1 RELEITURA DO CÂNONE ROMÂNTICO POR ÁLVARO ... - Unesp
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ANAIS <strong>DO</strong> X SEL – SEMINÁRIO DE ESTU<strong>DO</strong>S LITERÁRIOS: “Cultura e Representação”<br />
agora, esses mesmos elementos, numa inversão especular, tornaram-se avatares da<br />
negatividade”. Com procedimentos semelhantes, Álvaro Cardoso Gomes introduz, no segundo<br />
capítulo, um dos temas mais recorrentes nas obras de Casimiro de Abreu, Fagundes Varela e<br />
Álvares de Azevedo, sobretudo deste último, que é o tema da bela adormecida, onde o<br />
personagem Álvares de Azevedo narra alguns sinais de catalepsia, com imagens que aludem ao<br />
relato de Solfieri em Noite na Taverna e também ao conto de Hermann, na mesma obra, onde<br />
também figura uma mulher chamada Eleonora. Assim, o trio byroniano, totalmente envolto nas<br />
fantasias criadas por Lord Creek, um satânico e perverso burlador, é obrigado a vivenciar, no<br />
terceiro capítulo, o outro lado da Lira, ou seja, a desconstrução de todo o relato idealista dos<br />
primeiros capítulos. É, portanto, por meio das revelações do criado de Matias Creek que surge a<br />
gradação no tom, a dessacralização dos temas tratados até então, semelhante ao que realiza<br />
Álvares de Azevedo na segunda parte da Lira dos Vinte Anos. Assim, na mesma taverna em que<br />
os românticos encontraram seu herói também lhes é revelado o seu avesso por meio do riso, do<br />
escárnio e da ironia. Dessa maneira, Lord Creek converte-se em Matias Creek, o vinho em<br />
aguardente; a ceia em carne de rã; o licor em aguardente com groselha e Eleonora, a irmã de<br />
Lord Creek, a virgem morta que ele guarda na cripta, é na verdade Teluka, o amante que Matias<br />
Creek havia mandado mumificar.<br />
A leitura da obra de Álvaro Cardoso Gomes, especialmente a narrativa do Livro V aqui<br />
analisada, é reveladora de um cânone pautado no riso irreverente e provocador que, no episódio<br />
em questão, elege Álvares de Azevedo como um de nossos maiores expoentes. Por essa razão,<br />
a releitura literária que Álvaro Cardoso Gomes nos sugere desse poeta, por meio de sua ficção,<br />
ratifica não apenas a crítica de Afrânio Peixoto, mas também a de Antônio Cândido (1981) que<br />
em seu ensaio intitulado “Álvares de Azevedo, ou Ariel e Caliban” considera Álvares de Azevedo<br />
o primeiro, antes do modernismo, a dar categoria poética ao prosaísmo cotidiano como um<br />
programa conscientemente traçado. Já uma releitura contextualizada do período histórico de<br />
nossas letras ao qual se refere Álvaro Cardoso Gomes nesse episódio alude, de imediato, a<br />
outro artigo de Antônio Cândido (1985), intitulado “A Literatura na Evolução de uma<br />
Comunidade”, que discorre sobre as relações entre literatura e comunidade paulistana reunida<br />
em torno da Academia de Direito do Largo São Francisco. Nesse artigo, Antônio Candido<br />
considera o grupo de acadêmicos, representado na ficção de Cardoso Gomes pelo trio<br />
byroniano, como um grupo marginal, justaposto e não integrado à provinciana São Paulo<br />
daquela época. Nesse patamar, os estudantes são identificados com a boêmia e com a república<br />
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