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1068-1078 - Universidade de Coimbra

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y D<br />

r o i c T r v n i<br />

IiIjijIij 1 J E i í V I i l A<br />

Editor<br />

MANUEL D'OLIVEIRA AMARAL<br />

PUBLICA-SE AOS DOMINGOS E QUINTAS-FEIRAS<br />

Redacção e administração — RUA FERREIRA BORGES<br />

Oficina tipographica<br />

1 8 - R n a da Moeda-14<br />

N.° 1076 COIMBRA—Quinta-feira, 1 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1906 li: ANNO<br />

0 resta na i<br />

Foi uma bela e comovente festa,<br />

gran<strong>de</strong> pelo brilho literário, gran<strong>de</strong><br />

pelo seu valor moral, gran<strong>de</strong><br />

pelo que representa como energia<br />

vital do partido republicano portuguez.<br />

São novos soldados, cheios <strong>de</strong><br />

generosida<strong>de</strong>, cheios <strong>de</strong> heroísmo,<br />

leaes, bem apercebidos para a guerra.<br />

Hão <strong>de</strong> vencer!...<br />

O entusiasmo com que têem sido<br />

recebidos em Lisboa e no Porto<br />

<strong>de</strong>ve-lhe ter mostrado como o povo<br />

lhes paga o sacrifício pela sua causa,<br />

como os estima, como os admira.<br />

O seu aparecimento vem estimular<br />

os velhos, <strong>de</strong>spertar energias,<br />

dar um movimento novo á vida<br />

activa do partido republicano portuguez.<br />

E e para admirar e louvar a<br />

forma como souberam honrar os<br />

combatentes mais velhos do seu<br />

partido sempre ouviJos com admiração,<br />

sempre saudados com enthusiasmo.<br />

E' difícil po<strong>de</strong>r dar i<strong>de</strong>ia daquela<br />

festa, que teve perfeitamente dominados<br />

pela elevação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias e pela<br />

força dos oradores tantos milhares<br />

<strong>de</strong> indivíduos como os que enchiam<br />

tão completamente o theatrocirco.<br />

Des<strong>de</strong> o belo discurso do sr.<br />

dr. Bernardino Machado, <strong>de</strong> uma<br />

forma íiteraria tão cuidada, <strong>de</strong> tão<br />

( fina ironia, <strong>de</strong> tão <strong>de</strong>licada cor<strong>de</strong>alida<strong>de</strong>,<br />

até ás palavras <strong>de</strong> ironia<br />

caustica do dr. Afonso Gosta, a assembleia<br />

esteve perfeitamente dominada,<br />

levantando-se em ovações<br />

como raras vezes se têem feito em<br />

<strong>Coimbra</strong>.<br />

A ovação a Arriaga, que pronunciou<br />

um dos mais belos discursos<br />

da sua vida triumfante <strong>de</strong> orador,<br />

a simpatia com que foi recebido<br />

França Borges o entusiasmo com<br />

que foram aplaudidas as suas palavras<br />

graves, verda<strong>de</strong>ira linguagem<br />

<strong>de</strong> uma consciência tranquila; o calor<br />

com que foi vitoriado Antonio<br />

José d'Almeida; o aplauso franco,<br />

sentido, sincero, ás nobres e altivas<br />

palavras <strong>de</strong> Augusto Barreto; a animação,<br />

a vida irrequieta, pronto a<br />

abrir-se em aplausos com que foi<br />

ouvido Afonso Costa, fizeram <strong>de</strong>sta<br />

festa um dos mais extraordinários<br />

e significativos actos do partido republicano.<br />

Mais uma vez a simpatia da nação,<br />

o amor do povo portuguez pela<br />

causa republicana, se verificou nesta<br />

sessão em que iam inscrever-se nas<br />

hostes republicanas com todo o ardor<br />

do seu enthusiasmo juvenil nomes<br />

consagrados já no meio académico<br />

pela sua inteíigencia e pelo<br />

seu carater.<br />

O discurso do sr. dr. Bernardino Machado<br />

Meus senhores! — A aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong><br />

<strong>Coimbra</strong> foi sempre avançada. E hoje,<br />

apesar da sedução dos sucessivos feriados<br />

e das intimidações á pranchada<br />

e a tiro, pelos processos da Rússia autocratica,<br />

o fato é, justiça se lhe faça,<br />

que ninguém pô<strong>de</strong> em verda<strong>de</strong> dizer<br />

que ela seja monárquica. Nem lhe estava<br />

na natureza! Mas, salvo raras intermitencias,<br />

em que por momentos<br />

relampejou <strong>de</strong> novo a sua antiga hombrida<strong>de</strong>,<br />

