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MARCAS QUE DEMARCAM - Repositório do ISCTE-IUL

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que o possuíam 23, num «perío<strong>do</strong> de crise ecológica e axiológica onde uma dúvida mais ou<br />

menos radical afecta os sistemas, os modelos, as regras e talvez toda a significação<br />

assinalável» (Maisonneuve, 1976:565, 567).<br />

Numa sociedade de pen<strong>do</strong>r individualista como a nossa, o corpo parece funcionar no<br />

imaginário social contemporâneo como espaço privilegia<strong>do</strong> de individuação e singularização<br />

social, demarcan<strong>do</strong> e assinalan<strong>do</strong> socialmente cada indivíduo enquanto sujeito uno e único,<br />

integran<strong>do</strong> um sistema sígnico onde adquire um valor essencial enquanto unidade material<br />

individualizada da percepção idiossincrática <strong>do</strong> “eu”. Nesta perspectiva, assume o estatuto de<br />

recurso privilegia<strong>do</strong> na realização e expressão das expectativas e desejos identitários <strong>do</strong> seu<br />

proprietário, passan<strong>do</strong> a ser construí<strong>do</strong> e mobiliza<strong>do</strong> no âmbito <strong>do</strong> processo de produção,<br />

dramatização e performatização social <strong>do</strong> self.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, actuar com o corpo e sobre o corpo equivale a agir com fins e efeitos<br />

identitários, acção que encontra nos nossos dias condições de realização privilegiadas,<br />

consideran<strong>do</strong> a plêiade de técnicas, tecnologias e produtos disponíveis no senti<strong>do</strong> da<br />

manipulação, manutenção ou modificação corporal. O desenvolvimento de uma sociedade de<br />

consumo tem efectivamente garanti<strong>do</strong>, nas últimas décadas, a revalorização simbólica e<br />

económica <strong>do</strong> corpo enquanto capital expressivamente mobilizável, integra<strong>do</strong> numa florescente,<br />

diversa e cada vez mais sofisticada indústria de engenharia biológica e de design corporal<br />

(Featherstone, 1982, 1987, 1990, 1991). Indústrias essas amplamente celebradas pela<br />

publicidade e pelos meios de comunicação social em geral, a partir de onde o corpo é investi<strong>do</strong><br />

quer de novos e profusos imaginários, quer de múltiplas e heteróclitas possibilidades de<br />

modificação ou manutenção (da sua morfologia, fisiologia, cinestesia, etc.). Os regimes<br />

produzi<strong>do</strong>s no âmbito dessas novas indústrias em expansão e propagandea<strong>do</strong>s nos media,<br />

vêem-se socialmente investi<strong>do</strong>s de uma retórica da transformação pessoal no senti<strong>do</strong> de<br />

convencer cada actor a realizar, de forma individual e autónoma 24, com pouco esforço e dinheiro,<br />

o projecto que tem para o seu corpo enquanto expressão social da sua identidade pessoal.<br />

Conforme enuncia Le Breton, para os que crêem na salvação <strong>do</strong> corpo e da salvação pelo<br />

corpo, este passa a ser entendi<strong>do</strong> como uma construção, «um kit, uma soma de partes<br />

eventualmente destacáveis à disposição <strong>do</strong> indivíduo» (1999:24), onde cada parte – desde as<br />

suas unhas (verniz, limas, corta-unhas), aos fios de cabelo (champô, condiciona<strong>do</strong>r, lacas, gel,<br />

23 Maisonneuve descreve este processo de personalização <strong>do</strong> corpo justamente como um processo de<br />

despossessão cultural onde supostamente o sujeito reconquista o poder sobre o seu ser, ou seja, sobre a sua<br />

identidade (1976:565).<br />

24 Mesmo que para tal se faça utilizar <strong>do</strong> saber vulgariza<strong>do</strong> <strong>do</strong>s media e <strong>do</strong>s recursos industrialmente produzi<strong>do</strong>s e<br />

amplamente disponibiliza<strong>do</strong>s pelo merca<strong>do</strong>.<br />

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