente renovado, sem mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> linh<strong>as</strong> nem <strong>de</strong> preg<strong>as</strong>, por<br />

simples transformação do seu estofo íntimo 10 .<br />

Po<strong>de</strong>r-se-ia dizer que a Evolução permite enxergar o mundo como feito <strong>de</strong> um só jato,<br />

mais do que repousar estático sobre os três eixos <strong>da</strong> geometria. Mediante a Evolução <strong>as</strong><br />

ciênci<strong>as</strong> alargaram seu olhar retrospectivo sobre milhões <strong>de</strong> anos e ca<strong>da</strong> dia <strong>de</strong>scobrem<br />

perspectiv<strong>as</strong> <strong>de</strong> profun<strong>de</strong>za e <strong>de</strong> transformação também naquilo que antes parecia imutável.<br />

Assim se constatou que o nosso sistema solar não é mais imutável, m<strong>as</strong> em contínuo <strong>de</strong>vir;<br />

que a origem <strong>de</strong> tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> cois<strong>as</strong> no cosmo é <strong>de</strong>termina<strong>da</strong> pel<strong>as</strong> forç<strong>as</strong> intra-cósmic<strong>as</strong>. Numa<br />

palavra, constatou-se que o Universo adquiriu uma dimensão a mais, porque se conseguiu<br />

olhar o mundo com um novo olhar e enxergá-lo mais unificado.<br />

N. M. Wildiers afirma que a posição <strong>de</strong> Teilhard a respeito <strong>da</strong> evolução coincidia com<br />

aquela dos maiores cientist<strong>as</strong> com os quais tinha relações 11 . Assim, por exemplo, Pierre<br />

Gr<strong>as</strong>sé escrevia em 1951: “rejeitar o conceito <strong>de</strong> evolução é como renunciar implicitamente a<br />

compreen<strong>de</strong>r seja o presente bem como o p<strong>as</strong>sado do mundo vivente... A Evolução é um fato,<br />

não uma hipótese” 12 .<br />

Do mesmo parecer é o pensamento <strong>de</strong> G. Montalenti, que <strong>as</strong>sim se expressa: “A<br />

<strong>de</strong>svalorização do evolucionismo é completamente injustifica<strong>da</strong>. Disto po<strong>de</strong>-se <strong>da</strong>r conta<br />

quem <strong>de</strong>r um olhar, até superficial, às publicações <strong>científica</strong>s contemporâne<strong>as</strong> <strong>de</strong> biologia” 13 .<br />

Dest<strong>as</strong> du<strong>as</strong> citações, que po<strong>de</strong>riam ser acompanhad<strong>as</strong> por muit<strong>as</strong> outr<strong>as</strong>, po<strong>de</strong>mos<br />

reparar que a Evolução afirma<strong>da</strong> por Teilhard é o conceito que nos permite compreen<strong>de</strong>r<br />

melhor a estrutura unitária <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> vivente e <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rá-la como um todo organizado.<br />

Ela é também o conceito que correspon<strong>de</strong> melhor aos <strong>da</strong>dos científicos que já possuímos,<br />

especialmente aqueles <strong>da</strong> paleontologia.<br />

10 I<strong>de</strong>m, Ibi<strong>de</strong>m, p. 235<br />

11 WILDIERS, N. M. Introduzione a Teilhard <strong>de</strong> Chardin. Milano: Bompiani, 1962. p. 56.<br />

12 GRASSÉ, Pierre. Cit. por WILDIERS, N.M., o. c. p. 34.<br />

13 MONTALENTI, Giuseppe. Introduzione a l’origine <strong>de</strong>lle specie. Torino: Boringhieri, 1959, p. 67.


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2 - A matéria, ponto <strong>de</strong> parti<strong>da</strong> <strong>da</strong> evolução<br />

Uma pergunta que nos fazemos a nós mesmos é como se realiza esta evolução, quais<br />

são seus pontos fun<strong>da</strong>mentais <strong>de</strong> parti<strong>da</strong> e su<strong>as</strong> b<strong>as</strong>es <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento. Para Teilhard, os<br />

átomos, enquanto constituídos <strong>de</strong> corpúsculos elementares, compõem a matéria prima, o<br />

estofo do universo e constituem, portanto, o ponto <strong>de</strong> parti<strong>da</strong> <strong>da</strong> evolução.<br />

Observado sob este ângulo especial e tomado, <strong>de</strong> começo, no estado<br />

elementar (entendo com isto num momento, num ponto e sob um volume<br />

qualquer), o estofo d<strong>as</strong> cois<strong>as</strong> tangíveis se nos revela, com insistência<br />

crescente, radicalmente “particular” - essencialmente ligado, porém - e,<br />

enfim, prodigiosamente ativo 14 .<br />

Os <strong>as</strong>pectos fun<strong>da</strong>mentais que caracterizam a matéria são a plurali<strong>da</strong><strong>de</strong>, a<br />

uni<strong>da</strong><strong>de</strong> e a energia. A plurali<strong>da</strong><strong>de</strong> para Teilhard po<strong>de</strong>ria chamar-se também atomici<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

profun<strong>da</strong> do universo, e aflora em forma visível n<strong>as</strong> got<strong>as</strong> <strong>da</strong> chuva, na areia d<strong>as</strong> prai<strong>as</strong> e se<br />

prolonga na multidão dos seres viventes e na imensi<strong>da</strong><strong>de</strong> dos <strong>as</strong>tros.<br />

A uni<strong>da</strong><strong>de</strong>. Apesar <strong>de</strong>sta plurali<strong>da</strong><strong>de</strong>, a Terra revela sua profun<strong>da</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong> que se<br />

expressa em uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> homogenei<strong>da</strong><strong>de</strong> e uni<strong>da</strong><strong>de</strong> coletiva.<br />