— e ninguém mais do que eu<br />

lho <strong>de</strong>ve reconhecer — o que ela nos<br />

últimos tempos lastimavelmente tem<br />

sido, é d'um apagado indiferentismo<br />

ás sugestões valorosas da vida social.<br />

Quantos dos seus membros se tirariam<br />

galhardamente da forte entala<br />

ção em que se viu Gonçalves Crespo,<br />

ainda estudante, uma vez que — como<br />

ele então me escrevia e já o contou<br />

Teixeira <strong>de</strong> Queiroz — estando a banhos<br />

em Aljustrel, o pároco da freguezia,<br />

que o hospedara na resi<strong>de</strong>ncia, lhe<br />

pediu instantemente para a sua gazeta<br />

opociosinista um artigo <strong>de</strong> fundo teso!<br />

De fundo! Se ele ignorava profundamente<br />

cs emaranhados negocies da governança,<br />

ao ponto <strong>de</strong> não saber sequer<br />

quem eram os revoltantes estadistas<br />

que tanto irritavam a opinião publica<br />

na pessoa do bizarro anfitrião e<br />

belicoso pastor <strong>de</strong> almas ! Mas Crespo<br />

era Crespo; e sahiu se do apuro com<br />

uma brava catilinaria, do meio <strong>de</strong> cujas<br />

ar<strong>de</strong>ntes prosopopeias esfusiava repetidamente,<br />

como um estribilho <strong>de</strong> morte,<br />

esta apostrofe solene: Mais moralida<strong>de</strong>,<br />

senhor ministro do Reino! O<br />

entuziasmo facioso do abaule ia ameigando<br />

com um abraço excessivamente<br />

apertádo as costélas do seu flamante<br />

neofito politico.<br />

E' certo que a indiffeença da aca<strong>de</strong>mia<br />

não é apatica. Raros são feliz<br />

mente os exemplares como certo quintanista<br />

que, aqui ha poucos annos, assegurava<br />

com a mais ingénua innocencia<br />

a sua risonha confiança no futuro,<br />

porque <strong>de</strong>. dois tios que ditosamente<br />

possuía, um influente regenerador, outro<br />

trunfo progressista, qualquer d'elies<br />

com certeza o havia <strong>de</strong> nomear administrador<br />

do concelho, logo após a sua<br />

formatura. Raros terão este calibre. E,<br />

se não faltam rapazes que, durante o<br />

seu curso universitário, <strong>de</strong> cerviz abatida,<br />

se preocupam <strong>de</strong>mais com o diploma<br />

e com a carreira e <strong>de</strong> menos<br />

com os princípios e com a causa publica,<br />

alguns mesmo, já em tão tenros<br />

annos, aspirantes oficiaes a ministros,<br />

esboçando, ou antes caricaturando, até<br />

nas maneiras e no penteado, os altos<br />

dignitários a cuja imagem se vão compondo<br />

gravemente, esses taes, por<br />

muito que acentuem um tipo antipatico<br />

e odioso <strong>de</strong> bacharel, não passam,<br />

ainda assim, d'uma minoria. A maior<br />

parte dos indifferentes são-no por distracção<br />

da eda<strong>de</strong>. A cada geração<br />

nova, a alma enflora-se <strong>de</strong> todas as<br />

virtu<strong>de</strong>s atávicas da nossa gente com<br />

uma efíervescencia tumultuaria: a camaradagem,<br />

o amor, o prazer <strong>de</strong> viver<br />

I arrebatam-na. E nada mais encantador<br />

do que o lirismo juvenil. Mas, ai! em<br />

| <strong>Coimbra</strong>, longe dos paes, longe das<br />

irmãs, em meio <strong>de</strong> tantas solicitações<br />

<strong>de</strong>gradantes, que <strong>de</strong> vezes o amor se<br />

não corrompe e dissolve no prostíbulo,<br />

a camaradagem no jogo e o prazer na<br />

embriaguez 1<br />

Que precisa, pois, a nossa moci-<br />

da<strong>de</strong> académica? Dar ás suas generosas<br />

paixões toda a elevação moral. E,<br />

para isso, primeiro disciplinar-se, governar-se.<br />

Uma única fórma <strong>de</strong> governo lhe<br />

convém. A experiencia acompanhada<br />

das instituições ha muito que está feita<br />

em <strong>Coimbra</strong>. Ahi lêem lado a lado, a<br />

monarquia dos estudantes governados<br />

por um professor ou por um clérigo, e<br />

a republica presidida por um veterano<br />

eleito Qual dos dois regimens é a or<strong>de</strong>m,<br />

o estudo ? Respondam os fastos<br />

académicos. São lendarias, tradicionaes,<br />

ainda dos nossos dias, as insurreições<br />

<strong>de</strong>ntro das monarquias. Sempre que o<br />

monarcha tenta coarctar a liberda<strong>de</strong>,<br />

aferrolhando á noite a porta da casa,<br />

guerra á ditadura! o povo, amotinado,<br />

revindica os seus direitos <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>,<br />

