12.05.2013 Views

MARCAS QUE DEMARCAM - Repositório do ISCTE-IUL

MARCAS QUE DEMARCAM - Repositório do ISCTE-IUL

MARCAS QUE DEMARCAM - Repositório do ISCTE-IUL

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

nascimento e a morte: «a prótese mais radical <strong>do</strong> corpo que poderemos na verdade imaginar»,<br />

diz-nos Teresa Cruz, «será aquela que virá, não rectificar ou ampliar a corporeidade, mas sim<br />

rectificar a corporeidade em incorporeidade, garantin<strong>do</strong>-lhe atributos desde sempre sonha<strong>do</strong>s<br />

pela metafísica e pela teologia – imperecibilidade, omnisciência e perfeição. (…) Através da<br />

construção de uma inteligência e de uma sensibilidade artificiais, que os actuais sistemas de<br />

realidade artificial começam a anunciar» (Cruz, 2000:366).<br />

Pode-se encontrar, de facto, nesta concepção de corpo obsoleto, os contornos simbólicos<br />

renova<strong>do</strong>s que, desde os pré-socráticos, configuravam a atitude sob suspeita perante o corpo,<br />

partilhada por um certo segmento social mais erudito e intelectualiza<strong>do</strong>, outrora liga<strong>do</strong> aos<br />

filósofos da metafísica e da teologia, hoje localiza<strong>do</strong> entre as instâncias de produção científica de<br />

vanguarda. Se a suspeição e o desprezo eram as atitudes eticamente correctas para quem via o<br />

corpo como uma prisão da alma (Platão), o identificava com um mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>mina<strong>do</strong> pelas forças<br />

<strong>do</strong> mal (gnósticos), o associava ao peca<strong>do</strong> original ou às tentações da carne (teologia cristã),<br />

actualmente continua a ser essa a premissa básica da abordagem “dura” da “inteligência<br />

artificial”, segun<strong>do</strong> a qual o corpo não é senão um entrave ontologicamente distinto <strong>do</strong> sujeito,<br />

procuran<strong>do</strong> desincorporar os mecanismos <strong>do</strong> cérebro e reproduzi-los ciberneticamente.<br />

O seu objectivo último será a obtenção de «um corpo “imaterial”, possibilita<strong>do</strong> por uma<br />

ontologia puramente informacional, que muitos associam por seu la<strong>do</strong> a uma nova<br />

espiritualidade, a qual implicaria, na verdade, uma nova arquitectónica <strong>do</strong> que no ocidente se<br />

pensou como a dualidade corpo e alma ou a problemática conjunção <strong>do</strong> espírito com a matéria,<br />

cuja dificuldade sempre foi a de encontrar a justa mediação entre ambos. A nova arquitectónica<br />

em construção parece assumir a forma de um corpo que seria o contrário da imagem inaugural<br />

<strong>do</strong> corpo como “prisão” da alma, já que seria ele próprio pura incorporalidade, pura animação,<br />

puro simulacro, cujo princípio de vida dependeria exclusivamente da matriz logicial e digital da<br />

técnica actual, prometen<strong>do</strong> esta estender um dia a possibilidade simulacral de animização a to<strong>do</strong><br />

o existente. Mais <strong>do</strong> que mediação entre corporalidade e incorporalidade, a técnica actual<br />

pareceria estar assim em condições de converter uma na outra» (Cruz, 2001:1).<br />

Em resumo, hoje, no que à modernidade ocidental diz respeito, a mesma sociedade que<br />

cultiva intensamente o corpo, também trabalha na mesma medida para o seu degre<strong>do</strong>. O lugar<br />

<strong>do</strong> corpo na sociedade contemporânea vê-se assim atravessa<strong>do</strong> por uma forte tensão,<br />

decorrente da coexistência de <strong>do</strong>is movimentos aparentemente antagónicos: por um la<strong>do</strong>, um<br />

movimento de ampla descorporização <strong>do</strong> social, ou de certas regiões sociais, alicerça<strong>do</strong> num<br />

quadro atitudinal de profunda desconfiança e suspeição sobre o corpo, com base na constatação<br />

da sua fragilidade, das suas limitações e da fatalidade <strong>do</strong> seu envelhecimento, e visível na<br />

- 36 -

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!