A energia é a medi<strong>da</strong> <strong>da</strong>quilo que p<strong>as</strong>sa <strong>de</strong> um átomo a outro no curso <strong>de</strong> su<strong>as</strong><br />

transformações. “Jamais é apreendi<strong>da</strong>, <strong>de</strong> fato, no seu estado puro, m<strong>as</strong> sempre mais o u<br />

menos granula<strong>da</strong> (até na luz!), a Energia representa atualmente para a Ciência a forma mais<br />

primitiva do Estofo universal” 8 .<br />

A matéria, consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> na sua reali<strong>da</strong><strong>de</strong> física e concreta, aparece como um todo<br />

homogêneo e, para usar os termos <strong>de</strong> Teilhard, “ constitui o único real Insecável” 9 . A matéria<br />

não é uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong> fixa, imóvel, m<strong>as</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> su<strong>as</strong> mais longínqu<strong>as</strong> formulações, apresenta-se<br />

sempre como em estado <strong>de</strong> gênesis, que prossegue incessante e aditivamente seu<br />

<strong>de</strong>senvolvimento, b<strong>as</strong>ea<strong>da</strong> sobre precis<strong>as</strong> leis físico-químic<strong>as</strong>.<br />

3 - O <strong>as</strong>pecto interno d<strong>as</strong> cois<strong>as</strong><br />

Des<strong>de</strong> o ponto <strong>de</strong> parti<strong>da</strong> <strong>da</strong> evolução, isto é, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a f<strong>as</strong>e corpuscular, atômica <strong>da</strong><br />

matéria, para Teilhard existe n<strong>as</strong> cois<strong>as</strong>, além <strong>de</strong> um <strong>as</strong>pecto estrutural externo, um <strong>as</strong>pecto<br />

espiritual interno. Esta é uma intuição genial que permite explicar a totali<strong>da</strong><strong>de</strong> fenomênica<br />

d<strong>as</strong> cois<strong>as</strong> e também “<strong>de</strong>scobrir o universal sob o excepcional” 15 .<br />

14 TEILHARD DE CHARDIN, Pierre, o. c. p. 16.<br />

8 I<strong>de</strong>m, Ibi<strong>de</strong>m, p. 19.<br />

9 I<strong>de</strong>m, Ibi<strong>de</strong>m, p. 20.<br />

15 I<strong>de</strong>m, Ibi<strong>de</strong>m, p. 35


Hórus – Revista <strong>de</strong> Humani<strong>da</strong><strong>de</strong>s e Ciênci<strong>as</strong> Sociais Aplicad<strong>as</strong>, Ourinhos/SP, Nº 03, 2005 11<br />

Teilhard <strong>de</strong>fine o interior d<strong>as</strong> cois<strong>as</strong> com o termo “consciência” e a tal respeito <strong>as</strong>sim<br />

se expressa: “«A consciência surge com evidência no Homem», temos que repetir, corrigindo-<br />

nos, «portanto, entrevista neste único clarão, ela possui uma extensão <strong>cósmica</strong> e, como tal,<br />

aureola-se <strong>de</strong> prolongamentos espaciais e temporais in<strong>de</strong>finidos»” 16 . Nesta p<strong>as</strong>sagem<br />

po<strong>de</strong>mos relevar que Teilhard está plenamente convencido <strong>de</strong> que este interior não apareça<br />

somente no homem como fenômeno único, m<strong>as</strong> num grau ou no outro, <strong>de</strong>va ser consi<strong>de</strong>rado<br />

como “existente por to<strong>da</strong> a parte e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre na Natureza” 17 . Ele explica esta sua<br />

afirmação dizendo:<br />

Uma vez que, num ponto <strong>de</strong> si próprio, o Estofo do Universo tem uma<br />

face interna, é forçosamente porque ele é bifacial por estrutura, isto é, em<br />

qualquer região do espaço e do tempo, exatamente como, por exemplo, é<br />

granular. Coextensivo ao Fora d<strong>as</strong> Cois<strong>as</strong>, existe um Dentro d<strong>as</strong> Cois<strong>as</strong> 18 .<br />

Partindo <strong>de</strong>sta teoria, b<strong>as</strong>tante f<strong>as</strong>cinante, <strong>de</strong>riva que a matéria originária é algo mais<br />

do que a profusão <strong>de</strong> partícul<strong>as</strong> analisad<strong>as</strong> pela Física mo<strong>de</strong>rna. Por isso, ele chama esta<br />

matéria originária <strong>de</strong> Estofo do Universo. Com este termo Teilhard quer indicar a reali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

concreta que compõe o Universo, reali<strong>da</strong><strong>de</strong> que é, ao mesmo tempo, material e dota<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />

inteligência: ela é consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> nos seus caracteres comuns mais genéricos, m<strong>as</strong> com su<strong>as</strong><br />

capaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s e energi<strong>as</strong> que se <strong>de</strong>senvolvem sob a forma <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> e <strong>de</strong> psiquismo. Este conceito<br />

nos parece, portanto, mais rico do que o antigo termo <strong>de</strong> matéria, e Teilhard o utiliza para<br />

evitar a linguagem dualística, a dicotomia simplista <strong>de</strong> matéria - espírito. Portanto ele <strong>as</strong>severa<br />

que é necessário que sob “esta folha mecânica inicial, temos <strong>de</strong> conceber, a<strong>de</strong>lgaça<strong>da</strong> ao<br />

extremo, m<strong>as</strong> absolutamente necessária para explicar o estado do Cosmo nos tempos<br />

posteriores, uma folha biológica” 19 . Assim também é preciso enxergar n<strong>as</strong> cois<strong>as</strong> um interior,<br />

uma espontanei<strong>da</strong><strong>de</strong>, uma consciência. A tal respeito Teilhard explica o significado que ele<br />

atribui ao termo «consciência»: “O termo Consciência é tomado na sua acepção mais geral,<br />

para <strong>de</strong>signar qualquer espécie <strong>de</strong> psiquismo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> <strong>as</strong> form<strong>as</strong> mais rudimentares <strong>de</strong><br />

percepção interior que se possam conceber, até ao fenômeno humano <strong>de</strong> conhecimento<br />

reflexivo” 20 .<br />

Procurando sintetizar quanto temos exposto, <strong>de</strong>duzimos que, vista no seu dúplice<br />

<strong>as</strong>pecto, exterior e interior, “numa perspectiva coerente do Mundo, a Vi<strong>da</strong> supõe<br />

inevitavelmente, e a per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista antes <strong>de</strong>la, a Pré-Vi<strong>da</strong>” 21 .<br />