saltando pelas janelas. Depois, é<br />

uma emigração constante das monarquias<br />

para as republicas. Os gran<strong>de</strong>s,<br />

os famosos centros <strong>de</strong> cavaco e dis<br />

cussão foram sempre absolutamente<br />

livres. A republica é a vida, a alegria,<br />

a paz, e ainda, por mais que pareça<br />

inverosímil em rapazes, a economia,<br />

a subordinação. Entre os meus con<br />

temporaneos, houve ministros <strong>de</strong> fazenda<br />

académica que conquistaram brilhantes<br />

reputações financeiras. O pouco<br />

que se gastava, por exemplo, numa republica<br />

<strong>de</strong> amigos meus da rua da<br />

Trinda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> que aliás eram comensaes<br />

alguns dos melhores e mais pantagruelicos<br />

estomagos da aca<strong>de</strong>mia,<br />

tornou-se tão prodigioso, que só o explicávamos<br />

pelas, artes magicas da velha<br />

servente sr.* Tereza, que eu, snnes<br />

<strong>de</strong>pois, visitando <strong>Coimbra</strong> e o hospital<br />

da <strong>Universida<strong>de</strong></strong>, fui encontrar quasi<br />

expirante, sobre a sua enxerga, com a<br />

mesma serenida<strong>de</strong>, o mesmo doce sorriso<br />

celestial, com que punha na meza<br />

mais um talher para a ceia, á minha<br />

chegada a casa <strong>de</strong> seus amos. Santa<br />

mulher! Ali sósinha! esquecida! E a<br />

republica académica já tem feito as<br />

suas provas <strong>de</strong> que garante egualmente,<br />

com a liherda<strong>de</strong>, a autorida<strong>de</strong>.<br />

Só mesmo com ela ha verda<strong>de</strong>iro governo<br />

<strong>de</strong> força. Discute se, mas obe<strong>de</strong>ce<br />

se Lemb o-roe <strong>de</strong> quando ás vivas<br />

reclamações do meu companheiro Carlos<br />

Lobo d'Avila, que pretendia café<br />

todos os dias ao jantar — e note se que<br />

ele tinha, por si, como presumirão um<br />

forte partido, e já então manifestava<br />

um gran<strong>de</strong> talento para captar os proprios<br />

adversarios — eu, que, como governo,<br />

<strong>de</strong>via aplicar a lei, respondia da<br />

cabeceira da meza, severamente: Só ás<br />

quintas e domingos! E ele, resignado...<br />

ia toma lo lá fóra. Mais tar<strong>de</strong>,<br />

quando quiz fazer outro tanto, como<br />

ministro da nação, <strong>de</strong>itou me o mesmo<br />

Carlos Lobo d'Avila abaixo do po<strong>de</strong>r.<br />

Vejam a diferença!<br />

O programa do governo académico<br />

é evi<strong>de</strong>ntemente a instrucção.<br />

A aca<strong>de</strong>mia tem <strong>de</strong> difundir no seu<br />

seio esta instrucção que só as universi<br />

da<strong>de</strong>s exclusivamente possuem a virtu<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> ministrar, a livre instrucção geral<br />

