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MARCAS QUE DEMARCAM - Repositório do ISCTE-IUL

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clássica, emancipa<strong>do</strong> da sua suposta “condição natural”, sen<strong>do</strong> toma<strong>do</strong> cada vez menos como<br />

um da<strong>do</strong> adquiri<strong>do</strong>, objecto de rejeição e culpabilização, para passar a ser sujeito a actos de<br />

vontade (políticos, sociais, pessoais), socialmente conformes ou disformes aos modelos sociais<br />

e culturais existentes: «em tempos pensa<strong>do</strong> como sen<strong>do</strong> locus da alma, depois como centro de<br />

necessidades obscuras e perversas, o corpo tornou-se mais disponível para ser “trabalha<strong>do</strong>”<br />

pela influência da modernidade tardia e, como resulta<strong>do</strong> destes processos, as suas fronteiras<br />

alteraram-se. To<strong>do</strong> o seu exterior, ou o que é visível, tornou-se permeável às “ofertas” emanadas<br />

da sociedade» (Giddens, 1997 [1991]:201).<br />

A cirurgia estética ou plástica modifica as formas corporais ou o sexo, a ingestão de<br />

hormonas e de dietas hiper-proteicas fazem crescer a massa muscular, os regimes alimentares<br />

emagrecem a silhueta, os tatua<strong>do</strong>res e perfura<strong>do</strong>res dispensam signos identitários na pele, os<br />

psicotrópicos regulam o humor, isto é, a tonalidade afectiva da relação <strong>do</strong> indivíduo com o<br />

mun<strong>do</strong> 17 , o sonho de agir directamente sobre a fórmula genética <strong>do</strong> sujeito para formatar a forma<br />

e até mesmo os comportamentos humanos está cada vez mais próximo de ser realiza<strong>do</strong>. Artifício<br />

e natureza deixam de ser categorias opostas 18 . Mesmo o “sexo”, a “idade” ou a “raça”, por<br />

exemplo, propriedades ainda em larga medida consideradas como pertencentes à ordem <strong>do</strong><br />

“natural” <strong>do</strong> corpo, são presentemente passíveis de ser socialmente geridas e reconfiguradas<br />

através de intervenções no senti<strong>do</strong> da sua alteração, com a possibilidade das operações de<br />

reconstrução <strong>do</strong>s órgãos genitais, de renovação ou esticamento da epiderme, ou até mesmo de<br />

reconfiguração da melanina. 19<br />

No contexto das inúmeras possibilidades de intervenção corporal hoje disponíveis, o corpo<br />

é cada vez mais assumi<strong>do</strong> como um suporte «plástico, isto é, instável e recomponível», lugar de<br />

«desfiguração, mas também variabilidade, continuidade e novidade» (Cruz, 2000:371). A sua<br />

anatomia deixa de ser um destino herda<strong>do</strong>, para passar a constituir um devir molda<strong>do</strong>, uma<br />

matéria bruta a esculpir, a redefinir, a fabricar, a «submeter ao design <strong>do</strong> momento» (Le Breton,<br />

17 É cada vez mais habitual o recurso à produção farmacológica disponível para a produção <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> moral<br />

sonha<strong>do</strong>. Le Breton (1999) pôs em evidencia a actual expansão das técnicas de gestão <strong>do</strong> humor e da vigilância,<br />

que não se confinam aos psicotrópicos clássicos. Ele refere-se às «técnicas que visam uma transformação<br />

deliberada <strong>do</strong> foro interior com uma finalidade precisa», como seja alterar o esta<strong>do</strong> de vigilância, melhorar a<br />

percepção sensorial, aumentar a capacidade de esforço, vencer a fadiga ou o sono (1999:17). Tomam-se produtos<br />

para <strong>do</strong>rmir, acordar, estar em forma, ter mais energia, acentuar a memória, suprimir a ansiedade, diminuir o stress,<br />

etc., como próteses químicas de um corpo percebi<strong>do</strong> como fraco/enfraqueci<strong>do</strong> consideran<strong>do</strong> as exigências <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong> contemporâneo, para estar sempre na frente de um sistema sempre activo e exigente. Para além da «gestão<br />

farmacológica <strong>do</strong>s problemas existenciais», através <strong>do</strong>s quais se tenta «traçar bioquimicamente um caminho em si<br />

em vez de enfrentar sem defesa o desafio <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>» (1999:53, 58), Le Breton assinala ainda a manipulação <strong>do</strong>s<br />

esta<strong>do</strong>s afectivos independentemente de qualquer mal-estar, apenas por experimentação e/ou auto-afirmação, fora<br />

de qualquer contexto patológico.<br />

18 De certo mo<strong>do</strong>, nunca o foram, mas o facto é que a proximidade conceptual entre ambas nunca foi tanta.<br />

19 Tome-se o exemplo <strong>do</strong> célebre cantor pop Michael Jackson.<br />

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