16 I<strong>de</strong>m, Ibi<strong>de</strong>m.<br />

17 I<strong>de</strong>m, Ibi<strong>de</strong>m. p. 36<br />

18 I<strong>de</strong>m, Ibi<strong>de</strong>m.<br />

19 I<strong>de</strong>m, Ibi<strong>de</strong>m.<br />

20 I<strong>de</strong>m, Ibi<strong>de</strong>m.<br />

21 I<strong>de</strong>m, Ibi<strong>de</strong>m.


Hórus – Revista <strong>de</strong> Humani<strong>da</strong><strong>de</strong>s e Ciênci<strong>as</strong> Sociais Aplicad<strong>as</strong>, Ourinhos/SP, Nº 03, 2005 12<br />

4 - A lei <strong>de</strong> complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> - consciência, reguladora <strong>da</strong> evolução.<br />

A lei <strong>de</strong> complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> - consciência é aquela que regula a relação entre o interior e o<br />

exterior d<strong>as</strong> cois<strong>as</strong>. “Como complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> uma coisa, Teilhard enten<strong>de</strong> a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> que a<br />

mesma possui <strong>de</strong> ser constituí<strong>da</strong> por um maior número <strong>de</strong> elementos mais estruturalmente<br />

ligados entre si” 22 .<br />

Esta é uma lei que vale para a matéria inanima<strong>da</strong>, para a vi<strong>da</strong> e também para a história<br />

<strong>da</strong> humani<strong>da</strong><strong>de</strong>. Ela quer expressar que a evolução do Estofo do Universo avança para<br />

construções ca<strong>da</strong> vez mais complex<strong>as</strong>, isto é, o Estofo do Universo move-se para uma espécie<br />

<strong>de</strong> concentração numa uni<strong>da</strong><strong>de</strong> organiza<strong>da</strong> <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong>za e <strong>de</strong> um valor crescente, como se<br />

ela se apresent<strong>as</strong>se num envolvimento ao redor <strong>de</strong> si mesma, com combinações ca<strong>da</strong> vez mais<br />

complex<strong>as</strong>. Disto se segue que:<br />

Uma consciência é tanto mais perfeita quanto mais rico e mais bem<br />

organizado é o edifício material que ela forra. Perfeição espiritual (ou<br />

centrei<strong>da</strong><strong>de</strong> consciente) e síntese material (ou complexi<strong>da</strong><strong>de</strong>) não são mais<br />

do que <strong>as</strong> du<strong>as</strong> faces ou partes ligad<strong>as</strong> <strong>de</strong> um mesmo fenômeno 23 .<br />

Para explicar esta afirmação, Teilhard mostra como exemplo o fato <strong>de</strong> que ca<strong>da</strong> ser é<br />

constituído como uma elipse com dois focos conexos: um <strong>de</strong> organização material e o outro<br />

<strong>de</strong> centração psíquica; e observa que os dois focos variam <strong>de</strong> modo solidário no mesmo<br />

sentido. Esta lei, afirma Teilhard, é a única capaz <strong>de</strong> explicar, <strong>de</strong> esfera em esfera, antes a<br />

invisibili<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>de</strong>pois o surgimento e enfim a gradual proeminência do interior em respeito<br />

ao exterior d<strong>as</strong> cois<strong>as</strong>. A Lei <strong>de</strong> complexi<strong>da</strong><strong>de</strong>-consciência aparece evi<strong>de</strong>nte, logo que se<br />

<strong>de</strong>scobre que o Universo p<strong>as</strong>sa <strong>de</strong> um estado caracterizado por um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong><br />

elementos simples, isto é, com um interior paupérrimo, a um outro estado <strong>de</strong>finido por um<br />

número menor <strong>de</strong> agrupamentos muito complexos, isto é, com um interior muito mais rico.<br />

Isto explica que no primeiro estado os centros <strong>de</strong> consciência, sendo muito numerosos e ao<br />

mesmo tempo extremamente dispersos, manifestam-se somente mediante efeitos <strong>de</strong> conjunto<br />

submetidos a leis estátic<strong>as</strong> e obe<strong>de</strong>cem, portanto, coletivamente a leis matemátic<strong>as</strong>. Po<strong>de</strong>-se<br />

dizer que este é o campo específico <strong>da</strong> física e <strong>da</strong> química. Pelo contrário, no segundo estado<br />

observa-se que estes elementos são menos numerosos e ao mesmo tempo estão mais bem<br />

individualizados. Por isso escapam, pouco a pouco, às leis estátic<strong>as</strong> e <strong>de</strong>ixam transparecer sua<br />

fun<strong>da</strong>mental e incomensurável espontanei<strong>da</strong><strong>de</strong>. Entra-se <strong>as</strong>sim no mundo <strong>da</strong> biologia.<br />

22 ORMEA, Ferdinando, Teilhard <strong>de</strong> Chardin, gui<strong>da</strong> al pensiero scientifico e religioso. Firenze, Vallecchi,<br />

1968, p. 40<br />

23 TELHARD DE CHARDIN, o. c. p. 41


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Agora, o problema é o <strong>de</strong> relevar “a história <strong>da</strong> luta trava<strong>da</strong> no Universo entre o<br />

múltiplo unificado e a multidão não organiza<strong>da</strong>: aplicação, <strong>de</strong> ponta a ponta, <strong>da</strong> gran<strong>de</strong> Lei <strong>de</strong><br />

Complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>de</strong> Consciência, lei esta que implica uma estrutura, uma curvatura,<br />

psiquicamente convergentes do Mundo” 24 .<br />

Ele afirma que não existe nenhuma contradição em admitir que um universo d<strong>as</strong><br />

aparênci<strong>as</strong> mecanicist<strong>as</strong> possa ser constituído <strong>de</strong> «liber<strong>da</strong><strong>de</strong>», <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que esta liber<strong>da</strong><strong>de</strong> esteja<br />

conti<strong>da</strong> nele, mesmo num estado <strong>de</strong> imperfeição e <strong>de</strong> di<strong>visão</strong>.<br />