que tanta plasticida<strong>de</strong> e agu<strong>de</strong>za dá ao<br />

engenho dos seus alumnos. Noutras es<br />

colas superiores pô<strong>de</strong> o estudante formar-se<br />

proficientemente também em<br />

qualquer especialida<strong>de</strong>, mas esta radiosa<br />

fecundação intelectual' falta-lhes; e<br />

por isso ha muito que pugno pela integração<br />

dos estudos na <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong><br />

<strong>Coimbra</strong> e peia reunião dos altos estu-<br />

dos <strong>de</strong> Lisboa e Porto em centros universitários.<br />

O que assim mutuamente se apren<strong>de</strong><br />

nessa feliz quadra da vida em que<br />

se está sempre anceando por saber tudo!<br />

Eu, a literatura, bebi-a todos os dias<br />

na Castalia dos parnasianos da Folha,<br />

no gabinete do nosso popular Crespo,<br />

que, por signal, tinha o requintado escrupulo<br />

artístico <strong>de</strong> sujeitar os seus versos<br />

novos a lerem lidos d'alto logo á<br />

primeira por um profano como eu. O<br />

quarto <strong>de</strong> Junqueiro, hoje pontífice máximo<br />

das letras, era também um tabernáculo<br />

da minha particular <strong>de</strong>voção. Foi<br />

lá que, um inverno, que a geada caía<br />

em flocos cá fóra, nós mal sentimos os<br />

seus rigores, abrazados pelas chamas<br />

do teatro <strong>de</strong> Hugo. E, assim como para<br />

Victor Hugo tive Junqueiro, ainda pu<strong>de</strong><br />

ter Antonio Candido para Castelar. José<br />

Fre<strong>de</strong>rico Laranjo lia-me em Platão e<br />

em Xenophonte os diálogos <strong>de</strong> Sócrates,<br />

averbando-me <strong>de</strong> sofista, quando<br />

eu irreverentemente objectasse. E era<br />

elle também que, palpitante <strong>de</strong> esperanças<br />

re<strong>de</strong>ntoras, me recitava o utopico<br />

socialismo <strong>de</strong> St. Simon e <strong>de</strong> Fourier.<br />

Proudhon ouvi-o ainda antes, sobretudo<br />

nos trechos mais contu<strong>de</strong>ntes, a Marçal<br />

Pacheco, que, dizendo-se o vingador<br />

<strong>de</strong> uma série infinita <strong>de</strong> proletários<br />

espoliados, seus ascen<strong>de</strong>ntes, afiava as<br />

armas <strong>de</strong> polemista para o áspero stru<br />

gle for life. Com Alves da Veiga discuti<br />

gravíssimos problemas filosoficos e<br />

sociaes. E eu mesmo aju<strong>de</strong>i varias ve<br />

zes insignes jurisconsultos futuros, em<br />

conjunctura d'acto <strong>de</strong> exame, a argumentarem<br />

os seu pontos; até para meu<br />

eterno <strong>de</strong>svanecimento, corria entre elles<br />

com apreço a ousada interpretação<br />

heterodoxa dum artigo do Codigo Civil<br />

em que eu, rebel<strong>de</strong> naturalista, me<br />

abalançára a dissentir do consagrado<br />

comentário do sr. José Diss Ferreira.<br />

Aqui têem como entrei pelo direito, e,<br />

quasi diria, como já então me preparava<br />

para as revoltas republicanas.<br />

Esta comunhão intelectual da aca<strong>de</strong>mia<br />

faz se por toda a parte, mesmo<br />

ao ar livre, ás vezes até melhor. Correia<br />

Barata, o talentoso propagandista<br />

do daiwinismo, <strong>de</strong>monstra va-nos a origem<br />

simiana do homem, <strong>de</strong>pendurado,<br />

á noite, dos galhos das arvores da alameda<br />

da <strong>Universida<strong>de</strong></strong>. E para este<br />

choque e transmissão <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias contribuem<br />

todos os alumnos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os médicos<br />

mais materiaiisantes até aos mais<br />

sobrenaturalistas theologos. Advertirei<br />

mesmo: os theologos são preciosos. Esgrimindo<br />

com elles, com a sua pertinaz<br />

escolastica, vão os outros temperando<br />

a razão para rebater todos os assaltos<br />

da heresia. E é pru<strong>de</strong>nte não esquecer<br />

que no fundo atavico do homem mo<strong>de</strong>rno,<br />

em meio da selva escura <strong>de</strong> j<br />

sobrevivencias supersticiosas por arrancar,<br />

subsiste ainda hoje, sempre, mais<br />

ou menos, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong> nós,<br />

<strong>de</strong> silogismo engatilhado, um teologo.<br />

Ao. meu curso, fez-nos um incalculável<br />

bem a companhia <strong>de</strong> Antonio Maria <strong>de</strong><br />

Sena, que vinha para as sciencias naturaes,<br />

já bacharel em teologia, ao<br />

tempo do formidável dialético padre<br />

Albino, apercebido portanto com todos<br />

os petrechos para a atacar.<br />

As leituras, palestras e distrações<br />

da mocida<strong>de</strong> influem por toda a vida;<br />

e só elas explicam certos aspectos picantes<br />

da eda<strong>de</strong> madura. O socialismo<br />

cosmico porque ultimamente se mani<br />

festou o génio <strong>de</strong> Guerra Junqueiro,<br />

não me surpreen<strong>de</strong>u a mim, com quem<br />

êle aqui trocara o seu exemplar —

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