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MARCAS QUE DEMARCAM - Repositório do ISCTE-IUL

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Lentamente substituí<strong>do</strong> o trabalho braçal por máquinas mais <strong>do</strong>cilmente controláveis e<br />

mais adequadamente ajustadas aos objectivos mercantilistas <strong>do</strong> sistema capitalista, o corpo vai-<br />

se vislumbran<strong>do</strong> progressivamente libera<strong>do</strong> <strong>do</strong>s constrangimentos físicos <strong>do</strong> dever laboral, da<br />

submissão ao ritmo das correias e alavancas decorrente <strong>do</strong> seu estatuto de corpo-ferramenta de<br />

produção. Simultaneamente, vai sen<strong>do</strong> dedica<strong>do</strong> às férias e às horas livres, um corpo que<br />

consome e é consumi<strong>do</strong>, ginastica<strong>do</strong>, medicaliza<strong>do</strong>, esteticiza<strong>do</strong>, destina<strong>do</strong> ao lazer, ao prazer,<br />

à beleza (Berthelot, 1998; Travaillot, 1998:17). Ao idealismo associa<strong>do</strong> ao corpo espartano <strong>do</strong><br />

industrialismo, segue-se a versão edílica <strong>do</strong> corpo dionisíaco da sociedade de consumo<br />

(Maffesoli, 1985), um corpo que se deseja (e é deseja<strong>do</strong>) sem calos e signos de trabalho, que<br />

idealmente se pretende próximo da imagem publicitária de juventude, estiliza<strong>do</strong>, atlético,<br />

saudável, energético, deleita<strong>do</strong>, deseja<strong>do</strong> e desejante, empenha<strong>do</strong> em si próprio e sujeito de si<br />

mesmo, individual, original e autêntico.<br />

Um corpo próprio de uma sociedade corporeísta, cuja cultura somática já não vai no<br />

senti<strong>do</strong> de uma concepção higienista e economicista da cultura física, mas de «uma atenção ao<br />

“eu corporal” como lugar e meio de descoberta, de emoção, prazer, e também de<br />

reconhecimento <strong>do</strong> outro através de to<strong>do</strong>s os senti<strong>do</strong>s (nomeadamente <strong>do</strong> o<strong>do</strong>r e <strong>do</strong> gosto pela<br />

pele de cada um), através de experiências diferenciadas» (Maisonneuve, 1976:555), onde a<br />

mobilização das dimensões corporais é intensamente ostentada na vida quotidiana (em termos<br />

vocais, imagéticos, gestuais, sensuais), onde a expressão individual é valorizada, onde é<br />

procura<strong>do</strong> a efervescência <strong>do</strong> fusionismo, <strong>do</strong> prazer lúdico, a erotização <strong>do</strong> movimento, a<br />

estética <strong>do</strong> gesto.<br />

Nas palavras de Denise Sant’Anna, «dedicar ao corpo mais atenção e acumular<br />

experiências prazerosas no lazer [já] não são excentricidades de jovens abasta<strong>do</strong>s, ou<br />

leviandades de artistas mundanas e libertinas. Tornam-se direitos inalienáveis de homens e<br />

mulheres comuns, de todas as idades e profissões. Principalmente após a Segunda Grande<br />

Guerra, a necessidade de momentos plenamente dedica<strong>do</strong>s ao “prazer de se curtir” é<br />

transformada em promessa banal na mídia, em reivindicação natural e legítima. Sport, sun, sex<br />

and sea não tardam a formar os “quatro S” das férias consideradas ideais. Doravante, os lazeres<br />

ecologicamente corretos e benéficos ao corpo não serão necessariamente aqueles que lutam<br />

pela regeneração de um povo ou de uma raça. As austeras referências à pátria e os eugénicos<br />

projectos de educação corporal, conti<strong>do</strong>s nas excursões e jogos em voga na década de 1930,<br />

por exemplo, serão preteri<strong>do</strong>s em favor de atividades que valorizam o presente imediato, a<br />

“sensação pura” e as performances individuais» (2001:58).<br />

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