5 - Energia física e energia espiritual<br />

Estritamente ligado à lei <strong>de</strong> complexi<strong>da</strong><strong>de</strong>-consciência está o problema <strong>da</strong> relação<br />

entre a energia física e a energia espiritual. Teilhard, para estabelecer esta relação, serve-se <strong>da</strong><br />

análise <strong>da</strong> natureza humana e se expressa nestes termos:<br />

Nós sentimos perfeitamente combinarem-se, na nossa ação concreta, <strong>as</strong><br />

du<strong>as</strong> forç<strong>as</strong> em presença. O motor funciona. M<strong>as</strong> não conseguimos<br />

<strong>de</strong>cifrar o seu jogo, que parece contraditório. O que para a nossa razão,<br />

constitui o sutil acume, tão irritante, do problema <strong>da</strong> Energia espiritual, é<br />

o sentido agudo, sempre <strong>de</strong>sperto em nós, <strong>da</strong> <strong>de</strong>pendência e <strong>da</strong><br />

in<strong>de</strong>pendência simultâne<strong>as</strong> <strong>da</strong> nossa ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> em relação às potênci<strong>as</strong> <strong>da</strong><br />

Matéria 25 .<br />

Em outr<strong>as</strong> palavr<strong>as</strong>, po<strong>de</strong>-se dizer que <strong>de</strong> um lado est<strong>as</strong> du<strong>as</strong> energi<strong>as</strong> são<br />

reciprocamente in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes. Portanto, nesta <strong>visão</strong>, a alma po<strong>de</strong>-se representar como “um<br />

foco <strong>de</strong> transmutação para on<strong>de</strong>, por tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> avenid<strong>as</strong> <strong>da</strong> Natureza, o po<strong>de</strong>r dos corpos<br />

convergiria a fim <strong>de</strong> se interiorizar e se sublimar em beleza e em ver<strong>da</strong><strong>de</strong>” 26 . De outro lado, é<br />

preciso observar a in<strong>de</strong>pendência <strong>da</strong> energia espiritual <strong>da</strong>quela material. De fato:<br />

Por um lado, apen<strong>as</strong> uma fração ínfima <strong>de</strong> Energia física é utiliza<strong>da</strong> pelos<br />

<strong>de</strong>senvolvimentos mais elevados <strong>da</strong> Energia espiritual. Por outro lado,<br />

uma vez absorvi<strong>da</strong>, esta fração mínima traduz-se, no quadro interior, n<strong>as</strong><br />

mais inesperad<strong>as</strong> oscilações 27 .<br />

Teilhard precisa que, mais do nunca, seja necessário realçar tal <strong>de</strong>sproporção<br />

quantitativa, para fazer convergir a idéia simplista <strong>de</strong>mais <strong>de</strong> uma «mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> form<strong>as</strong>» ou <strong>de</strong><br />

uma transformação direta e, portanto, a esperança <strong>de</strong> encontrar, um dia, com o progresso <strong>da</strong><br />

ciência, um equivalente mecânico à vonta<strong>de</strong> ou ao pensamento. A solução <strong>de</strong>ste complicado<br />

problema Teilhard a entrevê na dupla <strong>de</strong> energia que ele chama «energia tangencial» e<br />

«energia radial». A tal respeito ele afirma que ca<strong>da</strong> energia é essencialmente <strong>de</strong> natureza<br />

psíquica, pois<br />

24 I<strong>de</strong>m, Ibi<strong>de</strong>m p. 42<br />

25 I<strong>de</strong>m, Ibi<strong>de</strong>m p. 43-44<br />

26 I<strong>de</strong>m, Ibi<strong>de</strong>m p. 44<br />

27 I<strong>de</strong>m, Ibi<strong>de</strong>m p. 45


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Em ca<strong>da</strong> elemento particular esta energia fun<strong>da</strong>mental se divi<strong>de</strong> em du<strong>as</strong><br />

componentes distint<strong>as</strong>: uma energia tangencial, que torna o elemento<br />

solidário com todos os elementos <strong>da</strong> mesma or<strong>de</strong>m (isto é, <strong>da</strong> mesma<br />

complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>da</strong> mesma centrali<strong>da</strong><strong>de</strong>) que ele mesmo no Universo; e<br />

uma energia radial que atrai na direção <strong>de</strong> um estado ca<strong>da</strong> vez mais<br />

complexo e centrado para frente 28 .<br />

A esse respeito, numa nota <strong>de</strong> ro<strong>da</strong>pé, Teilhard procura esclarecer ain<strong>da</strong> mais seu<br />

pensamento sobre este ponto particularmente complicado e <strong>de</strong>licado, afirmando:<br />

Quanto menos centrado é um elemento (quer dizer, quanto mais fraca é a<br />

sua energia radial), mais a sua energia tangencial se manifesta por efeitos<br />

mecânicos po<strong>de</strong>rosos. Entre partícul<strong>as</strong> fortemente centrad<strong>as</strong> (isto é, <strong>de</strong><br />

alta energia radial) o tangencial parece interiorizar-se e <strong>de</strong>saparecer aos<br />

olhos <strong>da</strong> Física 29 .<br />

A este ponto é necessário esclarecer o que Teilhard enten<strong>de</strong> por energia radial e<br />

energia espiritual. Antes <strong>de</strong> tudo, temos que precisar que estes termos não <strong>de</strong>vem ser tomados<br />

num sentido técnico e literal, m<strong>as</strong> em sentido simbólico, como imagem. A energia radial é<br />

aquela que liga ca<strong>da</strong> parte <strong>de</strong> um ser com o próprio centro, conforme o raio <strong>de</strong> uma esfera,<br />

isto é, à sua uni<strong>da</strong><strong>de</strong>, enquanto a energia tangencial é neutra com referência a esta uni<strong>da</strong><strong>de</strong> e a<br />

esta organização. De fato, a tangente, sendo perpendicular ao raio, é neutra com respeito à<br />

centralização. Por este motivo a energia tangencial é a energia mensurável pelos físicos e<br />

pelos químicos, enquanto a energia radial é o grau <strong>de</strong> organização <strong>de</strong> um ser e a eficiência que<br />

<strong>de</strong>la resulta.<br />

Concluindo, po<strong>de</strong>mos observar que o mundo, olhado <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> altitu<strong>de</strong>, sob esta<br />

lei, aparece como algo que se envolve ca<strong>da</strong> vez mais sobre si mesmo, até interiorizar-se numa<br />

complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> crescente. A história <strong>da</strong> Terra e <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> sobre a Terra revela, portanto, uma<br />

tendência à formação <strong>de</strong> individuali<strong>da</strong><strong>de</strong>s ca<strong>da</strong> vez maiores. Maiores, não necessariamente<br />

pel<strong>as</strong> su<strong>as</strong> dimensões, m<strong>as</strong> pelo seu centro-complexi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Os menores e os mais simples<br />

elementos se unem «organicamente» ao longo <strong>da</strong> história terrestre em uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s ca<strong>da</strong> vez mais<br />

complex<strong>as</strong>: os átomos em molécul<strong>as</strong> simples, est<strong>as</strong> em molécul<strong>as</strong> complex<strong>as</strong>, que se unem por<br />

sua vez em micel<strong>as</strong>, <strong>as</strong> micel<strong>as</strong> organizam-se em célul<strong>as</strong>, e <strong>as</strong> célul<strong>as</strong> se estruturam em plant<strong>as</strong><br />

e animais. Todo este processo acontece por uma espécie <strong>de</strong> «embriogênese <strong>cósmica</strong>» que leva<br />

à reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> um n<strong>as</strong>cimento histórico. E, embora este <strong>de</strong>senvolvimento evolutivo proce<strong>da</strong> às<br />

apalpa<strong>de</strong>l<strong>as</strong>, a orientação geral <strong>da</strong> evolução parece clara: ela parece ser direciona<strong>da</strong> rumo à<br />

antropogênese.<br />

28 I<strong>de</strong>m, Ibi<strong>de</strong>m p. 46<br />

29 I<strong>de</strong>m, Ibi<strong>de</strong>m


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6 -Vali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> intuição teilhardiana<br />

O pensamento científico <strong>de</strong> Teilhard, na <strong>de</strong>scrição d<strong>as</strong> linh<strong>as</strong> fun<strong>da</strong>mentais ao longo<br />

d<strong>as</strong> quais atuou-se a evolução até hoje, não se af<strong>as</strong>ta muito <strong>da</strong>quilo que geralmente é afirmado<br />

pelos cientist<strong>as</strong> do seu tempo. A sua concepção sobre a origem <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> na Terra coinci<strong>de</strong><br />

b<strong>as</strong>tante com a teoria formula<strong>da</strong> simultaneamente por Oparin 30 , De Rosnay 31 e Urey 32 . M<strong>as</strong><br />

a originali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Teilhard consiste na interpretação que ele dá <strong>da</strong> evolução, <strong>de</strong>scobrindo o<br />

significado e procurando se nela há um sentido. Tudo isto ele o realiza sem recorrer a<br />

pressupostos metafísicos, m<strong>as</strong> pondo o homem como centro <strong>de</strong> to<strong>da</strong> a evolução, estu<strong>da</strong>ndo<br />

“na<strong>da</strong> mais que o fenômeno. M<strong>as</strong> o fenômeno inteiro” 33 .<br />

Diante d<strong>as</strong> posições neo-<strong>da</strong>rwinist<strong>as</strong> e neo-lamarckist<strong>as</strong> ele se põe numa posição <strong>de</strong><br />

centro. A esse respeito, o cientista italiano Ferdinando Ormea afirma:<br />

Para ele o tempo é algo que é medido pelo <strong>de</strong>senvolvimento do Real<br />

global; é o eixo <strong>de</strong> uma espécie <strong>de</strong> cosmogênese. O universo lhe aparece<br />

<strong>as</strong>sim em expansão no tempo: tendo em conta a dimensão temporal, ele se<br />

dilata prodigiosamente 34 .<br />

Conforme esta perspectiva, <strong>as</strong> roch<strong>as</strong>, <strong>as</strong> montanh<strong>as</strong>, os oceanos, os planet<strong>as</strong>, <strong>as</strong><br />

estrel<strong>as</strong>, os seres viventes que nos parecem fixos e imóveis, examinados escolhendo como<br />

uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> medi<strong>da</strong> <strong>as</strong> centen<strong>as</strong> <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> anos, mostram-se numa contínua transformação<br />

e movimento. Assim também, estu<strong>da</strong>ndo <strong>de</strong> milhão em milhão <strong>de</strong> anos <strong>as</strong> estrutur<strong>as</strong> terrestres<br />

não viventes e, em segui<strong>da</strong>, a vi<strong>da</strong> sobre a terra, fica evi<strong>de</strong>nte que existe um movimento para<br />

frente. Isto é, evi<strong>de</strong>ncia-se que ao longo do tempo constitui-se um contínuo progresso <strong>de</strong><br />

organização e <strong>de</strong> complexificação que, partindo do mais simples elemento, o átomo, sobe até<br />

o mais complexo, o homem. Teilhard acrescenta que <strong>as</strong> estrutur<strong>as</strong>, ca<strong>da</strong> vez mais complex<strong>as</strong><br />

que se formam ao longo dos séculos, não são in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes um<strong>as</strong> d<strong>as</strong> outr<strong>as</strong>, m<strong>as</strong> existe una<br />

íntima ligação entre si. “A estrutura mais complexa, sucessivamente surgi<strong>da</strong> no tempo,<br />

conserva <strong>as</strong> característic<strong>as</strong> <strong>da</strong> prece<strong>de</strong>nte, com mais algum <strong>da</strong>do novo que nos permite afirmar<br />

que ela é mais complexa e mais organiza<strong>da</strong> do que a estrutura que a prece<strong>de</strong>u” 35 .<br />

Limitando-nos ao campo puramente fenomenológico, po<strong>de</strong>mos salientar a existência<br />

<strong>de</strong> uma relação muito estreita d<strong>as</strong> estrutur<strong>as</strong> entre si; e que uma estrutura se manifesta em<br />

todos os fenômenos. Assim, partindo do átomo à molécula, d<strong>as</strong> molécul<strong>as</strong> aos primeiros<br />

viventes, dos viventes inferiores aos superiores, dos antropói<strong>de</strong>s ao homem, e do homem para<br />

30 OPARIN, A. I. , L’origine <strong>de</strong>lla vita sulla terra. Torino: Boringhieri, 1956.<br />

31 DE ROSNEY, J. Les origines <strong>de</strong> la vie. De l’atome à la cellule. Paris: ed. du Seuil, 1966.<br />

32 UREY, H.C. The planets, their origin and <strong>de</strong>veloppement. New Harven: Yale Univ. Press, 1952.<br />

33 TEILHARD DE CHARDIN, Pierre. o. c. p. 1.<br />

34 ORMEA, Ferdinando, o. c. p. 166.<br />

35 I<strong>de</strong>m, Ibi<strong>de</strong>m, p. 167-168.


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chegar ao fenômeno <strong>da</strong> socialização, ao nosso olhar se impõe uma lei <strong>de</strong> recorrência: “em<br />

função do tempo tem-se uma complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> crescente <strong>de</strong> estrutur<strong>as</strong>” 36 .<br />

Através <strong>de</strong> seus estudos <strong>de</strong> paleontologia, Teilhard tinha observado nos vertebrados<br />

superiores um progressivo <strong>de</strong>senvolvimento do cérebro em função do tempo, pois ao grau <strong>de</strong><br />

complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> do cérebro correspon<strong>de</strong> um aumento <strong>de</strong> interiorização e <strong>de</strong> consciência,<br />

b<strong>as</strong>eando a segun<strong>da</strong> parte <strong>da</strong> lei <strong>de</strong> recorrência: “Em função do tempo tem -se um crescente<br />

aumento <strong>de</strong> complexi<strong>da</strong><strong>de</strong>-consciência” 37 .<br />

Esta lei que Teilhard esboçou revelou-se uma lei muito original e fun<strong>da</strong>mental não<br />

apen<strong>as</strong> para a compreensão do “fenômeno total” que ele tentou explicar n<strong>as</strong> su<strong>as</strong> <strong>obra</strong>s, m<strong>as</strong><br />

também para <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> nov<strong>as</strong> leis. A este respeito Piveteau afirma:<br />

Hoje todos os paleontólogos estão <strong>de</strong> acordo sobre a vali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> tal lei,<br />

pelo que diz respeito ao mundo dos viventes. Um novo ramo <strong>da</strong><br />

paleontologia, a paleo-neurologia teve um impulso <strong>de</strong>cisivo a partir <strong>da</strong> lei<br />

teilhardiana. Po<strong>de</strong>-se dizer que todos os estudos <strong>de</strong> paleo-neurologia<br />

inspiram-se no ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> Teilhard sobre esta lei, no que ele chama<br />

<strong>de</strong> subi<strong>da</strong> do psiquismo; e eu posso afirmar que to<strong>da</strong> uma série <strong>de</strong><br />

trabalhos está aparecendo sobre este problema, qu<strong>as</strong>e ca<strong>da</strong> dia, seja nos<br />

laboratórios franceses como nos americanos 38 .<br />

7 - Extrapolações <strong>da</strong> lei teilhardiana<br />

A originali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> lei teilhardiana consiste também no fato <strong>de</strong> que ele quis tentar<br />

generalizar uma lei biológica, mediante du<strong>as</strong> extrapolações: uma dirigi<strong>da</strong> para frente, <strong>de</strong> modo<br />

a transformá-la na lei <strong>cósmica</strong> que regula o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> todo o Universo; a outra<br />

volta<strong>da</strong> para trás. Esta última extrapolação afirma que ca<strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong> qualquer or<strong>de</strong>m que<br />

seja, tem dois <strong>as</strong>pectos: um interior (psíquico) e o outro exterior (material). Assim, a mais<br />

simples reali<strong>da</strong><strong>de</strong> material aparece com o seu <strong>as</strong>pecto psíquico, <strong>de</strong> um psiquismo sui generis,<br />

m<strong>as</strong> que, <strong>de</strong> qualquer forma, é sempre uma interiori<strong>da</strong><strong>de</strong> psíquica. A extrapolação dirigi<strong>da</strong><br />

para frente afirma que a partir do homem, o ulterior <strong>de</strong>senvolvimento evolutivo, isto é a<br />

progressiva socialização é ain<strong>da</strong> um fenômeno biológico, embora sui generis.<br />

A respeito <strong>de</strong>st<strong>as</strong> du<strong>as</strong> extrapolações, P. Grenet <strong>de</strong>clara que el<strong>as</strong> permitem estabelecer<br />

uma coligação unitária entre cosmogênese, biogênese, antropogênese e noogênese. El<strong>as</strong> nos<br />

possibilitam compreen<strong>de</strong>r que to<strong>da</strong> a evolução teve como meta o homem, ao mesmo tempo<br />

36 TEILHARD DE CHARDIN, Pierre, o. c. p. 45.<br />

37 I<strong>de</strong>m, Ibi<strong>de</strong>m, p. 47.<br />

38 PIVITEAU, Jean. Teilhard <strong>de</strong> Chardin et la pensée catholique. Paris: ed du Seuil, 1965, p. 199.


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em que a evolução sucessiva do homem para uma progressiva unificação é uma evolução do<br />

cosmo inteiro, que ten<strong>de</strong> para uma convergência e uma uni<strong>da</strong><strong>de</strong> final <strong>da</strong> humani<strong>da</strong><strong>de</strong> 39 .<br />

A lei <strong>de</strong> complexi<strong>da</strong><strong>de</strong>-consciência nos torna possível, enfim, estabelecer um ponto <strong>de</strong><br />

contato entre a concepção <strong>científica</strong> e o pensamento religioso <strong>de</strong> Teilhard. A ciência mo<strong>de</strong>rna,<br />

conforme o nosso autor, parece hoje se orientar para o reconhecimento e a admissão <strong>de</strong> uma<br />

cosmogênese orienta<strong>da</strong>. Ora, se nós admitimos que a evolução está finaliza<strong>da</strong> e que o Real<br />

não foi criado <strong>de</strong> um só golpe, m<strong>as</strong> está em processo <strong>de</strong> contínua criação há bilhões <strong>de</strong> anos-<br />

luz, a lei que regula a criação <strong>de</strong>ve ser aquela <strong>de</strong> complexi<strong>da</strong><strong>de</strong>-consciência.<br />

Conclusão: Importância e Finali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> <strong>obra</strong> <strong>de</strong> Teilhard <strong>de</strong> Chardin<br />

A importância <strong>da</strong> <strong>obra</strong> <strong>de</strong> Teilhard <strong>de</strong>ve atribuir-se ao fato <strong>de</strong> que ele quis projetar<br />

uma nova <strong>visão</strong> do homem, partindo dos <strong>da</strong>dos oferecidos pela ciência e expressamente pelos<br />

<strong>da</strong> Geologia e <strong>da</strong> Paleontologia.<br />

Enquanto cientista, indubitavelmente, a Geologia e a Paleontologia o apaixonavam e<br />

continuarão a apaixoná-lo sempre. Porém na Geologia <strong>de</strong>scobre uma dimensão antropológica:<br />

a Ciência <strong>da</strong> Terra não po<strong>de</strong> ficar indiferente diante do imenso fenômeno terrestre constituído<br />

pela vi<strong>da</strong> e particularmente pelo homem. O estudo <strong>da</strong> evolução humana tem su<strong>as</strong> perspectiv<strong>as</strong><br />

no futuro: Se o homem n<strong>as</strong>ceu por evolução, se ele continua a evoluir até os nossos di<strong>as</strong>,<br />

n<strong>as</strong>ce irremediavelmente o problema <strong>da</strong> sua evolução futura. O profundo interesse <strong>de</strong> Teilhard<br />

se <strong>de</strong>sloca <strong>as</strong>sim do p<strong>as</strong>sado para o presente, para projetar uma nova <strong>visão</strong> sobre o futuro <strong>da</strong><br />

Humani<strong>da</strong><strong>de</strong>. O p<strong>as</strong>sado, agora, o interessa não apen<strong>as</strong> por si mesmo, m<strong>as</strong> também pela luz<br />

que ele projeta sobre a situação presente <strong>da</strong> Humani<strong>da</strong><strong>de</strong>, e pela possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> encontrar<br />

nela uma lei e uma mensagem para o futuro.<br />

A exigência <strong>da</strong> harmonia entre ciência e fé é senti<strong>da</strong> fortemente pelo seu espírito. M<strong>as</strong><br />

somente após longos anos <strong>de</strong> reflexão e <strong>de</strong> pesquisa ele consegue operar uma maravilhosa<br />

síntese entre estes dois reinos que no começo lhe pareciam em contr<strong>as</strong>te:<br />

A originali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> minha fé: eis, ela afun<strong>da</strong> su<strong>as</strong> raízes em dois setores <strong>da</strong><br />

vi<strong>da</strong> normalmente consi<strong>de</strong>rados em contraposição. Por educação e<br />

formação intelectual pertenço aos filhos do céu. M<strong>as</strong> por temperamento e<br />

por estudos profissionais sou um filho <strong>da</strong> terra. Assim, pois, a vi<strong>da</strong> me pôs<br />

no centro dos dois mundos dos quais, por experiência familiar, conheço a<br />

teoria, a língua e os sentimentos, não levantei entre eles nenhuma<br />

barreira interior, m<strong>as</strong> <strong>de</strong>ixei <strong>de</strong>senvolver em plena liber<strong>da</strong><strong>de</strong> recíproca e<br />

reagir uma sobre a outra, no fundo <strong>de</strong> mim mesmo, du<strong>as</strong> influênci<strong>as</strong><br />

aparentemente opost<strong>as</strong>. Agora, no fim <strong>de</strong>sta operação, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> trinta<br />

anos consagrados à pesquisa <strong>da</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong> interior, tenho a impressão <strong>de</strong><br />

39 GRENET, Pierre. Teilhard <strong>de</strong> Chardin ou le philosophe malgré lui. Paris: Beauchesne, 1960, p. 53.


Hórus – Revista <strong>de</strong> Humani<strong>da</strong><strong>de</strong>s e Ciênci<strong>as</strong> Sociais Aplicad<strong>as</strong>, Ourinhos/SP, Nº 03, 2005 18<br />

que se operou espontaneamente uma síntese entre <strong>as</strong> du<strong>as</strong> correntes que<br />

me solicitam. Uma não sufocou a outra. Hoje provavelmente acredito<br />

ain<strong>da</strong> mais em Deus e certamente mais do que nunca no Mundo 40 .<br />

Teilhard, através <strong>da</strong> sua <strong>obra</strong> <strong>de</strong> cientista e <strong>de</strong> crente, quis indicar aos homens do seu<br />

tempo, como também aos d<strong>as</strong> gerações futur<strong>as</strong>, qual seja a meta que eles são chamados a<br />

alcançar livre e responsavelmente.<br />

Tomando consciência do processo evolutivo que preparou e atuou seu<br />

comparecimento sobre a Terra e os colocou no topo <strong>da</strong> esca<strong>da</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, os homens são<br />

chamados a progredir na linha evolutiva que os impele e os direciona contemporaneamente<br />

para o alto e para frente. E para realizar este progresso, <strong>de</strong>vem unificar-se entre si na<br />

liber<strong>da</strong><strong>de</strong>, mesmo porque “a evolução, pelo mesmo mecanismo <strong>de</strong> su<strong>as</strong> sínteses, carrega-se<br />

ca<strong>da</strong> vez mais <strong>de</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong>” 41 . Esta unificação realiza-se através do amor, pois só o amor<br />

unifica e sublima ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iramente <strong>as</strong> consciênci<strong>as</strong>.<br />

A única coisa capaz <strong>de</strong> atuar plenamente a síntese do espírito (única<br />

<strong>de</strong>finição possível do progresso) é o encontro centro a centro d<strong>as</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

human<strong>as</strong> como po<strong>de</strong> realizá-l<strong>as</strong> um recíproco amor comum. E, <strong>de</strong> outro<br />

lado, entre os elementos humanos, inumeráveis por natureza, existe um só<br />

modo possível para amar-se: verem-se como supercentrados todos juntos<br />

num mesmo ultracentro comum, no qual ca<strong>da</strong> um possa encontrar a<br />

perfeição do próprio projeto, só possível mediante a união. 42<br />

É este ultracentro o ponto final para o qual ten<strong>de</strong> to<strong>da</strong> a evolução. Isso não é só algo,<br />

m<strong>as</strong> Alguém, isto é, um Ser pessoal sumamente amável, capaz <strong>de</strong> atrair a Si todos os homens<br />

e <strong>de</strong> amá-los eternamente.<br />

1 - Obr<strong>as</strong> <strong>de</strong> Pierre Teilhard <strong>de</strong> Chardin<br />

BIBLIOGRAFIA<br />

As Edições du Seuil <strong>de</strong> Paris editaram <strong>as</strong> seguintes <strong>obra</strong>s:<br />

Le phénomène humain I 1955<br />

L’appartion <strong>de</strong> l’homme II 1956<br />

la vision du p<strong>as</strong>sé III 1957<br />

Le milieu divin IV 1957<br />

L’avenir <strong>de</strong> l’homme V 1959<br />

L’energie humaine VI 1962<br />

L’activation <strong>de</strong> l’énergie VII 1963<br />

40 Apud MONDIN, Battista. o.c.p. 65.<br />

41 TEILHARD DE CHARDIN, Pierre. L’avvenire <strong>de</strong>ll’uomo. Milano: Il Saggiatore, 1972. p.117.<br />

42 I<strong>de</strong>m, Ibi<strong>de</strong>m, p. 121-122.


Hórus – Revista <strong>de</strong> Humani<strong>da</strong><strong>de</strong>s e Ciênci<strong>as</strong> Sociais Aplicad<strong>as</strong>, Ourinhos/SP, Nº 03, 2005 19<br />

La place <strong>de</strong> l’homme <strong>da</strong>ns la nature. Le groupe zoologique humain VIII 1965<br />

Science e Christ IX 1965<br />

Comment je crois X 1969<br />

Les directions <strong>de</strong> l’avenir XI 1973<br />

Pel<strong>as</strong> Editions du Seuil estão sendo publicados também os Cahiers Pierre Teilhard <strong>de</strong><br />

Chardin, dos quais saíram os seguintes volumes:<br />

Construire la terre 1 1958<br />

Reflexions sur le bonheur 2 1960<br />

Teilhard <strong>de</strong> Chardin et la politique africaine 3 1962<br />

La parole attendue 4 1963<br />

Le Christ évoluteur 5 1966<br />

Être plus 6 1968<br />

Ain<strong>da</strong> pela mesma editora foram publicados:<br />

BARBOUR, G.B. Teilhard <strong>de</strong> Chardin sur le terrain. (Correspondência inédita), 1965.<br />

MORTIER, J.M. Avec Teilhard <strong>de</strong> Chardin. Vues Ar<strong>de</strong>ntes. (Textos escolhidos) 1967.<br />

RIVIERE, G. Avec Teilhard en Chine (1938-1944). (Correspondência inédita). 1968.<br />

Outr<strong>as</strong> editor<strong>as</strong> publicaram <strong>as</strong> seguintes <strong>obra</strong>s:<br />

TEILHARD DE CHARDIN, Pierre. Genèse d’une penseée: Lettres (1914-1919), Paris:<br />

Gr<strong>as</strong>set, 1961.<br />

———Ecrits du temps <strong>de</strong> la Guerre. Paris: Gr<strong>as</strong>set, 1965.<br />

———Lettres <strong>de</strong> voyage (1923-1939). Paris: Gr<strong>as</strong>set, 1956.<br />

———Nouvelles lettres <strong>de</strong> voyage (1939-1955). Paris: Gr<strong>as</strong>set, 1957.<br />

———Lettres d’Egypte. Paris: Aubier, 1963.<br />

———Lettres d’H<strong>as</strong>tings et <strong>de</strong> Paris. Paris: Aubier, 1965.<br />

———Lettres à Leontine Zanta. Paris, Desclée, 1965<br />

2 - Comentários sobre Teilhard <strong>de</strong> Chardin<br />

ARNAULD, J. Darwin, Teilhard <strong>de</strong> Chardin e Cia. : A Igreja e a evolução. São<br />

Paulo: Paulus, 1999.<br />

BARJON, L.- LEROY, P. La carrière cientifique <strong>de</strong> Pierre Teilhard <strong>de</strong> Chardin. Paris:<br />

Ed. du Seuil, 1964..<br />

BLANCHARD, J. P. Métho<strong>de</strong>s et principes du P. Teilhard <strong>de</strong> Chardin. Paris: La<br />

Colombe, 1961.<br />

BORNE, E. De P<strong>as</strong>cal à Teilhard <strong>de</strong> Chardin. Paris: Debussac, 1963.


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CHAUCHARD, P. L’ étre humain selon Teilhard <strong>de</strong> Chardin. Paris: Gabal<strong>da</strong>, 1959.<br />

COFFY, R. Teilhard <strong>de</strong> Chardin et le socialisme. Lyon: Cronique, 1966.<br />

CRESPY, G. De la science à la théologie. Essai sur Teilhard <strong>de</strong> Chardin. Neuchatel:<br />

Delanchaux, 1965.<br />

GLEIZE, J. L’histoire naturelle <strong>de</strong> l’ humanité vue à travers les pensées du P.<br />

Teilhard <strong>de</strong> Chardin. Lyon: Angel, 1959.<br />

GRENET, P. Teilhard <strong>de</strong> Chardin: um evolutionniste chretien. Paris: Seghers, 1961.<br />

LUBAC. H. La pensée religieuse du Père Teilhard <strong>de</strong> Chardin. Paris: Aubier, 1962.<br />

——— Teilhard et notre temps. Paris: Aubier, 1968.<br />

ORMEA, F. Teilhard <strong>de</strong> Chardin, gui<strong>da</strong> al pensiero scientifico e religioso. Firenze:<br />

Vallecchi, 1968.<br />

SMULDERS, P. La vision <strong>de</strong> Teilhard <strong>de</strong> Chardin. Paris: Desclée, 1964.<br />

TRESMONTANT, C. Introduction à la pensée <strong>de</strong> Teilhard <strong>de</strong> Chardin. Paris: Ed. du<br />

Seuil, 1956.

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